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1 CIÊNCIAS JURÍDICAS PSICOLOGIA APLICADA AO DIREITO (CCJ 0004) PROFESSOR: ADELMO SENRA GOMES (adelmoprof@bol.com.br) TÓPICOS A SEREM ABORDADOS EM SALA DE AULA (edireito2012@bol.com.br – senha: psidir12) 2012.2 2 Plano de Ensino - Temas a serem abordados Noções de epistemologia: o que é conhecimento; o que é ciência; a científica – objetos de estudo e pesquisa e métodos de pesquisa; a pluralidade da pesquisa psicológica. Hans Kelsen – Direito e Ciências Jurídicas; as relações inter e multidisciplinares entre a , as ciências jurídicas e o direito. As práticas psicológicas e suas aplicações no contexto jurídico; principais atividades do no judiciário (assessoria, orientação e acompanhamento dos jurisdicionados, pesquisador, perito psicológico); as principais áreas de atuação da no campo jurídico (Penal, Civil, Família, Sistema Penitenciário, Justiça da Infância e da Juventude, Trabalho e Idoso). Ética e Moral; a ética profissional do profissional de . Personalidade. Principais conceitos (traços, estados, temperamento e caráter); e genética. A teoria do desenvolvimento psicossocial, de Erik Erikson – Teoria epigenética. Comportamento antissocial, agressividade e violência; tipos de violência (física, ou moral, sexual, privação ou negligência, estrutural); comportamento agressivo e a lei (estado de necessidade e legítima defesa). Violência e aprendizagem social (a teoria de Albert Bandura); a teoria da FrustruaçãoAgressão (de John Dollard a Leonard Berkowitz). O desenvolvimento do comportamento antissocial; maldade na infância e na adolescência: “bullying” e “cyberbullying”. Lei Jurídica & Lei Simbólica; o gozo pela violação da lei: o traço perverso. Personalidade e doutrina jurídica; o dano psicológico. O processo de avaliação psicológica no judiciário; testes psicológicos; perícia psicológica; documentos exarados pelos jurídicos (atestados, relatórios – ou laudos -, parecer, declarações). A família. Família e sociedade; e família; a família no ocidente (o surgimento da família nuclear); as famílias pós-modernas (monoparental e homoafetiva); critérios para o estabelecimento da paternidade no direito brasileiro (legal, biológico e o socioafetivo). Alienação parental e síndrome de alienação parental (SAP); guarda compartilhada. A questão de gênero. Diferença entre sexo, gênero e identificação sexual. O processo de construção dos papéis de gênero (sexualidade, reprodução, divisão sexual do trabalho, espaço público e reconhecimento da cidadania); violência contra mulher como uma questão de gênero; a lei e a questão de gênero. Sociedade, grupos, organizações e instituições sociais; grupos sociais; principais características dos grupos sociais; tipos de grupos sociais (primários e secundários); posição social, papel social e desempenho de papel. Instituições sociais; tipos de instituições sociais (leis, normas e pautas); o indivíduo e os processos de institucionalização e de desinstitucionalização. Organizações sociais; relações entre as instituições e as organizações sociais. Análise do poder das instituições sociais - Michel Foucault e o poder disciplinar. Exclusão social. Principais teorias: O individualismo e o liberalismo; o darwinismo social de Herbert Spencer; o pensamento da Karl Marx. Exclusão social – articulações possíveis (econômica, social, cultural, patológica, comportamentos autodestrutivos). O conformismo como estratégia de dominação. Aspectos das relações humanas. Pressão social e mudança de julgamentos; conformismo social. O que são atitudes? Mudança de atitude. Atitude negativa: preconceito; discriminação; estereótipos; “pessoas invisíveis”. Justiça restaurativa e mediação de conflitos; justiça restaurativa e legislação brasileira. O que é conflito? Métodos tradicionais e alternativos de solução de conflitos: julgamento, arbitragem, conciliação, mediação. O método da negociação. 3 CALENDÁRIO ACADÊMICO 2012.2 (1º PERÍODO) DIAS DA SEMANA 2ª FEIRA 3ª FEIRA 4ª FEIRA 5ª FEIRA 6ª FEIRA AGO 06 (Início) 07 08 09 10 13 14 15 16 17 20 21 22 23 24 27 28 29 30 31 SET 03 04 05 06 07 (Indep.) 10 11 12 13 14 17 18 19 20 21 24 25 26 27 28 OUT 01 02 03 (AV1) 04 (AV1) 05 (AV1) 08(AV1) 09 (AV1) 10 11 12 (Nª Srª) 15 (Mestre) 16 17 18 19 22 23 24 25 26 29 30 31 NOV 01 02 (Finad) 05 06 07 08 09 12 13 14 15 (Repúb.) 16 19 20 (Zumbi) 21 22 23 26 27 28 (AV2) 29 (AV2) 30 (AV2) DEZ 03 (AV2) 04 (AV2) 05 (Vista) 06 (Vista) 07 (Vista) 10 (Vista) 11(Vista) 12 (AV3) 13 (AV3) 14 (AV3) 17 (AV3) 18 (AV3) 19 (Fim) Humor... Think about... 4 NOÇÕES DE EPISTEMOLOGIA 1 O QUE É O CONHECIMENTO? Em sentido amplo um conhecimento caracteriza um sistema 2 de informações. Por seu turno, uma informação refere-se a uma representação ideativa (mental) de algo real ou de algo racional. O conhecimento, portanto, é uma tentativa humana, racional e estruturada, de apreensão, de apropriação, pelo pensamento (sujeito) de algum objeto (real ou racional). “Atualmente recebemos uma enxurrada de “informações” que não nos propiciam construir conhecimentos...” Por quê? REFLEXÃO “VENDE-SE CONHECIMENTO” Vivemos atualmente num mundo em que quase tudo (pessoas, relações interpessoais, a natureza etc) é transformado em “coisa”, reificado; transformado em mercadoria cobiçável, comprável. Somos alienados pelas diversas mídias de massa a valores mercantilistas, a um “ethos” estúpido e egoísta do tipo: “o dinheiro compra tudo”; “não existem limites para quem pode pagar”; “o sentido da vida é ter ou parecer que tem, e não ser”; “o prazer, seja ele qual for, deve ser imediato e ilimitado”; “o certo é pensar e agir de forma individualista e não coletivamente”; “liberdade absoluta: sem responsabilidade e sem limites”; “se desejo tenho direito e posso” etc. Neste sentido, então, é imprescindível perceber que o conhecimento não é uma coisa, não é uma mercadoria que se compra, que se possa adquirir em “suaves prestações mensais”... O conhecimento é fruto de um esforço pessoal, de uma atitude honesta, dedicada e disciplinada de construção, de busca e de crescimento. Lembre-se: vivemos a era do conhecimento e esse mesmo mercado que nos aliena de tal forma a nos transformar/deformar em “adoradores(as) ávidos(as) de coisas, de fetiches compráveis irá também, sinicamente, cobrar-nos conhecimentos (e não apenas diplomas - coisas) quando de nossas tentativas de nele nos inserir. Pense nisso... “Se Deus criou as pessoas para amar, e as coisas para cuidar, por que amamos as coisas e usamos as pessoas?” (Bob Marley - 1945-1981) 1 Epistemologia, Teoria do Conhecimento ou Filosofia da Ciência: Conjunto de conhecimentos que têm por objeto o conhecimento científico, visando a explicar os seus condicionamentos (sejam eles técnicos, históricos, ou sociais, sejam lógicos, matemáticos, ou linguísticos), sistematizar as suas relações, esclarecer os seus vínculos, e avaliar os seus resultados e aplicações. (AURÉLIO) 2 Um sistema é um “conjunto de elementos, materiais ou ideais, entre os quais se possa encontrar ou definir alguma relação; disposição das partes ou dos elementos de um todo, coordenados entre si, e que funcionam como estrutura organizada.”(AURÉLIO) 5 O QUE É CIÊNCIA? “Em sentido lato, ciência (do latim “scientia”, traduzido por "conhecimento") refere-se a qualquer conhecimento ou prática sistemáticos. Em sentido stricto, ciência refere-se a um sistema de adquirir conhecimentos baseado no método científico 3 , assim como ao corpo organizado de conhecimentos conseguido através desse método. [...] A ciência é o esforço para descobrir e aumentar o conhecimento humano de como a realidade funciona.”4. Analise o quadro a seguir: DIVISÕES DO CONHECIMENTO 3 “Método científico é uma forma de investigação da natureza. Para isso, não leva em consideração superstições [acrescentaríamos, opiniões pessoais] ou sentimentos religiosos, mas a lógica e a observação sistemática dos fenômenos estudados.” (SAIZ, F.) (a) Valorativo significa que estabelece um valor ao que se está avaliando. Por ex., verdadeiro ou falso, justo ou injusto, belo ou feio etc. 4 Adaptado de Wikipedia. 6 QUADRO COMPARATIVO C R I T É R I O S Senso Comum Religioso Filosófico CIENTÍFICO Fonte Experiências pessoais, tradições, costumes etc. Sobrenatural5 Razão Os fatos (Contingencial) Atitude mental básica Justificatória Dogmática Reflexiva Dúvida Posição diante do erro Infalível Infalível Infalível Falível Proposta de exatidão Exato Exato Exato Quase exato Teste de consistência Normalmente, inverificável Normalmente, inverificável Normalmente, Inverificável Verificável INFORMAÇÃO/REFLEXÃO Na história da humanidade alguns referenciais foram (ou, ainda são) utilizados no que pese o ideal e a busca por justiça. São eles: o senso comum (p.ex., entre as aldeias germânicas da antiguidade), o religioso (p.ex., nos Estados teocráticos) e o filosófico-científico (p.ex., nos Estados laicos ocidentais atuais). DISCUSSÃO PORTO ALEGRE - A 1ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul decidiu, em sessão realizada nesta quarta-feira, não haver motivos para que fosse determinado novo julgamento no caso em que uma carta psicografada foi apresentada entre as provas da defesa. Dessa forma, passa valer o entendimento de que cartas escritas por médiuns podem ser adotadas como prova no Tribunal de Justiça gaúcho. O Ministério Público e a assistência da acusação recorreram da absolvição de Iara Marques Barcelos pelo Tribunal do Júri de Viamão. Durante o julgamento, ocorrido em maio de 2006, foi apresentada como prova a favor da ré uma carta psicografada. Para os julgadores, não há elementos no processo para concluir que o julgamento do Tribunal do Júri foi absolutamente contrário às provas dos autos, devendo ser mantida a decisão que absolveu Iara. Iara foi acusada de ser a mandante de um crime, em 2003. O tabelião Ercy da Silva Cardoso morreu atingido por disparos de arma de fogo. Iara Marques Barcelos e Leandro da Rocha Almeida foram acusados como autores do fato. Leandro foi condenado pelo crime em processo que correu separado na Justiça. O advogado de Iara, Lúcio de Constantino, disse que entre os documentos que foram entregues aos integrantes do júri popular pela defesa estava a carta psicografada, 5 A partir de uma perspectiva teológica haveria duas possibilidades para este tipo: a inspiracional, que ocorre quando na mente dos seres humanos surgiriam informações oriundas do sobrenatural e, a revelacional quando algum ser sobrenatural surgiria no plano físico e comunicaria diretamente aos homens alguma informação (epifania). 7 escrita por um médium de um centro espírita. A carta teria sido ditada pelo próprio Ercy e não indica quem seria o autor dos disparos, mas daria a entender que Iara era inocente. De acordo com a Federação Espírita do Rio Grande do Sul, a psicografia é uma ciência reconhecida e pode ter valor jurídico. (Fonte: <http://oglobo.globo.com/cidades/mat/2009/11/11/justica-do-rio-grande-do-sul-mantem-absolvicao-de-mulher- que-apresentou-carta-psicografada-como-defesa-914713036.asp> Acesso em 17/06/11) A PSICOLOGIA CIENTÍFICA A PSICOLOGIA É UMA CIÊNCIA? 1ª RESPOSTA: SIM, pois os conhecimentos construídos pela pesquisa psicológica possuem todas as características do conhecimento científico. Os conhecimentos da psicologia, p.ex., baseiam-se em FATOS! Mas, que fatos seriam esses? 1º FATO: O comportamento dos seres vivos. Definição de comportamento: O comportamento é um fenômeno objetivo e pode ser definido como sendo “toda forma de “[...] resposta ou atividade observável realizada por um ser vivo.” (WEITEN, 2002, p. 520) DÚVIDAS 1ª. O COMPORTAMENTO É UM FENÔMENO OBJETIVO? RESPOSTA: SIM, porque podemos observá-lo 6 . 2ª. QUAIS SÃO, ENTÃO, AS CAUSAS DO COMPORTAMENTO? RESPOSTA: Os eventos que desencadeiam comportamentos são chamados de estímulos pela psicologia. Logo, toda forma de comportamento é, portanto, produzida por algum (ou, alguns) tipo(s) de estímulo(s). Analise o diagrama abaixo da chamada “causalidade comportamental”. 6 Observar, em ciência, significa estabelecer, via sentidos/percepção, alguma forma de contato mental com o fato. A observação pode ser “armada” (aquela que utiliza algum instrumento) ou “desarmada” a que não utiliza instrumentos. 8 Um estímulo corresponde a qualquer evento interno ou externo ao sujeito capaz de provocar um desequilíbrio em seus sistemas constituintes (quais sejam, o fisiológico e/ou psicológico) de forma a lhe determinar algum tipo de ação (no caso, reação) que objetive restaurar a homeostase 7 perdida. Analise o quadro a seguir: TIPOS DE ESTÍMULOS (Instinto) 8 TIPOS DE COMPORTAMENTOS 1º) Motores (movimentos e expressões); 2º) Sonoros (ruídos ou discursos – este último, somente nos seres humanos). 2º FATO: Os processos mentais dos seres vivos. Definição de processo mental: São todas as nossas experiências mentais subjetivas. Por exemplo, sensações, percepções, sonhos, memórias, pensamentos, sentimentos, inteligência etc. DÚVIDA Como podemos estudar cientificamente uma “experiência subjetiva”? RESPOSTA: A psicologia constrói seus conhecimentos sobre os processos mentais a partir de três possibilidades: 1. Inferindo-os pela observação do próprio comportamento; 2. Inferindo-os a partir de dados colhidos por algum tipo de instrumento de avaliação/mensuração psicológica considerado válido cientificamente (por exemplo, os testes psicológicos); 3. Por ambos os recursos, anteriormente citados. 7 Homeostase – Tendência dos organismos vivos a buscar o equilíbrio, a estabilidade. 8 Instinto – Será proposta uma definição bastante ampla sobre este conceito: instinto refere-se a toda forma de comportamento não aprendida, proveniente da herança genética de uma espécie animal, destinada à adaptação e à sobrevivência. 9 A partir, então, desses dados objetivos os psicólogos são capazes de inferir, e, por conseguinte, estudar, os processos subjetivos da mente dos seres vivos. Tais inferências recebem o nome de CONSTRUÇÕES (ou, CONSTRUCTOS) PSICOLÓGICOS. SÍNTESE A PSICOLOGIA É UMA CIÊNCIA? RESPOSTA: SIM, pois seus instrumentos de pesquisa são rigorosamente científicos. Por exemplo, a experimentação, as pesquisas de campo, os levantamentos etc. A PLURALIDADE DAS PESQUISAS PSICOLÓGICAS Embora a psicologia tenha como objetos de estudo e pesquisa o comportamento e os processos mentais dos seres vivos, tais objetos poderão se manifestar em diferentes circunstâncias. Isto impõe à psicologia certas “especializações”, o que, na prática, criaria várias “psicologias”. Analise o quadro a seguir: COMPORTAMENTOS e PROCESSOS MENTAIS Nas relações de trabalho e produção. Considerados patológicos, suas causas e formas de tratamento. Nas relações de interesse do Judiciário e do Direito. Etc. Psicologia do Trabalho Psicologia Clínica Psicologia Jurídica FIXAÇÃO Texto de Apoio – Caderno de Introdução à Psicologia – p. 2 a 5. FIXAÇÃO - Texto de Apoio – Caderno de Introdução à Psicologia – p. 7, 23 a 29 10 Hans Kelsen (1881-1973) – Direito e Ciências Jurídicas Humor... 11 AS RELAÇÕES INTER E MULTIDISCIPLINARES ENTRE A , AS CIÊNCIAS JURÍDICAS E O DIREITO Na busca pelo ideal de justiça e por uma melhor compreensão do que é o “justo”, por vezes, tanto o direito quanto as ciências jurídicas socorrem-se de várias outras disciplinas científicas. O direito e as ciências jurídicas necessitam, por exemplo, de informações a respeito do comportamento e dos processos mentais (suas causas, consequências para o sujeito e para a sociedade, seus transtornos psíquicos etc). A ciência, portanto, que poderá fornecer tais informações é a psicologia. Analise os quadros a seguir: RELAÇÕES INTERDISCIPLINARES (ÂMBITO EPISTEMOLÓGICO - PESQUISA) RELAÇÕES MULTIDISCIPLINARES (ÂMBITO DO JUDICIÁRIO - PROCESSO) CIÊNCIAS JURÍDICAS MEDICINA SOCIOLOGIA PSICOLOGIAFILOSOFIA ETC. JUSTIÇA OPERADORES DO DIREITO PSICÓLOGOS JURÍDICOS MÉDICOS Etc. ASSISTENTES SOCIAIS ENGENHEIROS CONTABILISTAS (1)VIDE AS ATIVIDADES PROPOSTAS PARA ESSES CONTEÚDOS! 12 AS PRÁTICAS PSICOLÓGICAS E SUAS APLICAÇÕES NO CONTEXTO JURÍDICO ATUALIDADE DA PSICOLOGIA JURÍDICA SÔNIA ALTOÉ Instituto de Psicologia da UERJ A história nos mostra que a primeira aproximação da Psicologia com o Direito ocorreu no final do século XIX e fez surgir o que se denominou “psicologia do testemunho”. Esta tinha como objetivo verificar, através do estudo experimental dos processos psicológicos, a fidedignidade do relato do sujeito envolvido em um processo jurídico. Como diz Brito (1993), o que se pretende é verificar se os “processos internos propiciam ou dificultam a veracidade do relato”. Sobretudo através da aplicação de testes, buscava-se a compreensão dos comportamentos passíveis de ação jurídica. Esta fase inicial foi muito influenciada pelo ideário positivista, importante nesta época, que privilegiava o método científico empregado pelas ciências naturais (JACÓ- VILELA, 1999; FOUCAULT, 1996). Mira y Lopes, defensor da cientificidade da psicologia na aplicação de seu saber e de seus instrumentos junto às instituições jurídicas, escreveu o “Manual de Psicologia Jurídica” (1945), que teve grande repercussão no ensino e na prática profissional do psicólogo, até recentemente. Dar relevância a este dado histórico é importante para desenvolvermos uma reflexão sobre a prática profissional de psicologia junto às instituições do direito e sobre as mudanças que têm ocorrido principalmente após 1980, indicando novas perspectivas para o século XXI. Desta história inicial decorreu uma prática do profissional de psicologia voltada quase que exclusivamente para a realização de perícia, exame criminológico e parecer psicológico baseado no psicodiagnóstico, feitos a partir de algumas entrevistas e nos resultados dos testes psicológicos aplicados. Segundo estudos da psicóloga e psicanalista Rauter (1994), esses pareceres e exames, quando realizados dentro das penitenciárias e hospitais psiquiátricos penais, servem “para instruir processos de livramento condicional, comutação de penas, indulto e, frequentemente, para avaliar se um detento pode sair da cadeia ou não, se ele pode retornar ao chamado convívio social, se ele merece uma progressão de regime etc.” Seus estudos revelaram que “a maior parte do conteúdo destes laudos era bastante preconceituosa, bem estigmatizante, e nada tinha de científico... Os laudos repetiam os preconceitos que a sociedade já tem com relação ao criminoso, com relação a alguém que vai para a prisão” (RAUTER,1994:21). Ela completa dizendo que eles têm contribuído sobretudo para prolongar as penas do criminoso. E em relação às crianças e jovens que eram levados para os centros de triagem para serem observados, diagnosticados, e enviados aos internatos e reformatórios, escreve o desembargador Amaral: “época em que, na prática, de útil, nada se fazia além de estatística. Eram laudos e informações que acabavam facilitando a segregação, a exclusão, dos mais vulneráveis” (SILVA, 1994). E, como diz de forma contundente o professor de direito, Verani, os instrumentos oferecidos pela psicologia tinham um uso que favorecia a eficácia do controle social e reforçava a natureza repressora que está inserida no direito, ao invés de garantir as liberdades e os direitos fundamentais dos indivíduos (VERANI, 1994:14). Os psicólogos, procurando atender a demanda do poder judiciário, buscaram se especializar nas técnicas de exame. E foi a Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), em 1980, que atendeu a esta reivindicação criando, pela primeira vez no Rio de Janeiro, uma área de concentração, dentro do curso de especialização em psicologia clínica, denominada “Psicodiagnóstico para Fins Jurídicos” (BRITO, 1999). Em 1986 passou por uma reformulação, tornando-se um curso 13 de especialização independente do departamento de clínica, ficando ligado ao departamento de psicologia social. Voltaremos mais adiante a estas reformulações. No Brasil, em particular no eixo Rio - São Paulo - Belo Horizonte, nos anos 80, junto com a abertura política, após longo período de regime militar, intensificou-se uma discussão importante sobre a cidadania e os direitos humanos impulsionada pela votação da nova Constituição brasileira. As mudanças que nos interessam aqui se referem às leis que tratam dos direitos e deveres das crianças e adolescentes. Em 1927 foi criada a primeira lei, que sofreu algumas modificações em 1979, mas foi somente em 1990 que as crianças e jovens foram contemplados com uma lei, inspirada na Doutrina da Proteção Integral e que “reconhece a criança e o adolescente como sujeitos plenos de direitos, gozando de todos os direitos fundamentais e sociais, inclusive a prioridade absoluta, decorrência da peculiar situação como pessoas em desenvolvimento” (SILVA, 1999: 46). Uma discussão importante ocorreu então, mobilizando a sociedade civil, organizada por diversos grupos – muitos ligados às universidades - perplexos com as denúncias de maus-tratos e mortes ocorridas dentro dos internatos da FEBEM (Fundação Estadual do Bem -Estar do Menor), e pela ação da polícia, feitas por jornais de grande circulação, especialmente os da capital paulista, por ocasião da comemoração do I Ano Internacional da Criança, em 1979. A lei que veio substituir o Código de Menores (1927-1990) é denominada Estatuto da Criança e do Adolescente, e foi promulgada em 1990, marcando uma diferença fundamental (RIZZINI,2000). O novo texto da lei não contempla somente a criança e o jovem em “situação de risco”, “situação irregular”, ou “perigoso”, denominado como “abandonado”, “carente”, “perambulante” ou, ainda, de “conduta antissocial”, que o antigo Código de Menores contemplava. O Estatuto trata dos direitos de todas as crianças e jovens brasileiros considerando-os “sujeitos de direitos”. Esta mudança de paradigma regulamenta e chama a atenção para a responsabilidade do Estado, da sociedade, dos estabelecimentos de atendimento e dos pais para com estes “sujeitos em desenvolvimento”. O artigo 227 da Constituição da República Federativa do Brasil sintetiza os preceitos da nova lei nos seguintes termos: “É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.” Quando vigorava o Código, as crianças e jovens considerados “perigosos” e em “situação de risco” eram passíveis de ser apreendidos pela polícia e pelos juízes da 1a. e 2a. Varas, sendo levados para delegacias ou para internatos. E como escreve Arantes (1999) “na prática isto significava que o Estado podia, através do juiz de menor, destituir determinados pais do pátrio poder através da decretação da sentença de ‘situação irregular’ do menor. Sendo a carência uma das hipóteses de ‘situação irregular’, podemos ter a ideia do que isto poderia representar em um país onde já se estimou em 36 milhões o número de crianças pobres” (ARANTES, 1999: 258). As inovações do Estatuto da Criança e do Adolescente, por força de lei, impulsionaram mudanças na prática profissional do psicólogo no âmbito da Justiça na 1a. e 2a. Vara da Infância e Juventude, exercendo também forte influência nas outras áreas de trabalho do psicólogo junto ao poder judiciário, ou seja, na vara de família e junto ao sistema penal. Surgiu um rico debate e novos posicionamentos dos psicólogos que, questionando uma prática que era prioritariamente voltada para a elaboração do psicodiagnóstico, ou, como diz Jacó-Vilela (1999), para uma atuação de “estrito avaliador da intimidade” das pessoas, buscaram então novas formas de atuação junto ao poder judiciário. Isto influenciou também o ensino universitário. Atentos a esta realidade, professores da UERJ (Universidade do Estado do Rio de Janeiro), reformularam a proposta existente, 14 constituindo-se num curso de especialização em “psicologia jurídica”, não sendo mais uma área de concentração dentro do departamento de clínica, ligando-se então ao departamento de psicologia social. Esta mudança favoreceu uma ênfase muito menor às preocupações da clínica (ao psicodiagnóstico, em particular), voltando-se para questões pertinentes à psicologia social. Esteve à frente, de 1986 a 1996, a professora Leila Torraca de Brito, sendo um dos primeiros cursos, no país, a formar especialistas. O que passou a nortear esta formação é um dos indicadores dispostos no Código de Ética Profissional dos Psicólogos. No capítulo que trata “Das responsabilidades e relações com instituições empregadoras e outras”, artigo 4, parágrafo 1o., define este Código: O psicólogo atuará na instituição de forma a promover ações para que esta possa se tornar um lugar de crescimento dos indivíduos, mantendo uma posição crítica que garanta o desenvolvimento da instituição e da sociedade. Este novo campo de atuação que se abre, inclusive no sentido de novos cargos, novos empregos, é cheio de inquietações, indagações e descobertas. Favorece e amplia o campo da pesquisa e do ensino universitário. E quando me refiro à pesquisa, é não somente aquela realizada na academia, mas também na prática cotidiana de trabalho, onde o espírito de pesquisador é fundamental para manter o constante questionamento dos caminhos a serem abertos ou seguidos numa prática tão nova e cheia de desafios. As questões humanas tratadas no âmbito do direito e do judiciário são das mais complexas. E, devido às dificuldades que se colocam, é que as pessoas buscam ou são levadas a recorrer ao poder judiciário. E o que está em questão é como as leis que regem o convívio dos homens e das mulheres de uma dada sociedade podem facilitar a resolução de conflitos. Aqueles que têm alguma experiência na área se dão conta que as questões não são meramente burocráticas ou processuais. Elas revelam questões delicadas, difíceis e dolorosas. A título de exemplo vejamos alguns dos motivos pelos quais as pessoas recorrem ao judiciário: pais que disputam a guarda de seus filhos ou que reivindicam direito de visitação, pois não conseguem fazer um acordo amigável com o pai ou a mãe de seu filho; maus-tratos e violência sexual contra criança, praticado por um dos pais ou pelo (a) companheiro(a) deste; casais que anseiam adotar uma criança por terem dificuldades de gerar filhos; pais que adotam e não ficam satisfeitos com o comportamento da criança e devolvem -na ao Juizado; jovens que se envolvem com drogas/tráfico, ou, passam a ter outros comportamentos que transgridem a lei, e seus pais não sabem como fazer para ajudá-los uma vez que não contam com o apoio de outras instituições do Estado (de educação e de saúde, por exemplo). Frente às mudanças que aqui abordamos, e pensando em alguns exemplos citados acima, é importante levantarmos a questão sobre a função e atribuições do psicólogo na área jurídica. Se, por um lado, o trabalho implica numa parceria com os outros profissionais, em particular, aqueles do campo do direito, por outro, com certeza favorece que o psicólogo, com a legitimidade que lhe confere seu campo específico de saber, tenha autonomia para definir suas funções dentro do sistema judiciário. E isto em relação direta com uma prática situada dentro de um contexto histórico e cultural, em contínua transformação. Vejamos então como, principalmente, a partir dos anos 90, esta prática se diversificou e ampliou o seu campo de ação junto ao sistema judiciário. Se, antes da década de 90, o trabalho do psicólogo quase que se restringia a fazer perícia e parecer, desde então ganhou novas modalidades. Seu trabalho tem sido também o de informar, apoiar, acompanhar e dar orientação pertinente a cada caso atendido nos diversos âmbitos do sistema judiciário. Há uma preocupação praticamente inexistente antes com a promoção de saúde mental dos que estão envolvidos em causas junto à Justiça, como também de criar condições que visem a eliminar a opressão e a marginalização. Tem-se priorizado a formação de equipe interdisciplinar, o grupo de estudo (para aprofundamento de questões teóricas que a prática cotidiana coloca), o estudo de caso, o acompanhamento psicológico, as atividades 15 de integração e de intercâmbio com outros profissionais (da Justiça, e também de instituições externas, como a saúde e a educação - neste caso, a escola, mas também o meio acadêmico) para permitir uma visão mais ampliada dos diferentes serviços disponíveis e estabelecer parcerias e procedimentos de encaminhamento. Na Vara de Família, Brito, especialista em questões referentes a esta área, defende que a equipe de psicólogos deve priorizar o trabalho com os pais com o objetivo de chegar a um acordo sobre os cuidados e a guarda dos filhos, auxiliando-os na procura por respostas próprias dentro de suas possibilidades e história familiar. Isto porque, quando os pais não chegam a um acordo sobre a guarda de filhos, o juiz “deve deferir a guarda ao responsável que reúna condições mais apropriadas para educar as crianças, cabendo ao outro o direito de visitação” (BRITO,1999). E como saber quem tem mais condições? Quais os critérios para esta avaliação, que é feita pelos psicólogos? Ela defende também que a equipe de psicologia assessore o atendimento à criança e ao jovem envolvidos numa disputa judicial. Ou seja, que o trabalho do psicólogo auxilie na resolução dos conflitos que fazem com que a família recorra ao poder judiciário, ao invés de ser um profissional que se limita a fazer parecer para o juiz aplicar a lei, que muitas vezes não é cumprida, expressando a repetição de problemas familiares não elaborados, e o caso retorna à Justiça, num processo que se alonga por vários anos, sem diminuir o conflito e a dor dos envolvidos. Maria de Fátima da Silva Teixeira e Ruth C. da Costa Belém, psicólogas com longa experiência nas Varas da Infância e Juventude, em artigo em que falam de maneira muito interessante sobre o desenvolvimento do Núcleo de Psicologia, defendem também, junto ao Juizado da Comarca do Rio de Janeiro, a importância de se fazer grupo de adolescentes, de pais e de casais guardiões e adotantes. No trabalho na 2a. Vara, junto aos adolescentes a quem se atribui a prática de atos infracionais, elas atentam para a função do psicólogo como sendo, não mais de investigador, e daquele que faz um laudo que pode funcionar como um “pré-veredicto judicial”, mas o de construir, junto ao adolescente uma possibilidade de escuta, “desconstruindo lugares já marcados para cada parte envolvida” lugar de adolescente ‘infrator’, ‘perigoso’, ‘marginal’, ‘vítima da sociedade’; ‘lugar de mãe ou pai negligente’, ‘abusador’; lugar de criança ‘incapaz’, ‘abusada’, difícil’”. Estes adjetivos funcionam como estigmas fortes, “parecendo muitas vezes como um sobrenome, tal a carga identificatória que adquirem”, escrevem ainda estas psicólogas (TEIXEIRA e BELÉM, 1999: 66). A psicóloga jurídica do Tribunal de Justiça de São Paulo Dayse C. F. Bernardi resume de maneira clara a importância da atuação do psicólogo na instância judiciária - “repousa na possibilidade desse profissional abordar as questões da subjetividade humana, as particularidades dos sujeitos e das relações nos problemas psicossociais, expressos nas Varas da Infância e Juventude, com o contexto social e político que as definem” (BERNARDI, 1999: 108). Construir novas referências teóricas para um trabalho que na sua rotina cotidiana pode ser muito intervencionista na vida dos sujeitos é um desafio onde a ética profissional se impõe. A psicanalista Gondar faz uma reflexão importante no seu artigo “Ética, Moral e Sujeito”, sobre o trabalho dos psicólogos mostrando a diferença que existe, se este profissional atua considerando que trabalha com objetos ou com sujeitos, ou seja, anulando subjetividades ou levando-se em conta sua existência (GONDAR,1999). Sair do lugar de “técnico” ou de “perito” implica num exercício profissional crítico e na busca de alternativas. A mudança tem trazido a valorização do trabalho do psicólogo que se mostra de maneira objetiva pelo número crescente desses profissionais junto aos operadores do direito. Recorre-se aos psicólogos sobretudo nas situações difíceis e cuja solução não se tem parâmetros claros, o que certamente aumenta nossa responsabilidade. E para terminar, gostaria de chamar a atenção para a formação do especialista nesta área e sobre a colaboração que as universidades públicas podem dar nesta fase de construção de um atendimento a criança pobre que por 16 força da lei, desde 1990, tem direitos que devem ser respeitados. No Rio de Janeiro, uma parceria inédita, objetivando a pesquisa e a qualificação profissional, ocorreu através de convênio firmado, em 1998, entre a UERJ (Psicologia, Pedagogia, Direito, Enfermagem, Letras, Ciências Sociais) e o Departamento de Ações Socioeducativas (DEGASE). O resultado do trabalho foi muito produtivo (BRITO, 2000) e nova cooperação está sendo firmada a partir de 2001. Quanto a formação do psicólogo na área de psicologia jurídica, na UERJ (faço parte da equipe de professores desde 1992), busca-se, em primeiro lugar, oferecer um curso que favoreça a formação de espírito crítico do profissional; considera-se que a formação clínica seja muito importante, sem entretanto, visar o aprendizado do psicodiagnóstico como ocorreu em 1986. Atualmente, os professores privilegiam uma formação que leve em conta o estudo dos fundamentos do direito (o conhecimento das leis, sobretudo no campo de sua atuação), da teoria de análise institucional (para compreensão e possibilidade de intervenção institucional), da sociologia e da psicologia social para se refletir sobre a violência, a identidade, a formação de grupos, e como o contexto social influencia a formação de subjetividades; considera-se importante também o conhecimento da teoria psicanalítica, que permita pensar a questão da Lei e das leis, para compreender a constituição do sujeito do desejo humano e os avatares dessas construções (LEGENDRE, 1999; MOUGIN, 1999). 17 PRINCIPAIS ATIVIDADES DO NO JUDICIÁRIO 1ª: ASSESSORIA - Funções: Assessorar os órgãos judiciais e administrativos, na esfera de sua competência profissional, nas questões próprias da disciplina de cada profissional; Participar, quando solicitado, das audiências, a fim de esclarecer aspectos técnicos em Psicologia; Participar de reuniões multidisciplinares. 2ª. ORIENTAÇÃO E ACOMPANHAMENTO DOS JURISDICIONADOS – Funções: Prestar orientação e acompanhamento ao jurisdicionado, articulando recursos da comunidade que possam contribuir para o encaminhamento de situações psicológicas a ele referentes, nos limites do processo; Empreender ações de aconselhamento e orientação junto a problemas psicológicos evidenciados, utilizando metodologia específica das áreas de atuação; Desenvolver trabalhos de intervenção, tais como: apoio, mediação, encaminhamento e prevenção, próprios aos seus contextos de trabalho. 3ª. PESQUISADOR – Funções: Realizar e colaborar com pesquisas, programas e atividades relacionadas à prática profissional dos Psicólogos, no âmbito do Poder Judiciário, objetivando seus aperfeiçoamentos técnicos e a produção de conhecimentos. 4ª PERITO PSICOLÓGICO – Funções – Vide página 41. 18 AS PRINCIPAIS ÁREAS DE ATUAÇÃO DA NO CAMPO JURÍDICO Direito Penal: avaliações psicológicas no que pese a sanidade mental das partes envolvidas com fatos criminosos; violência doméstica contra a mulher, intervenções junto às famílias vitimadas; perfil psicológico de criminosos etc. Direito Civil: avaliação psicológica em casos de interdições; em casos de indenizações por dano psicológico (ou, psíquico) em diversas circunstâncias (p.ex., em acidentes). Direito de Família: intervenção em casos de separação, divórcio, regulamentação de visitas, pensão alimentícia, destituição do poder, disputa de guarda, assessoria em relação aos tipos de guarda (unilateral ou compartilhada) não obstante os interesses dos filhos, acompanhamento de visitas, síndrome de alienação parental. Sistema Penitenciário: avaliação psicológica do recluso; estudos e pesquisas sobre os processos de ressocialização; intervenções junto ao recluso e ao egresso no que pese os objetivos de ressocialização, saúde mental e “desinstitucionalização” em relação ao sistema penitenciário quando do fim da pena; trabalho com os agentes de segurança (p. ex. estresse, violência etc.), estudos sobre penas alternativas (p.ex., prestação de serviço à comunidade etc.); trabalho junto aos parentes dos reclusos (aconselhamento). Justiça da Infância e da Juventude: avaliação psicológica nos casos de violência contra criança e adolescente; trabalhos com os Conselhos Tutelares (p.ex., treinamento de conselheiros); adoção, destituição do poder familiar, estágio de convivência; intervenção junto a crianças abrigadas e seus pais; estudos, pesquisas e intervenções junto a adolescentes com práticas infratoras, medidas socioeducativas, prevenção. Direito do Trabalho: avaliação psicológica em questões trabalhistas, como acidentes de trabalho, indenizações; avaliação do dano psicológico em perícias acidentárias. 19 Direito do Idoso: REDE DE PROTEÇÃO AO IDOSO Segundo o Estatuto do Idoso (Lei nº 10.741/03), idosas são todas as pessoas com idade igual ou superior a 60 anos. Em seu art. 3º, são assegurados à pessoa idosa os seguintes direitos: à vida, à saúde, à alimentação, à educação, à cultura, ao esporte, ao lazer, ao trabalho, à cidadania, à liberdade, à dignidade, ao respeito e à convivência familiar e comunitária. Avaliação psicológica nos casos de violência contra o idoso (física, psicológica – “definidas como as diversas formas de privação ambiental, social ou verbal; a negação de direitos, as humilhações ou o uso de palavras e expressões que insultam ou ofendem; os preconceitos e a exclusão do convívio social [...]; abusos financeiros ou a exploração econômica, definidos como a apropriação de rendimentos ou o uso ilícito de fundos, propriedades e outros ativos que pertençam ao idoso [...] e, a negligência, entendida como a situação na qual o responsável permite que o idoso experimente sofrimento. A negligência é caracterizada como ativa quando o ato é deliberado, e como passiva quando resulta de conhecimento inadequado das necessidades do idoso ou de estresses do cuidador, resultante da necessidade de ministrar cuidados prolongados”. (os negritos são meus)) (FONSECA; M.M.; GONÇALVES, H.S., 2003). ÉTICA e MORAL 9 Professor e Filósofo Mario Sérgio Cortella Ética - Conjunto de valores e princípios que as pessoas utilizam para decidir três questões básicas da vida: quero, devo, posso. Ora, tem coisa que quero mas não devo, que devo mas não posso ou que posso mas não devo. Não existe ninguém sem uma ética própria. O que existe são pessoas com valores e princípios contrários à ética vigente. Essas são chamadas de antiéticas. A ética não é relativa. Ela busca a universalidade, o que não significa que ela não possa mudar com o tempo. Moral – É a prática de uma ética. É a ação de decidir, escolher e julgar segundos valores e princípios éticos vigentes. Neste sentido, portanto, imoral é todo aquele que decide, escolhe e julga contrariamente aos valores e princípios vigentes (ou seja, à ética vigente). Amoral, por sua vez, são todas aquelas pessoas que não podem decidir, escolher e julgar. Por exemplo, as crianças e os loucos (no direito chamados de incapazes). A moral, esta sim, é relativa, pois enquanto exteriorização de uma ética, depende de uma série de injunções e circunstâncias reais. 9 Texto elaborado a partir da entrevista concedida pelo prof. Sergio Cortella ao programa Jô em 14/06/2010. 20 A ÉTICA PROFISSIONAL DO PROFISSIONAL DE A Resolução nº 010/05, de 21/07/05, do Conselho Federal de Psicologia, instituiu no Brasil o Código de Ética Profissional do Psicólogo. PRINCÍPIOS FUNDAMENTAIS I. O psicólogo baseará o seu trabalho no respeito e na promoção da liberdade, da dignidade, da igualdade e da integridade do ser humano, apoiado nos valores que embasam a Declaração Universal dos Direitos Humanos. II. O psicólogo trabalhará visando promover a saúde e a qualidade de vida das pessoas e das coletividades e contribuirá para a eliminação de quaisquer formas de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão. IV. O psicólogo atuará com responsabilidade, por meio do contínuo aprimoramento profissional, contribuindo para o desenvolvimento da Psicologia como campo científico de conhecimento e de prática. V. O psicólogo contribuirá para promover a universalização do acesso da população às informações, ao conhecimento da ciência psicológica, aos serviços e aos padrões éticos da profissão. VI. O psicólogo zelará para que o exercício profissional seja efetuado com dignidade, rejeitando situações em que a Psicologia esteja sendo aviltada. Art. 1º – São deveres fundamentais dos psicólogos: b) Assumir responsabilidades profissionais somente por atividades para as quais esteja capacitado pessoal, teórica e tecnicamente; c) Prestar serviços psicológicos de qualidade, em condições de trabalho dignas e apropriadas à natureza desses serviços, utilizando princípios, conhecimentos e técnicas reconhecidamente fundamentados na ciência psicológica, na ética e na legislação profissional; f) Fornecer, a quem de direito, na prestação de serviços psicológicos, informações concernentes ao trabalho a ser realizado e ao seu objetivo profissional; g) Informar, a quem de direito, os resultados decorrentes da prestação de serviços psicológicos, transmitindo somente o que for necessário para a tomada de decisões que afetem o usuário ou beneficiário; h) Orientar a quem de direito sobre os encaminhamentos apropriados, a partir da prestação de serviços psicológicos, e fornecer, sempre que solicitado, os documentos pertinentes ao bom termo do trabalho; Art. 2º – Ao psicólogo é vedado: b) Induzir a convicções políticas, filosóficas, morais, ideológicas, religiosas, de orientação sexual ou a qualquer tipo de preconceito, quando do exercício de suas funções profissionais; c) Utilizar ou favorecer o uso de conhecimento e a utilização de práticas psicológicas como instrumentos de castigo, tortura ou qualquer forma de violência; g) Emitir documentos sem fundamentação e qualidade técnico-científica; k) Ser perito, avaliador ou parecerista em situações nas quais seus vínculos pessoais ou profissionais, atuais ou anteriores, possam afetar a qualidade do trabalho a ser realizado ou a fidelidade aos resultados da avaliação; 21 l) Desviar para serviço particular ou de outra instituição, visando benefício próprio, pessoas ou organizações atendidas por instituição com a qual mantenha qualquer tipo de vínculo profissional; n) Prolongar, desnecessariamente, a prestação de serviços profissionais; q) Realizar diagnósticos, divulgar procedimentos ou apresentar resultados de serviços psicológicos em meios de comunicação, de forma a expor pessoas, grupos ou organizações. Art. 6º – O psicólogo, no relacionamento com profissionais não psicólogos: b) Compartilhará somente informações relevantes para qualificar o serviço prestado, resguardando o caráter confidencial das comunicações, assinalando a responsabilidade, de quem as receber, de preservar o sigilo. Art. 9º – É dever do psicólogo respeitar o sigilo profissional a fim de proteger, por meio da confidencialidade, a intimidade das pessoas, grupos ou organizações, a que tenha acesso no exercício profissional. Art. 10 – Nas situações em que se configure conflito entre as exigências decorrentes do disposto no Art. 9º e as afirmações dos princípios fundamentais deste Código, excetuando-se os casos previstos em lei, o psicólogo poderá decidir pela quebra de sigilo, baseando sua decisão na busca do menor prejuízo. Parágrafo único – Em caso de quebra do sigilo previsto no caput deste artigo, o psicólogo deverá restringir-se a prestar as informações estritamente necessárias. Art. 11 – Quando requisitado a depor em juízo, o psicólogo poderá prestar informações, considerando o previsto neste Código. Art. 12 – Nos documentos que embasam as atividades em equipe multiprofissional, o psicólogo registrará apenas as informações necessárias para o cumprimento dos objetivos do trabalho. Art. 18 – O psicólogo não divulgará, ensinará, cederá, emprestará ou venderá a leigos instrumentos e técnicas psicológicas que permitam ou facilitem o exercício ilegal da profissão. (2)VIDE AS ATIVIDADES PROPOSTAS PARA ESSES CONTEÚDOS! 22 PERSONALIDADE O QUE É PERSONALIDADE? O vocábulo personalidade tem como principal afixo a expressão “persona”. “Persona, no uso coloquial, é um papel social ou personagem vivido por um ator. É uma palavra italiana derivada do latim para um tipo de máscara feita para ressoar com a voz do ator (per sonare significa "soar através de"), permitindo que fosse bem ouvida pelos espectadores, bem como para dar ao ator a aparência que o papel exigia (Wikipedia). Em psicologia, no entanto, personalidade é definida como uma “[...] totalidade relativamente estável e previsível dos traços emocionais e comportamentais que caracterizam a pessoa na vida cotidiana, sob condições normais.” (KAPLAN; SADOCK, 1993). Principais características da personalidade CONCEITOS 1º) Estados - “[...] característica momentânea, episódica na personalidade. Um estado está diretamente relacionado com fatores circunstanciais.” O luto e o estresse são exemplos de estados. 2º) Traços - “Os traços de personalidade são padrões persistentes no modo de perceber a realidade, relacionar-se consigo próprio e com os outros e, sobretudo, de pensar.” 3º) Temperamento – (do latim temperare que significa “equilíbrio”) – corresponde aos aspectos (traços) geralmente inconscientes da personalidade relacionados às reações emocionais bem como de sua rapidez e intensidade. O temperamento poderá ser alterado, até certos limites, por influências médicas (medicações, tratamentos etc) bem como no decurso da aprendizagem e das experiências de vida. A impulsividade, a sensibilidade, a intempestividade etc. são características de temperamento. FIXAÇÃO Texto de Apoio – Caderno de Psicologia – Personalidade – p.432 a 435. 23 4º) Caráter – Conjunto de traços de personalidade e valores éticos, aprendidos e/ou desenvolvidos a partir das experiências e/ou estimulações recebidas ao longo da vida, conscientes, que irão determinar a conduta e a moral de um determinado indivíduo. A empatia, a responsabilidade, o egoísmo, a honestidade etc. são características de caráter. e GENÉTICA “Até bem pouco tempo, a genética do comportamento se preocupava em compreender até que ponto o material genético, transmitido hereditariamente, poderia explicar suficientemente a enorme diversidade do comportamento humano. Em outras palavras, na tentativa de atribuir valor explicativo ao comportamento, os pesquisadores se perguntavam até que momento poderiam utilizar a informação genética, considerando sua base molecular e bioquímica, sem cair em modelos simplistas ou meramente organicistas de explicação do comportamento humano. Atualmente, reconhece-se que o papel da experiência e da aprendizagem é exatamente o de propiciar a leitura de informações já impressas nos genes, fazendo com que o comportamento seja compreendido como uma atividade codificada a partir de uma sequência de nucleotídios 10 , cuja tradução pode ser deflagrada por diferentes e determinadas condições do ambiente (Lima, 1997; Plomin, 1989; Vogel & Motulsky, 1996).” (apud COSTA Jr., UnB, 2000) CURIOSIDADE O CASO DAS MENINAS LOBO DA ÍNDIA 10 Nucleotídeo: Unidade constituinte dos ácidos ribonucleicos (RNA) e desoxirribonucleicos (DNA). Think about... 24 A teoria do desenvolvimento psicossocial, de Erik Erikson (1902-1994) – Teoria Epigenética 11 Para Erikson, a personalidade é um conceito dinâmico que vai se modificando ao longo de toda a vida. Personalidade, segundo Erikson, é o resultado da interação contínua de três grandes sistemas: CONCEITO A formação da identidade psicossocial 12 - “[...] em termos psicológicos, a formação da identidade emprega um processo de reflexão e observação simultâneas, um processo que ocorre em todos os níveis do funcionamento mental, pelo qual o indivíduo se julga a si próprio à luz daquilo que percebe ser a maneira como os outros o julgam, em comparação com eles próprios e com uma tipologia que é significativa para eles; enquanto que ele julga a maneira como eles o julgam, à luz do modo como se percebe a si próprio em comparação com os demais e com os tipos que se tornaram importantes para ele.[...]” (ERIKSON, E.H. Identidade: juventude e crise. 2 ed. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1976, p.21.) Erikson identificou oito etapas do desenvolvimento psicossocial que vão desde o nascimento até à morte. Cada uma delas se define mediante uma tarefa de desenvolvimento em que o indivíduo deve enfrentar crises e conflitos específicos. O indivíduo deve chegar a uma solução entre duas demandas opostas, equilibrando-as ou integrando-as. “Cada etapa e crise sucessivas têm uma relação especial com um dos elementos básicos da sociedade, e isso pela simples razão de que o ciclo da vida humana e as instituições do homem têm evoluído juntos.” (ERIKSON, 1976, p.230) Analise o quadro a seguir: 11 Epigenesia: Teoria segundo a qual a constituição dos seres se inicia a partir de célula sem estrutura e se faz mediante sucessiva formação e adição de novas partes que, previamente, não existem no ovo fecundado; epigênese. (AURÉLIO) 12 Identidade Psicossocial – corresponde a ideia de singularidade, de papel na sociedade. 25 DUAS FASES DO DESENVOLVIMENTO PSICOSSOCIAL IDADE DEMANDAS OPOSTAS DESCRIÇÃO 1ª FASE Do nascimento até 1 anos. CONFIANÇA X DESCONFIANÇA Durante o primeiro ano de vida a criança é substancialmente dependente das pessoas que cuidam dela requerendo cuidados quanto a alimentação, higiene, locomoção, aprendizado de palavras e seus significados, bem como estimulação para perceber que existe um mundo em movimento ao seu redor. O amadurecimento ocorrerá de forma equilibrada se a criança sentir que tem segurança e afeto, adquirindo confiança nas pessoas e no mundo. 5ª FASE Dos 12 aos 18 anos. IDENTIDADE X CONFUSÃO DE PAPÉIS O jovem experimenta uma série de desafios que envolvem suas atitudes para consigo, com seus amigos, com pessoas do sexo oposto, amores e a busca de uma carreira e de profissionalização. Na medida em que as pessoas à sua volta ajudam na resolução dessas questões desenvolverá o sentimento de identidade pessoal, caso não encontre respostas para suas questões pode se desorganizar, perdendo a referência. Esta é fase mais importante do desenvolvimento psicossocial, segundo Erikson. Quem é mais humano? 26 COMPORTAMENTO ANTISSOCIAL, AGRESSIVIDADE E VIOLÊNCIA DÚVIDA Qual a diferença entre violência e agressividade? Jurandir Freire Costa (1986) estabelece a diferença entre agressividade e violência, pontuando que na primeira existe o fator necessidade, enquanto que a segunda é permeada pela gratuidade de sua expressão, isto é, não está vinculada à defesa do agressor nem à manutenção de seu bem-estar ou desenvolvimento, como ocorre na agressividade. A violência gera em sua vítima um desprazer desnecessário, violando o direito da mesma de ocupar um lugar no meio social, ferindo sua identidade, bem como as regras estabelecidas (leis). A violência é fruto de um desejo de destruir ou, como afirma Costa, é o emprego desejado da agressividade. Sendo uma manifestação da vontade, a violência é exclusivamente humana, porque só os homens desejam. Os animais não desejam; eles somente necessitam, ou seja, seu caminho tem uma determinação exclusivamente biológica. Por sua vez, a Organização Mundial da Saúde (OMS) define violência como “[...] o uso intencional da força física ou o poder, real ou por ameaça, contra a pessoa mesma, contra outra pessoa, ou contra um grupo ou comunidade, que possa resultar em ou tenha alta probabilidade de resultar em morte, lesão, dano psicológico, problemas de desenvolvimento ou privação.” (Relatório Mundial sobre a Violência e a Saúde – OMS/2002). 27 TIPOS DE VIOLÊNCIA 13 FÍSICA PSICOLÓGICA ou MORAL SEXUAL PRIVAÇÃO ou NEGLIGÊNCIA ESTRUTURAL “[...] significa o uso da força física para produzir lesões, traumas, feridas, dores ou incapacidades em outra pessoa.” “[...] diz respeito a agressões verbais ou gestuais com o objetivo de aterrorizar, rejeitar, humilhar a vítima, restringir a liberdade ou ainda isolá-la do convívio social.” “[...] diz respeito ao ato ou jogo sexual que ocorre nas relações hetero ou homossexuais e visa estimular a vítima ou a utilizá-la para obter excitação sexual e práticas eróticas, pornográficas e sexuais, impostas por meio de aliciamento, violência física ou ameaças. O abuso sexual é a utilização da violência, do poder, da autoridade ou da diferença de idade para obtenção de prazer sexual. Esse prazer não é obtido apenas por meio de relações sexuais propriamente ditas; pode ocorrer em forma de carícias, de manipulação dos órgãos genitais, voyeurismo, ou atividade sexual com ou sem penetração vaginal, anal ou oral.” “[...] ato de omissão em prover as necessidades básicas para desenvolvimento de uma pessoa, incluindo comida, casa, segurança e educação.” “[...] se aplica tanto às estruturas organizadas e institucionalizadas da família como aos sistemas econômicos, culturais e políticos que conduzem à opressão de determinadas pessoas a quem se negam vantagens da sociedade, tornando- as mais vulneráveis ao sofrimento e à morte. Essas estruturas determinam igualmente as práticas de socialização que levam os indivíduos a aceitar ou a infligir sofrimentos, de acordo com o papel que desempenham.14” COMPORTAMENTO AGRESSIVO E A LEI Estado de necessidade Art. 24 - Considera-se em estado de necessidade quem pratica o fato para salvar de perigo atual, que não provocou por sua vontade, nem podia de outro modo evitar, direito próprio ou alheio, cujo sacrifício, nas circunstâncias, não era razoável exigir- se. 13 MINAYO, apud Governo do Estado de São Paulo, 2009. Manual de Proteção Escolar e Promoção da Cidadania. 14 BOULDING (1981) 28 § 1º - Não pode alegar estado de necessidade quem tinha o dever legal de enfrentar o perigo. Legítima defesa Art. 25 - Entende-se em legítima defesa quem, usando moderadamente dos meios necessários, repele injusta agressão, atual ou iminente, a direito seu ou de outrem. VIOLÊNCIA E APRENDIZAGEM SOCIAL O psicólogo canadense Albert Bandura (1925-), pesquisador da universidade de Stanford, “sustenta que os padrões de comportamento característicos das pessoas são formados por modelos aos quais elas estão expostas. Em aprendizagem por observação, um modelo é uma pessoa cujo comportamento é observado por outra. [...] Tanto as crianças como os adultos tendem a imitar prioritariamente as pessoas de que gostam e a que respeitam. As pessoas também são particularmente inclinadas a imitar o comportamento daquelas que consideram atraentes e poderosas (como ídolos da música ou atletas). Além disso, é mais provável que exista a imitação quando elas veem semelhanças entre os modelos e elas mesmas. [...] Finalmente, é mais provável que as pessoas copiem um modelo se observam que o comportamento deste modelo produz resultados positivos.” (WEITEN, 2002, p. 359) Fases da Aprendizagem Social 1. Observação; 2. Imitação; 3. Modelação do comportamento. REFLEXÃO Violência e mídia “a representação da violência “se funde” cada vez mais com a realidade.” (Leitura Complementar – Caderno de Psicologia – Psicologia Social - da p. 269 à 290). 29 A TEORIA DA FRUSTRAÇÃORAIVAAGRESSÃO John Dollard (1900-1980). A frustração “ocorre quando obstáculos interferem na capacidade do organismo de dar uma resposta ligada a um objetivo, ou seja, de obter uma redução do impulso.” Particularmente também identificamos como estímulos frustrantes quaisquer experiências de perda (quer real ou imaginária) de algo ou alguém considerado promotor de prazer. Tais perdas suscitariam um acúmulo de tensão (raiva e ódio) que, secundariamente, poderiam extravasar-se na forma de comportamentos agressivos ou violentos. Leonard Berkowitz (1926-), contudo, compreendeu que a teoria original de Dollard exagerava o laço frustração-agressão, e, por isso, tratou de revisá-la. Teorizou que a frustração produziria raiva, uma disposição emocional para agredir. Ou seja: FrustraçãoRaiva(possível agressão). “Na ausência de emoções negativas, a frustração não produz agressão.” (BERKOWITZ, 1978, 1988, 1989 apud CLONINGER, 1999, p. 362) Berkowitz, inclusive, irá enfatizar que estímulos ambientais, e não apenas o impulso agressivo, serão necessários para que a agressividade se expresse. Cita, por exemplo, os filmes de violência, determinantes culturais etc. Contrariamente às proposições de Lorenz e Freud de uma catarse da agressividade pelas competições esportivas, Berkowitz (1962, 1989 apud CLONINGER, 1999) concluiu que essas competições tendem mais a aumentar a agressão do que reduzi-la, porém, as evidências empíricas a esse respeito são contraditórias. REFLEXÃO Estímulos frustrantes pessoais e sociais: Identifique alguns. (Leitura Complementar – Caderno de Psicologia – Psicologia Social – p. 275 e 276) 30 O DESENVOLVIMENTO DO COMPORTAMENTO ANTISSOCIAL O comportamento antissocial pode ser definido como um padrão de resposta cuja consequência é maximizar gratificações imediatas e evitar ou neutralizar as exigências do ambiente social. PRÓ-SOCIAIS (Competência Social) ANTISSOCIAIS (Incompetência Social) Solidariedade Altruísmo Cooperação Empatia Compaixão Respeito às normas sociais Individualismo/Egoísmo paroxísticos Competitividade destrutiva Insensibilidade/Frieza Crueldade Violação das normas sociais Fingir/Mentir/Trapacear/Explorar Fuga da escola e de casa Debochar/Humilhar/Implicar/Ofender “Bullying” Vandalismo Comportamento Violento/Ameaçar Roubar/Furtar Usar drogas Destruir/Matar Um aspecto importante para a definição de comportamento antissocial é que este exerce uma função na relação do indivíduo com o ambiente social (PATTERSON & cols., 1992). Embora seja uma forma primitiva de enfrentamento, este comportamento é efetivo para modificar o ambiente. Indivíduos antissociais utilizam comportamentos aversivos para modelar e manipular as pessoas à sua volta e, devido a sua efetividade, esse padrão pode se tornar a principal forma desses indivíduos interagirem e lidarem com as outras pessoas (PATTERSON & cols., 1992). A efetividade do comportamento antissocial está relacionada principalmente às características da interação familiar, à medida que os membros da família treinam diretamente esse padrão comportamental na criança. Os pais, em geral, não são contingentes no uso de reforçadores positivos para iniciativas pró-sociais e fracassam no uso efetivo de técnicas disciplinares para enfraquecer os comportamentos desviantes. Além disso, essas famílias se caracterizam pelo uso de uma disciplina severa e inconsistente com pouco envolvimento parental e pouco monitoramento e supervisão do comportamento da criança. 31 Patterson e colaboradores (1989) afirmam que em algumas ocasiões o comportamento é reforçado positivamente, através de atenção ou aprovação, mas a principal forma de manutenção deste padrão ocorre por meio de reforçamento negativo, ou condicionamento de esquiva. Em geral, a criança utiliza-se de comportamentos aversivos para interromper a solicitação ou a exigência de um outro membro da família. Ainda segundo os autores, a aprendizagem do comportamento antissocial ocorreria paralelamente a um déficit na aquisição de habilidades pró- sociais. Desta forma, essas famílias parecem desenvolver crianças com dois problemas: alta frequência de comportamentos antissociais e pouca habilidade social (BOLSONI-SILVA & MARTURANO, 2002; PATTERSON & cols., 2000). Dessa forma, os comportamentos antissociais que ocorrem na infância são protótipos de comportamentos delinquentes que poderão acontecer mais tarde. A delinquência, então, representa um agravamento de um padrão antissocial que inicia na infância e, normalmente, persiste na adolescência e na vida adulta (FARRINGTON, 1995; VEIRMEIREN, 2003). REFLEXÃO O ATO INFRACIONAL E AS DEPENDÊNCIAS RELACIONAIS AFETIVAS “[...] Podemos continuar nossa reflexão, abordando uma outra dimensão traçada neste estudo, que se refere às dependências de contexto. Os adolescentes apontam uma estreita relação entre o contexto e as práticas infracionais. Quanto às dependências relacionais afetivas, existe um potencial afetivo importante na família. Os adolescentes entrevistados descrevem um forte vínculo com a mãe, revelando o seu papel protetivo, acolhedor e de defesa, valorizando seu vínculo emocional com ela. Este é, muitas das vezes, o vínculo mais forte apresentado pelo adolescente em conflito com a lei em relação à sua rede social. Ao passo que a mãe protege o adolescente, este também age no mesmo sentido, procurando mostrar sua admiração, confiança, lealdade e proteção em relação a ela. Por isso, a atuação da mãe neste contexto infracional pode trazer grandes contribuições para as possíveis mudanças de comportamento e desenvolvimento emocional adequado do filho. No entanto, existe o duplo vínculo aditivo (Colle, 1996) que se estabelece na relação mãe-filho. As mães são permissivas ao comportamento transgressor do filho, chegando a negar a situação ou a guardar segredo do problema, fingindo não ver o que está acontecendo, com a intenção de minimizar os riscos e resolver o problema sozinhas. Esta já não é somente uma proteção, mas uma superproteção. Os filhos acabam por não se responsabilizarem por seus atos, pois contam com o apoio delas. Podemos ainda inferir a ausência de autoridade parental na vida destes jovens, quando falam sobre a atitude dos pais diante de seus comportamentos transgressores. A presença parental deixa de existir quando os pais perdem sua voz ativa perante o adolescente (Omer, 2002). Muitas vezes a permissividade e a superproteção da mãe podem levar a esta falta de autoridade perante seus filhos. Os adolescentes também falam sobre a falta do pai. Em 20 entrevistas surgiram relatos acerca da perda (falecimento), desconhecimento (mora longe, não tem contato, o abandonou na infância) ou desqualificação do pai (característica esta representada pelo alcoolismo, violência, ausência de autoridade e não ser o provedor da família). A desestruturação de uma família, seja através do divórcio, da morte de algum membro, seja por razões socioeconômicas, pela ação direta da pobreza ou pela falta de cultura, não são fenômenos que, por si sós, levam à droga dição. Mas a ausência de afetividade dentro de um sistema familiar, esta sim, é a grande responsável pelo fenômeno da droga dição, pois, como afirma Kalina e cols.(1999), "a única coisa impossível de ser substituída é o amor" (p.182). Neste sentido, um outro aspecto que chama a atenção presente nas falas dos adolescentes, refere-se ao alcoolismo do pai, seguido de atos violentos. O adolescente sente a frustração pela falta de atenção, rejeição 32 ou abandono deste pai; sente a falta de uma qualidade no vínculo pai-filho: o pai sempre distante: a falta de intimidade e de disponibilidade dele em estar com o filho. Esta conduta do pai pode estar relacionada ao alcoolismo do mesmo, o que não elimina o sofrimento, a mágoa, a decepção do adolescente, que ainda não tem uma compreensão clara da influência do consumo de álcool do pai sobre a dinâmica familiar. O filho sente-se vitimado pelo pai e identificado com a mãe, como quando um adolescente coloca: "Estragou minha vida, estragou a vida da minha mãe..." Caberia melhor investigar como se explica esta situação do pai alcoolista na visão destes adolescentes. A figura paterna pode estar aparecendo como co-geradora do fenômeno aditivo e delituoso (Kalina & Cols., 1999). A função paterna fica comprometida, fazendo com que o jovem permaneça no vazio e procure "fora" a autoridade que não encontra "dentro" de casa (Omer, 2002). O ato infracional surge, então, como a busca deste pai, de uma autoridade, de uma lei que seja capaz de colocar limites, que "proíba" o adolescente de agir, mas que favoreça, em contrapartida, algum tipo de aproximação pai-filho. Do mesmo modo, há nas falas destes adolescentes a denúncia de usuários de drogas e antecedentes criminais na família como mediadores do vínculo. É interessante observar que 13 adolescentes entrevistados falaram sobre o alcoolismo do pai e/ou a presença de antecedentes criminais ou outros usuários de drogas na família. Esta questão nos leva a pensar no significado simbólico para o adolescente do comprometimento de algum membro da família com o álcool, as drogas ou os atos infracionais. Aparecem contradições nos relatos dos adolescentes, mostrando novamente aqui a questão do duplo vínculo aditivo que se estabelece na dinâmica familiar. Por um lado, veem as condutas "alcoolistas", aditivas, delituosas no sistema familiar como modelo (não há críticas em relação ao pai) e é o próprio sistema que os introduz na criminalidade e na adição (aprendem com o pai a beber, a traficar). Por outro lado, os adolescentes denunciam os membros do sistema, que se tornam inconvenientes quando perdem o controle. A falta de coerência no contexto familiar torna a relação ambivalente: abandono e regresso, aproximação e distanciamento, provocando nestes adolescentes sentimentos, por sua vez, também bastante contraditórios. Se em determinados momentos odeiam, rejeitam, estigmatizam seus familiares, em outros, amam, são cúmplices e os têm como exemplo. Podemos pensar que toda esta situação é conflituosa e pode estar deixando o adolescente mais vulnerável para ficar fora de casa.” (PEREIRA; SUDBRACK, 2005) 33 MALDADE NA INFÂNCIA E NA ADOLESCÊNCIA: “BULLYING” Caracteriza atos de violência física ou psicológica, intencionais e repetidos, geralmente contra pessoas em desvantagem de poder, sem motivação aparente e que causa dor, angústia e humilhação a quem sofre. Os agressores no “bullying” são, comumente, pessoas antipáticas, arrogantes e desagradáveis. Alguns trabalhos sugerem que essas pessoas vêm de famílias pouco estruturadas, com pobre relacionamento afetivo entre seus membros, são debilmente supervisionados pelos pais e vivem em ambientes onde o modelo para solucionar problemas recomenda o uso de comportamento agressivo ou explosivo. Há fortes suspeitas de que as crianças ou jovens que praticam o “bullying” têm grande probabilidade de se tornarem adultos com comportamentos antissociais, psicopáticos e/ou violentos, tornando-se, inclusive, delinquentes ou criminosos. Normalmente o agressor acha que todos devem atender seus desejos de imediato e demonstra dificuldade de colocar-se no lugar do outro. Os meninos estão mais envolvidos com o “bullying” com uma frequência muito maior, tanto como autores quanto como alvos. Já entre as meninas, embora com menor frequência, o “bullying” também ocorre e se caracteriza, principalmente, como prática de exclusão ou difamação. [...] o conceito de “bullying” pode também ser aplicado na relação de pais e filhos e entre professor e aluno, citando como exemplos, aqueles adultos que ironizam, ofendem, expõe as dificuldades perante o grupo, excluem, fazem chantagens, colocam apelidos preconceituosos e têm a intenção de mostrar sua superioridade e poder, usando deste comportamento frequentemente. “CYBERBULLYING” “O ‘cyberbullying’ é uma variação da violência infligida a colegas por um grupo dominante, em geral na escola. Nessas situações, a tecnologia pode ser usada de várias formas. Por e- mail, ‘twitter’, mensagens de celular ou outras mídias eletrônicas, crianças ou adolescentes são ofendidos e discriminados de forma cruel – e, muitas vezes, a humilhação é amplamente divulgada pela rede. Há casos em que os agressores conseguem acesso ao e-mail da vítima, fingem ser ela e enviam em seu nome mensagens desagradáveis para outras pessoas. Alguns sinais podem ser importantes para que adultos fiquem alertas, pois as vítimas muitas vezes não contam aos mais velhos seus problemas. É importante observar, por exemplo, se, depois de acessar a internet ou ler um SMS, o jovem parece mudado ou emocionado, se distancia de outros da mesma idade e seu desempenho escolar piora.” (Revista MenteCérebro, nº 210) 34 LEI JURÍDICA & LEI SIMBÓLICA “As pessoas estão confundindo desejo com direito!” (M.S.Cortella) Existem regras que servem para regular as relações dos homens entre si. Essas são chamadas de normas sociais ou leis jurídicas. Porém, poderá haver, ou não, no indivíduo uma lei estruturante que funcionará para lhe dar limites ao gozo. De forma simplificada, essa será chamada de Lei simbólica. “A Constituição, carta magna de um Estado, as leis, os estatutos e os regimentos institucionais são modalidades de expressão da Lei simbólica na cultura e visam ao enquadramento e a limitação do gozo de uma relação aos demais.” (QUINET, 2008) Freud (1856-1939), por exemplo, escreve que cada nova criança que chega ao mundo dos humanos está diante do dever de ter que dar conta do Complexo de Édipo 15 . Isso faz com que o complexo de Édipo, com a questão da barreira contra o incesto, se torne, de uma maneira simples, mas na verdade muito complexa, o que a psicanálise chama de Lei. Lei, portanto, que proíbe o incesto e que proíbe o parricídio, ou seja, o assassinato do pai. Assim, porque o ser humano é um ser que se organiza e se desenvolve intelectual e emocionalmente a partir do simbólico 16 , é pelo simbólico que a Lei será transmitida, via cultura. Estruturar emocionalmente o sentido fundamental da Lei (ou seja, o da interdição aos impulsos básicos), ocorrerá, principalmente, na infância mais tenra e dependerá das primeiras relações sociais da criança (ou seja, com a mãe e com o pai). O registro estruturante da Lei é o que possibilitará, futuramente, à adaptação e o desenvolvimento sadio às posteriores relações civilizadas (escola, grupos, sociedade etc.). A AUTORIDADE DOS PAIS “A autoridade não é um atributo individual das figuras paternas. A autoridade dos pais - e da escola, que também anda em apuros [...] - deriva de uma lei simbólica que interdita os excessos de gozo. Uma lei que deve valer para todos. O pai que “tem moral” com seus filhos é aquele que também se submete à mesma lei, traduzida em regras de civilidade, de respeito e da chamada boa educação.” (KEHL, M.R.) 15 Para um maior aprofundamento sobre o complexo de Édipo, sugiro a leitura do seguinte texto: Configurações edípicas da contemporaneidade: reflexões sobre as novas formas de filiação, de Paulo Roberto Ceccarelli. Disponível em < http://www.editoraescuta.com.br/pulsional/161_07.pdf>. 16 Simbólico, neste contexto, significa a capacidade humana de representar a realidade por signos linguísticos. (Leitura Complementar – Caderno de Psicologia – Psicologia – p. 422 a 429) 35 O GOZO PELA VIOLAÇÃO DA LEI: O TRAÇO PERVERSO Para o pensamento psicanalítico, o que se chama “perverso” é, no âmbito dos impulsos sexuais e de suas consequentes fantasias, a tendência a buscar a permanência de um gozo absoluto e ilimitado. De um gozo (primitivo, incestuoso e, portanto, infantil) que irá negar quaisquer restrições ou limites (ou seja, que irá negar a Lei). “O desafio e a transgressão são o exercício de buscar, incessantemente, garantir e esticar o usufruto do gozo, além de todos os limites que a cultura e o pacto civilizatório impõem ao Outro.” Perverso em psicanálise toma o sentido de desvio ou perturbação das formas consideradas “normais” (maduras, adultas, satisfatórias para o sujeito etc.) do gozo sexual. O sentido da negação, neste contexto, significa que o sujeito perverso reconhece a existência da lei, porém, a nega, ou seja, não a aceita, não a estrutura em sua personalidade. Analise a classificação a seguir: REFLEXÕES “O apelo capitalista ao consumo que sugere, pela mídia, valores e atitudes de não limite ao gozo e ao prazer imediato.” “A lei da palmada, atualmente em tramitação no Congresso Nacional.” 36 TEXTO COMPLEMENTAR Cariocas gostam de bandalha (ZUENIR VENTURA (O GLOBO, 26/11/08) A pesquisa publicada domingo pelo GLOBO, mostrando que só 9% dos motoristas respeitam sinal de trânsito, confirma o que já se sabia observando o nosso dia-a-dia e o que Adriana Calcanhotto cantou na sua canção de amor ao Rio e ao seu povo: "Cariocas não gostam de sinal fechado." Gaúcha, ela foi generosa. Ao defeito apontado, contrapôs 15 qualidades positivas que enumera em graciosos versos: "Cariocas são bonitos/Cariocas são bacanas/Cariocas são sacanas/Cariocas são dourados" e por aí vai. Ela os chama ainda de modernos, espertos, diretos, alegres, sexy, que não gostam de dias nublados etc. Talvez por delicadeza de forasteira, ela não quis apontar uma verdade incômoda que explica todo o comportamento transgressor dos cariocas. Eles gostam de bandalha. E não apenas no trânsito, embora nesse quesito eles sejam imbatíveis. Gostam de fechar os cruzamentos, de debruçar sobre a buzina sem necessidade, de estacionar nas calçadas, de parar em lugar proibido, de excesso de velocidade, de falar ao celular enquanto dirigem, de andar na contramão e de xingar quem insiste em se manter dentro da lei (me lembro da senhora ao volante esperando a luz verde, e um sujeito histérico gritando atrás: "Pensa que tá na Suécia, perua?") Assim, além de responsáveis por um dos mais caóticos trânsitos do planeta, os cariocas também são especialistas em delitos menores, para não falar nos grandes, como assaltos e homicídios. Costumam urinar em lugares públicos, desrespeitar filas ("quem gosta de fila é paulista", já ouvi um furão dizer, sem esperar a vez), levar o cachorro para fazer cocô no calçadão, e gostam de falar alto e atender o celular no cinema, enquanto comentam o filme com o vizinho. Outro dia uma leitora mandou carta ao jornal relatando a cena que presenciou: um garoto estava chutando a cadeira da frente, quando a senhora virou-se e pediu que ele parasse. Sabe o que fez o acompanhante, provavelmente pai ou avô do menino? Passou, ele mesmo, a repetir o que o neto ou filho fazia antes. Não sem chamar a queixosa de maluca. Há pouco tempo assisti a coisa parecida numa sessão à tarde. Quando alguém fez psiu para um grupo de cafajestes que discutiam aos gritos, um deles revidou: "Psiu é a p..., os incomodados que se mudem." Essa é a nossa realidade: há cada vez menos lugares para os incomodados. Em matéria de civilidade, os sinais foram trocados. O desvio virou norma e a exceção, regra. 37 PERSONALIDADE E DOUTRINA JURÍDICA DÚVIDA Qual a diferença entre um “bem jurídico” e um “direito”? Bem jurídico – “Diz-se da coisa, material (quanto ao valor econômico) ou imaterial (quanto a um interesse moral), que constitui ou pode constituir o objeto de um direito.” Ex.: A vida, a honra, o patrimônio. (SIDOU, J.M.O. Dicionário Jurídico: Academia Brasileira de Letras Jurídicas. 10 ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2009.) Direito – “Faculdade legal de praticar ou deixar de praticar um ato. Prerrogativa, que alguém possui, de exigir de outrem a prática ou abstenção de certos atos, ou o respeito a situações que lhe aproveitam; jus. Faculdade concedida pela lei; poder legítimo.” (AURÉLIO). Personalidade “exprime a aptidão genérica para adquirir direitos e contrair obrigações.” (DINIZ, 2007, p. 114) “A personalidade consiste no conjunto de caracteres próprios da pessoa. A personalidade não é um direito, de modo que seria errôneo afirmar que o ser humano tem direito à personalidade. A personalidade é que apoia os direitos e deveres que dela irradiam, é o objeto de direito, é o primeiro bem da pessoa, que lhe pertence como primeira utilidade, para que ela possa ser o que é, para sobreviver e se adaptar às condições do ambiente em que se encontra, servindo-lhe de critério para aferir, adquirir e ordenar outros bens.” (GODOFFREDO TELLES JR. apud DINIZ, 2002, p. 154) [...] “pode-se afirmar, que os direitos da personalidade são direitos subjetivos, que tem por objeto os elementos que constituem a personalidade do seu titular, considerada em seus aspectos físico, moral e intelectual. São direitos inatos e permanentes, nascem com a pessoa e a acompanham durante toda sua existência, tendo como finalidade primordial à proteção das qualidades e dos atributos essenciais da pessoa humana, de forma a salvaguardar sua dignidade e a impedir apropriações e agressões de particulares ou mesmo do poder público.” (NOCOLODI, 2003) 38 DANO PSICOLÓGICO (OU, PSÍQUICO) Por definição, o Dano Psíquico seria “uma Doença Psíquica nova na biografia de uma pessoa, relacionada causalmente com um evento traumático (acidente, doença, delito), que tenha resultado em um prejuízo das aptidões psíquicas prévias e que tenha caráter irreversível ou, ao menos durante longo tempo”. No direito penal o Dano Psíquico corresponde às “lesões graves que resultaram em prejuízo emocional provavelmente ou certamente incurável ou, menos drasticamente, em doença que incapacita por mais de trinta dias.” Em princípio, todo prejuízo emocional ocasionado por um acontecimento expressivo, seja uma doença profissional, acidente, delito, ou injúria emocional onde haja um responsável legal, pode ser susceptível de ressarcimento pecuniário (indenização). No dano psíquico há que se verificar o nexo causal entre o fato ocorrido e as alterações na personalidade do sujeito. Tal verificação se fará através de exame pericial (psiquiátrico ou psicológico). Neste caso, deverá ser verificado pela perícia se em função do ocorrido o sujeito tornou-se incapaz para 1. desempenhar suas tarefas habituais; 2. para trabalhar; 3. para ganhar dinheiro; 4. para relacionar-se; 5. para ser feliz. (adaptado de www.psiqweb.med.br) Analise o esquema abaixo: EVENTO TRAUMÁTICO PERSONALIDADE ANTES DO EVENTO TRAUMÁTICO PERSONALIDADE APÓS O EVENTO TRAUMÁTICO NEXO CAUSAL ALTERAÇÃO PREJUDICAL DA PERSONALIDADE PERÍCIA PSIQUIÁTRICA OU PSICOLÓGICA NO DANO PSÍQUICO (3)VIDE AS ATIVIDADES PROPOSTAS PARA ESSES CONTEÚDOS! 39 O PROCESSO DE AVALIAÇÃO PSICOLÓGICA NO JUDICIÁRIO A avaliação psicológica é entendida como o processo técnico-científico de coleta de dados, estudos e interpretação de informações a respeito dos fenômenos psicológicos, que são resultantes da relação do indivíduo com a sociedade, utilizando-se, para tanto, de estratégias psicológicas – métodos, técnicas e instrumentos. Os psicólogos, ao realizarem avaliações psicológicas, devem se basear exclusivamente nos instrumentais técnicos (entrevistas, testes, observações, dinâmicas de grupo, escuta, intervenções verbais) que se configuram como métodos e técnicas psicológicas para a coleta de dados, estudos e interpretações de informações a respeito da pessoa ou grupo atendidos. Esses instrumentais técnicos devem obedecer às condições mínimas requeridas de qualidade e de uso, devendo ser adequados ao que se propõem a investigar. A avaliação psicológica no judiciário “Ao psicólogo perito cabe fornecer um laudo [ou parecer] psicológico com informações pertinentes ao processo judicial e à problemática diagnosticada, visando auxiliar o magistrado na formação de seu convencimento sobre a decisão judicial a ser tomada, como forma de realização do direito objetivo das partes em oposição.[...] Para tanto, o psicólogo estabelece um planejamento de avaliação dos aspectos psicológicos implicados no caso atendido, com base no estudo dos autos, isto é, de todos os documentos e provas que compõem o processo judicial. Os instrumentos utilizados para fins de diagnósticos são escolhidos com base no conhecimento técnico sobre técnicas de exame psicológico, na formação teórica, nas condições institucionais para a realização do trabalho e na situação emocional dos implicados no processo judicial. Considera-se a especificidade da situação judicial, em que as pessoas não escolheram a intervenção do psicólogo e estão numa posição defensiva, procurando fazer prevalecer seus interesses sobre terceiros, com quem, em geral, mantém vínculos afetivos conflituosos.[...] Na atuação judiciária, a adequação dos instrumentos está relacionada à natureza do processo judicial (verificatório, contencioso), da natureza e gravidade das questões tratadas no processo (criança e adolescentes em situação de risco), do tempo institucional (urgência, data de audiência já fixada, número de casos agendados) e da livre escolha do profissional, conforme seu referencial técnico, filosófico e científico.[...] (BERNARDES In: CRUZ, MACIEL, RAMIREZ, 2005, p.71-80) 40 Testes psicológicos “Testes psicológicos são uma medida padronizada de uma amostra do comportamento de uma pessoa. Eles são instrumentos de mensuração utilizados para medir as diferenças individuais entre as pessoas com relação a capacidades, aptidões, interesses e aspectos da personalidade.” (WEITEN, 2002, p. 251) Quanto à finalidade, os testes podem ser: testes de capacidade mental ou escalas de personalidade (escalas e não testes, pois nessas últimas não há uma resposta certa). Analise o gráfico a seguir: Resolução CFP Nº 002/2003 – “Art. 1º - Os Testes Psicológicos são instrumentos de avaliação ou mensuração de características psicológicas, constituindo-se um método ou uma técnica de uso privativo do psicólogo, em decorrência do que dispõe o § 1º do Art. 13 da Lei nº 4.119/62.” No Brasil, os Testes Psicológicos são regidos pela Res. Nº 002/2003, do Conselho Federal de Psicologia. Nessa Resolução são definidos critérios científicos rígidos à elaboração desses instrumentos de avaliação. O CFP mantém, inclusive, um Sistema de Avaliação de Testes Psicológicos (SATEPSI), sistema esse que submete os vários testes psicológicos disponíveis no mercado brasileiro a uma rigorosa avaliação científica. No site do CFP é publicada e atualizada constantemente a relação dos testes aprovados (= permitidos) e rejeitados (= proibidos) pelo SATEPSI. Por fim, há que se ter clareza sobre o seguinte ponto: um teste psicológico, por ser ater a uma amostra do comportamento, tal amostra pode não ser representativa, naquele momento, do comportamento característico de uma pessoa. Lembremo-nos, neste sentido, dos estados psicológicos. “Muitos testes psicológicos são mecanismos precisos de mensuração. No entanto, devido ao eterno problema da amostragem, os seus resultados não devem ser considerados como a palavra definitiva sobre a personalidade e as capacidades de uma pessoa.” (WEITEN, 2002, p. 251) 41 Perícia psicológica O exame pericial psicológico é uma espécie de avaliação psicológica “com a finalidade de elucidar fatos do interesse de autoridade judiciária, policial, administrativa ou, eventualmente, particular. Constitui-se, pois, em meio de prova, devendo o examinador proceder com permanente cautela devido a essa singularíssima condição.” (TABORDA, 2004, p.43). “Conceitua-se perícia, pois, como o conjunto de procedimentos técnicos que tenha como finalidade o esclarecimento de um fato de interesse da Justiça; e, perito, o técnico incumbido pela autoridade de esclarecer fato da causa, auxiliando, assim, na formação de convencimento do juiz. Cabe ao psicólogo, portanto, enquanto perito, elaborar relatórios (Res. CFP nº 08/10) sobre os aspectos psicológicos dos jurisdicionados, os quais deverão ser apresentados à autoridade judicial. Perícia e dinâmica psicológica DOCUMENTOS EXARADOS PELOS JURÍDICOS (De acordo com a Res. CFP nº 07/03) a) Atestado É um documento expedido pelo psicólogo que certifica uma determinada situação ou estado psicológico, tendo como finalidade afirmar sobre as condições psicológicas de quem, por requerimento, o solicita, com fins de: a) Justificar faltas e/ou impedimentos do solicitante; b) Justificar estar apto ou não para atividades específicas, após realização de um processo de avaliação psicológica, dentro do rigor técnico e ético que subscreve esta Resolução; c) Solicitar afastamento e/ou dispensa do solicitante, subsidiado na afirmação atestada do fato, em acordo com o disposto na Resolução CFP nº 015/96. (Res. que regulamenta a concessão de Atestado Psicológico para tratamento de saúde por problemas psicológicos). b) Relatório (ou, Laudo Psicológico) O relatório ou laudo psicológico é uma apresentação descritiva acerca de situações e/ou condições psicológicas e suas determinações históricas, sociais, políticas e culturais, pesquisadas no processo de avaliação psicológica. Como todo documento, 42 deve ser subsidiado em dados colhidos e analisados, à luz de um instrumental técnico (entrevistas, dinâmicas, testes psicológicos, observação, exame psíquico, intervenção verbal), consubstanciado em referencial técnico-filosófico e científico adotado pelo psicólogo. A finalidade do relatório psicológico será a de apresentar os procedimentos e conclusões gerados pelo processo da avaliação psicológica, relatando sobre o encaminhamento, as intervenções, o diagnóstico, o prognóstico e evolução do caso, orientação e sugestão de projeto terapêutico, bem como, caso necessário, solicitação de acompanhamento psicológico, limitando-se a fornecer somente as informações necessárias relacionadas à demanda, solicitação ou petição. c) Parecer psicológico Parecer é um documento fundamentado e resumido sobre uma questão focal do campo psicológico cujo resultado pode ser indicativo ou conclusivo. O parecer tem como finalidade apresentar resposta esclarecedora, no campo do conhecimento psicológico, através de uma avaliação especializada, de uma “questão- problema”, visando a dirimir dúvidas que estão interferindo na decisão, sendo, portanto, uma resposta a uma consulta, que exige de quem responde competência no assunto. O psicólogo parecerista deve fazer a análise do problema apresentado, destacando os aspectos relevantes e opinar a respeito, considerando os quesitos apontados e com fundamento em referencial teórico-científico. Havendo quesitos, o psicólogo deve respondê-los de forma sintética e convincente, não deixando nenhum quesito sem resposta. Quando não houver dados para a resposta ou quando o psicólogo não puder ser categórico, deve-se utilizar a expressão “sem elementos de convicção”. Se o quesito estiver mal formulado, pode-se afirmar “prejudicado”, “sem elementos” ou “aguarda evolução”. d) Declarações É um documento que visa a informar a ocorrência de fatos ou situações objetivas relacionados ao atendimento psicológico, com a finalidade de declarar: a) Comparecimentos do atendido e/ou do seu acompanhante, quando necessário; b) Acompanhamento psicológico do atendido; c) Informações sobre as condições do atendimento (tempo de acompanhamento, dias ou horários). Neste documento não deve ser feito o registro de sintomas, situações ou estados psicológicos. Obs.: Os Atestados e os Laudos são documentos exarados a partir de Avaliações Psicológicas. Já os Pareceres e as Declarações, não. Um Parecer, p.ex., pode ser exarado a partir de uma consulta sobre alguma questão pontual, o que não implica, necessariamente, a realização de uma Avaliação Psicológica. (4)VIDE AS ATIVIDADES PROPOSTAS PARA ESSES CONTEÚDOS! 43 A FAMÍLIA Família – do latim “famulus”, que significa um conjunto de servos e dependentes de um chefe ou senhor. Família = Instituição Social = Funções: 1. proteger as novas gerações; 2. reproduzir os “status quo17” social a partir dos processos de socialização. DÚVIDA! As mudanças internas na constituição das famílias promoveriam mudanças sociais posteriores, ou são as mudanças sociais (valores, costumes etc) que promoveriam mudanças nas famílias? Justifique. e FAMÍLIA “Do ponto de vista psicológico, podemos dizer que a família humana é uma estrutura de cuidado. E cuidar não se limita a alimentar e proteger; implica também socializar, permitir que alguém se desenvolva como um membro do seu grupo social. A função do cuidador consiste primeiro em estar disponível e pronto a atender quando solicitado e, segundo, intervir quando aquele a quem se cuida parece estar prestes a se meter em apuros, além de impor também limites e normas de convivência social e familiar. (LASTA, S. 2003) 17 Status quo – Expressão latina. Significa o estado em que se achava anteriormente certa questão. (AURÉLIO) Família e Sociedade 44 RECORDAÇÃO PERÍODOS DA HISTÓRIA Pré-história (até 4. 000 a.C.) Compreende os períodos Paleolítico (até 10.000 a.C.) quando os homens viviam da caça e da coleta, eram nômades (não tinham habitação fixa) e viviam coletivamente; e o período Neolítico (10.000 - 4.000 a.C.): quando ocorre a revolução agrária: o homem tornou-se sedentário (tem habitação fixa). Teve início a transição do coletivismo para o individualismo. Agrupados em comunidade, firmaram os rudimentos (primeiras noções) das trocas, da propriedade e da urbanidade. Idade Antiga (de 4.000 a.C. – 476 d.C.) Abrange o desenvolvimento das antigas civilizações orientais e clássicas (egípcia, mesopotâmica, hebraica, persa, grega, romana etc.) terminando na queda do Império Romano do Ocidente (476 d.C.) Idade Média (de 476 d.C. – 1453) Compreendida entre a queda do Império Romano do Ocidente e a tomada de Constantinopla pelos turcos (1453). Sistema econômico feudal. Século XI – Surgimento da classe burguesa (Ideias de “Individualidade, Liberdade e Privacidade”). Idade Moderna (1453 – 1789) Que principia com a queda de Constantinopla e termina com a Revolução Francesa de 1789. “Liberdade, Igualdade e Fraternidade.” Século XVI (31/10/1517) Reforma Protestante: Lutero afixou 95 teses na Catedral de Wittenberg na Alemanha contra diversos pontos da doutrina católica. “O justo viverá da fé” – Rom. 1:17; Gal. 3:11; Heb. 10:38 (Bíblia Sagrada) –“Sola Fide, Sola Gratia, Sola Scriptura, Solus Christus, Soli Deo Gloria.” Idade Contemporânea (1789 – até os dias atuais) Na transição do século XVII para o século XVIII, a Revolução Industrial, na Inglaterra, o desenvolvimento da Ciência e das Tecnologias. (Martinho Lutero – 1483-1546) 45 TEXTO DE APOIO A família no ocidente Philippe Ariès (1914-1984) foi um dos mais importantes historiadores europeus da atualidade. Em seu livro “História Social da Criança e da Família” (1986) postula que o sentimento de família era desconhecido na Idade Média (período histórico que vai do ano 476 d.C. até 1453) à semelhança do que ocorria quando do período romano. Na Idade Média as pessoas de posse e os nobres percebiam-se solidariamente como oriundos de uma mesma linhagem, linhagem essa determinada pelo vínculo sanguíneo entre elas. Tal percepção servia, principalmente, a preservação e a indivisão do patrimônio dessas linhagens. Seus laços intrafamiliares não eram estreitos pois desfrutavam das proteções e licenciosidades das instituições públicas de poder (os Estados). De forma diversa, quando uma família se constituía essa não se estendia a toda linhagem (“compreendia, entre os membros que residiam juntos, vários elementos, e, às vezes, vários casais, que viviam numa propriedade que eles se haviam recusado dividir, segundo um tipo de posse chamado frereche ou fraternitas. A frereche agrupava em torno dos pais os filhos que não tinham bens próprios, os sobrinhos ou os primos solteiros.” - 1986, p. 211) Segundo Ariès, as fraternitas tendiam a não passar das segundas gerações. Os aldeões, no entanto, despossuídos que eram de riquezas e das benesses dos Estados organizavam-se solidaria e cooperativamente em comunidades maiores onde viviam não só com parentes 18 , mas também amigos, vizinhos etc. Tais aldeias atendiam tanto as necessidades de sobrevivência como de segurança daqueles aldeões. A partir do século XIV desenvolve-se com mais intensidade o padrão de família que hoje conhecemos: a família moderna – ou seja, pai, mãe, filhos naturais e, eventualmente, adotivos. Um dos fatores implicados com o surgimento desse novo padrão de família é a “[...] degradação progressiva e lenta da situação da mulher no lar. Ela perde o direito de substituir o marido ausente ou louco... Finalmente, no século XVI, a mulher casada torna-se uma incapaz, e todos os atos que faz sem ser autorizada pelo marido ou pela justiça tornam-se radicalmente nulos. Essa evolução reforça os poderes do marido, que acaba por estabelecer uma espécie de monarquia doméstica.” (1986, p.214) Outro ponto importante que caracterizou o surgimento da família moderna foram as mudanças de atitude das famílias em relação às crianças. Ariés postula que no período medieval era costume que os filhos permanecessem com seus pais até por volta dos sete a nove anos de idade. Atingidas essas idades eram cedidos a outras casas ou organizações (ateliês de artes, oficinas, manufaturas, estalagens etc) por um período que durava em média de oito a dez anos, para que lá trabalhassem de forma 18 Essas grandes grupos familiares são chamados, pela antropologia, de “famílias extensas”, ou seja, um grande grupo familiar constituído por várias células familiares. 46 dura em todos os serviços domésticos e profissionais. O objetivo desse costume era o de aprendizagem: aprendizagem de boas maneiras bem como de uma determinada profissão (a dos hospedeiros e mestres). Da mesma forma, as famílias que cediam seus filhos, acolhiam os filhos de outras famílias com a mesma finalidade. “Era através do serviço doméstico que o mestre transmitia a uma criança, não ao seu filho, mas ao filho de outro homem, a bagagem de conhecimentos, a experiência prática e o valor humano que pudesse possuir.” (1986, p. 228) “De modo geral, a transmissão do conhecimento de uma geração a outra era garantida pela participação familiar das crianças na vida dos adultos. [...] Em suma, em toda parte onde se trabalhava, e também em toda parte onde se jogava ou brincava, mesmo nas tavernas mal- afamadas, as crianças se misturavam aos adultos. [...] Nessas condições, a criança desde muito cedo escapava a sua própria família, mesmo que voltasse a ele mais tarde, depois de adulta, o que nem sempre ocorria. A família não podia, portanto, nessa época, alimentar um sentimento existencial profundo entre pais e filhos. Isso não significava que os pais não amassem seus filhos: eles se ocupavam de suas crianças menos por elas mesmas, pelo apego que lhes tinham, do que pela contribuição que essas crianças podiam trazer à obra comum, ao estabelecimento da família. A família era uma realidade moral e social, mais do que sentimental.” (1986, p. 230-231) Foi somente a partir do século XV que os sentimentos familiares ganham maior ênfase. Ariés postula que o principal fator a demonstrar tais mudanças foi a maior frequência escolar das crianças. “Dessa época em diante, ao contrário, a educação passou a ser fornecida cada vez mais pela escola. A escola deixou de ser reservada aos clérigos para se tornar instrumento normal da iniciação social, da passagem do estado da infância ao do adulto. [...] A substituição da aprendizagem pela escola exprime também uma aproximação da família e das crianças, do sentimento da família e do sentimento da infância, outrora separados. A família concentrou-se em torno da criança. [...] O clima sentimental era agora diferente, mais próximo ao nosso, como se a família moderna tivesse nascido ao mesmo tempo que a escola, ou, ao menos, que o hábito geral de educar as crianças na escola. (1986, p. 231-232) A FAMÍLIA NUCLEAR (ou, MODERNA) Constituída por pai, mãe, filhos naturais e adotados residentes na mesma casa e ausência de outros parentes. A família nuclear está associada ao isolamento social e à falta de contato com parentes e, como resultado, a uma grande variedade de problemas, como a sobrecarga de papéis. A família nuclear é fruto da influência dos princípios e aspirações burguesas quais sejam, o valor à individualidade, o direito à liberdade do indivíduo e o direito à vida privada. 47 PRINCIPAIS MUDANÇAS NA FAMÍLIA NUCLEAR O casamento a partir da livre escolha dos cônjuges (ênfase ao amor romântico entre o casal); A família enquanto núcleo de afeto e proteção; A definição clara de papéis: o homem como provedor do lar (destinado ao espaço público) e a mulher como cuidadora, encarregada da vida particular (destinada, portanto, ao espaço particular). AS FAMÍLIAS PÓS-MODERNAS As famílias monoparentais. As famílias homoafetivas (ou, homossexuais 19 ) INFORMAÇÕES Quinta-feira, 05 de maio de 2011 – SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL Supremo reconhece união homoafetiva. Os ministros do Supremo Tribunal Federal (STF), ao julgarem a Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 4277 e a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 132, reconheceram a união estável para casais do mesmo sexo. As ações foram ajuizadas na Corte, respectivamente, pela Procuradoria-Geral da República e pelo governador do Rio de Janeiro, Sérgio Cabral. O julgamento começou na tarde de ontem (4), quando o relator das ações, ministro Ayres Britto, votou no sentido de dar interpretação conforme a Constituição Federal para excluir qualquer significado do artigo 1.723 do Código Civil que impeça o reconhecimento da união entre pessoas do mesmo sexo como entidade familiar. O ministro Ayres Britto argumentou que o artigo 3º, inciso IV, da CF veda qualquer discriminação em virtude de sexo, raça, cor e que, nesse sentido, ninguém pode ser 19 Para um maior aprofundamento sobre este tema, sugiro a leitura do seguinte texto: Configurações edípicas da contemporaneidade: reflexões sobre as novas formas de filiação, de Paulo Roberto Ceccarelli. Disponível em < http://www.editoraescuta.com.br/pulsional/161_07.pdf>. 48 diminuído ou discriminado em função de sua preferência sexual. “O sexo das pessoas, salvo disposição contrária, não se presta para desigualação jurídica”, observou o ministro, para concluir que qualquer depreciação da união estável homoafetiva colide, portanto, com o inciso IV do artigo 3º da CF. [...] Ações A ADI 4277 foi protocolada na Corte inicialmente como ADPF 178. A ação buscou a declaração de reconhecimento da união entre pessoas do mesmo sexo como entidade familiar. Pediu, também, que os mesmos direitos e deveres dos companheiros nas uniões estáveis fossem estendidos aos companheiros nas uniões entre pessoas do mesmo sexo. Já na Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 132, o governo do Estado do Rio de Janeiro (RJ) alegou que o não reconhecimento da união homoafetiva contraria preceitos fundamentais como igualdade, liberdade (da qual decorre a autonomia da vontade) e o princípio da dignidade da pessoa humana, todos da Constituição Federal. Com esse argumento, pediu que o STF aplicasse o regime jurídico das uniões estáveis, previsto no artigo 1.723 do Código Civil, às uniões homoafetivas de funcionários públicos civis do Rio de Janeiro. (Fonte: http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=178931) Terça-feira, 25 de Outubro de 2011 – SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA DECISÃO Quarta Turma admite casamento entre pessoas do mesmo sexo. Em decisão inédita, a Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), por maioria, proveu recurso de duas mulheres que pediam para ser habilitadas ao casamento civil. Seguindo o voto do relator, ministro Luis Felipe Salomão, a Turma concluiu que a dignidade da pessoa humana, consagrada pela Constituição, não é aumentada nem diminuída em razão do uso da sexualidade, e que a orientação sexual não pode servir de pretexto para excluir famílias da proteção jurídica representada pelo casamento. [...] “Por consequência, o mesmo raciocínio utilizado, tanto pelo STJ quanto pelo Supremo Tribunal Federal (STF), para conceder aos pares homoafetivos os direitos decorrentes da união estável, deve ser utilizado para lhes franquear a via do casamento civil, mesmo porque é a própria Constituição Federal que determina a facilitação da conversão da união estável em casamento”, concluiu Salomão. Em seu voto-vista, o ministro Marco Buzzi destacou que a união homoafetiva é reconhecida como família. Se o fundamento de existência das normas de família consiste precisamente em gerar proteção jurídica ao núcleo familiar, e se o casamento é o principal instrumento para essa opção, seria despropositado concluir que esse elemento não pode alcançar os casais homoafetivos. Segundo ele, tolerância e preconceito não se mostram admissíveis no atual estágio do desenvolvimento humano. [...] O recurso foi interposto por duas cidadãs residentes no Rio Grande do Sul, que já vivem em união estável e tiveram o pedido de habilitação para o casamento negado em primeira e segunda instância. A decisão do tribunal gaúcho afirmou não haver possibilidade jurídica para o pedido, pois só o Poder Legislativo teria competência para insituir o casamento homoafetivo. No recurso especial dirigido ao STJ, elas sustentaram não existir impedimento no ordenamento jurídico para o casamento entre pessoas do mesmo sexo. Afirmaram, também, que deveria ser aplicada ao caso a regra de direito privado segundo a qual é permitido o que não é expressamente proibido. (Fonte: STJ, 25/10/2011) 49 CRITÉRIOS PARA O ESTABELECIMENTO DA PATERNIDADE NO DIREITO BRASILEIRO CONCEITO PATERNIDADE – “Condição do pai em relação aos filhos, quanto aos direitos e obrigações. Obs.: O vocábulo é comum tanto ao pai como à mãe, dado que o feminino etimológico maternidade tem outro sentido.” (DICIONÁRIO JURÍDICO) CRITÉRIOS 1º) Presunção legal – Somente para os filhos havidos no casamento. Por esse critério excluíam-se os chamados “filhos bastardos”, ou seja, os havidos fora do casamento. 2º) Biológico – Critério que estabelece a paternidade a partir da constatação científica (via exames de DNA, p.ex.) da descendência biológica, ou, laço consanguíneo. 3º) Socioafetivo – Critério que poderá estabelecer a paternidade a partir dos vínculos de afinidade e afetividade, independentemente de qualquer laço consanguíneo. Obs.: No direito brasileiro estão positivados somente os dois primeiros critérios (quais sejam, o legal e o biológico). Porém, em processos de adoção, por exemplo, o critério afetivo é largamente aceito. DÚVIDA Os vínculos de paternidade, uma vez estabelecidos legalmente, são inextinguíveis. Porém, discute-se atualmente no direito a seguinte questão: Caso o vínculo legal de paternidade tenha sido estabelecido a partir do critério afetivo (p. ex., numa adoção), extinta essa afetividade e afinidade entre “pais” e “filhos”, pelo motivo que for, deve também o vínculo legal de paternidade ser extinto? JUSTIFIQUE: 50 ALIENAÇÃO PARENTAL e SÍNDROME DE ALIENAÇÃO PARENTAL A Síndrome de Alienação Parental (SAP) é um distúrbio psicológico de crianças e adolescentes que aparece quase exclusivamente no contexto de disputas de custódia quando em processos de separação (importante não confundir com Alienação Parental, pura e simplesmente, que caracteriza as ações caluniadoras e difamatórias do genitor alienador em relação ao genitor alienado). Sua manifestação preliminar é a campanha denegritória contra um dos genitores, uma campanha feita pelo próprio filho e que não tenha nenhuma justificação. Resulta da combinação das instruções de um genitor (o que faz a “lavagem cerebral, programação, doutrinação”) e contribuições do próprio filho para caluniar o genitor-alvo. Importante: quando o abuso e/ou a negligência parentais verdadeiros estão presentes, a animosidade da criança pode ser justificada, e assim a explicação de SAP para a hostilidade do filho não é aplicável SAP – PRINCIPAIS SINTOMAS Sintomas Característica Campanha de descrédito Esta campanha se manifesta verbalmente e nas atitudes. Justificativas fúteis O filho dá pretextos fúteis, com pouca credibilidade ou absurdos, para justificar a atitude. Situações fingidas O filho conta casos que manifestadamente não viveu, ou que ouviu contar (“memória implantada”). Ausência de ambivalência O filho está absolutamente seguro de si, e seu sentimento exprimido pelo genitor alienado é maquinal e sem equívoco: é o ódio. Ausência de culpa O filho não sente nenhuma culpa por denegrir ou explorar o genitor alienado. Fenômeno de independência O filho afirma que ninguém o influenciou e que chegou sozinho a esta conclusão. Sustentação deliberada. O filho adota, de uma forma racional, a defesa do genitor alienador no conflito. Generalização a outros membros da família do alienado. O filho estende sua animosidade para a família e amigos do genitor alienado. 51 SAP - CONSEQUÊNCIAS PSICOLÓGICAS PARA OS FILHOS Os efeitos nos jovens vítimas da SAP podem ser uma depressão crônica, incapacidade de adaptação em ambiente psicossocial normal, desespero, sentimento incontrolável de culpa, sentimento de isolamento, comportamento hostil, falta de organização, dupla personalidade e às vezes suicídio. Esses jovens podem tornar-se mentirosos e manipuladores, como os genitores de que foram vítimas. Isto porque desde muito cedo são treinados para falar apenas uma parte da verdade. Estudos têm mostrado que, quando adultas, as vítimas da Alienação Parental têm inclinação ao álcool e às drogas, e apresentam outros sintomas de profundo mal-estar. DICA CINEMATOGRÁFICA Assista o documentário “A morte inventada: alienação parental”, direção de Alan Minas. (www.amorteinventada.com.br) DICA DE PESQUISA 1. Para maiores informações sobre Alienação Parental visite o site www.alienacaoparental.com.br; 2. Faça uma leitura da LEI Nº 12.318, de 26/08/2010 que dispõe sobre a alienação parental e altera o art. 236 da Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990. 52 GUARDA COMPARTILHADA LEI Nº 11.698, de 13/06/08 Altera os arts. 1.583 e 1.584 da Lei no 10.406, de 10 de janeiro de 2002 – Código Civil, para instituir e disciplinar a guarda compartilhada. Art. 1 o Os arts. 1.583 e 1.584 da Lei n o 10.406, de 10 de janeiro de 2002 – Código Civil, passam a vigorar com a seguinte redação: Art. 1.583. A guarda será unilateral ou compartilhada. § 1 o Compreende-se por guarda unilateral a atribuída a um só dos genitores ou a alguém que o substitua (art. 1.584, § 5 o ) e, por guarda compartilhada a responsabilização conjunta e o exercício de direitos e deveres do pai e da mãe que não vivam sob o mesmo teto, concernentes ao poder familiar dos filhos comuns. § 2 o A guarda unilateral será atribuída ao genitor que revele melhores condições para exercê-la e, objetivamente, mais aptidão para propiciar aos filhos os seguintes fatores: I – afeto nas relações com o genitor e com o grupo familiar; II – saúde e segurança; III – educação. § 3 o A guarda unilateral obriga o pai ou a mãe que não a detenha a supervisionar os interesses dos filhos. Art. 1.584. A guarda, unilateral ou compartilhada, poderá ser: § 2 o Quando não houver acordo entre a mãe e o pai quanto à guarda do filho, será aplicada, sempre que possível, a guarda compartilhada. § 3 o Para estabelecer as atribuições do pai e da mãe e os períodos de convivência sob guarda compartilhada, o juiz, de ofício ou a requerimento do Ministério Público, poderá basear-se em orientação técnico-profissional ou de equipe interdisciplinar. DISCUSSÃO O instituto da Guarda Compartilhada poderá ser um instrumento contra potenciais processos de alienação parental, quando das dissoluções conjugais? Justifique: FIXAÇÃO - Caderno de Psicologia – Introdução à Psicologia – p. 19 a 20 e, Psicologia Social – p. 200, 205, 281 e 282) 53 A QUESTÃO DE GÊNERO CONCEITOS 1º) SEXO - refere-se às características biológicas de homens e mulheres, ou seja, às características específicas dos aparelhos reprodutores femininos e masculinos, ao seu funcionamento e aos caracteres sexuais secundários decorrentes dos hormônios. 2º) GÊNERO - refere-se às relações sociais desiguais de poder entre homens e mulheres que são o resultado de uma construção social do papel do homem e da mulher a partir das diferenças sexuais. 3º) IDENTIFICAÇÃO SEXUAL – a partir do referencial psicanalítico tal conceito se referiria à constituição do desejo sexual de um indivíduo. Ou seja, ao gênero sexual objeto do gozo sexual. Neste sentido, um indivíduo pode desejar o seu mesmo gênero (homo), o gênero oposto (hetero) ou ambos os gêneros (bi). REFLEXÃO O papel do homem e da mulher é constituído histórica e culturalmente; portanto, muda conforme a sociedade e o tempo. 54 O PROCESSO DE CONSTRUÇÃO DOS PAPÉIS DE GÊNERO Mulheres Desde meninas as mulheres são incentivadas a serem passivas, sensíveis, frágeis, dependentes e todos os brinquedos e jogos infantis reforçam o seu papel de mãe, dona de casa, e consequentemente responsável por todas as tarefas relacionadas ao cuidado dos filhos e da casa. Ou seja, as meninas brincam de boneca, de casinha, de fazer comida, de limpar a casa, tudo isto dentro do lar. Homens Os meninos brincam em espaços abertos, na rua. Eles jogam bola, brincam de carrinho, de guerra etc. Ou seja, desde pequenos eles se dão conta que pertencem ao grupo que tem poder. Até nos jogos os meninos comandam. Ninguém os manda arrumar a cama, ou lavar a louça, eles são incentivados a serem fortes, independentes, valentes. INFORMAÇÃO As relações de gênero são, portanto, produto de um processo pedagógico que se inicia no nascimento e continua ao longo de toda a vida, reforçando a desigualdade existente entre homens e mulheres, principalmente em torno de quatro eixos: 1º) Sexualidade Mulheres A sexualidade na mulher tem sido relacionada com a reprodução, ou seja, para a mulher o centro da sexualidade é a reprodução e não o prazer. A sexualidade reduzida à genitalidade se apresenta para as mulheres como algo vergonhoso, proibido. De um modo geral podemos dizer que as mulheres desde que nascem são educadas para serem mães, para cuidar dos outros, para “dar prazer ao outro”. A sua sexualidade é negada, reprimida e temida. 55 VOCÊ SABIA? A mutilação sexual consiste na extração do clitóris. É uma prática comum em certas comunidades, geralmente para inibir o prazer sexual. A mutilação pode ser permanente ou temporária. Homens Os homens, ao contrário das mulheres, recebem mensagens e são preparados para viver o prazer da sexualidade através do seu corpo, já que socialmente o exercício da sexualidade no homem é sinal de masculinidade. 2º) Reprodução A mulher pode gerar um filho, e isto que em si é uma fonte de poder tem sido controlado e tem determinado outros papéis diminuindo as possibilidades e limitando a vida das mulheres em outros âmbitos, como por exemplo, no campo do trabalho. 3º) Divisão sexual do trabalho Provavelmente pelo fato biológico que a mulher é quem engravida e dá de mamar, tem sido atribuído a ela a totalidade do trabalho reprodutivo. Às mulheres, portanto, se atribui o ficar em casa, cuidar dos filhos e realizar o trabalho doméstico, desvalorizado pela sociedade e que deixava as mulheres “donas de casas” limitadas ao mundo do lar; com menos possibilidade de educação, menos acesso à informação, menos acesso à formação profissional etc. 4º) Espaço público e reconhecimento da cidadania Embora nos dias de hoje, uma grande proporção de mulheres trabalhe e muitas delas sejam a principal fonte para o sustento da família, isto não tem significado um maior desenvolvimento e reconhecimento de sua cidadania. Em todos os países da América Latina, incluindo o Brasil, os dados mostram que existe uma grande diferença entre homens e mulheres e que a falta de equidade prejudica as mulheres. É muito difícil 56 ter mulheres em altos cargos, como diretoras de empresas, de hospitais, reitoras de universidades etc. Em geral, é muito difícil ter mulheres nos lugares de tomada de decisões. Isto se explica pelo processo de socialização que ao determinar o trabalho reprodutivo (casa e filhos) para a mulher, cria condições que a marginalizam do espaço público, e pelo contrário, o homem é quem assume o trabalho produtivo e as decisões da sociedade. REFLEXÃO As várias jornadas de trabalho da mulher OS “NOVOS” MALES DAS MULHERES O tabagismo e drogas O estresse O infarto 57 FATOS E FOTOS “Em muitas regiões muçulmanas, onde prevalece a Sharia (lei islâmica), as mulheres acusadas de adúlteras são apedrejadas até a morte. Um dos exemplos mais comentados em 2002, e que foi motivo de campanhas internacionais, é o caso de Amina Lawal (foto), de 31 anos, que no norte da Nigéria foi condenada à pena máxima porque engravidou de outro homem, após a separação do marido. Em 2003, um tribunal de apelações na mesma região considerou procedente a apelação, considerando que o outro tribunal havia se equivocado. Na realidade, a pressão internacional, que transformou Amina Lawal em um símbolo da luta pelos direitos humanos, com diversos governos se manifestando contra a sua condenação e intercedendo junto ao presidente nigeriano, é que fizeram com que houvesse mudança na sua situação.” (DIAS, 2005, p. 192) Violência contra mulher como uma questão de gênero A Lei nº 11.340/06 – Lei Maria da Penha Acesse: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2006/lei/l11340.htm Sra. Maria da Penha Maia Ficou paraplégica por causa de um tiro dado pelo seu ex- companheiro, que não satisfeito, ainda tentou matá-la, posteriormente, eletrocutando-a. 58 CRIMES DE ESTUPRO – ESTADO DO RJ De 2007 até Maio de 2012 Estupros por regiões do Estado do RJ - De 2007 até Maio de 2012 Fonte: ISP/SSP/RJ Os municípios do Estado do RJ onde ocorreram, em 2010, as maiores incidências de estupro são: Belford Roxo, Nova Iguaçu e São João de Meriti, nesta ordem. Logo em seguida, os municípios de Itaboraí e Tanguá. Para maiores detalhes faça o download do Dossiê Mulher, 2011, ISP: Acesse: http://urutau.proderj.rj.gov.br/isp_imagens/Uploads/DossieMulher2011.pdf 0 1000 2000 3000 4000 5000 6000 0 1000 2000 3000 4000 5000 6000 Capital Baixada Grande Niterói Interior 2007 2008 2009 2010 2011 Até Mai/2012 1376 1461 2338 4529 4871 2432 Total = 17007 59 REFLEXÕES O homossexualismo como um possível “terceiro gênero” em nossa sociedade! Projeto de Lei Complementar nº 122/2006 – “Altera a Lei nº 7.716 de 5 de janeiro de 1989, que define os crimes resultantes de preconceito de raça ou de cor, dá nova redação ao § 3º do art. 140 do Decreto-Lei nº 2,848, de 7 de dezembro de 1940 – Código Penal, e ao art. 5º da CLT, aprovada pelo Decreto-Lei nº 5.452, de 1º de maio de 1943, e dá outras providências.” Para conhecer esse PLC acesse: (http://www.naohomofobia.com.br/lei/PROJETO%20DE%20LEI%20plc122-06.pdf) A lei e a questão de gênero Código Civil de 1916, revogado em 2002 Art. 36. Os incapazes têm por domicílio o dos seus representantes. Parágrafo único. A mulher casada tem por domicílio o do marido, salvo se estiver desquitada (art. 315), ou lhe competir a administração do casal (art. 251). Art. 178. Prescreve: § 1º Em 10 (dez) dias, contados do casamento, a ação do marido para anular o matrimônio contraído com a mulher já deflorada (arts. 218, 219, IV, e 220). (Parágrafo alterado pela Lei nº 13, de 29.1.1935 e restabelecido pelo Decreto-lei nº 5.059, de 8.12.1942) Art. 233. O marido é o chefe da sociedade conjugal, função que exerce com a colaboração da mulher, no interesse comum do casal e dos filhos (arts. 240, 247 e 251). (Redação dada pela Lei nº 4.121, de 27.8.1962) Art. 240. A mulher, com o casamento, assume a condição de companheira, consorte e colaboradora do marido nos encargos de família, cumprindo-lhe velar pela direção material e moral desta. (Redação dada pela Lei nº 6.515, de 26.12.1977) Art. 1.299. A mulher casada não pode aceitar mandato sem autorização do marido. (5) VIDE AS ATIVIDADES PROPOSTAS PARA ESSES CONTEÚDOS 60 SOCIEDADE, GRUPOS, ORGANIZAÇÕES E INSTITUIÇÕES SOCIAIS ANÁLISE DO PODER DAS INSTITUIÇÕES SOCIAIS REFLEXÕES “O Homem é um ser social. O comportamento humano se dá num ambiente social, é decorrência dele, ao mesmo tempo que o determina.” “O sentido da existência de um ser humano é construído, para esse mesmo ser humano, pela sociedade na qual ele se socializou.” REVISÃO DA MATÉRIA Qual teoria já estudada da psicologia corroboraria as afirmações acima? Justifique. GRUPOS SOCIAIS CONCEITO “[...] pluralidade de indivíduos que estão em contato uns com os outros, que se consideram mutuamente e que estão conscientes que têm algo significativamente importante em comum.” FIXAÇÃO - Caderno de Psicologia – Psicologia Social – p. 196 e 202 a 204). 61 POR QUE EXISTEM GRUPOS SOCIAIS? Segundo os autores diferentes grupos sociais existiriam no contexto macrossocial face às diferentes necessidades dos indivíduos que os compõem. Tais necessidades poderiam ser: de afeição, de prestígio, de poder; necessidades espirituais, de lazer etc. Um indivíduo, por exemplo, que possua diferentes necessidades (afeição, poder espirituais etc.) pode, inclusive, fazer parte de vários grupos sociais ao longo de sua existência. Analise a figura abaixo: GRUPO DE AMIGOS GRUPO POLÍTICO GRUPO RELIGIOSO FAMÍLIA PRINCIPAIS CARACTERÍSTICAS DOS GRUPOS SOCIAIS Todos os grupos sociais possuem: a) Valores (razões, crenças, justificativas, aspirações ideológicas) e, a partir desses valores são produzidas b) Normas (regras de conduta, de vestimenta, de linguajar etc). As normas, por conseguinte, produzem expectativas de desempenho. Quando um indivíduo, pertencente a um determinado grupo social, frustra os demais componentes daquele grupo em relação ao cumprimento das normas, o grupo pode reagir em relação a esse indivíduo de diferentes formas: punindo-o, excluindo-o, agredindo-o, colocando esse indivíduo no ostracismo 20 etc. Analise o esquema a seguir: 20 Ostracismo – Aqui, no sentido de exílio, repúdio, repulsa. 62 TIPOS DE GRUPOS Quanto ao tipo, os grupos são classificados de primários e secundários. Grupos primários são grupos constituídos a partir de necessidades e/ou objetivos afetivos, pessoais (aceitação, amizade etc). Exemplos de grupos primários são a família e os grupos de amigos. Grupos secundários são grupos constituídos a partir de necessidades e/ou objetivos não afetivos, impessoais (normalmente tais grupos são constituídos para realizar tarefas ou para produzir algo). Exemplos de grupos secundários são os grupos e as equipes de trabalho. Analise os esquemas abaixo: DISCUSSÃO RELAÇÕES PRIMÁRIAS e RELAÇÕES SECUNDÁRIAS NOS GRUPOS SOCIAIS – E QUANDO AS COISAS SE CONFUNDEM? 63 POSIÇÃO SOCIAL, PAPEL SOCIAL E DESEMPENHO DE PAPEL INSTITUIÇÕES SOCIAIS DEFINIÇÕES As estruturas sociais estáveis (ou formas de organização) baseadas em regras e procedimentos padronizados, socialmente reconhecidos, aceitos, sancionados e seguidos pela sociedade são denominadas Instituições Sociais. Em um plano formal, uma sociedade não é mais que isso: um tecido de instituições que se interpenetram e se articulam entre si para regular a produção e a reprodução da vida humana sobre a terra e a relação entre homens. As instituições, portanto, são formadas para atender as diversas e diferentes necessidades de uma sociedade. Elas servem como instrumento de regulação e controle da vida e das atividades dos membros dessa sociedade. O processo de socialização também pode significar a assimilação das instituições sociais por parte de um indivíduo. As instituições “moldam” as subjetividades, de sorte a estabelecer o papel, a posição, as funções, a visão de mundo etc. de todos os indivíduos pertencentes a uma dada sociedade. 64 TIPOS DE INSTITUIÇÕES O INDIVÍDUO E OS PROCESSOS DE INSTITUCIONALIZAÇÃO E DE DESINSTITUCIONALIZAÇÃO Ao vivermos numa dada sociedade (cultura) assimilamos e, por conseguinte, nos estruturamos psicológica e socialmente, em função das instituições sociais que encontramos. Tal processo, chamado de institucionalização, é fundamental na vida e no desenvolvimento de um indivíduo por dois motivos principais: 1º) A partir da assimilação dessas instituições podemos encontrar um sentido a nossa própria existência dentro daquele grupo social; 2º) A assimilação das instituições sociais nos permitirá estabelecer vínculos com os demais indivíduos. Ou seja, poderemos nos integrar à sociedade. Não seremos rejeitados e nem colocados no isolamento social. Isto será de fundamental importância para o nosso desenvolvimento psíquico e social. De igual forma, quando nos envolvemos, ou passamos a viver, em função de uma determinada instituição (p.ex., uma religião, a prisão etc.), lentamente “introjetamos” aquela instituição. Esse processo, normalmente, é capaz de nos modificar (valores, atitudes e comportamentos). Por um outro lado, a saída, pelo motivo que seja, dessa instituição também poderá ser um processo lento e difícil (desinstitucionalização). Em alguns casos poderá nem mesmo ocorrer! Nesses casos o indivíduo enfrentará 65 graves dificuldades de se adaptar as suas novas e atuais experiências e/ou instituições. DICA CINEMATOGRÁFICA Assista ao filme “Um sonho de liberdade”, com Tim Robbins e Morgan Freeman, de 1994. Direção de Frank Darabont. ORGANIZAÇÕES SOCIAIS DEFINIÇÕES “[...] uma unidade social conscientemente coordenada, composta de duas ou mais pessoas, que funciona de maneira relativamente contínua, para atingir um objetivo comum.” (ROBBINS, 2002, p.2) “A civilização moderna depende em grande parte das organizações que constituem a forma mais racional e eficiente de agrupamento social que se conhece.” (JONHSON, 192, p. 31 apud BRAGHIROLLI; PEREIRA; RIZZON, 1994, p. 124) MODELO DAS ORGANIZAÇÕES FORMAIS HIERARQUIA DIVISÃO DE TRABALHO E FUNÇÃO GRUPO DE PESSOAS OBJETIVOS COMUNS, EXPLÍCITOS COORDENAÇÃO E PLANEJAMENTO 66 RELAÇÕES ENTRE AS INSTITUIÇÕES E AS ORGANIZAÇÕES SOCIAIS ANÁLISE DO PODER NAS INSTITUIÇÕES SOCIAIS A questão do poder disciplinar em Foucault 21 O presente trabalho pretende fazer uma breve análise sobre a teoria do poder disciplinar presente no livro “Vigiar e Punir” de Michel Foucault (1926-1984). O filósofo francês nos trás de forma polêmica e inovadora o nascimento de uma nova forma de poder coercitivo: o poder disciplinar que surgiu no Ocidente no século XVIII. De acordo com a teoria de Foucault, esta forma de poder nasce a partir de uma nova concepção da sociedade com a queda do chamado poder soberano predominante nos regimes absolutistas da Europa. A nova sociedade, filha das revoluções liberais, governada pela ideologia burguesa, vê o poder disciplinar como a forma mais cabível e eficaz de garantir a ordem, substituindo os suplícios e espetáculos de execução pública. A teoria de Foucault sobre o poder A proposta filosófica de Michel Foucault é com certeza revolucionária e original, tendo como objeto de estudo o poder e suas formas de manifestação. Este filósofo de nosso tempo concebe o poder não de maneira vertical ou mesmo maniqueísta em uma dialética entre “opressores” ou aqueles que exercem o poder e “oprimidos” aqueles que sofrem com a coerção do mesmo. A polêmica teoria sobre o poder proposta por Foucault torna-se original, pois para o filósofo, não existe uma teoria geral ou mesmo axiomática do poder, suas análises não o consideram a realidade com característica universal. De acordo com Roberto Machado, para Foucault não existe algo unitário ou global que chamamos de poder, mas sim, formas díspares, heterogêneas em constante transformação, o poder é uma 21 Adaptado de CAMACHO, V.M. Disponível em: http://fabiopestanaramos.blogspot.com.br/2011/05/questao-do- poder-disciplinar-em.html>. Acesso em 19.06.12 67 prática social e, como tal, constituída historicamente. Logo, as práticas ou manifestações de poder variam em cada época ou sociedade. Para Foucault toda teoria é provisória, acidental e dependente do estado de desenvolvimento da pesquisa, aceitando seus limites. Poderíamos entender que as teorias propostas anteriormente sobre o exercício do poder não são falsas ou errôneas, mas deram conta de explicar a sociedade de seu tempo. O próprio filósofo aceita que suas teorias também são provisórias e possíveis de serem refutadas ou mesmo derrubadas. Segundo Foucault, o poder não emana unicamente do sujeito, mas de uma rede de relações de poder que formam o sujeito, dentre outros elementos, tal como o discurso, a arquitetura ou mesmo a própria arte. O poder é concebido como uma rede, não nasce por si só, mas de relações sociais. Outro aspecto inovador da teoria de Foucault é observar este mesmo poder como algo muitas vezes positivo, inerente à natureza humana, manifestado em pequenas coisas, através de pequenos dispositivos. Em seu livro “Vigiar e Punir”, que trata sobre o nascimento da prisão e outras instituições disciplinares, o filósofo discorre de forma minuciosa e instigante sobre a questão do poder disciplinar. Na terceira parte de sua obra, Foucault explica que a partir dos séculos XVII e XVIII o poder foi exercido através de dispositivos disciplinares, o Estado ou mesmo a sociedade se utilizou do corpo, da vigilância e do adestramento para garantir a obediência e disciplinar os indivíduos. O desaparecimento dos suplícios e a disciplina sobre o corpo Foucault analisa e discute uma profunda metamorfose quanto à forma de punição e condenação dos presos e criminosos na Europa. Anteriormente, o espetáculo de execução publica de condenados a morte era utilizado como instrumentos disciplinar. A execução em praça pública, desde a Idade Média, com os Atos de Fé da Inquisição, gerava nos expectadores não somente o terror, mas também o medo de cometer algum tipo de crime contra a fé. Tais formas de punição estão estreitamente ligadas ao chamado poder de soberania que consiste no exercício do poder de um governante sobre um território. Modelo comum aos déspotas e monarcas da Europa entre os séculos XV a XVIII. O poder era, portanto, exercido e representado através dos suplícios, da força e da violência. Aos poucos, esta forma de condenação desapareceu cedendo espaço a uma nova forma de punição. Uma nova concepção filosófica, a partir do iluminismo e das revoluções liberais, bem como as novas teorias sobre o direito, fizeram a morte em público começar despertar terror e repúdio na população o que levou a novas formas de condenação. O espetáculo da execução passou a ser condenado pela grande parte da sociedade. O novo modelo disciplinar de punição do criminoso consistia em não tocar ou aproximar-se do corpo do individuo. Obviamente, algumas práticas ainda persistiram como o uso do chicote ou do cassetete. A condenação dos indivíduos passou a se dar de forma mais velada e sutil. A violência não foi assumida como carro chefe da justiça, porém utilizada em último caso de forma indecorosa e indesejável. O poder de soberania cedeu espaço ao chamado poder disciplinar. Discorrendo sobre a questão do poder disciplinar, Foucault identificou o corpo como objeto e alvo de poder. Citou o exemplo do soldado que reflete sua disciplina através de sua postura e do próprio corpo, como percebemos no fragmento abaixo: “O poder sobre o corpo, por outro lado, tampouco deixou de existir totalmente ate meados do século XIX. Sem dúvida, a pena não mais se centralizava no 68 suplicio como técnica de sofrimento; tomou como objeto a perda de um bem ou de um direito. Porem castigos como trabalhos forçados ou prisão - privação pura e simples da liberdade – nunca funcionaram sem certos complementos punitivos referentes ao corpo: redução alimentar, privação sexual, expiação física, masmorra. Consequências não tencionadas mas inevitáveis da própria prisão? Na realidade, a prisão, nos seus dispositivos mais explícitos, sempre aplicou certas medidas de sofrimento físico. A critica ao sistema penitenciário, na primeira metade do século XIX (a prisão não e bastante punitiva: em suma, os detentos tem menos fome, menos frio e privações que muitos pobres ou operários), indica um postulado que jamais foi efetivamente levantado: e justo que o condenado sofra mais que os outros homens? A pena se dissocia totalmente de um complemento de dor física. Que seria então um castigo incorporal? Permanece, por conseguinte, um fundo "suplicante" nos modernos mecanismos da justiça criminal - fundo que não esta inteiramente sob controle, mas envolvido, cada vez mais amplamente, por uma penalidade do incorporal. (FOUCAULT, 2004, p.18)” Nos perguntemos qual seria o objetivo de se disciplinar o corpo? Foucault responde ao tratar dos chamados corpos dóceis. A disciplina sobre o corpo tem por finalidade produzir indivíduos dóceis e submissos a determinados sistemas, ao mesmo tempo, estes devem oferecer uma mão-de-obra de qualidade que ajude o desenvolvimento econômico da sociedade. A disciplina tem seu aspecto político ao produzir indivíduos submissos ao poder do Estado, garantindo o “equilíbrio” e a “ordem”. O poder e a disciplina sobre o corpo possibilitam o funcionamento de instituições e grupos sociais. Desta forma, Foucault nos mostra que o corpo passa a ser considerado um objeto possível do controle disciplinar. A nova organização política e social, exige também novas formas de disciplina. A experiência decorrente dos movimentos de revolução ocorridos na Europa, demonstrou que o exercício do poder através da violência se tornou ineficaz. O controle sobre o corpo e sobre o modo de vida dos indivíduos, de forma sutil, evitava possíveis levantes e protestos, mostrando-se mais eficiente. A organização do espaço Outro aspecto do poder disciplinar se relaciona também com o espaço através das disposições e organizações do mesmo. Através da disposição dos objetos e estrutura dos prédios, o poder disciplinar é exercido através da observação vigilante e a sensação de estar sempre sob a presença do poder maior coercitivo. A prisão não mais será um ambiente escuro e sombrio, mas sim um espaço iluminado que possibilite a vigilância da vida e das atitudes dos detentos. Um simples olhar ou mesmo a vigilância sobre os presos garantem a disciplina e a submissão dos indivíduos. O novo modelo de construção utilizado nas prisões (o pan-óptico) acabou servindo para outras instituições que pretendiam obter a disciplina e obediência como foi o caso das fábricas, a começar pela Inglaterra no século XVIII estendendo-se pela Europa no século XIX. De acordo com Michele Perrot, o espaço de produção era organizado de forma circular, no centro situava-se, geralmente, as peças ou a matéria prima para a confecção de produtos. Desta forma, o indivíduo que tivesse a responsabilidade de cuidar do andamento da produção poderia ver todos os operários a sua volta, evitando possíveis furtos ou indisciplina. A dinâmica do novo modelo de organização espacial, como já fora dito, foi estendida outras instituições e espaços, como escolas, hospitais, dentre outros. Os espaços fechados eram, ao mesmo tempo, arejados e amplos, permitindo a vigilância dos diversos indivíduos ali presentes. O nascimento de uma nova sociedade, a partir dos ideais 69 iluministas e das revoluções burguesas, a privação da liberdade que se tornara tão preciosa à sociedade contemporânea, tornou-se uma forma de punição mais incisiva, substituindo os suplícios, uma vez que os direitos do homem e do cidadão passam a ser centrais na organização social. A detenção em prisões priva o indivíduo da liberdade e de seus direitos colocando-o a margem da sociedade. A punição, novamente, se daria sem o recurso da violência contra o corpo. O controle do tempo Assim como o espaço será determinante para a formação de uma sociedade disciplinar, outro aspecto analisado por Foucault será a nova concepção de tempo bem como a sua organização. A nova sociedade regida pelo poder disciplinar utiliza-se do tempo como um de seus mecanismos de controle. A começar novamente pelo exemplo dos presídios, em um modo de vida quase monástico, todas as horas do dia dos detentos são preenchidas com diversas atividades como refeições e trabalho. Oração com horários bem delimitados e previamente determinados. Tais horários são anunciadas por algum tipo de sinal sonoro; desta forma os indivíduos voltam suas mentes para as atividades impostas pela instituição da qual estão ligados. O controle de todas as horas do dia, enquanto dispositivo do poder disciplinar, evitava qualquer tipo de organização ou mesmo de um pensamento rebelde uma vez que o foco eram as tarefas a serem realizadas. A possibilidade de uma ação de resistência deste modo é coibida, da mesma forma, os indivíduos que estiverem em tal situação estavam sob constante vigilância, o que inibia levantes. A vigilância por seu turno é acompanhada de rigorosas punições, o que exerce o medo sobre o indivíduo, na maioria das vezes sem o apelo da violência, utilizando-se de outras formas de castigo, como a chamada solitária. Isolando o indivíduo dos outros, além da diminuição da alimentação ou da atividade sexual, o indivíduo é conduzido a momentos de forte pressão psicológica. A prisão nada mais é do que um local de privações, a perda da liberdade e do direito de ir e vir tornam-se agora os maiores receios da sociedade. Concluindo A partir das teorias sobre o poder disciplinar de Foucault, percebemos como o exercício deste poder se deu através de diversos disposit ivos e elementos que elencamos. Primeiramente, o poder sobre o corpo representou o controle sobre os indivíduos e suas necessidades biológicas. Uma vez adestrado, este será útil e submisso ao sistema que se impõe, contribuindo para o equilíbrio e a ordem. O aspecto da construção se mostrou como forma de punição eficaz através da privação dos direitos de liberdade, bem como o ir e vir, excluindo o sujeito de um determinado grupo social. Estendendo-se para outros espaços que não necessariamente pretendem punir, esta forma de poder também se manifesta através da vigilância e eminência de formas de punição que castigam o corpo não de forma física, mas psicológica e biológica. Por fim, o controle do tempo garante a disciplina dos indivíduos e seu adestramento, evitando atitudes de rebeldia. 70 Tais dispositivos essenciais para o funcionamento do poder disciplinar estão presentes em nossa sociedade até os nossos dias, muitas vezes de forma sutil, mas que ainda garantem a ordem e a manutenção do meticuloso funcionamento da sociedade ocidental contemporânea. 71 EXCLUSÃO SOCIAL REFLEXÕES Os excluídos não são simplesmente rejeitados física, geográfica ou materialmente, não apenas do mercado e de suas trocas, mas de todas as riquezas espirituais, seus valores não são reconhecidos, ou seja, há também uma exclusão cultural. DÚVIDA É O PRÓPRIO INDIVÍDUO QUE SE EXCLUI DA SOCIEDADE OU É A SOCIEDADE QUE EXCLUI O INDIVÍDUO? PRINCIPAIS TEORIAS 1º. O Individualismo e o liberalismo - A situação social de um indivíduo depende em grande parte das escolhas que o próprio indivíduo faz ao longo de sua vida. Tais ideias sustentam-se nos valores burgueses: liberdade, individualismo, propriedade privada e limitação do poder do Estado 22 . (Herbert Spencer – 1820 – 1903) 2º. Darwinismo social – Teoria oriunda das ideias sobre os processos de evolução da vida, de Charles Darwin, que estendeu a aplicação do conceito de seleção natural para as sociedades humanas, essas, por conseguinte, concebidas como sistemas que evoluem por competição entre indivíduos, grupos e nações. “Somente sobrevivem os mais aptos.” (Spencer) (Karl Marx – 1818 – 1883) 3º. O pensamento de Karl Marx - A situação social de um indivíduo é resultado de um processo de construção, baseado numa lógica de classes. “O modo de produção da vida material é que condiciona o processo da vida social, política e espiritual. Não é a consciência dos homens que determina o seu ser, mas, inversamente, o seu ser social que determina a sua consciência.” (MARX; Prefácio de Para a Crítica da Economia Política) 22 Sugiro a leitura do texto INDIVIDUALISMO E LIBERALISMO: VALORES FUNDADORES DA SOCIEDADE MODERNA, de João Batista Damasceno. Disponível em http://www.achegas.net/numero/doze/damasceno_12.htm. 72 INFORMAÇÃO Um conceito importante relacionado à exclusão social é o de minorias sociais. Tal conceito reflete uma “categoria de indivíduos considerados merecedores de tratamento desigual e humilhante simplesmente porque são identificados como a ela pertencentes. (JOHNSON, 1997, p. 149) Exclusão Social: articulações possíveis 1º. ECONÔMICA - trata-se basicamente da “pobreza”, situação de privação de recursos. Caracterizada geralmente por más condições de vida, baixos níveis de instrução e qualificação profissional, emprego precário etc. 2º. SOCIAL - a causa está atrelada ao domínio dos laços sociais. Situação de privação do tipo relacional, caracterizada pelo isolamento. Como exemplo citamos os idosos, deficientes. Este tipo de exclusão pode não ter qualquer tipo de relação com a pobreza, mas sim ser consequência de distintos modos de vida familiar. Entretanto, ela também pode estar atrelada ao aspecto econômico, sendo a questão social decorrente da econômica. 3º. CULTURAL - as formas deste tipo de exclusão estão relacionadas com os fatores culturais, como o racismo, a xenofobia, dificultando a integração social entre os diferentes. 73 4º. PATOLÓGICA - as situações de exclusão se devem a casos de origem patológica, especialmente de ordem psicológica ou mental. Tal situação é a causa da maioria dos casos de ruptura familiar. 5º. COMPORTAMENTOS AUTODESTRUTIVOS - trata-se de comportamentos relacionados com a toxicodependência, o alcoolismo etc., gerando a exclusão desses indivíduos. Geralmente, estes casos têm origem na pobreza, o que não significa, evidentemente, que em outras classes econômicas tais comportamentos não possam ocorrer, neste caso, por outros fatores (p.ex., desagregação familiar, falta de afeto etc.). REFLEXÃO Na prática, vários tipos de exclusão podem aparecer de formas sobrepostas, um sendo consequência do outro. DÚVIDA Os homossexuais são vítimas de algum tipo de exclusão? Se sim, qual? REFLEXÕES Até onde o Direito estaria engajado, cooptado, conivente com as estratégias sociais de poder e de manutenção das desigualdades e injustiças sociais? Exemplo: Por que o Código Penal comina pena de detenção, de 3 meses a 1 ano para o crime de Lesão Corporal (Art. 129), e, para o crime de Furto (Art. 155) comina pena de reclusão, de 1 a 4 anos, e multa? O CONFORMISMO COMO ESTRATÉGIA DE DOMINAÇÃO Naturalizar um fato social e conferir-lhe a condição de rotineiro, comum, banal, natural. Isto faz com que o fato perca a sua dinâmica enquanto um processo que implicaria diversos fatores (históricos, econômicos, culturais, políticos etc.). A naturalização de um fato social gera, como uma de suas consequências psicológicas, o conformismo: “isso é assim, mesmo!” Assim entendido, o conformismo é uma ideologia que nos orienta cotidianamente. Que nos faz imaginar que as causas desses fatos possam ser atribuídas ao indivíduo, isoladamente, e não ao processo social no qual ele está inserido e é produto. A partir 74 de uma lógica eminentemente neoliberal, por exemplo, a questão do desemprego estrutural é, comumente, explicada como uma questão de “empregabilidade”, ou mesmo em função dos avanços das tecnologias de produção. Ou seja, o indivíduo é o único responsável pelas suas possibilidades de estar ou não empregado. RESPONDA Qual o papel das diferentes mídias (notadamente da TV) nesse processo de naturalização das questões sociais, bem como de produção de uma “atitude conformista de massa”? Dê exemplos. (6) VIDE AS ATIVIDADES PROPOSTAS PARA ESSES CONTEÚDOS 75 ASPECTOS PSICOLÓGICOS DAS RELAÇÕES HUMANAS INFLUÊNCIAS SOCIAIS Quando falamos em influência social estamos nos referindo ao fato de uma pessoa poder ter seus comportamentos, seus pensamentos ou mesmo as suas atitudes influenciados ou modificados por outras pessoas (p.ex., um grupo social). PRESSÃO SOCIAL E MUDANÇA DE JULGAMENTOS Salomon Asch (1907-1996) projetou um teste simples (1955) para verificar o grau médio de conformismo das pessoas (comportamentos, pensamentos, atitudes etc) em relação às pressões grupais: Como um participante de uma pesquisa, você chega no local do experimento a tempo de sentar na extremidade de uma fila em que já há cinco pessoas sentadas. O experimentador pergunta qual das três linhas de comparação é idêntica à linha padrão (figura abaixo): Você verifica claramente que a resposta é a linha 2 e aguarda a sua vez para dizer isso, depois dos outros. Seu tédio com esse experimento começa a transparecer quando o conjunto seguinte de linhas é igualmente fácil. Agora vem a terceira prova, e a resposta correta também parece evidente, mas a primeira pessoa dá o que você acha ser uma resposta errada: “Linha 3”. Quando a segunda pessoa, depois a terceira e a quarta também dão a mesma resposta errada, você se empertiga e contrai os olhos. Quando a quinta pessoa concorda com as três primeiras, você sente seu coração começar a bater forte. O pesquisador olha para você, à espera de sua resposta. 76 Dividido entre a unanimidade dos outros cinco sujeitos e a evidência de seus olhos, você se sente confuso e muito menos seguro de si do que era momentos antes. Hesita antes de responder, imaginando se deve sofrer o constrangimento de ser encarado como alguém diferente. Que resposta você dá? Asch relata que em mais de um terço das vezes seus sujeitos universitário “inteligente e bem-intencionados” se mostraram dispostos a acompanhar o grupo” (adaptado de Myers,D., 1999, pp 391-2). Razões do conformismo 1. Fazemos isso para evitar a rejeição social ou ganhar aprovação social. Nesse caso, estamos reagindo ao que os psicólogos sociais chamam de “influência social normativa”; 2. Mas o respeito às normas não é o único motivo pelo qual nos conformamos: o grupo pode fornecer informações valiosas. Só uma pessoa muito obstinada nunca vai ouvir os outros. Quando aceitamos as opiniões dos outros sobre a realidade, estamos reagindo à “influência social informativa.” O QUE SÃO ATITUDES? Uma atitude é “uma organização duradoura de crenças e cognições em geral, dotada de carga afetiva pró ou contra um objeto social definido, que predispõe a uma ação coerente com as cognições e afetos relativos a este objeto. Uma distinção importante é a de que “todas as atitudes incorporam crenças, mas que nem todas as crenças fazem parte, necessariamente, das atitudes.” [...] “as crenças têm apenas um componente cognitivo enquanto as atitudes têm tanto o componente cognitivo quanto o afetivo.”. Em termos mais simples, podemos então dizer que quando uma crença polariza sobre si componentes afetivos e ambos, crença (Leitura Complementar – Caderno de Psicologia – Processos de Grupo – p. 195 a 200) 77 e afeto, agem no sentido de influenciar o comportamento, aí, então, temos uma atitude. Analise a figura abaixo: Característica de uma atitude Mudança de atitude Apesar de serem relativamente estáveis, as atitudes são passíveis de mudança. [...] Como vimos anteriormente, os componentes cognitivo, afetivo e comportamental que integram as atitudes sociais influenciam-se mutuamente em direção a um estado de harmonia. Qualquer mudança num destes três componentes é capaz de modificar os outros, de vez que todo o sistema é acionado quando um de seus componentes é alterado, tal como num campo de forças eletromagnético. Consequentemente, uma informação nova, uma nova experiência ou um novo comportamento emitido em cumprimento as normas sociais, ou outro tipo de agente capaz de prescrever comportamento, pode criar um estado de inconsistência entre os três componentes atitudinais de forma a resultar numa mudança de atitude. Atitude negativa: o preconceito Teoricamente, os preconceitos podem ficar incluídos na classe das atitudes, exibindo, em consequência dessa inserção, os três elementos acima descritos (quais sejam, cognições, afetos e tendências comportamentais); apresentam, porém, em adição e em contraste com elas, duas características que lhes são específicas: a de que se formam sempre em torno de um núcleo afetivamente negativo e a de que são dirigidos contra grupos de pessoas. 78 Discriminação Uma ação qualquer ensejada por algum preconceito caracterizaria o que se chama discriminação. Porém, “preconceito e discriminação nem sempre ocorrem juntos. É possível ter preconceito contra um determinado grupo sem se portar abertamente de maneira hostil ou discriminatória em relação a ele. Por exemplo: um lojista racista pode sorrir para um cliente negro para disfarçar opiniões que poderiam prejudicar seu negócio. Do mesmo modo, muitas práticas institucionais podem ser discriminatórias, embora não se baseiem no preconceito. Por exemplo: as normas que estabelecem uma altura mínima para policiais podem discriminar mulheres e determinados grupos étnicos – cuja altura é inferior ao padrão arbitrário -, embora essas normas não se originem em atitudes sexistas ou racistas. INFORMAÇÃO: LEI Nº 7.716, DE 5 DE JANEIRO DE 1989 Define os crimes resultantes de preconceito de raça ou de cor. (Alterada pelas Leis nº 8.081/90 e 9.459 / 97 já incluídas no texto) (http://www.planalto.gov.br/CCivil_03/LEIS/L7716.htm) Estereótipos De fato, um estereótipo não é uma crença mas um tipo de associação mental simplista que fazemos entre duas coisas que visa facilitar a nossa vida cotidiana. Tais associações podem ser conscientes (explícitas) ou inconscientes (implícitas). “Muitas pessoas vinculam, involuntariamente, deficiência com fraqueza, árabe com terrorismo ou pobre com inferioridade, mesmo que tais estereótipos contrariem a racionalidade e até mesmo valores que lhes são caros, como o de justiça ou igualdade. Estereótipos podem gerar uma percepção seletiva dos outros: “Por exemplo: uma vez que você classificou alguém como homem ou mulher, talvez conte mais com seu estereótipo daquele gênero que com suas próprias observações sobre as atitudes da pessoa. Pelo fato de as mulheres serem estereotipadas tradicionalmente como mais emotivas e submissas, e os homens como mais racionais e assertivos [...] talvez você veja mais esses traços em homens e mulheres do que eles realmente existem.” 79 “Pessoas invisíveis” “Em novembro de 1994, o então estudante do 2º ano de Psicologia da Universidade de São Paulo (USP) Fernando Braga tornou-se invisível. 'Fiquei atordoado, não conseguia sentir o gosto da comida, perdi meu centro', lembra. Nem loucura nem ficção científica. Braga atingiu a invisibilidade ao vestir um uniforme de gari. Como parte de um estágio solicitado por uma das disciplinas que cursava, ele resolveu acompanhar, de duas a três vezes por semana, a rotina dos garis da Cidade Universitária - pegando no pesado junto com eles. Ao vestir calça, camisa e boné como seus colegas de 'varreção', esperava causar espanto, curiosidade ou até mesmo indignação em seus amigos, professores, companheiros de futebol e conhecidos da USP. No entanto, não conseguiu nem mesmo receber um bom-dia. 'Atravessei o andar térreo da Psicologia de ponta a ponta. Estava atento, buscava a expressão de surpresa em alguém. Mas nada acontecia', conta. 'Deixei de esperar perguntas intrigadas, mas ainda seria capaz de responder a algum cumprimento. Nada.' Os professores com quem havia conversado pela manhã passaram por ele e nem perceberam sua presença. Não é que tenha sido ignorado, menosprezado, rejeitado. Pior: nem foi visto. Era como não estar lá; como 'não ser'. O mal-estar experimentado por Braga jamais o abandonou. Ele passou os nove anos seguintes trabalhando com os garis da USP e transformou em tese de mestrado o indigesto tema da 'invisibilidade pública' - o desaparecimento de um homem no meio de outros homens. Concluída em 2002, a tese agora vira livro lançado pela editora Globo. Ironicamente, o psicólogo ganhou visibilidade falando da invisibilidade, que, segundo ele, está relacionada à divisão social do trabalho e afeta até mesmo quem não é totalmente excluído economicamente. Ela seria uma espécie de cegueira psicossocial, que elimina do campo de visão da maioria da população aqueles que são condenados a exercer uma atividade subalterna, desqualificada, desumanizante e degradante o dia inteiro, às vezes uma vida inteira. É uma situação diferente da contada pelo escritor americano Ralph Ellison, que nos anos 50 lançou seu romance O Homem Invisível. Ellison, negro, contava a história de um descendente de escravos que ao percorrer os Estados Unidos descobriu apenas que, por ser negro, era ignorado - segundo ele, algo muito pior que ser confrontado ou desprezado. Braga mostra que, independentemente do preconceito racial, o preconceito social também é tão incrível que leva a simplesmente apagar pessoas do campo de visão. 'Nem na Suécia uma criança é incentivada pelos pais a ser gari, faxineiro ou coveiro', provoca. 'Não tem a ver com salário, mas com a simbologia.' Todo mundo se sente invisível em algum momento da vida - numa festa de gente de outra tribo, no emprego novo em que não se conhece ninguém. Mas essas são outras invisibilidades, circunstanciais, e portanto passageiras, reversíveis. O estudo de Braga é sobre uma invisibilidade tão automatizada na sociedade que muitas vezes nem mesmo o ser invisível se dá conta de sua degradante situação. 'Se ele percebe, carece de armas para o combate. Depois de ser ignorado a vida inteira ou, no máximo, maltratado, ninguém anda de cabeça erguida.' De fato, na maioria das vezes, o gari que limpa nossa cidade só é notado quando falta ao serviço. O ascensorista é tratado como uma máquina que 80 funciona por comando de voz, sem direito a 'por favor' nem 'obrigado'. A empregada doméstica põe o avental, alimenta a família e deixa a casa organizada anos a fio, mas os patrões mal sabem seu sobrenome, se tem filhos, se está com algum problema. Os únicos cidadãos que vestem uniforme para servir aos outros e ganham visibilidade e reconhecimento são os que estão em situação de poder sobre o interlocutor - médicos, enfermeiros, policiais. 'Algumas profissões estão num nível de rebaixamento absoluto', reforça Braga. 'As pessoas estão habituadas a passar pelos garis como quem passa por objetos', assinala. Nilce de Paula, mineiro de 61 anos, confirma. Desde que chegou a São Paulo, aos 18 anos, trabalhou em bar, restaurante, fez salgadinhos para vender, foi ascensorista - de terno e gravata, orgulha-se - e carregou contêineres de veneno. Já tinha experimentado o preconceito racial, mas a indiferença mesmo só conheceu quando virou gari. 'Às vezes estou trabalhando na avenida e passa uma pessoa. Mesmo que ela não me cumprimente, eu cumprimento, porque um bom-dia não custa nada', afirma. 'O pior é quando os carros quase passam por cima da gente, sem nem tentar desviar. A gente tem de trabalhar de frente para a avenida e se cuidar.' A invisibilidade pública vem sempre na companhia da humilhação social, o sofrimento pelo rebaixamento político, social e psicológico experimentado continuamente por cidadãos de classes D e E. O conceito é recente e foi cunhado por José Moura Gonçalves Filho, orientador de Braga. Afeta o raciocínio, a visão e o afeto de quem é discriminado. 'O invisível não tem voz, seu discurso não é levado em conta, sua opinião sobre o mundo não importa. Ele aparece apenas como ferramenta', diz o psicólogo. Funcionária de uma empresa terceirizada de limpeza, a baiana Sônia Aragão, de 34 anos, veio para São Paulo em 1996, depois de ter passado pela lavoura, por restaurantes e casas de família. Ter de usar uniforme foi um choque: 'Tem gente que passa reto e faz de conta que não me vê. Eu mesma me sinto estranha com esta roupa, porque parece que não sou eu. Quando não estou de uniforme, pelo menos as pessoas me olham, mesmo que não falem comigo', diz.”23 23 Fonte: http://revistaepoca.globo.com/Epoca/0,6993,EPT764232-1664,00.html. Acesso em 03/07/12. Vide texto “Estereótipos de gênero” –Caderno Introdução à psicologia, p. 19.) (7) VIDE OS EXERCÍCIOS PROPOSTOS PARA ESSES CONTEÚDOS. 81 JUSTIÇA RESTAURATIVA E MEDIAÇÃO DE CONFLITOS A Justiça Restaurativa é um "processo colaborativo que envolve aqueles afetados mais diretamente por um crime, chamados de ‘partes interessadas principais’, para determinar qual a melhor forma de reparar o dano causado pela transgressão". [...] "a essência da justiça restaurativa é a resolução de problemas de forma colaborativa. Práticas restaurativas proporcionam, àqueles que foram prejudicados por um incidente, a oportunidade de reunião para expressar seus sentimentos, descrever como foram afetados e desenvolver um plano para reparar os danos ou evitar que aconteça de novo. A abordagem restaurativa é reintegradora e permite que o transgressor repare danos e não seja mais visto como tal. [...] O engajamento cooperativo é elemento essencial da justiça restaurativa". Trata-se, enfim, de suprir as necessidades emocionais e materiais das vítimas e, ao mesmo tempo, fazer com que o infrator assuma responsabilidade por seus atos, mediante compromissos concretos. (http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=7359) O conceito de Justiça Restaurativa coloca a sua ênfase no dano causado à vitima assim como à própria comunidade onde esta se encontra inserida. Procura estabelecer um reconhecimento geral de que o crime é tanto uma violação das relações entre um conjunto específico de pessoas; como uma violação contra todos – e logo contra o Estado. Sempre que seja considerado apropriado, a vitima e o arguido tem a hipótese de se confrontar num ambiente controlado, dando desta forma a oportunidade a ambos de explicar as causas e as consequências pessoais do crime. O objetivo central passa pela revalorização do papel da desculpa e da tentativa real da reparação do dano causado. De forma simplificada, o conceito de Justiça Restaurativa baseia-se na teoria dos três R: a) Atuar para que o arguido assuma a sua Responsabilidade; b) Permitir uma melhor Reintegração do arguido na Comunidade; c) Estimular a Reparação do dano causado; (http://justicarestaurativa.wordpress.com/2007/05/01/definicao-de-justica- restaurativa/) Benefícios da Justiça Restaurativa Celeridade e economia de recursos na resolução das lides judiciais; “Compensações psicológicas” às vítimas; Possibilidade de os autores reconhecerem os danos causados por suas ações e de agirem no sentido da restauração ou reparação do dano causado (ressocialização); Participação da comunidade no Judiciário. 82 Justiça Restaurativa e Legislação Brasileira Deve-se assinalar, de início, que não há na legislação brasileira dispositivos com práticas totalmente restaurativas. Existem, contudo, determinados diplomas legais os quais podem ser utilizados para sua implementação, ainda que parcial. De acordo com Pedro Scuro Neto, um programa efetivo de Justiça Restaurativa requer que sejam estabelecidos, "por via legislativa, padrões e diretrizes legais para a implementação dos programas restaurativos, bem como para a qualificação, treinamento, avaliação e credenciamento de mediadores, administração dos programas, níveis de competência e padrões éticos, salvaguardas e garantias individuais. CONFLITO O QUE É UM CONFLITO? 1. “Simplificadamente, as diferenças não compreendidas, em muitos casos, geram conflitos.” 2. “[...] é resultado de um conjunto de condições psicossocioculturais que determinam colisão de interesses.” REFLEXÃO “[...] o conflito não é destrutivo em si, nem bom em si, e pode ser entendido como um dos elementos da própria vida, portanto, parte integral do meio no qual nascemos, vivemos e morremos, fazendo parte de nossas interações; por isso não pode se extirpado. A questão é saber como manejá-lo de forma a que ambas as partes saiam ganhando, ou seja, eficaz e produtivamente.” Para alguns autores, um conflito é uma excelente oportunidade de crescimento e desenvolvimento. Métodos tradicionais e alternativos de solução de conflitos 1º) JULGAMENTO (Método Tradicional) – De competência do poder Judiciário que, inicialmente, aprecia os fatos (processo) e, posteriormente, impõe sentença em harmonia com a ordem jurídica vigente. Neste método, tipicamente adversarial, uma das partes perde e a outra ganha. Às vezes, ambas perdem. 83 2º) ARBITRAGEM (Método Extrajudicial) – Neste método a decisão será tomada por um terceiro neutro, o árbitro, escolhido pelas partes. Caracteriza-se por ser adversarial. A Lei n. 9.307, de 1996, retirou a obrigatoriedade de homologação do Laudo Arbitral pelo Poder Judiciário. 3º) CONCILIAÇÃO – “O objetivo da conciliação é colocar fim ao conflito manifesto, isto é, a questão trazida pelas partes. O conciliador envolve-se segundo sua visão do que é justo ou não; na busca de soluções, interfere e questiona os litigantes. O conciliador, entretanto, não tem poder de decisão, que deve ser tomada, cooperativamente, pelas partes. Na conciliação, não há interesse em buscar ou identificar razões ocultas que levaram ao conflito e outras questões pessoais dos envolvidos.” (FIORELLI; MANGINI, 2010). É prevista pelo Código de Processo Civil a prática da conciliação, como forma de resolução de conflitos em processos de separação. Essa prática é bastante prestigiada pelo magistrado brasileiro, podendo ocorrer em qualquer tempo durante o processo, quando se oferece às partes uma oportunidade de conciliação sobre o assunto em pauta, extinguindo total ou parcialmente o litígio.” Principais áreas: criminal, família e trabalho.” 4º) MEDIAÇÃO - Segundo Grunspun (2000), a mediação pode ser compreendida como um processo no qual uma terceira pessoa, neutra, o mediador, facilita a resolução de uma controvérsia ou disputa entre duas partes. “Na mediação, (o mediador), atua para promover a solução do conflito por meio do realinhamento das divergências entre as partes, os mediandos. Para isso, o mediador explora o conflito para identificar os interesses que se encontram além ou ocultos pelas queixas manifestas (as posições). O mediador não decide, não sugere soluções, mas trabalha para que os mediandos as encontre e se comprometam com eles. Reconhecer o ponto de vista do outro é fundamental e o mediador empenha-se para que isso aconteça. A pedra de toque é a cooperação e são diversas as técnicas empregadas. (FIORELLI; MANGINI, 2010). O MÉTODO DA NEGOCIAÇÃO (Método Extrajudicial) Nesta modalidade a resolução do conflito caberá as partes. Não se caracteriza como adversarial pois os envolvidos deverão se dispor a buscar uma solução que contemple, na medida do possível, a maior parte dos seus interesses. “A negociação, por outro lado, está presente nos métodos (da conciliação e da mediação), como parte integrante da condução dos trabalhos. Ela também pode 84 acontecer no transcorrer da arbitragem ou do julgamento, com a participação promotores, advogados e árbitros.” (FIORELLI; MANGINI, 2010). (8) VIDE OS EXERCÍCIOS PROPOSTOS PARA ESSES CONTEÚDOS. ***