Logo Passei Direto
Buscar

Norbert Elias-Sociologia do conhecimento

User badge image

Enviado por Vilma Cruz em

Esta é uma pré-visualização de arquivo. Entre para ver o arquivo original

Sociedade e Estado, Brasília, v. 23, n. 3, p. 515-554, set./dez. 2008
Sociologia do conhEcimEnto: 
novas perspectivas*
norbert Elias**
Resumo: os cernes dos problemas das teorias sociológicas e 
filosóficas do conhecimento permanecem insolúveis e inconciliáveis, 
na medida em que ambas partem de modelos estáticos. Esses 
problemas poderão ser solucionados – e as respectivas teorias 
correlacionar-se entre si – sem muitas dificuldades, se a aquisição de 
conhecimento que ocorre no interior das sociedades for conceituada 
como um processo de longo prazo que, por sua vez, acontece dentro 
de sociedades também consideradas como um processo de longo 
prazo. Essa abordagem tem a vantagem adicional de estar em 
estreito acordo com as evidências. o artigo indica o que precisa ser 
desaprendido e o que precisa ser aprendido a fim de se preparar o 
caminho para que tal arcabouço teórico unificado possa servir como 
guia para os estudos empíricos de sociologia de todos os tipos de 
conhecimento – científico e prático, bem como não científico ou 
ideológico –, podendo tal delineamento também ser corrigido por 
esses estudos. 
Palavras-chave: sociologia do conhecimento; teoria sociológica; 
sociologia.
I
 O problema da relação entre “consciência” e “sociedade” 
recebeu sua primeira formulação paradigmática dentro da 
* Publicado originalmente sob o título de Sociology of knowledge: new perspectives – part 
one. Revista Sociologia, 1971:5, p. 149-168.
** Nascido em Breslau, na Alemanha, em 1897, e morto em 1990, Norbert Elias obteve o título 
de filosofia pela Universidade de Breslau e de sociologia pela Universidade de Heidelberg. 
Com a ascensão do nazismo, exilou-se na Inglaterra, onde lecionou na Universidade de 
Leicester entre 1945 e 1962. Posteriormente, fixou-se na Holanda. Desde então, atuou 
como professor em universidades holandesas e alemãs, tendo uma passagem por Gana.
 Tradução e revisão: Leonardo Fernandes Nascimento e Dmitri Cerboncini Fernandes.
artigo recebido em 17 jun. 2008 e aprovado em 21 set. 2008.
516 norbert Elias
Sociedade e Estado, Brasília, v. 23, n. 3, p. 515-554, set./dez. 2008
estruturação teórica de Marx e Engels; presentemente, até onde 
podemos ver, o problema ainda não perdeu inteiramente os 
resquícios de tal teoria. As explorações do problema tornaram-
se amplas em escopo; elas formam agora uma especialidade1 
sociológica denominada – apropriadamente ou não – “sociologia do 
conhecimento”. As soluções sugeridas diferem de forma ampla e 
se mostram, freqüentemente, irreconciliáveis. Entretanto, o próprio 
problema está baseado em um modelo hipotético, em um paradigma 
de pressupostos que representa – como se realmente fosse – a 
plataforma comum de todos os que se engajam em sua exploração. 
Ainda que cada um deles esteja totalmente oposto à solução do 
outro, tais pressupostos paradigmáticos são geralmente aceitos sem 
quaisquer questionamentos: dificilmente eles têm sido explorados. 
Em sua forma tradicional, as suposições teóricas comuns 
das teorias sociológicas do conhecimento são bastante simples. 
Elas podem ser condensadas na afirmação de que a estrutura da 
“consciência”, das idéias, do conhecimento, do pensamento, da 
percepção ou de qualquer que seja o ângulo que possamos escolher 
é, primordialmente, determinada pela estrutura dos grupos humanos 
pelos quais são produzidas, não pelos “objetos” da consciência ou 
pela própria consciência, chamemos a isso “lógica”, “razão” ou o 
que quer que seja.
Não faltam evidências que sustentem essa hipótese. Um dos 
mais sugestivos estudos empíricos que percorre essas linhas é o 
ensaio de Karl Mannheim, Pensamento Conservador2. Ele mostra 
muito convincentemente como, depois da Revolução Francesa, um 
sistema de idéias sobre o Estado, sobre a sociedade humana e sobre 
o homem em geral emergiu em países como a França e a Alemanha, 
idéias estas que representavam as reações de grupos específicos 
dessas sociedades contra os movimentos revolucionários e tudo o 
que eles significavam, e que serviram para esses grupos como um 
517Sociologia do conhecimento: novas perspectivas
Sociedade e Estado, Brasília, v. 23, n. 3, p. 515-554, set./dez. 2008
escudo protetor contra esses movimentos e, ao mesmo tempo, como 
uma arma de ataque.
Como muito já foi dito, essa idéia básica, em alguns de seus 
aspectos, conduz a marx e Engels, ainda que, no caso deles, a 
estrutura de idéias estivesse intimamente associada a sua teoria do 
desenvolvimento das sociedades e à ênfase no que concebiam como 
“interesses econômicos” das diferentes classes como determinante 
das idéias. No caso de Mannheim, o conceito de situação de grupo 
como determinante principal de idéias estava menos restrito do que 
o de classes sociais e seus interesses econômicos – era estendido, 
a princípio, a situações de grupos de todos os tipos, incluindo o de 
uma profissão ou o de uma intelligensia. marx e, particularmente, 
Engels já tinham uma percepção preliminar do fato de que a esfera 
social à qual termos como “pensamento”, “idéia” e “conhecimento” 
se referem pode ter, por sua vez, uma influência do que é comumente 
denominado “esfera econômica”. Assim, Engels já escrevia em uma 
carta3 de 1890:
Logo que a nova divisão do trabalho, que cria advogados 
profissionais, se torna necessária, outra esfera nova e independente 
[grifos de Elias] é inaugurada. apesar de toda a sua dependência 
geral em relação à produção e ao comércio, ela ainda guarda a sua 
própria capacidade de ação sobre estas esferas.
Ao fim e ao cabo, essa é uma questão de variação de influência, 
ou, para sermos mais precisos, de maior ou menor poder que as 
diferentes “esferas” – ou, menos obscuramente –, [de maior ou 
menor influência] que grupos humanos em diferentes posições sociais 
dentro de uma sociedade mais ou menos diferenciada têm entre si 
devido às suas interdependências funcionais. Engels se referiu na 
citação, como nas sentenças seguintes, ao grau de autonomia que a 
profissão do direito e, portanto, a lei, mantêm em relação à produção 
e ao comércio. Ele conceituou isso como a “consistência da lei em si 
mesma”, porém, um pouco depois, na mesma carta, ele afirma que 
518 norbert Elias
Sociedade e Estado, Brasília, v. 23, n. 3, p. 515-554, set./dez. 2008
“[...] o jurista imagina que ele está operando com princípios a priori, 
enquanto que na realidade eles são apenas reflexos econômicos”.
Se essa expressão significa alguma coisa, ela quer dizer que 
a lei não possui nenhuma autonomia em relação à produção e ao 
comércio, em suma, à esfera econômica; que os princípios legais 
nada mais são do que reflexos que se desenvolvem quase que 
automaticamente através das condições de produção. No entanto, 
algumas linhas depois, o autor afirma, uma vez mais, que “[...] o que 
nós chamamos de concepção ideológica atua por sua vez sobre a 
base econômica, podendo, dentro de certos limites, modificá-la”.
Engels, de maneira sucinta, viu claramente o problema com o 
qual somos confrontados ao encararmos a sociedade como dividida 
em um determinado número de esferas, de acordo com a crescente 
divisão do trabalho, selecionando uma delas – a esfera econômica 
– como a mais determinante. o problema, nesse caso, é se todas 
as esferas não econômicas e, particularmente, o conhecimento, 
o pensamento ou, na linguagem clássica, a “consciência” são 
totalmente determinados em suas estruturas e desenvolvimentos 
pelo que é visto como a esfera dominante – a “econômica”; ou se 
elas têm um grau relativo de autonomia e, com isso, uma influência 
ativa na própria esfera econômica. Marx e Engels foram, certamente, 
os primeiros a perceber esse problema e a combatê-lo, mas talvez 
não seja incorreto sugerir que
eles foram incapazes de formulá-lo 
de um modo que lhes permitisse apresentar uma solução definitiva e 
inequívoca. Uma das melhores ilustrações dessa incapacidade e das 
razões para tal pode ser encontrada na tentativa de Engels contida 
na carta a J. Bloch de 21 de setembro de 18904. ali ele declara mais 
uma vez, por um lado, que é uma má interpretação da sua visão e 
da de Marx considerar o elemento econômico (no original alemão, 
ele utiliza o termo Moment) como o único determinante. Dizer isso, 
ele afirma, significaria transformar suas visões “em uma frase sem 
sentido, abstrata e absurda”5. Por outro lado, ele reafirma, logo na 
519Sociologia do conhecimento: novas perspectivas
Sociedade e Estado, Brasília, v. 23, n. 3, p. 515-554, set./dez. 2008
próxima sentença, como em outras passagens da carta, o aspecto que 
ele parece negar, e faz isso tão claramente que, na sua visão e na de 
Marx, o “movimento econômico”, basicamente, determinaria todos 
os outros. Ele afirma explicitamente que “a situação econômica é a 
base”, que “o movimento econômico se afirma como necessário”. 
Esse é o ponto crucial de seu argumento.
Engels e Marx não derivam suas hipóteses do caráter 
eternamente determinante da “base econômica” de uma análise do 
poder relativo dos grupos econômicos especializados na relação com 
outros grupos, mas, sim, da convicção de que é possível descobrir 
“leis”, “necessidades”, “regularidades” apenas nos aspectos 
“econômicos” da sociedade. Em sua carta a Bloch, Engels afirma, 
de modo explícito, o que, freqüentemente, está apenas sugerido em 
outras afirmações de Marx e também nas suas: a saber, que eles 
consideravam somente a “base econômica” como sendo estruturada 
e todos os outros aspectos da sociedade como desestruturados, ou, 
conforme Engels afirmou, “como um monte de acidentes (i.e., de 
coisas e eventos cujas conexões internas são tão remotas ou tão 
impossíveis de se verificar que nós as consideramos como ausentes, 
podendo-se ignorá-las)”. Marx expressou a mesma visão com 
freqüência, embora de modo menos explícito: por exemplo, quando 
ele escreveu, em novembro de 1858, que o seu trabalho “sustentou 
desde o primeiro momento, a partir de condutas científicas, uma 
importante concepção das relações sociais” (McLellan, 1970). 
Ele tencionava ampliar a jovem ciência econômica para além 
de Adam Smith e David Ricardo, subordinando, porém, todas as 
suas afirmações à idéia de que apenas os aspectos econômicos das 
relações sociais seriam estruturados, consistindo, por essa razão, 
em um possível tema de uma ciência da sociedade. As ferramentas 
recebidas por ele da emergente ciência econômica tinham-no ajudado 
sobremaneira a romper as barreiras intelectuais que um treinamento 
filosófico impõe aos que se expõem a ele. Na realidade, Marx alargou 
520 norbert Elias
Sociedade e Estado, Brasília, v. 23, n. 3, p. 515-554, set./dez. 2008
e transformou o uso dessas ferramentas para além do nível da ciência 
econômica de sua época. Podemos, facilmente, reconhecer, de 
maneira retrospectiva, que seu trabalho representa a última tentativa 
realizada no século XIX de se ultrapassar a diferenciação crescente 
da ciência social entre as especialidades econômica e sociológica. 
mas também podemos perceber, relembrando, que ele conceituou 
todo aspecto da sociedade que ele concebeu como estruturado 
– i.e., não acidental – como um aspecto “econômico”, buscando, 
da melhor forma que pôde, apresentá-lo como tal. Na época de 
Marx, poderíamos ter facilmente a impressão de que os aspectos 
“econômicos” eram os mais bem estruturados da sociedade, mesmo 
porque talvez fossem os únicos aspectos sujeitos às regularidades e 
leis reconhecíveis e, por isso, capazes de se tornar objeto principal 
de uma ciência.
A partir dessa época, entretanto, um grande número de 
aspectos não econômicos do desenvolvimento de sociedades 
tem sido reconhecido como estruturado. Eu mesmo fui capaz 
de demonstrar como estruturados, entre outros, aspectos como 
os processos de civilização e os de formação dos estados (Elias, 
1969), cujos cursos, embora inseparáveis dos desenvolvimentos 
econômicos, não podem ser “economicamente” reduzidos ao status 
de uma mera “superestrutura” ou de “um monte de acidentes” cuja 
conexão interna, conforme Engels havia dito, é “tão impossível de se 
verificar que nós... podemos ignorá-las”. A própria escolha de Marx 
por tais expressões indica as dificuldades que ele encontrava para 
ampliar além dos limites usuais o conhecimento do desenvolvimento 
da sociedade e, com isso, os limites da ciência da sociedade à sua 
disposição. Ele foi, por um lado, um pioneiro da transformação 
do pensamento em um período em que conceitos reificados, que 
pareciam referir-se a objetos sociais extra-humanos e impessoais, 
foram substituídos por outros, que expressavam com maior clareza 
as relações ou interdependências de agrupamentos humanos (por 
exemplo, no caso do termo “relações de produção”). Por outro lado, 
521Sociologia do conhecimento: novas perspectivas
Sociedade e Estado, Brasília, v. 23, n. 3, p. 515-554, set./dez. 2008
ele próprio elevou para outro patamar essas tendências reificadoras 
pelo uso de conceitos como “infra-estrutura” e “superestrutura”, 
que dão a impressão de apontar para um conjunto de elementos 
separados da rede dos grupos que os seres humanos formam entre 
si – sobretudo, na forma como esse dualismo é representado, como 
uma característica estrutural de quase todas as sociedades, sem levar 
em consideração o grau e o padrão de suas divisões do trabalho e, 
especialmente, da proporção na qual as “atividades econômicas” 
vêm se tornando especializadas, se tomadas em um determinado 
estágio do desenvolvimento.
Na época de Marx, os proprietários de uma classe particular 
de ocupações especializadas a cujas atividades o termo “econômico” 
e a jovem ciência da “economia” estavam fortemente associados 
– i.e., grupos de empresários industriais – não haviam apenas 
alcançado um grau comparativamente elevado de especialização, 
mas também se tornavam cada vez mais poderosos. Isso foi um 
reflexo do crescente poder e da emergente autoconfiança que faziam 
com que as atividades ocupacionais e localizadas desses grupos 
– as quais começaram a ser chamadas de atividades econômicas 
e, mais tarde, abreviadas para “a economia” – figurassem, a seus 
olhos, como o cerne da sociedade; por isso, eles reivindicavam 
um alto grau de autonomia em relação a todos os outros grupos de 
ocupações especializadas e, particularmente, em suas relações com 
os governos e com outras agências estatais. os representantes dos 
grupos de empresários e seus porta-vozes demandavam, em nome 
do “liberalismo” ou do princípio do laissez-faire, não somente um 
alto grau de independência em relação aos pertencentes ao governo 
e a outras esferas do Estado, mas, com freqüência, a promoção ativa 
de seus interesses às autoridades estatais.
a esse respeito, marx simplesmente utilizava o esquema 
conceitual básico da ideologia liberal, atribuindo-lhe, contudo, 
valores negativos. o postulado liberal de curto prazo, de que o Estado 
522 norbert Elias
Sociedade e Estado, Brasília, v. 23, n. 3, p. 515-554, set./dez. 2008
não deveria interferir no jogo autônomo das “forças econômicas”, 
foi transformado, através de suas próprias mãos, em uma teoria 
sociológica de longo prazo, segundo a qual uma esfera “econômica” 
especializada, denominada de várias formas, possuía, de fato, um alto 
grau de autonomia em relação às outras esferas ao longo da história. 
E o postulado liberal de que o Estado deveria servir aos interesses 
econômicos das classes empresariais, que encontrou sua expressão 
máxima no conceito de
Nachtwächterstaat6, tinha seu equivalente 
em sua concepção de Estado como mera “superestrutura” que 
serve aos “interesses econômicos” da classe empresarial, encarada, 
geralmente, como uma espécie de epifenômeno, um simples 
reflexo do jogo autônomo das “forças econômicas” fadadas ao 
desaparecimento no mesmo instante em que os interesses de classe 
que serviam a esse Estado desaparecessem.
no desenvolvimento de uma ciência da sociedade, essas 
distinções ocupavam um lugar proeminente, como sintomas de 
um estágio específico, e prenunciavam sua gradual emergência a 
partir das matrizes da filosofia. Anteriormente, o homem instruído 
que fosse especialista em escrever livros ou em aprender e ensinar 
através de livros partia freqüentemente, como era de esperar, da 
suposição de que um tipo específico de “idéias” – ou seja, idéias 
de um homem instruído comunicadas a outros, principalmente, por 
meio de livros – forma, entre elas, uma esfera ou uma seqüência 
autônoma, constituindo a principal força diretriz do desenvolvimento 
do pensamento do homem e, talvez, até mesmo da história do 
homem em geral. Marx, claramente, sem ambigüidade, rompeu com 
essa tradição filosófica. Ele procurou explicar o curso e a direção 
do desenvolvimento do ser humano, talvez pela primeira vez, de 
modo consistente, deslocando a atenção para outros aspectos da vida 
social que tinham sido negligenciados anteriormente por muitos 
estudiosos, talvez pelo motivo de esses aspectos se lhes afigurarem 
demasiadamente triviais ou vulgares para serem incluídos em 
523Sociologia do conhecimento: novas perspectivas
Sociedade e Estado, Brasília, v. 23, n. 3, p. 515-554, set./dez. 2008
seus estudos e reflexões. Marx concebeu como estruturado o fato 
de que o homem deva realizar esforços a fim de satisfazer suas 
necessidades elementares e desenvolver meios de vida, fornecendo, 
assim, uma explicação científica para esse fato. As mudanças de 
condições para produzir ou adquirir esses esforços, bem como a 
freqüente distribuição desigual de seus produtos entre os homens, 
são aspectos de suas vidas sociais, os quais deverão ser incluídos 
em um estudo particular se quisermos considerar o desenvolvimento 
de longo prazo das sociedades, bem como sua estrutura e dinâmica 
em um dado período do tempo. Tal mudança de visão em relação às 
sociedades representou um grande passo na direção da descoberta 
do caráter especificamente social do que vincula as pessoas umas 
às outras na forma de sociedades e que, muito freqüentemente, por 
vinculá-las, também as antagoniza, direcionando-as umas contra as 
outras.
Entretanto, a maneira pela qual marx concebeu e conceituou 
essas descobertas transmite a nítida impressão de uma posição 
hesitante entre a filosofia social e a ciência social, em que a diferença 
entre as duas ainda permanece, em grande medida, inexplicada e 
obscura. Enquanto os filósofos clássicos e o próprio mentor de Marx, 
Hegel – conforme as suas perspectivas profissionais especializadas 
–, colocam no centro de suas reflexões acerca dos homens as idéias, 
a mente, a razão e outros aspectos da consciência como se eles 
existissem em um vácuo, Marx conceituou o antagonismo entre 
os homens como uma espécie de antagonismo existencial, que 
permanece inalterado ao longo de toda a história humana. Essa é 
uma das raízes do dualismo ontológico peculiar que permeia seu 
modelo global de sociedade e que encontra expressão no contraste 
aparentemente eterno e inalterável entre “base econômica” e 
“superestrutura”, ou “ser” e “consciência”, deixando sua marca 
em diversas teorias sociológicas posteriores. todos os conceitos 
utilizados por ele a fim de expressar esse antagonismo dão a 
524 norbert Elias
Sociedade e Estado, Brasília, v. 23, n. 3, p. 515-554, set./dez. 2008
impressão de se referirem a dados sociais imutáveis e gerais. Ao nos 
determos com atenção, percebemos que ele utilizou esses conceitos 
de maneira equivocada, embora não fosse essa sua intenção. Eles 
têm o caráter de generalizações imprecisas que oscilam de modo 
incômodo entre um significado mais factual, científico, e um mais 
geral, filosófico, os quais são, de fato, utilizados por Marx, mais 
ou menos indiscriminadamente, em pelo menos dois sentidos 
claramente distinguíveis: um, restritivo e altamente especializado, e 
o outro, amplo, mais geral e sem especificidade.
O termo “econômico”, em certas combinações, como 
“condições econômicas” ou “base econômica”, é muito utilizado 
em um sentido altamente especializado, que foi sendo gradualmente 
adquirido no final do século XVIII e começo do século XIX, em 
concomitância com a emergência de uma ciência especializada da 
economia. Encontramos esse sentido em uma forma prematura e não 
completamente especializada em François Quesnay e seus discípulos, 
os quais aplicavam, com freqüência, o termo “ciência econômica” 
exclusivamente aos seus trabalhos: a doutrina fisiocrática; depois, 
já no século XIX, de maneira muito mais especializada, em, por 
exemplo, David Ricardo e sua formulação das várias leis do 
mercado. O termo “econômico” também recebeu seu significado 
especializado com o crescimento do poder das classes altamente 
especializadas em atividades como produção e distribuição, que se 
tornavam gradualmente conhecidas como atividades “econômicas”, 
e com o crescimento da importância social das redes sociais de 
posições e funções especializadas, às quais ainda nos referimos como 
“a economia”. Em geral, a ascensão dessas classes especializadas 
de posições e funções ocupacionais e os avanços de uma ciência 
especializada em economia, bem como de um significado 
especializado do próprio termo “economia”, caminharam lado a 
lado7. Ainda que contenha um exagero ideológico a idéia de que 
a rede dessas posições e funções sociais especializadas forme a 
525Sociologia do conhecimento: novas perspectivas
Sociedade e Estado, Brasília, v. 23, n. 3, p. 515-554, set./dez. 2008
“base” da sociedade, pode-se afirmar, seguramente, que elas tinham, 
como outros grupos de posições e funções sociais especializadas 
em sociedades altamente diferenciadas, uma autonomia relativa 
proporcional aos seus correspondentes poderes.
Entretanto, enquanto Marx utilizava o termo “econômico” 
em um sentido altamente específico, correspondente ao estágio 
de desenvolvimento de sua própria época e modificado pela sua 
identificação com os frágeis de uma das duas classes “econômicas”, 
ele, ao mesmo tempo, usou esse termo em um sentido muito largo e 
bem pouco específico. Utilizava-o com referência a todos os modos 
de produção de bens para a satisfação de necessidades humanas, 
assim como a todos os tipos de relações humanas envolvidas em 
tal produção, qualquer que fosse o estágio de diferenciação social 
existente. Assim, ele dava a impressão de que algumas ocupações, 
algumas atividades dos homens foram, ao longo do desenvolvimento 
da humanidade, tão altamente diferenciadas e especializadas quanto 
as atividades e ocupações “econômicas” o são dentro das sociedades 
industriais dos séculos XIX e XX, em que a palavra “econômico” 
recebeu seu significado especializado. Além do mais, um argumento 
vulgar é freqüentemente empregado para reforçar a abordagem mais 
sofisticada de Marx: o de que os homens são obrigados a comer e a 
onipresença de suas necessidades para conseguir alimento justifica 
a tese da onipresença das atividades “econômicas” como base de 
todas as outras, mas aplicar o termo “econômico” tanto para as 
atividades dos homens que visam produzir comida suficiente apenas 
para sua própria subsistência quanto para as atividades dos homens 
que produzem comida para o mercado seria, evidentemente,
iludir a 
nós mesmos e aos outros.
A confusão proveniente da utilização simultânea feita por 
Marx do termo “econômico”, em um sentido altamente específico 
e relativamente preciso e restritivo e, em outro sentido, muito 
menos específico e com ampla margem de imprecisão, se mostra 
526 norbert Elias
Sociedade e Estado, Brasília, v. 23, n. 3, p. 515-554, set./dez. 2008
com força particular quando ele discute o problema da opressão e da 
exploração de um agrupamento humano por outro. Novamente, um 
de seus grandes méritos foi ter registrado como um dos ingredientes 
indispensáveis de uma teoria científica da sociedade o fato de que 
os homens podem oprimir e explorar outros homens e que, longe de 
esses fatos constituírem acidentes desestruturados, a opressão social 
e a exploração são estruturadas e podem ser explicadas em conexão 
com todo o desenvolvimento das sociedades. ao mesmo tempo, marx 
criou empecilhos muito grandes para a compreensão e mesmo para 
o tratamento teórico desse fenômeno ao conceituá-lo, basicamente, 
como um fenômeno “econômico”, utilizando, desse modo, como 
um modelo para todos os tipos de exploração e de opressão, um 
tipo específico e característico das sociedades industriais que 
permaneciam diante de seus olhos. Como um dos resultados de tal 
falta de precisão conceitual, Marx tratou cientificamente apenas 
a opressão e a exploração do tipo “econômico” como fenômenos 
estruturados possuidores de relevância teórica. Ele não levou em 
consideração a possibilidade de que espécies de exploração e de 
opressão igualmente estruturadas e sociologicamente explicáveis 
pudessem ser praticadas, por exemplo, no domínio exercido por 
grupos detentores do monopólio da violência física e de outros 
monopólios correspondentes, algumas vezes, até mesmo, em nome 
da libertação de um modelo econômico opressor e explorador.
Tal imprecisão conceitual não ficou apenas restrita ao que 
Marx concebeu como sendo a “base da sociedade”. Isso pode ser 
visto de maneira igualmente manifesta no tratamento que ele dá à 
conceituação de “consciência”. Aspectos da consciência sob várias 
denominações, como razão, percepção, alma, mente, idéia ou o 
próprio termo “consciência”, formaram a peça central das reflexões 
filosóficas sobre os homens. O tratamento especificamente filosófico 
da consciência se tornou, para marx, o alvo de seus ataques, mas, ao 
atacá-lo, ele também se tornou obcecado por ele. Para Marx, o ponto 
527Sociologia do conhecimento: novas perspectivas
Sociedade e Estado, Brasília, v. 23, n. 3, p. 515-554, set./dez. 2008
de partida permaneceu um conceito de consciência que representasse 
um nível filosófico de reflexão. Opondo “consciência” a “ser”, 
Bewusstein8 a Sein9, ele dificilmente dava qualquer relevância ao 
fato de que a consciência desempenha um papel em algum lugar 
da sociedade – na alimentação de um filho pela mãe, na aragem 
de um campo por um fazendeiro, na feitura do algodão pelos 
trabalhadores de um moinho do século XIX, etc. Podemos distinguir 
entre diferentes níveis de consciência, desde o dos trabalhadores 
que carregam os seus fardos até o de homens instruídos que lêem 
e proclamam teses sobre princípios sociais ou sobre a natureza da 
sociedade humana. Nesse contexto, o uso que Marx faz do conceito 
de consciência foi, evidentemente, formatado pelo segundo tipo 
específico de consciência. Ele enxergou de forma muito clara que 
a imagem do mundo, especialmente do mundo social, conforme 
apresentada naquelas teses, geralmente fracassa em se correlacionar 
com os objetos aos quais ela aparenta se referir. Ela fracassa em fazer 
isso, Marx percebeu, não pelo modo como afirmaram os filósofos 
algumas vezes, devido a um abismo entre o “sujeito” e o “objeto” 
ou a algumas formas eternas de consciência conferidas aos homens 
a priori, mas, sim, por causa das preocupações específicas e dos 
interesses dos grupos dentro dos quais os que refletiam sobre esses 
problemas identificam a si mesmos, distorcendo e obscurecendo 
suas percepções.
Como ponto de partida para futuras investigações, essa 
hipótese era eminentemente promissora. Distorções e bloqueios 
desse tipo podem ser estudados empiricamente. A hipótese está 
aberta para o exame sistemático. No calor da batalha, porém, 
Marx conceituou a relação muito específica entre “consciência” 
e “realidade social” à qual suas hipóteses se referiam como uma 
relação eterna, existencial e geral. Ele opôs “ser” e “ser consciente” 
de tal maneira que deu a impressão de que todas as formas e níveis 
de consciência dos homens permanecem em contraste com todas 
528 norbert Elias
Sociedade e Estado, Brasília, v. 23, n. 3, p. 515-554, set./dez. 2008
as formas de “realidade social” em todos os tempos e eras. Nem se 
precisa ir tão longe para reconhecer que essa é uma generalização 
ideológica. Por sua natureza não ter sido claramente definida, ela tem 
originado muitas argumentações estéreis e infrutíferos debates. Ao 
examinarmos mais de perto, é fácil enxergar o que a consciência do 
homem não somente oculta, mas também revela. A imagem que os 
homens têm de seu mundo social, a qual Marx, ainda muito carregado 
de um veio filosófico, chamou de “ser”, é uma distorção, algumas 
vezes, e uma descoberta, outras vezes. a própria teoria de marx é 
um exemplo de quando essas duas possibilidades se tornam uma. 
É essa generalização (over-extension) de um aspecto extremamente 
específico da consciência, essa apresentação da consciência dos 
homens como uma fluidez incessante, que não possui uma estrutura 
própria, consistindo em uma mera “superestrutura”, reflexo de uma 
“infra-estrutura” estruturada, o que dá a impressão de que a realidade 
social dos homens – por exemplo, os seus “meios de produção” – 
poderia ser produzida e desenvolvida por eles sem a necessidade da 
sua consciência e, além disso, de que eles poderiam participar “sem 
consciência” das “relações de produção”.
II
É proveitoso lembrar tanto as vantagens sociológicas quanto 
o exagero filosófico representado pelo paradigma dualístico de 
Marx. Podemos, assim, enxergar melhor a maneira pela qual uma 
antítese problemática, tal como entre “sociedade” e “consciência”, 
oscila entre um significado sociológico com referência a um tipo de 
problema muito limitado e específico e um significado filosófico que 
parece abarcar o tempo e a eternidade de todo o mundo dos homens. 
Por meio dessa forma ambígua, o modelo dualístico de Marx – 
um genuíno avanço científico disposto em um molde filosófico 
especulativo – iniciou uma tradição de pensamento que desde então 
529Sociologia do conhecimento: novas perspectivas
Sociedade e Estado, Brasília, v. 23, n. 3, p. 515-554, set./dez. 2008
se faz presente em todos os campos, tanto entre os não-marxistas 
como entre os marxistas. Esse pensamento dominou com particular 
força as pesquisas em sociologia do conhecimento; nesse domínio, 
ele contribuiu enormemente para o atraso da transição de um estágio 
filosófico dogmático para um estágio científico não dogmático, 
em que os estudos empíricos e teóricos pudessem proceder-se 
dialeticamente, em mútua interação.
Entretanto, a sociologia do conhecimento não preservou 
a herança marxista – o dualismo básico entre “sociedade” e 
“consciência” – sem algumas diferenças fundamentais de abordagem. 
A mais crucial dessas diferenças vem à luz ao se examinar o conceito 
subjacente de mudança social. Marx trabalhava com um arcabouço 
de um modelo simples de desenvolvimento, segundo o qual qualquer 
estrutura social particular pressupunha uma estrutura antecedente 
como sua condição necessária e, por sua vez, era condição necessária 
para um estágio posterior de desenvolvimento
que a ela se seguisse. 
A possibilidade de discernimento sobre as “verdadeiras” condições 
da sociedade, segundo marx, é mascarada e distorcida por grupos 
de interesses somente no caso em que grupos sociais monopolizem 
posições sociais desempenhando o papel de exploradores econômicos 
e opressores dos outros grupos. No caso de sociedades sem conflitos 
de classe, e mesmo no caso de cientistas sociais que se identificam 
com esses estratos sociais que são explorados e que estão, conforme 
Marx acreditava, completamente fadados às batalhas e à vitória final 
para fundar tal sociedade, existe, de acordo com ele mesmo, uma 
grande possibilidade de produção de conhecimento não ideológico 
ou científico sobre as sociedades. 
Em geral, as teorias sociológicas contemporâneas do 
conhecimento abandonaram as suposições especulativas de Marx 
e suas implicações sobre o desenvolvimento das sociedades, 
substituindo-as por um tipo de conhecimento científico e não 
ideológico da sociedade. Elas foram além e rejeitaram não apenas 
530 norbert Elias
Sociedade e Estado, Brasília, v. 23, n. 3, p. 515-554, set./dez. 2008
o modelo de desenvolvimento social de marx, mas abandonaram 
inteiramente o conceito de desenvolvimento de sociedade, de uma 
mudança estruturada de longo prazo em uma direção específica. 
Ao invés disso, eles recorreram ao conceito de mudança social dos 
historiadores, segundo o qual essa mudança seria essencialmente 
sem estrutura. A esse respeito, o conceito de mudança social 
que fundamenta os problemas da sociologia do conhecimento 
contemporânea é mais ou menos idêntico aos conceitos corporificados 
nas principais escolas de sociologia teórica do nosso tempo. de 
acordo com elas, somente um dado estado da sociedade, somente 
condições sociais estáticas são estruturados; o próprio termo 
“estrutura social” apresenta-se como uma regra exclusivamente em 
tais condições. Modificações nas condições da sociedade, por outro 
lado, são concebidas como sem estrutura. na sociologia atual, não 
se fala de estrutura de mudança social, tampouco isso é explorado. 
Especialistas contemporâneos em teoria sociológica e especialistas 
em sociologia do conhecimento guardam em comum com a maioria 
dos historiadores a impressão de que as mudanças sociais têm a 
aparência de uma peregrinação sem fim de grupos que vêm e vão. 
O conhecimento, as idéias de todos esses grupos são vistos como 
igualmente válidos ou inválidos. O termo “histórico”, como se 
pode ver, é usado em dois sentidos diferentes. Grande parte dessa 
confusão se deve ao fato de que não há uma distinção clara entre 
eles. Os que usam esse termo não situam de forma nítida quais dos 
dois significados estão lhe atribuindo. Ele pode ser usado no sentido 
em que o empregavam marx, comte e muitos outros sociólogos do 
século XIX e começo do século XX, em referência às mudanças 
estruturadas e, em geral, às mudanças estruturadas de longo prazo 
em uma direção específica. E ele pode ser usado no sentido em que a 
maioria dos historiadores e sociólogos contemporâneos o faz, isto é, 
em conexão com as mudanças sociais que não possuem estrutura.
Adotando o segundo desses conceitos de mudança e 
aceitando implicitamente o modelo de história dos historiadores, 
531Sociologia do conhecimento: novas perspectivas
Sociedade e Estado, Brasília, v. 23, n. 3, p. 515-554, set./dez. 2008
muitos produtores de teorias sociológicas do conhecimento 
chegaram a aceitar como auto-evidente a suposição de que as 
modificações do conhecimento, assim como as modificações na 
estrutura das sociedades, seriam sem estrutura. Eles privaram-se da 
possibilidade de incluir em seus estudos o próprio desenvolvimento 
do conhecimento. Tentando escapar da armadilha de um conceito 
dogmático de desenvolvimento social, eles desprezaram o conceito 
de desenvolvimento como um todo, caindo, assim, no ardil de um 
relativismo não menos dogmático.
as sociedades podem passar por processos de desenvolvimento, 
não somente em termos econômicos, mas também em termos 
de civilização ou de formação de estados e muitos outros, que 
duram, freqüentemente, tal como demonstrei em outro trabalho 
(Elias, 1969), mais do que três ou quatro séculos, de modo que o 
conhecimento pode ser acumulado, pode crescer e se desenvolver, 
tanto em sua forma prática quanto científica; em resumo, aqui 
existe a possibilidade de ocorrerem mudanças em grande medida 
não planejadas, porém organizadas, nas estruturas das sociedades 
e do seu conhecimento, e essa possibilidade foi deixada de lado 
nas considerações da sociologia do conhecimento em sua presente 
fase de desenvolvimento. De acordo com o conceito de história dos 
historiadores, seu paradigma básico focaliza, essencialmente, as 
situações do aqui e agora. A receita deles é: pegue um conjunto de 
pensamentos razoavelmente coerentes, embora não necessariamente 
consistentes, como os apresentados por um escritor ou um grupo de 
escritores em um determinado período. Relacione-o à situação do 
grupo de seus autores durante esse mesmo período. Você, assim, 
estará capacitado a explicar o nexo das idéias, dos pensamentos 
e do conhecimento como uma função da situação histórica e da 
estrutura do grupo em meio às quais ele se originou.
Nessa concepção, como podemos ver, o desenvolvimento 
da sociedade, bem como das “idéias”, do “conhecimento” ou da 
532 norbert Elias
Sociedade e Estado, Brasília, v. 23, n. 3, p. 515-554, set./dez. 2008
“consciência”, simplesmente se afigura como um colar composto 
de situações do aqui e agora, amarradas por um fio desconhecido 
e invisível. A redução às condições estáticas prevalece, a dinâmica 
do conhecimento, assim como dos grupos para os quais aquele 
conhecimento, aquelas “idéias” ou “consciência” se referem, está 
perdida. Entretanto, exemplos de conhecimento produzidos dentro 
de sua própria dinâmica por grupos de especialistas não faltam nos 
nossos dias. Algumas das ciências contemporâneas representam 
um bom exemplo. a autonomia dos grupos produtores e de sua 
dinâmica, como o de qualquer outro grupo de especialistas, é 
limitada e relativa e corresponde aos seus poderes potenciais em 
relação a outros grupos interdependentes. Embora limitada e relativa, 
essa autonomia é comparativamente grande e correspondentemente 
grande, portanto, é a influência ativa desses grupos especializados 
em conhecimento e o conhecimento que eles produzem sobre o 
curso de todo desenvolvimento nas sociedades em que atuam.
Além do mais, o avanço e a expansão do conhecimento em 
sua forma científica – que, em alguns campos, se tornaram mais 
ou menos autocontínuos – são, meramente, a mais avançada fase 
da expansão do conhecimento humano, expansão esta que se dá de 
maneira extremamente vagarosa e errática, porém – se vista através 
de longos períodos – cumulativa e continuamente em movimento, 
o que vem ocorrendo, com muitos altos e baixos, por centenas de 
anos – tão longe quanto podemos rememorar o desenvolvimento da 
humanidade. Por essa razão, o conhecimento que as pessoas possuem 
em dado período é oriundo de um longo processo de aquisição de 
conhecimento desde o passado. Isso não pode ser entendido nem 
explicado sem uma referência à seqüência estruturada à qual nos 
referimos quando falamos em “aumento do conhecimento” ou em 
“desenvolvimento do conhecimento” que, por sua vez, faz parte 
de um desenvolvimento mais amplo das sociedades nas quais 
o conhecimento se desenvolve e, em última instância, da própria 
humanidade10. 
533Sociologia do conhecimento: novas perspectivas
Sociedade e Estado, Brasília, v. 23, n. 3, p. 515-554, set./dez. 2008
Um desenvolvimento assim amplo carrega consigo, como uma 
de suas características estruturais, tensões e conflitos específicos.
Muitas das principais inovações na esteira do conhecimento ou do 
pensamento enfrentaram feroz oposição. Formas inconvenientes 
de conhecimento e de pensamento são freqüentemente reprimidas 
e esquecidas ou, às vezes, meramente distorcidas e expurgadas 
de acordo com a distribuição de poder entre os grupos que 
controlam a produção e a disseminação do conhecimento. O mais 
impressionante, portanto, é o progresso do conhecimento de longo 
prazo do ser humano em alguns setores de sua experiência. Um ou 
dois séculos atrás, o “progresso” era comumente visto como um 
axioma; o conceito se referia, geralmente, à sociedade humana, e o 
progresso, tanto no futuro como no passado e no presente, era tido 
muito mais como certo; o conceito parecia não requerer explicações. 
A violenta reação contra a crença axiomática no progresso resultou 
em uma grande guinada do pêndulo para o outro lado. Em seu rastro, 
abandonou-se não somente aquela crença axiomática geral no 
progresso que não necessitava de provas, mas também a procura por 
uma melhor compreensão de tipos específicos de progresso, tais como 
os do conhecimento sobre o movimento das estrelas, do qual sólida 
evidência se encontra disponível. ao invés de se trazer o impreciso 
conceito filosófico de progresso para o chão da realidade, preferiu-
se não mais compreender esses casos específicos como avanços, 
como tipos de progresso. Assim, freqüentemente, fracassamos 
ao considerar o problema que apresentamos quando discutimos 
tanto questões sociológicas mais amplas do desenvolvimento das 
sociedades quanto, mais especificamente, os problemas sociológicos 
do conhecimento. Não percebemos que eles oferecem um desafio 
para nós. Em minha opinião, não podemos, simplesmente, aceitar o 
progresso de longo prazo do conhecimento em alguns campos como 
um fato. Isso requer uma explicação.
As teorias sociológicas do conhecimento, em sua forma 
atual, dificilmente estão interessadas em problemas desse tipo. A 
534 norbert Elias
Sociedade e Estado, Brasília, v. 23, n. 3, p. 515-554, set./dez. 2008
própria palavra “progresso”, carregada com as associações dos 
séculos XVIII e XIX, é um anátema, hoje em dia. Ela exala um 
mau cheiro em diversos círculos intelectuais do Ocidente, enquanto 
ainda é, aparentemente, empregada no seu velho sentido axiomático 
e inexato nas sociedades do Leste, na suposição de que a “realidade 
social”, por um tipo de harmonia preestabelecida, progrediria, 
necessariamente, de acordo com os próprios ideais sociais daquelas 
sociedades. A conformidade com esse ideal revela-se como o 
único critério possível de “progresso”. Desse modo, não se está 
completamente “a favor” do conceito de progresso, nem ao utilizá-
lo de qualquer modo, nem ao se olhar a questão do progresso como 
resolvida através da referência a um ideal social específico.
desde então, envolvidos pelos atraentes pólos de cila e 
Caribde, os sociólogos têm falhado em fornecer uma base teórica 
mais sólida que pudesse auxiliar no estudo empírico da oscilação 
do equilíbrio entre os desenvolvimentos progressivos e regressivos 
do conhecimento e no estudo do desenvolvimento mais amplo de 
sociedades que leve em consideração o modo pelo qual o princípio de 
longo prazo dos [desenvolvimentos progressivos do conhecimento] 
tenha sobressaído até agora, em campos específicos, sobre os 
[desenvolvimentos regressivos do conhecimento].
isso pode ajudar a esclarecer o problema apresentado por nós 
pelo até então não explicado progresso do conhecimento humano 
no decorrer dos tempos, onde quer que ele tenha ocorrido, ao 
oferecermos, resumidamente, uma sugestão que mostre qual tipo 
de modelo teórico deveremos esperar se procurarmos uma solução. 
À primeira vista, o modelo sociológico que vem à luz poderia ser 
facilmente confundido com o modelo biológico derivado de Darwin 
em resposta ao problema do desenvolvimento de longo prazo de um 
tipo diferente [de objeto]. Ele sugeriu uma “luta pela sobrevivência” 
como sendo a figuração dinâmica responsável pela seleção, 
sobrevivência e desaparecimento, bem como pela complexidade 
535Sociologia do conhecimento: novas perspectivas
Sociedade e Estado, Brasília, v. 23, n. 3, p. 515-554, set./dez. 2008
progressiva de unidades biológicas. Sem dúvida, essa foi a primeira 
abordagem para o problema, tal como veremos a seguir; como 
primeiro passo, ela é indispensável: não podemos ignorá-la.
Há uma profusão de sinais que apontam para a existência 
de uma luta contínua pela sobrevivência levada a cabo entre os 
grupos humanos no passado e no presente. Essas evidências, eu me 
apresso a dizer, não carregam consigo a intenção de prever o futuro. 
A luta dos grupos humanos pela sobrevivência, para dominação e 
libertação, por continuidade, por identidade e por uma totalidade 
complexa de aspectos relacionados ao seu desenvolvimento é um 
fenômeno especificamente social. Existe, assim, a possibilidade 
de que o homem consiga melhorar o controle e o manejo desse 
desenvolvimento de modo progressivo, uma vez que consiga ter 
um êxito maior do que o obtido até agora em compreender esse 
rumo como não sendo detentor de um curso cego, estando, assim, 
apto a aplicar seu melhor conhecimento sociológico em sua vida 
cotidiana. O equipamento instintivo do homem, inclusive todo e 
qualquer potencial inato para a agressividade que ele possa vir a ter, 
é diferentemente padronizado e efetivado nas distintas figurações 
que os humanos formam mutuamente como indivíduos e como 
grupo de indivíduos. As mudanças “figuracionais” dos grupos que 
são ou que se tornam interdependentes permanecem no centro do 
modelo requerido para a explicação de suas disputas. Os avanços no 
conhecimento desempenham um papel relevante nessas lutas pela 
sobrevivência entre os grupos humanos e podem, não raro, aumentar 
de maneira considerável e, às vezes, de modo decisivo o potencial 
da força de um grupo em comparação com seus rivais e oponentes.
É possível que uma das razões para que ocorra o progresso 
de longo prazo do conhecimento através dos tempos, a despeito 
das diversas obstruções e desenvolvimentos regressivos, seja a 
recorrente vantagem que, num dado período de tempo, as sociedades 
conseguem em seus incessantes conflitos com outras sociedades em 
536 norbert Elias
Sociedade e Estado, Brasília, v. 23, n. 3, p. 515-554, set./dez. 2008
conseqüência dos avanços específicos no conhecimento que elas 
criam ou utilizam. Forças diferenciais, certamente, não dependem 
apenas de uma monopolização temporária de avanços específicos 
no conhecimento por um ou outro grupo. A freqüente predominância 
de obstruções ou de desenvolvimentos regressivos do conhecimento 
humano entre grupos muito poderosos demonstra, ilustrativamente e 
de modo suficiente, que outros aspectos das sociedades, separados dos 
avanços no conhecimento, podem desempenhar um papel decisivo 
no balanço do equilíbrio do poder para uma ou outra posição. Por 
outro lado, os avanços no conhecimento têm feito, em alguns casos, 
toda a diferença entre a vitória e a derrota, a supremacia e a sujeição 
nas lutas dos grupos humanos. O fato de que, em muitas áreas, o 
conhecimento humano progrediu no curso de milênios, mesmo com 
todas as estagnações e regressões, sugere que, nesse longo percurso, 
os avanços no conhecimento têm, realmente, um considerável valor 
para a sobrevivência.
Não é necessário dizer mais. Nesse contexto, o breve esboço 
de uma hipótese de trabalho como possível solução de um problema 
pode facilitar a compreensão tanto de que existe um problema 
quanto de em que consiste esse problema. Em geral, os avanços 
no conhecimento humano ainda são largamente concebidos como 
um amontoado de detalhes, como massas de banalidades históricas,
dificilmente, como aspectos de um processo social de longo prazo 
que requer uma explicação na forma de uma teoria sociológica de 
largo escopo. O que está sendo dito pode bastar para vislumbrarmos 
tal teoria. isso demonstra que esta não estaria além da possibilidade 
humana de enfrentar os desenvolvimentos sociais de longo prazo em 
uma direção específica.
Diversas inferências podem ser esboçadas a partir de um 
paradigma explicativo como esse. Eu me resumirei a demonstrar 
uma delas – e sua relevância para a avaliação das teorias sociológicas 
do conhecimento em suas formas atuais. À luz do problema dos 
537Sociologia do conhecimento: novas perspectivas
Sociedade e Estado, Brasília, v. 23, n. 3, p. 515-554, set./dez. 2008
avanços de longo prazo do conhecimento em determinados campos, 
podemos enxergar melhor que muitas das teorias sociológicas 
contemporâneas do conhecimento assumem uma visão de curto 
prazo em relação a seus objetos. Elas não estão preocupadas com os 
tipos de conhecimento que o homem obtém cumulativamente através 
de extensos períodos de tempo, como o conhecimento do fogo ou 
o uso primitivo do ferro até as ferramentas para as construções de 
navios revestidos de ferro ou dos moinhos de aço. Essas teorias 
não se interessam pela expansão do conhecimento constantemente 
trazida à tona por grupos de físicos ou de biólogos de nossa 
época. até onde podemos perceber, elas não estão interessadas no 
conhecimento produzido por sociólogos e, desse modo, nem mesmo 
no que eles próprios produzem como sociólogos do conhecimento. 
Em sua forma presente, as teorias sociológicas do conhecimento 
negligenciam quase que por completo esses aspectos concernentes 
ao desenvolvimento do conhecimento. A evidência sobre a qual 
se apóiam está restrita a um conhecimento altamente selecionado 
de um tipo específico. Entretanto, as teorias construídas sobre tal 
fundamento, especificamente selecionado e limitado, têm a forma de 
teorias sociológicas gerais do conhecimento. 
Ainda encontramos aqui outro exemplo de generalização 
filosófica. Os problemas selecionados como materiais de uma 
teoria geral são específicos. Outros tipos de problemas permanecem 
desconsiderados e não são explorados. Os critérios de seleção, 
entretanto, não são explicitamente estabelecidos. mesmo a própria 
seleção é, dificilmente, revelada. Não somente o crescimento 
de longo prazo do conhecimento humano, cuja aceleração não 
planejada nas sociedades contemporâneas oferece, isoladamente, 
um vasto campo para investigações sociológicas sistemáticas é 
deixado de lado. o desenvolvimento da maioria dos tipos não 
intelectuais de conhecimento passados e presentes, o estoque 
inteiro de conhecimento prático do qual as pessoas podem se valer 
em determinado estágio do desenvolvimento na vida cotidiana, 
538 norbert Elias
Sociedade e Estado, Brasília, v. 23, n. 3, p. 515-554, set./dez. 2008
inclusive o da linguagem, que forma parte do próprio conhecimento, 
são raramente considerados. também não são estabelecidas as 
conexões entre o desenvolvimento mais amplo das sociedades e o 
desenvolvimento do que chamamos de “consciência”. Em suma, 
as dinâmicas específicas de longo prazo da “consciência” e de seus 
vários níveis, como facetas daquelas sociedades, são deixadas de 
lado.
isso não quer dizer que essa especialidade da sociologia, como 
tal, não possua valor cognitivo. alguns de seus representantes, como 
Mannheim, Merton e Kurt Wolff, têm dado a ela atenção de modo 
mais claro e, muitas vezes, mais articulado do que seus predecessores 
menos especializados sobre esse tipo de conhecimento, o qual, em sua 
estrutura, é mais representativo dos grupos que [o] conhecem do que 
dos objetos aos quais eles, ostensivamente, se referem. [O fato] de esse 
campo – rico e promissor para futuras pesquisas sociológicas, onde 
está incluído o fenômeno amplamente discutido das ideologias, dos 
valores e das normas – ter se tornado mais do que nunca um assunto 
de discussões teóricas reflete sua grande atualidade em uma era de 
poderosas ideologias nacionais e sociais conflitantes. A sociologia 
do conhecimento muito realizou ao dar atenção aos debates teóricos 
suscitados por esse tipo de conhecimento. Entretanto, não sabemos 
bem se é possível que tais debates se esclareçam sem um progresso 
simultâneo dos estudos empíricos das ideologias. nem parece 
provável que possamos realizar mais progressos com os debates 
teóricos apresentados pelo fenômeno das ideologias se eles forem 
tomados isoladamente, se não considerarmos, ao mesmo tempo, o 
conhecimento que não possui o caráter de ideologia e a investigação 
das relações desses dois tipos de conhecimento.
como primeira abordagem para o modelo que indique essa 
relação, podemos considerar a consciência, o conhecimento ou o 
pensamento como um continuum dentro de uma ampla variação 
de equilíbrios entre as representações da experiência de si 
539Sociologia do conhecimento: novas perspectivas
Sociedade e Estado, Brasília, v. 23, n. 3, p. 515-554, set./dez. 2008
comunal e da auto-imagem dos grupos, de um lado, e, de outro, as 
representações de objetos que tais grupos se esforçam por conhecer; 
entre o conhecimento com um conteúdo relativamente alto de 
fantasia emotiva, representando um alto grau de envolvimento, e 
o conhecimento com um conteúdo relativamente alto de realidade, 
representando um alto grau de afastamento11 – sem a implicação 
de que exista, em algum lugar, um marco zero, um [ponto] 
absoluto em qualquer das direções. A sociologia contemporânea 
do conhecimento está interessada apenas no conhecimento voltado 
para o primeiro dos pólos. Ela está preocupada com tipos de idéias 
que representam um alto grau de envolvimento e um correspondente 
baixo afastamento, uma centralização relativamente alta no sujeito 
e uma correspondente baixa centralização no objeto; em suma, essa 
sociologia está mais interessada no conhecimento que reflete, em 
maior escala, a situação e a auto-imagem dos grupos que produzem 
o conhecimento do que na estrutura autônoma do que eles procuram 
conhecer (Elias, 1956).
Entretanto, mesmo a orientação altamente centrada no sujeito, 
essa espécie mais auto-referida de conhecimento, não é, de modo 
algum, levada em consideração por essas teorias em todas as suas 
manifestações. Os tipos de conhecimento que, em geral, trazem 
mais fortemente a marca dos grupos que conhecem do que dos 
objetos que eles procuram conhecer, o conhecimento que, em outras 
palavras, tem uma baixa autonomia relativa quanto às variações 
nos sucessos e nos interesses daqueles que o estão produzindo, não 
são encontrados apenas em um setor da experiência dos homens. 
Eles não estão restritos ao conhecimento do que chamamos de 
“sociedade”. Eles também dominaram o conhecimento humano 
do que chamamos de “natureza” durante toda a ampla fase não 
científica do desenvolvimento humano. Os especialistas da 
sociologia do conhecimento ainda costumam tentar construir teorias 
gerais do conhecimento da sociedade apenas a partir das evidências 
540 norbert Elias
Sociedade e Estado, Brasília, v. 23, n. 3, p. 515-554, set./dez. 2008
mais centradas no sujeito, mais emotivas e não científicas. Eles não 
levam em consideração da mesma forma os tipos de conhecimento 
da natureza centrados no sujeito, emotivos e não científicos. Escapa 
a eles o fato de que este último tem muito mais características e é, 
para dizer a verdade, um tipo específico do que hoje denominamos 
“ideologias”. Eles se encontram, provavelmente, iludidos pela 
acentuada divisão classificatória entre esses dois campos de nossa 
experiência, entre “natureza” e “sociedade”, quase criando uma 
imagem de como se esses dois campos tivessem uma existência
independente e separada. Entretanto, essa divisão experiencial e 
conceitual nunca tinha sido tão proeminente e aparentemente auto-
evidente como vem se tornando, na atualidade.
ao examinarmos o assunto, torna-se absolutamente óbvio que 
essa divisão conceitual, quase ontológica, é, ela própria, correlativa 
ao desenvolvimento desigual do conhecimento humano nesses dois 
campos. Em relação aos níveis do nosso universo unitário, a que 
chamamos “natureza”, o conhecimento humano vem atingindo um 
grau relativamente alto de centralização no objeto, de adaptação aos 
seus objetos, de autonomia em relação aos destinos flutuantes dos 
sujeitos, e os homens vêm adquirindo, correspondentemente, uma 
alta capacidade de controle do curso dos eventos nessa esfera. Quanto 
aos níveis do que chamamos de “sociedade”, o desenvolvimento do 
conhecimento nessa direção tem ficado para trás. Aqui, a orientação 
e a adequação para o conhecimento do objeto, em comparação, 
têm permanecido baixas, e correspondentemente baixa tem sido 
a capacidade do homem em influenciar o rumo dos eventos. Isso 
não quer dizer que o desenvolvimento de nosso conhecimento 
da sociedade deva seguir, necessariamente, na mesma direção do 
desenvolvimento do conhecimento do homem em relação à natureza. 
O diagnóstico apenas levanta a questão das razões sociológicas para 
esse desenvolvimento desigual do conhecimento humano. Ele sugere 
que essas razões não podem ser encontradas, tal como freqüentemente 
541Sociologia do conhecimento: novas perspectivas
Sociedade e Estado, Brasília, v. 23, n. 3, p. 515-554, set./dez. 2008
se afirma na atualidade, simplesmente na natureza do “objeto”, mas, 
sim, na situação, na atitude e na perspectiva dos sujeitos vis-à-vis com 
seus “objetos”, vis-à-vis eles próprios como objetos de suas buscas 
pelo conhecimento. Dificilmente podemos esperar a construção de 
uma teoria sociológica geral do conhecimento sem considerar como 
uma de suas questões cruciais o problema de sob quais condições 
e por que o conhecimento daqueles níveis de integração do que 
denominamos “natureza” foi rompendo as barreiras de uma alta 
orientação pela fantasia, de uma alta centralização no sujeito e no 
envolvimento em prol de um estágio em que a orientação pela fantasia 
diminuiu e a orientação pela realidade, pela autonomia relativa e pela 
centralidade conferida aos objetos cresceu; o problema de sob quais 
condições e por que, no que tange ao conhecimento dos homens 
sobre eles próprios como sociedades, a balança entre uma orientação 
para o sujeito e as representações emotivas e de fantasia continua 
demonstrando uma predominância sobre uma maior orientação para 
o objeto e representações menos emotivas da realidade, embora isso 
venha diminuindo vagarosamente – de forma altamente instável – 
em comparação com o passado.
III
Um dos fatores que dificulta e até certo ponto bloqueia 
investigações desse tipo é o fato de que, em nosso universo de 
conhecimento, duas teorias do conhecimento, teorias sociológicas 
e teorias filosóficas, se encontram desconectadas umas das outras. 
Elas são elaboradas por grupos acadêmicos diferentes e nenhum 
deles parece se preocupar com o que o outro está fazendo. As linhas 
de comunicação entre eles estão mais ou menos bloqueadas. Embora 
eles estejam nominalmente interessados em problemas da mesma 
área – o conhecimento humano –, suas principais abordagens e 
suas concepções fundamentais são tão diferentes, que quase nunca 
542 norbert Elias
Sociedade e Estado, Brasília, v. 23, n. 3, p. 515-554, set./dez. 2008
ocorrem discussões entre os dois campos. Nenhum desses pólos 
parece investigar os seus próprios relacionamentos.
Entretanto, a tradição epistemológica clássica da filosofia 
européia se faz sentir de diversas formas quando discutimos os 
problemas sociológicos do conhecimento. Fazer menção a uma dessas 
formas poderia ajudar: embora possivelmente um pouco inesperado, 
o esclarecimento será apresentado. Certos modelos de pensamento 
encontraram suas mais sofisticadas expressões no que a tradição 
epistemológica tem infiltrado profundamente em nossa linguagem 
comum, embora, dificilmente, estejamos conscientes disso. Eles 
produzem, por conseguinte, um viés implícito, uma predisposição 
despercebida, tanto nas investigações sociológicas como em outras, 
em favor de certos hábitos de pensamento em oposição a outros. Um 
exemplo é o uso do termo “fenômeno” como um dos mais gerais 
para todo tipo de acontecimento ou fato e, estreitamente relacionado 
a ele, o uso dos termos “subjetivo” ou “objetivo” como um tipo de 
polaridade estática com uma implicação de valor bastante perceptível. 
ambos são representativos do paradigma epistemológico discutido 
e explorado quase sem alteração pelos filósofos clássicos da 
Europa, mas o termo “fenômeno” representa mais fortemente o que 
poderíamos chamar de viés “fenomenalista”.
“Fenômeno” é derivado de um termo já padronizado como 
conceito filosófico na Antiguidade, especialmente por Aristóteles, 
significando algo como “uma manifestação na experiência dos 
sentidos” ou, simplesmente, “dados dos sentidos”, enquanto distintos 
dos próprios dados. Bacon ainda escrevia phainomenon: o termo não 
tinha se tornado completamente anglicizado. Ele ainda significava, 
grosseiramente, alguma coisa que aparece para os homens, embora 
não possamos estar certos se isso é o que aparentava ser. Sua 
transformação dentro do inglês, francês, alemão, em um substantivo 
europeu, é característica do modo pelo qual a filosofia européia 
clássica, especialmente em sua forma racionalista ou apriorística 
543Sociologia do conhecimento: novas perspectivas
Sociedade e Estado, Brasília, v. 23, n. 3, p. 515-554, set./dez. 2008
representada tanto por Descartes como por Kant, influenciou as 
línguas européias. Filósofos consideram ingênua a concepção de 
que as coisas realmente são como elas parecem ser na experiência 
dos sentidos. A gradual aceitação do termo filosófico especializado 
“fenômeno” como um termo europeu comum, utilizável em um 
alto nível de imprecisão para quase todos os objetos ou eventos, é 
sintomática de como a generalização cristalizada na dúvida filosófica 
– de se as coisas que aparecem para uma pessoa correspondem à 
Ding an sich12 ou se as coisas são o que aparentam ser – fincou 
raízes no pensamento e na linguagem europeus. O dicionário Oxford 
ainda afirma que o termo “fenômeno” é empregado exclusivamente 
para um fato ou acontecimento, para a causa ou a explicação do 
que se está em questão. Atualmente, é difícil encontrar outro termo 
igualmente genérico para fatos e eventos, se quisermos evitar o viés 
fenomenalista do termo “fenômeno” sem forçar a linguagem.
O uso dos termos “subjetivo” e “objetivo” nos conduz ao 
mesmo paradigma epistemológico, embora seja levemente diferente 
o aspecto que eles trazem à tona. Assim como o termo “fenômeno”, 
eles perpetuaram a noção de uma antítese estática entre o sujeito do 
conhecimento e os objetos do conhecimento, mas o uso cotidiano 
corroeu, até certo ponto, a sofisticação filosófica da polaridade 
sujeito–objeto. “Subjetivo” conservou a conotação de que o que está 
“na mente” de uma pessoa não é “objetivo”, é “apenas aparência” 
ou “opinião”, que não são fatos o que os “objetos de pensamento” 
realmente são. No entanto, o termo “objetivo” é freqüentemente 
utilizado na vida cotidiana com a implicação de que certas 
declarações, certas idéias de uma pessoa podem, de fato, corresponder 
aos objetos, que elas podem ser “objetivas”. A experiência do 
crescimento dos avanços científicos pode ter ajudado essa utilização 
do termo ao longo do tempo. Entretanto, a epistemologia filosófica,
com sua grandiosa sofisticação, está, no mínimo, espantada com o 
quebra-cabeça criado por ela própria – habilmente omitido pelo uso 
544 norbert Elias
Sociedade e Estado, Brasília, v. 23, n. 3, p. 515-554, set./dez. 2008
vernacular dos termos “objetivo” e “subjetivo”: de que mesmo uma 
declaração científica que pareça ser “objetiva” ou “verdadeira” é 
também “subjetiva”, isto é, uma declaração sobre objetos, de como 
eles se manifestam para um sujeito.
Dificilmente podemos ter a esperança de superar esse 
impasse, devido ao dualismo estático, sem uma observação mais 
atenta da concepção básica que, com poucas exceções, subjaz às 
teorias filosóficas tradicionais do conhecimento e que é perpetuada 
por termos como “subjetivo” e “objetivo” no sentido um tanto 
confuso em que eles são comumente usados. A suposição é de que 
a aquisição do conhecimento é um assunto em que cada pessoa está 
sozinha. Na qualidade de “sujeitos”, temos a impressão de inseridos 
absolutamente sozinhos em um mundo de objetos em relação aos 
quais devemos tentar adquirir conhecimento, trabalhando sós e sem 
nenhuma ajuda. Como é possível, como sujeito do conhecimento, 
adquirir conhecimento que seja “verdadeiro” acerca de objetos, 
como parecem fazer no caso da ciência? Como, perguntou Kant, a 
ciência é possível?
Pode-se perceber por que é necessário forçar um pouco a 
linguagem para demonstrar que, na aquisição do conhecimento, 
nenhum ser humano pode ser considerado um ponto de partida; nós 
nos encontramos sobre os ombros de outros, de quem aprendemos 
um cabedal já adquirido de conhecimento que, se tivermos a 
oportunidade, poderemos ampliar. Se tentarmos trazer para nossa 
própria rede conceitual o desenvolvimento de longo prazo do 
conhecimento humano, tanto em seus aspectos não científicos 
como em seus aspectos científicos, os conceitos sugerem que uma 
polaridade estática – tais como “sujeito” e “objeto” ou “subjetivo” 
e “objetivo” em seus sentidos tradicionais – resulta inadequada. O 
paradigma epistemológico clássico de uma solidão individual, de um 
“sujeito” isolado caçando aqui e agora o conhecimento das conexões 
dos “objetos” dentro da imensidão de um mundo desconhecido, 
545Sociologia do conhecimento: novas perspectivas
Sociedade e Estado, Brasília, v. 23, n. 3, p. 515-554, set./dez. 2008
começando do zero e absolutamente sozinho, não é muito útil. Tal 
paradigma implica que o homem que contempla sua própria busca 
do conhecimento se confronta, basicamente, apenas com duas 
possibilidades, ambas igualmente estáticas, finais e absolutas, embora 
ele possa inventar um número de variações e combinações. Ele pode 
assumir uma eterna preponderância do sujeito do conhecimento 
sobre os objetos, um estado limítrofe de “subjetividade” em que as 
próprias estruturas imutáveis do sujeito, sob quaisquer que sejam 
seus nomes – “razão”, “idéias”, “categorias”, “sentidos” ou “leis da 
lógica” –, imprimem suas marcas sobre todas as experiências do 
homem como um tipo de véu entre ele e os objetos, de modo que 
tudo que ele possa esperar apreender em sua rede conceitual são 
“fenômenos”, isto é, as aparências das coisas. Ou ele pode assumir 
uma eterna preponderância dos objetos do conhecimento sobre o 
sujeito, um estado limítrofe de “objetividade” no qual ele próprio 
apreende, em sua rede de conexões de objetos, os objetos como eles 
realmente são, nos quais a busca de conhecimento caminha para um 
fim absoluto e ele entra, absolutamente por si mesmo, no paraíso da 
verdade última e eterna.
Em vez disso, necessitamos de um paradigma apropriado 
para lidar com a experiência de que a aquisição do conhecimento 
é um processo que supera a duração de uma vida e a capacidade de 
descoberta de um indivíduo. É um processo no qual os “sujeitos” são 
grupos de pessoas, longas linhagens de gerações de homens. Em seu 
curso, a preponderância desse “sujeito” – dos interesses imediatos, 
das necessidades e dos sentimentos dos grupos – sobre seus interesses 
nas interdependências, conexões e estruturas dos objetos como tais 
ou, por outro lado, a preponderância dos seus interesses de longo 
prazo nas conexões e estruturas dos objetos sobre seus interesses, 
sentimentos e necessidades de curto prazo, pode aumentar ou 
diminuir, dentro do padrão de percepção que os grupos têm daquelas 
conexões e estruturas. Poderíamos dizer que o equilíbrio de poder 
546 norbert Elias
Sociedade e Estado, Brasília, v. 23, n. 3, p. 515-554, set./dez. 2008
entre os objetos e os sujeitos do conhecimento pode oscilar nas 
experiências dos homens e tais oscilações fazem toda a diferença 
no mundo em relação ao caráter e à estrutura do conhecimento dos 
homens. Qualquer conceituação, portanto, que reduza a dinâmica 
social do processo de descoberta a condições estáticas, com o 
homem no singular atuando como o sujeito do conhecimento em 
determinada situação aqui e agora, estará condenada a nos arrastar 
a um labirinto epistemológico sem saída, sem nenhuma porta para 
escaparmos.
O pescador, tentando capturar conexões dos objetos em sua 
rede, não começa do nada. Não somente o conhecimento dos objetos, 
mas também o conhecimento de como adquirir e de como avançar o 
conhecimento dos objetos, de como capturá-los em sua própria rede, 
de como construir redes e de como construir redes melhores para 
capturá-los, desenvolveu-se ao longo das gerações; e a rede será 
passada para ele na medida em que tenha sido desenvolvida em sua 
sociedade. Em algumas sociedades, certos tipos de conhecimento 
sobre a aquisição e o avanço do conhecimento, certos tipos de 
redes conceituais tornam-se regularmente mais apropriados para 
apreender certos tipos de conexões entre objetos. Qualquer que seja 
o caso, sempre que uma rede conceitual para a apreensão de tais 
conexões e a consciência de como se avançar o conhecimento em 
um campo da experiência dos homens atinjam um nível em que as 
suas adequações nas interdependências sejam tão grandes a ponto de 
suas orientações pelo objeto adquirirem vantagem sobre a orientação 
pelo sujeito, os avanços posteriores nesse campo apresentarão uma 
medida de autonomia. Elas procederão de modo mais regular do que 
faziam antes. Sendo mais autônomas em relação às flutuações de 
curto prazo do desenvolvimento da sociedade, embora, é claro, não 
sendo nunca completamente independentes delas, elas se tornarão 
relativamente auto-suficientes, e nós poderemos chamar a aquisição 
do conhecimento naquele campo de ciência.
547Sociologia do conhecimento: novas perspectivas
Sociedade e Estado, Brasília, v. 23, n. 3, p. 515-554, set./dez. 2008
Visto em relação a essa longa ascensão e ao difícil avanço 
para esse nível, o paradigma epistemológico dos filósofos clássicos 
parece um pouco egocêntrico. Eles costumam partir, como era de 
esperar, de uma específica e estabelecida auto-imagem que eles 
tomam como uma verdadeira e imutável imagem de homem. O 
que eles descobrem ao se auto-examinarem é o que tacitamente 
acreditam poder encontrar em todos os seres humanos e em todos os 
lugares. Se eles se deparam com informações sobre seres humanos 
que não percebem o nexo da natureza da mesma maneira como eles 
o fazem, que não pensam de maneira “científica” ou “racional” 
sobre as conexões de eventos naturais, benevolamente, eles, às 
vezes, os comparam a crianças ou, em outros casos, explicam 
seu modo diferente de conexões como ignorância ou superstição. 
No entanto, eles não explicam como nem por que os homens de 
suas próprias sociedades, bem como eles mesmos, atingiram seu 
aperfeiçoado conhecimento. Eles são inclinados a avaliar como mais 
apropriados os modos de conexão dos dados da natureza que eles
possuem, e a certeza maior acerca do andamento natural das coisas 
que os acompanham como um presente de Deus ou da natureza ou, 
pelo menos, como uma propriedade imutável e comum dos seres 
humanos em geral.
 Conseqüentemente, a questão de como explicar a relativamente 
grande aptidão de certos conceitos, de algumas técnicas para a 
aquisição de conhecimento, para a conexão dos dados que queremos 
conhecer – a aptidão que é a marca registrada da ciência e que, 
às vezes, é chamada de racionalidade – permanece um problema 
especulativo. O problema dificilmente terá sua solução enquanto for 
estruturado de maneira estática, com um sujeito do conhecimento 
tendo como modelo um sujeito individual em uma situação 
considerada somente no aqui e agora. leibniz, como outros antes 
dele, afirmou que a inexplicável e diferente aptidão das ferramentas 
de pensamento do sujeito em relacionar os objetos se deveu a um 
548 norbert Elias
Sociedade e Estado, Brasília, v. 23, n. 3, p. 515-554, set./dez. 2008
ato de Deus; ele via a “harmonia” entre sujeito e objeto como uma 
harmonia preestabelecida pelo Criador. Hume, mais avesso às 
especulações metafísicas do que muitos de seus contemporâneos, 
explicou que a idéia de uma conexão causal entre eventos, a qual 
atribuímos aos objetos, não pode provir dos próprios objetos, mas, 
sim, de nossos hábitos de enxergar certas seqüências naturais que 
se repetem. Kant, seguindo-se a hume, postulou que os conceitos 
de conexões entre objetos, tais como o de lei natural, substância ou 
causalidade mecânica, que são condições de toda experiência, não 
podem ser derivados da experiência; eles são, de acordo com ele, 
anteriores à experiência ou a priori. Percebemos que Kant estava 
correto ao pensar que aqueles conceitos que ele encontrou usando sua 
própria experiência da natureza não se originavam e não poderiam 
se originar de sua própria experiência, nem mesmo da experiência 
de todos os homens de seu tempo e de sua sociedade. No entanto, 
que esses conceitos fossem a priori para a sua experiência não 
significava, como ele afirmava, que eles fossem a priori para todas 
as experiências de todos os seres humanos sobre a Terra. 
Atualmente tornou-se mais fácil perceber tal questão como um 
problema do vir a ser e menos do ser. Para se enxergar o problema 
em sua totalidade, talvez umas poucas palavras de um sacerdote 
africano possam ajudar. Faltavam a ele as certezas de Kant. Ele não 
conectou os eventos da mesma maneira – não porque, pessoalmente, 
tenha sido menos inteligente, mas porque viveu em uma sociedade 
que se desenvolveu de modo diferente:
nós temos, ele disse, que usar quando pudermos e nos proteger 
contra os espíritos de todas as coisas no Céu e sobre a Terra. Você 
vai à floresta, vê algum animal selvagem, queima-o, e você descobre 
ter matado um homem. Você humilha seu empregado, mas mais 
tarde você descobre que o perdeu. Você pega seu facão para cortar 
o que você pensa ser um galho de árvore e descobre ter cortado seu 
próprio braço. Há pessoas que podem se transformar em leopardos; 
“pastores” são especialmente bons para se transformarem em hienas. 
549Sociologia do conhecimento: novas perspectivas
Sociedade e Estado, Brasília, v. 23, n. 3, p. 515-554, set./dez. 2008
Há bruxas que podem fazer você definhar e morrer. Há arvores que 
caem sobre você e o matam. Há rios que afogam você. Se eu vejo 
quatro ou cinco europeus, eu não dou atenção apenas a um deles 
ignorando o resto, com receio de que eles também tenham poder e 
me odeiem (Rattray, 1923).
A maior incerteza sobre conexões de eventos que pode ser encontrada 
na voz deste sacerdote é a de um modo de experiência que acontece 
em um estágio comparável de desenvolvimento social entre todas 
as pessoas da Terra. Muito longe de serem “formas de pensamento” 
eternas, o modo em que os eventos são conectados na experiência 
dele é aprendido de acordo com um nível de conhecimento 
transmitido em sua sociedade. A definição daqueles conceitos 
básicos, das categorias kantianas como “forma” e de outros tipos 
de conhecimento como “conteúdo”, dificilmente é aplicável aqui. A 
rede conceitual para se adquirir conhecimento faz parte do próprio 
conhecimento dos homens. A citação pode ser familiar. O problema 
que ela levanta não é simplesmente por que o velho sacerdote 
conectou em sua experiência eventos de maneira diferente a que 
nós fazemos, mas sim por que nós conectamos eventos de maneiras 
diferentes da dele.
Notas
1 o termo, originariamente, é specialism, palavra não muito utilizada em 
inglês e com tradução literal para o português como “especialismo”. 
optamos por traduzir a expressão da maneira mais corrente na língua 
portuguesa. Outras soluções possíveis seriam “campo” ou “área”, que 
perderiam, no entanto, a especificidade buscada por Norbert Elias. (N. 
dos t.)
2 Elias se refere ao ensaio de Mannheim (1927). Este artigo é um resumo 
do trabalho escrito por Mannheim para sua prova de habilitação 
(Habilitationsschrift) na Universidade de Heidelberg e que encontrou 
publicação integral em Kettler (1984). (N. dos T.)
550 norbert Elias
Sociedade e Estado, Brasília, v. 23, n. 3, p. 515-554, set./dez. 2008
3 Carta de Engels a Conrad Schmidt, London, 27th October 1890 (Marx e 
Engels, 1934).
4 A carta, que não está devidamente citada no original do artigo, pode 
ser encontrada integralmente em: <http://marxists.org/archive/marx/
works/1890/letters/90_09_21a.htm>. A passagem a que Elias se refere 
é a seguinte: “According to the materialistic conception of history, the 
production and reproduction of real life constitutes in the last instance 
the determining factor of history. Neither Marx nor I ever maintained 
more. Now when someone comes along and distorts this to mean that 
the economic factor is the sole determining factor, he is converting 
the former proposition into a meaningless, abstract and absurd 
phrase.” (Segundo a concepção materialista de história, a produção e 
a reprodução da vida concreta constituem, em última instância, o fator 
de determinação da história. Nem Marx nem eu jamais afirmamos 
mais. Agora, quando alguém vem e altera isso para significar que o 
fator econômico é o único fator de determinação, esse alguém está 
convertendo a antiga proposição em uma frase sem sentido, abstrata e 
absurda.) (N. dos T.)
5 no artigo original, Elias omite uma vírgula que alteraria o sentido da 
tradução; preferimos manter a fidelidade à referência original, ou seja, 
à carta de Engels. (N. dos T.)
6 Literalmente, “estado do vigia noturno”, expressão disseminada pelo 
socialista alemão Ferdinand Lassalle (1825-1864): trata-se, dentro 
da filosofia política, de uma forma de governo em que as tarefas e 
responsabilidades do Estado são reduzidas ao mínimo (por isso é 
também chamado de estado mínimo), restando apenas a manutenção 
interna e externa da ordem que visa, em última instância, proteger a 
propriedade privada. (N. dos T.)
7 Posteriormente, Elias desenvolverá essa idéia em um artigo denominado 
“On the sociogenesis of sociology” (1984). (N. dos T.)
8 Consciência (em alemão, no original). (N. dos T.)
9 Ser (em alemão, no original). (N. dos T.)
551Sociologia do conhecimento: novas perspectivas
Sociedade e Estado, Brasília, v. 23, n. 3, p. 515-554, set./dez. 2008
10 Nosso conhecimento sobre o crescimento do conhecimento está 
aumentando constantemente e, até onde os detalhes permitem saber, é 
maior agora do que antes. O que falta são modelos teóricos adequados 
acerca do desenvolvimento do conhecimento que possam ser 
comparados com essa evidência e ajustados a modelos correspondentes 
de desenvolvimento das sociedades dentro das quais aquele 
conhecimento assume uma posição.
Um dos principais obstáculos 
em direção a tais modelos é, evidentemente, a disposição fortemente 
ambivalente com relação ao conhecimento científico que prevalece 
em nosso tempo. A dúvida, muito difundida, sobre o valor desse 
conhecimento afeta a integração teórica dos fatos. Uma das tentativas 
contemporâneas mais conhecidas para tal integração, o modelo de T. 
S. Kuhn de desenvolvimento do conhecimento científico (Kuhn, 1962) 
é um bom exemplo. No sofisticado paradigma de Kuhn, a progressiva 
expansão do conhecimento dos homens de um universo desconhecido 
ao longo dos milênios, dos quais a expansão científica é a fase mais 
tardia, basicamente se perdeu de vista. Ele representa essa fase – 
caracterizada por uma combinação específica de investigação empírica 
em relação a aspectos desconhecidos deste universo com integração 
teórica periódica do crescimento do conhecimento desses aspectos 
– de maneira depreciativa; por um lado, como um jogo de quebra-
cabeças resolvido (solving) de acordo com certas regras; por outro 
lado, como uma mudança acidental e parcialmente arbitrária das regras. 
Ele conceitua o primeiro desses dois tipos de atividades científicas 
como “ciência normal” e o segundo como “revoluções científicas”. 
A escolha das palavras é suficiente para sugerir que modelos teóricos 
integrados, tais como os de Ptolomeu, na Antiguidade, ou os de Newton 
e Einstein, nos tempos mais recentes, permanecem, de certo modo, 
do lado de fora e não fazem parte da ciência normal. Assim sendo, 
desgastando a arbitrariedade e a descontinuidade das inovações teóricas 
radicais (que é dificilmente mais adequada para o desenvolvimento do 
conhecimento científico do que a separação conceitual entre uma fase 
não revolucionária de um processo revolucionário que o sucede no 
desenvolvimento de uma sociedade), Kuhn é capaz de traçar um quadro 
essencialmente relativista da relação entre os paradigmas bastante 
integradores dentro de um processo científico. Enquanto permite um 
552 norbert Elias
Sociedade e Estado, Brasília, v. 23, n. 3, p. 515-554, set./dez. 2008
“gostinho de progresso” para sua “ciência normal”, ele nega que a 
seqüência de paradigmas teóricos represente algum progresso, alguma 
ampliação do conhecimento humano.
11 Elias está utilizando aqui a oposição entre involvement (envolvimento, 
engajamento, interesse) e detachment (desinteresse, imparcialidade, 
afastamento, separação, desmembramento) que será o tema do seu livro 
Engagement und Distanzierung (1983). A tradução popularizada no 
Brasil traduziu o termo detachment (no original alemão, Distanzierung, 
e, na tradução francesa, distanciation) pelo termo – mais do que saturado 
– alienação, com as devidas justificativas que podem ser encontradas 
em nota introdutória à tradução do livro. Apesar de entendermos 
os motivos da escolha, preferimos, aqui, manter a tradução literal. 
(N. dos T.) 
12 Coisa em si (em alemão, no original). (N. dos T.)
Sociology of knowledge: new perspectives
Abstract: The core problems of sociological and philosophical 
theories of knowledge remain insoluble and unrelated since both 
theories start from static models. The problems can be solved – 
and the respective theories can be related to each other – without 
undue difficulties if the acquisition of knowledge occurring within 
societies is conceptualized as a long-term process which, in turn, 
takes place within societies also considered as long-term processes. 
This approach adds up to being in close agreement with the evidence. 
The paper points out what needs to be both unlearned and learned 
in order to pave the way for such a unified theoretical framework to 
serve as a guide to – and be corrected by – empirical sociological 
studies of all kinds of knowledge: scientific and practical, as well 
as non-scientific or ideological.
Key words: sociology of knowledge; sociological theory; 
sociology.
553Sociologia do conhecimento: novas perspectivas
Sociedade e Estado, Brasília, v. 23, n. 3, p. 515-554, set./dez. 2008
Referências
EliaS, norbert. Engagement und Distanzierung: arbeiten zur 
Wissenssoziologie I. Frankfurt am Main: Suhrkamp, 1983. 
Tradução inglesa: Involvement and detachment. Oxford: Basil 
Blackwell, 1987. Tradução brasileira: Envolvimento e alienação. 
Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1998.
________. On the sociogenesis of sociology. Sociologish Tijdschrift, 
CIDADE, v. 11, 1984, p. 14-52. Tradução brasileira: Sobre a 
sociogênese da economia e da sociologia. In: ________. Escritos & 
Ensaios 1: estado, processo, opinião pública. Rio de Janeiro: Zahar, 
2006, p. 167-196.
________. Problems of involvement and detachment. British Journal of 
Sociology, cidade, vii, 1956, p. 226-252.
________. Sociology of knowledge: new perspectives – part one. Sociology, 
Belmont, Durham, 5, p. 149-168, 1971. 
________. Über den Prozess der Zivilisation. Bern, Munich, 1969. 
Tradução brasileira: O processo civilizador. Rio de Janeiro: Zahar, 
1994.
KETTLER, D.; MEJA, V.; STEHR, N. (Ed.). Konservatismus: ein Beitrag 
zur Soziologie des Wissens. Frankfurt am Main: Suhrkamp, 1984. 
Tradução inglesa: MANNHEIM, K. Conservantism: a contribution 
to the sociology of knowledge. In: ________; ________; ________. 
(Ed.). London: Routledge and Kegan Paul, 1986.
KUHN, T. S. The structure of scientific knowledge. Chicago, London, 
1962.
MANNHEIM, K. Das Konservative Denken. Archivfür Sozial Wissenschaft 
und Sozialpolitik, 57, 1, 1927, p. 68-142; 57, 2, p. 470-495. Tradução 
brasileira: ________. O pensamento conservador. in: maRtinS, J. 
Introdução crítica à sociologia rural. São Paulo: hucitec, 1981, p. 
11-38.
554 norbert Elias
Sociedade e Estado, Brasília, v. 23, n. 3, p. 515-554, set./dez. 2008
MARX, Karl; ENGELS, Frederick. Correspondence, 1846-1895. london, 
1934, p. 481. O leitor encontrará essa carta integralmente em: <http://
www.marxists.org/archive/marx/works/1890/letters/90_10_27.
htm>.
McLELLAN, D. Marx and the missing link. Encounter, nov. 1970, v. 
XXXV, n. 5, p. 39.
RattRaY, R. S. Ashanti. london: EditoRa, 1923, p. 150.

Teste o Premium para desbloquear

Aproveite todos os benefícios por 3 dias sem pagar! 😉
Já tem cadastro?