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Capítulo 10 – A Crise dos Anos Trinta J. Stanley Stein Introdução. A década de 1930 observou uma alteração fundamental na estrutura de influência política brasileira, passando da influência secular dos controladores das plantations, no século XIX representados pelos cafeicultores, para a dos industriais. Segundo Stein, a crise de 1929 e o colapso das políticas de valorização do café foram as responsáveis por tal alteração, mas mesmo naquele momento, dificilmente se preveria a “rapidez e facilidade com que se realizou o processo de integração indústria-governo na década de 1930”. O início da década de 1930 foi marcado pela ascensão também no Brasil do estado corporativista, como o adotado em outros países já industrializados da Europa Ocidental. É nesse contexto de controle político sobre a economia que se explica, por exemplo, a aproximação entre industriais e políticos (lembrar, por exemplo, da aderência de muitos industriais paulistas ao movimento fascista italiano, como relatado no texto de Dean). Apesar deste soerguimento no campo político, deve ficar claro, no entanto, que o estado varguista não foi um estado sob o controle de industriais: o próprio cenário político tornara-se mais complexo, com a emergência de uma burocracia advinda das classes médias e com as pressões sociais cada vez maiores colocadas pela classe trabalhadora, sobretudo na própria indústria. 1 e 2. A partir de 1925, a queda recorrente dos preços do café desestabilizou a economia interna brasileira. A situação tornar-se-ia crítica, porém, a partir de 1929, com o colapso da Bolsa de Nova Iorque enquanto marco do início da Grande Depressão. Apesar do momento de crise, o que se observou na indústria brasileira do período foi um aumento na capacidade produtiva, sobretudo através de novos investimentos. Uma explicação plausível levantada por Stein é que muitos cafeicultores estavam movendo seus capitais para os “negócios da cidade”. Ao mesmo tempo, além de deparar-se com a crise internacional, enfrentava o Brasil um problema de estrutura interno: a crise na cafeicultura anulava qualquer possibilidade de aumento de renda das classes trabalhadoras rurais, consistindo em uma clara barreira à expansão das atividades industriais. Vê-se, portanto, que a situação da indústria no começo daquela década não era nada confortável: crise internacional e colapso da renda interna eram acompanhados por um aumento na capacidade produtiva e, portanto, da concorrência entre os industriais. Após a Revolução de 1930, Vargas instalou dois industriais em cargos fundamentais: na presidência do Banco do Brasil e no Ministério do Trabalho. Com este novo posicionamento político, os industriais conseguiram algumas melhorias: o crédito do BB tornou-se-lhes mais fácil e em 1931 aprovou-se uma lei que restringia a importação de máquinas e equipamentos, sob a alegação de que a indústria nacional enfrentava uma crise de superprodução. Apesar destas medidas quanto à produção, nada foi dito acerca da limitação da jornada de trabalho para oito horas diárias, o que fora visto por alguns como uma medida útil para eliminar a superprodução. O controle sobre a importação de bens utilizados para investimentos, no entanto, seria pouco eficiente no sentido de limitar a produção: nenhum controle foi feito sobre as fábricas, que em muitos casos aumentaram as jornadas de trabalho como forma de reduzir seus custos. Também começou a desenvolver-se no país uma indústria para o fabrico de teares nacionais: “uma das conseqüências da restrição às importações de máquinas foi o nascimento da indústria nacional de teares”. Criava-se, assim, uma situação paradoxal: a indústria alegava estar em meio a uma crise de superprodução, mas, ao mesmo tempo, expandia sua produção como forma de diminuir os custos unitários dos bens produzidos. Em 1937 venceu terminava o prazo da lei de restrição às importações; sua própria razão de ser se extinguira: o mercado internacional estava recuperado e o mercado brasileiro era muito mais robusto, tendo a população brasileira crescido em 35% entre 1920 e 1940. No entanto, as associações têxteis de São Paulo e Rio de Janeiro lutaram fortemente para que as restrições às importações de bens de capital fossem mantidas. Tal posicionamento gerou, por parte dos industriais de menor porte desses dois estados e de industriais de outras unidades da federação, a acusação de que as grandes indústrias paulistas e cariocas estavam buscando limitar a concorrência, não permitindo que novos processos produtivos fizessem concorrência com aquele conduzido por elas. Os resultados da política de restrição às importações de bens de capital para a indústria são ambíguos: entre 1921-1937 (período em que vigorou a restrição), a produção da indústria têxtil de algodão cresceu em 50%. Mas após o fim das restrições, mais que o dobro de máquinas foram importadas, evidenciando que a limitação não interrompeu o crescimento da indústria, mas serviu como uma forma de atenuar a superprodução. 3. Os grandes industriais paulistas e cariocas continuavam afirmando que a indústria têxtil nacional enfrentava sérios problemas de superprodução. Em primeiro lugar, o preço dos produtos de algodão industrializados continuavam sua tendência de queda. Em segundo lugar, a produção nacional de teares continuava a crescer. Em terceiro lugar, afirmava-se que a Europa possuía um estoque imenso de capital usado que venderia a preços baixíssimos para os países industriais periféricos. De outro lado, afirmava-se que o argumento da superprodução era muito frágil frente ao fato de as firmas aumentarem as jornadas de trabalho e criarem jornadas extras. Havia ainda a crítica de que a livre concorrência não deveria ser substituída por um rígido controle do Estado. A opinião de que as grandes fábricas de São Paulo e Rio de Janeiro estavam buscando restringir a capacidade de seus concorrentes se tornava mais expressiva. Afirmava-se, por exemplo, que as restrições haviam deixado as indústrias brasileiras para trás nas questões tecnológicas e que muitos dos grandes defensores das políticas de restrição possivelmente não se poderiam suster sem “as muletas do governo”. Após o golpe de 1937, Vargas buscou contemporizar a questão e estabeleceu uma assessoria técnica que deveria determinar se existia ou não o problema da superprodução no Brasil. A comissão chegou à conclusão de que os dados estatísticos eram fracos demais para afirmar que existia no país uma crise de superprodução e que este era, portanto, um argumento apenas teórico por parte dos grandes industriais. A solução para a indústria seria o de fomentar as exportações para os países platinos e estabelecer um salário mínimo de forma a estimular o consumo interno. Os debates prosseguiram acalorados entre governo, grandes industriais paulistas e cariocas, pequenos industriais de SP e RJ, e industriais do norte-nordeste do país, cada qual com um ponto de vista próprio. O fato é que “muito tempo e energia haviam sido gastos em discussões fúteis sobre a superprodução, e não se dera nenhuma atenção a questões essenciais como a organização da produção em bases nacionais, o aperfeiçoamento da publicidade e da distribuição e aquisição de equipamentos para ‘aumentar o rendimento da produção e reduzir o custo do produto”. 4. Após a longa disputa pela volta das restrições às importações de bens de capital, os industriais finalmente voltaram-se para questões de maior importância. Em primeiro lugar, estabeleceu-se o salário mínimo em 1940, como forma de estímulo ao consumo. Em segundo lugar, buscou-se o auxílio governamental para estimular a exportação dos produtos industriais brasileiros na região platina. Em terceiro lugar, passou-se a pedir que o Estado financiasse a modernização do reconhecidamente obsoleto capital nacional. Observa-se, assim, que o foco dos industriais mudara das restrições para a expansão dos mercados e modernização da produção, mas o método de se obter o desejado ainda era essencialmenteo mesmo: apelar para o auxílio governamental – um verdadeiro lobby se instalara entre grandes industriais e governo.