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Introdução ao Estudo do Direito II MÓDULO 1 2 Hart: O Conceito de Direito 2 Friederich Schauer: Formalism 8 Hartog: Pigs and the Positivism 11 Chalhoub – Visões da Liberdade 16 MÓDULO 2 18 Espinosa e Reale – O Campo Jurídico 18 Antônio Ribas - Manual de Direito Civil 23 Lynn Hunt - A Invenção dos Direitos Humanos 28 MÓDULO 3 30 Kelsen e Tércio – Sistemas Sintático e Pragmático 30 Professor Samuel Rodrigues Barbosa 2o Semestre de 2012 IED ‐ Giselle Viana 2 Módulo 1 Indeterminação Normativa Diferenciação entre 2 tipos de indeterminação: 1) Acomodado com o conceito de formalismo – indeterminação linguística; 2) Indeterminação social da formação do direito, que é processo complexo que não se reduz à criação por uma instituição. HART: O CONCEITO DE DIREITO TESE: Em qualquer grande grupo, o controle social se baseia em regras, padrões gerais e não em diretivas particulares. Se não fosse possível comunicar regras gerais, o Direito não poderia existir. O direito refere-se, portanto, predominantemente a categorias de pessoas, de situações. O funcionamento com êxito do direito depende de sua capacidade de reconhecer o particular como CASO de uma categoria geral. “Daí resulta que o direito deva predominantemente, mas não de forma alguma exclusivamente, referir-se a categorias de pessoas, e a categorias de actos, coisas e circunstancias, e o seu funcionamento com êxito sobre vastas áreas da vida social depende de uma capacidade largamente difundida de reconhecer actos, coisas e circunstancias particulares como casos das classificações gerais que o direito faz.” (p. 137) Diretivas particulares se aplicam a casos específicos concretos, é o caso, por exemplo, da execução de uma sentença judicial. Categorias gerais referem-se a situações e pessoas abstratas. O reconhecimento do particular como caso de uma regra geral pode ser exemplificado pelo caso do rodízio de carros: cada indivíduo tem a capacidade de reconhecer o particular (placa de seu carro) como caso de uma categoria geral (placas abrangidas pelo rodízio naquele determinado dia). OBS: em pequenos grupos, diretivas particulares podem ser suficientes para o controle social (por exemplo, no núcleo familiar). Se essa tese for verdadeira, o problema é que a linguagem tem, por razões inerentes a si mesma, “zonas de indeterminação”, que surgem do uso de termos gerais. Como lidar com isso? EXPEDIENTES PARA A COMUNICAÇÃO DE PADRÕES Hart aponta dois mecanismos de comunicação de padrões gerais: • Legislação: o padrão é comunicado por meio de uma regra geral, criada por uma autoridade (ex: todos os homens devem tirar o chapéu ao entrar na igreja) • Precedente: um exemplo do passado serve de modelo para o comportamento presente (ex: o filho tira o chapéu ao entrar na igreja, lembrando o exemplo dado anteriormente pelo pai). As regras gerais comunicadas na forma de legislação parecem claras, seguras e certas. Funcionam por meio de silogismos simples. Por exemplo: IED ‐ Giselle Viana 3 “[Ego, no caso acima] Tem apenas de reconhecer os acasos de aplicação de termos verbais claros, de subsumir factos particulares em epígrafes classificatórias gerais e retirar uma conclusão silogística simples” (p. 139) Entretanto, apenas a linguagem natural não resolve as zonas de indeterminação, portanto devem existir outros meios para tal. “Em todos os campos da experiência, e não só no das regras, há um limite, inerente à natureza da linguagem, quanto à orientação que a linguagem geral pode oferecer. Haverá na verdade caos simples que estão sempre a ocorrer em contextos semelhantes, aos quais as expressões gerias são claramente aplicáveis, mas haverá também casos em que não é claro se se aplicam ou não. Estes últimos são situações de facto, continuamente lançadas pela natureza ou pela invenção humana, que possuem alguns dos aspectos dos casos simples, mas a que lhes faltam outros.” (p.139) OBS: Hart não discorda de que é possível uma regra clara, ele apenas diz que existem casos em que a regra não é. A TEXTURA ABERTA Tanto na comunicação de padrões por precedentes quanto na comunicação por legislação, a linguagem pode ter um núcleo determinado e uma periferia indeterminada. Hart trata da VAGUEZA da linguagem (ressalvando-se que não se trata de “ambiguidade”) ou seja, a dificuldade de se reconhecer quando um caso se subsime ou não a uma regra geral. “Seja qual for o processo escolhido, precedente ou legislação, para a comunicação de padrões de comportamento, estes, não obstante a facilidade com que actuam sobre a grande massa de casos concretos, revelar-se-ão como indeterminados em certo ponto em que a sua aplicação esteja em questão: possuirão aquilo que foi designado como textura aberta.” (p. 141) • Todo x (homem que entra na igreja de chapéu), deve y (tirar o chapéu). PREMISSA MAIOR • Ego entra na igreja de chapéu. PREMISSA MENOR • Ego deve tirar o chapéu. CONCLUSÃO IED ‐ Giselle Viana 4 O núcleo determinado se aplica a casos simples. A periferia indeterminada abrange os chamados “hard cases”, são os casos de fronteira nos quais há incerteza, e consequentemente torna-se necessário, para o juiz, realizar escolhas, exercer o poder discricionário (não quer dizer “irracional” – a racionalidade é medida pela justificativa da escolha) para decidir se o caso será ou não subsumido à regra. “Quando surge o caso não contemplado, confrontamos as soluções em jogo e podemos resolver a questão através da escolha entre os interesses concorrentes, pela forma que melhor nos satisfaz. Ao fazer isso, teremos tornado a nossa finalidade inicial mais determinada e teremos incidentalmente resolvido uma questão respeitante ao sentido, para os fins desta regra, de uma palavra geral”. (p. 142) Hart chama essa vagueza inerente à linguagem natural de TEXTURA ABERTA e defende que não há como eliminá-la, como detalhar a regra, pelo trabalho do legislador. É impossível uma legislação perfeita, o que envolve uma questão de natureza metafísica: se o mundo se compusesse de aspectos finitos, cujas combinações possíveis pudessem ser previamente conhecidas por todos, seria possível regular previamente sem a indeterminação. “Simplesmente este mundo não é o nosso mundo; os legisladores humanos não podem ter tal conhecimento de todas as possíveis combinações de circunstâncias que o futuro pode trazer.” (p. 141) Com efeito, novas coisas são fabricadas, novos aspectos surgem no mundo a todo momento, o que torna impossível prever todas as possibilidades fáticas e detalha-las nas regras de forma clara e determinada. Exemplo: a tipificação de furto envolve a subtração de “coisa alheia móvel”. Todavia, com a posterior invenção da energia elétrica e o surgimento de casos de “furto de energia elétrica”, surgiu a questão: poder-se-ia considerar “furto” tal conduta, dado que energia elétrica não é uma coisa móvel? NÚCLEO DETERMINADO Casos simples PERIFERIA INDETERMINADA Casos difíceis, incerteza, zona de penumbra IED ‐ Giselle Viana 5 A ATITUDE FORMALISTA Sistemas jurídicos diferentes, ou em momentos diferentes, ignoram ou reconhecem mais ou menos explicitamente a necessidade de se fazer escolhas. Ou seja, é possível adotar uma atitude formalista ou uma atitude não formalista e são opções históricas dos sistemas. “Em alguns sistemas jurídicos, em certos períodos, pode ser que demasiadas coisas sejam sacrificadas à certeza, e a interpretação judicial das leis ou do precedente seja demasiado formal e assim não consiga responder às semelhanças e diferenças entre casos que só são visíveis quando consideradas à luz das finalidades sociais.” (p. 143) Atitude formalista, nesse sentido, é a de disfarçar ou minimizar a necessidade de uma escolha, isolando certos aspectos do caso simples e considerando-os necessários e suficientes para o enquadramento do caso na regra... “...Seja quais foram os outros aspectos que possa ter ou que lhe possam faltar e sejam quais forem as consequências sociais derivadas da aplicação da regra dessa maneira.” (p. 142) CERTEZA E ADAPTAÇÃO Hart aceita a tese da textura aberta e diz que, no fundo, é preciso compatibilizar, fazer um compromisso entre duas necessidades sociais: a certeza (segurança – adquiridas com a definição de regiões claras, prévias) e a adaptação (capacidade de ajustar-se à realidade social concreta e aos novos aspectos da vida que surgem a todo momento). “De facto, todos os sistemas, de formas diferentes, chegam a um compromisso entre duas necessidades sociais: a necessidade de certas regras que podem, sobre grandes zonas de conduta, ser aplicadas com segurança por indivíduos privados a eles próprios, sem uma orientação oficial nova ou sem ponderar as questões sociais, e a necessidade de deixar em aberto, para resolução ulterior através de uma escolha oficial e informada, questões que só podem ser adequadamente apreciadas e resolvidas quando surgem num caso concreto.” (p. 143) Portanto, não obstante a necessidade de segurança e certeza, é preciso também admitir-se uma necessidade de adaptação. Hart desenvolve uma tipologia de mecanismos de adaptação: adaptação atualização certeza segurança IED ‐ Giselle Viana 6 1) Colaboração entre o legislador e um órgão da administração: 2) Combinação entre o Legislativo, o particular e os tribunais: Esta técnica deixa aos indivíduos, embora sujeitos a uma rectificação pelo tribunal, a tarefa de ponderar e obter um equilíbrio razoável entre as pretensões sociais que surgem em formas variadas insusceptíveis de aprender antecipadamente. (p. 144) 3) Criação de uma REGRA RÍGIDA, pela qual o legislador procura minimizar ao máximo a possibilidade de escolha. Ou seja, para algumas condutas, estipular que vai prevalescer a solução dada para o caso simples. Os motivos para a criação de regras rígidas, estritamente determinadas, são a proteção de um bem jurídico ou a estipulação de termos técnicos. São casos de de formalismo defensável, pois dá segurança jurídica e previsibilidade. Exemplo: a construção do tipo penal tende à clareza, a uma atitude formalista diante da regra. OBS: Em muitas zonas de conduta, algumas regras podem ser aplicadas com segurança sem necessidade de uma orientação oficial nova ulterior. O ideal do direito é criar regras que podem ser aplicadas pelos próprios particulares coordenando comportamentos cotidianos. Por outro lado, as regras, as particularidades dos casos, os novos aspectos que podem surgir no futuro, trazem a necessidade de novas regulações oficiais. LEGISLATIVO Cria uma regra geral, com termos indeterminados ADMINISTRATIVO Detalha os termos gerais, regulamenta a regra Julga administrativamente uma infração aos termos gerais LEGISLATIVO Dá uma regra ao particular PARTICULAR Possui certa discricionaridade, podendo realizar escolhas TRIBUNAL A posteriori, julga tais escolhas IED ‐ Giselle Viana 7 PO N T O S IM PO R T A N T E S A linguagem natural, e consequentemente a regra jurídica, têm textura aberta. Existem casos simples, que podem ser subsimidos facilmente à regra, e casos de fronteira. Quando há indeterminação, é preciso fazer escolhas. O direito combina mecanismos regulatórios que determinam quem poderá fazer essas escolhas. É necessário conciliar dois interesses sociais: a certeza e a adaptação. IED ‐ Giselle Viana 8 FRIEDERICH SCHAUER: FORMALISM OBJETIVO: esclarecer o significado de “formalismo”, resgatando-o do ostracismo conceitual; Para isso, o autor apresenta dois sentidos pejorativos da palavra “formalismo” e defende um sentido positivo. “No coração da palavra ‘formalismo’, em muitos dos seus inúmeros usos, jaz o conceito de tomada de decisão de acordo com regras.” TESE: defesa das regras - É conceitualmente e psicologicamente possível e normativamente defensável seguir o sentido literal das regras. “Regras podem apontar para resultados que divergem daqueles que um tomador de decisão teria alcançado apartando-se do significado literal da norma. Quando há essa divergência, porém, a questão psicológica persiste: é possível, nesses casos, os agentes decisórios seguirem o sentido literal da regra em vez de seus próprios julgamentos a respeito de como o caso deve ser resolvido?” SENTIDOS PEJORATIVOS 1) O primeiro sentido de formalismo discutido no texto é da negação da escolha ente os significados da regra. Exemplo: No caso Lochner, o juiz subsumiu a liberdade contratual à “liberdade” latu sensu defendida na constituição. Schauer não concorda com essa vertente de formalismo, como ponto de vista do juiz. “O formalismo em Lochner se encontraria na negação de que tivesse havido quaisquer escolhas políticas, morais, sociais e econômicas envolvidas na tomada da decisão; mais ainda, na negação de que tivesse havido no caso qualquer margem para escolha.” “Eles são acusados de apresentar aplicações não-pacíficas de termos gerais a casos específicos como se estivessem por definição incorporados no próprio significado do termo geral.” Assim, uma escolha política, social ou econômica é mascarada pelo vocabulário da inexorabilidade deficional, e tal escolha fica assim obscurecida. 2) A segunda hipótese é a da negação da possibilidade de afastar uma regra, a ausência de rotas de fuga. Exemplo: Caso Hunter v. Norman. “Às vezes, um tomador de decisão pode escolher se faz valer, ou não uma norma clara e especificamente aplicável ao caso. (...) Assim, uma variação no tipo de formalismo discutido na seção anterior vê no formalismo não a negação da possibilidade de escolha entre normas, mas sim a negação de que sejam frequentes as oportunidades de escolher aplicar ou não até mesmo uma norma clara.” “(...) o não-reconhecimento da ocorrência de uma escolha pode ser criticado, porque saber como essa escolha foi feita contribui para legitimar o que o sistema judicial produz.” IED ‐ Giselle Viana 9 relação SENTIDO POSITIVO A defesa que o Schauer faz do formalismo presumido esta relacionada à alocação do poder. A regra é um obstáculo “positivo” porque alguns aplicadores do direito podem ser corruptos, pouco inteligentes, enfim, imperfeitos. Formalismo presumido é a presunção de que seguir a literalidade não leva ao absurdo. Exemplo: a decisão do STF relativa à interrupção de gravidez nos casos de feto anaencéfalo – é formalista porque as regras são levadas a sério – porém admite-se que o absurdo pode afastar a aplicação da regra. O formalismo admite que podem existir casos simples (para cuja resolução basta o sentido literal da regra) e casos difíceis. Nos casos simples, salvo absurdo, deve-se seguir o sentido literal da regra. Schauer critica o formalismo NÃO presumido, que confunde o núcleo com a penumbra. Ao resgatar o formalismo, o autor quer resgatar a importância da regra. OBS: vale salientar a diferença entre “casos difíceis” pela conceituação de Schauer (na qual a dificuldade é causada pela indeterminação) e “casos difíceis” pelos aspectos práticos. Por exemplo, o caso do mensalão, apesar da demora, complexidade, dificuldade de provar, etc, é um caso fácil pois se subsime claramente às regras invocadas. REGRA NÚCLEO PENUM-BRA CASOS FÁCEIS DIFÍCEIS A regra é razão suficiente para resolver o caso. Aplicação do direito pelo “formalismo presumido”: psicologicamente possível e normativamente defensável PARTICULARISMO FORMALISMO Particularismo sensível às regras Formalismo presumido IED ‐ Giselle Viana 10 O mérito do texto é nos resgatar a algo que já foi visto como óbvio no passado: existem regras que devem ser seguidas não pelos seus motivos adjacentes, mas pelo que elas prescrevem. Afinal, a motivação da regra transforma-se em outra regra, mais transparente e abstrata, e que por sua vez possui outra motivação, cada vez mais difusa. PO N T O S IM PO R T A N T E S É conceitualmente e psicologicamente possível e normativamente defensável seguir o sentido literal das regras. Formalismo presumido: presunção de que seguir a literalidade não leva ao absurdo. Sentidos pejorativos de "formalismo": negação da existência de uma escolha ou da possibilidade de afastar a regra. A regra é um obstáculo à arbitrariedade judicial Regras devem ser seguidas independentemente de seus motivos adjacentes IED ‐ Giselle Viana 11 HARTOG: PIGS AND THE POSITIVISM TESE: Indeterminação relacionada ao conflito entre ordens normativas – não é uma indeterminação no nível linguístico, no plano da vagueza, mas uma indeterminação estrutural. O autor começa o texto questionando: qual o significado da decisão do tribunal em relação ao direito de possuir porcos na cidade? Significa que esse direito existia e o tribunal o cassou, ou que nunca existiu? “Did 19th century residents have a right to keep pigs in the streets of New York City? In 1819, a court said no. But in what ways, if any, did that decision conclude the inquiry? Did it mean there no longer was such a right, implying that there once was? Did it mean that the law could never recognize such a right? What was the legal significance of the judicial denial of the right to keep pigs in the street?” (p. 899) Hartog começa o capítulo “The Presence of the Pig” apresentando o fato de que os porcos eram, nessa época, uma parte normal do cenário urbano americano, mas, por outro lado, eram considerados perniciosos por muitas pessoas, o que suscitou uma série de petições e protestos para que eles fossem proibidos nas ruas. Essas petições questionavam: “Why should we expose ourselves and our properties to danger and harm, when we have a city government which should be capable of securing the public safety for our benefit?” ou, ainda, “why should the longstanding existence of the urban custom of keeping pigs in the streets prevent government from abating this nuisance, given the fact that city government has changed so many urban customs and practices in the previous quarter century?” (p. 904) ESTRATÉGIAS INTERPRETATIVAS Hartog busca responder a essas perguntas através de duas formas de interpretar o caso: * Doutrina não é abordada como um discurso teórico ou o texto de um doutrinador, no texto de Hartog tem um sentido muito mais amplo: um conjunto de textos, com autoridade, a partir dos quais são definidas/inferidas regras. Abrange tanto a doutrina stricto sensu quanto sentenças, leis, etc. O direito é uma contínua construção doutrinaria. Considera o caso como se fosse um texto desenvolvido, expondo doutrina*. A questão é: o que é perturbação da ordem, e quem pode decidir isso: a corte ou a câmara? 1A ESTRATÉGIA Considera o caso como um episódio de conflito entre ordens normativas. A questão é: qual dessas ordens normativas tem o símbolo jurídico? 2A ESTRATÉGIA IED ‐ Giselle Viana 12 PEOPLE VS. HARRIOT Hartog aborda a questão da proibição dos porcos nas ruas tratando, principalmente, do caso People versus Harriot. “Chistian Harriot (…) hired attorneys to defend hum, and thus on January 5, 1819 a full trial was held in the sessions court on the question whether he could be convicted of maintaining a public nuisance because he owned pigs that were sometimes found on city streets.” 1a ESTRATÉGIA “…both prosecutor and mayor-judge insisted that the sessions court was the right institution to make this decision. Even ‘if the corporation had in fact expressly authorized swine to run at large in the streets,’ it would not, said the prosecutor, limit the authority of the grand jury to issue this indictment for ‘the corporation cannot abrogate the common law. (…) The only question was whether the acts charged and proved constituted a nuisance as defined by legal authority and precedent.” (p. 908) O autor fica intrigado pois a defesa não invocou os costumes jurídicos, afirmando que Harriot tinha um direito costumeiro... isso seria uma lacuna na argumentação da defesa? Para entender isso, o autor procura na doutrina (stricto sensu) o conceito doutrinário de costumes (vide páginas 915-916) “We can imagine that at most basic level such a claim would conflict with the republican political commitments of American artisans. In the common law, customary rights have been intimately bound up with status ascriptions. (…) But, hypothetically, could Harriet’s lawyers have found in 18th century English common law principles a basis for arguing that their client had a customary right to run pigs in the streets?” (p. 913-914) Chega à conclusão de que não faria sentido a defesa invocar o costume versus a cidade de Nova York, a prefeitura, etc, no contexto do século XIX. “...the actual local practice of keeping pigs in the streets was unmistakeably ‘uncertain’, and therefore unenforceable as a custom, for there was no way of specifying in advance who owned the right”, ainda, “no practice, no matter how settled, could be maintained if a court determined that its exercise was unreasonable. And one might read both the prosecution’s case and the mayor’s charge as demonstrations of the unreasonableness of the practice of keeping pigs in the streets.” (pp. 917-918) O objetivo do julgamento não era punir Harriot, mas reafirmar a autoridade da regra, estabelecer um princípio legal. 2a ESTRATÉGIA O segundo bloco do texto parte de uma constatação: 30 anos depois os porcos continuam presentes na cidade, não obstante um histórico de várias tentativas de regularizar a situação. Essa permanência dos porcos foi constatada através das descrições de viajantes acerca do cenário local. IED ‐ Giselle Viana 13 Há evidentemente o conflito: Como explicar essa contradição? Como explicar a persistência dos porcos mesmo 30 anos depois de editada uma lei que a criminalizava? Resposta favorita a essa contradição: teoria do gap entre direito (law-in-the-books) e realidade (law in-the-streets). Essa teoria olha essa discrepância, esse gap, como um problema de efetividade. Ou seja, “existe o direito mas ele não é efetivo”. Presume, assim, a existência de ma norma que de um jeito ou de outro poderia ter sido imposta. Hartog não aceita essa explicação pois nota que esse esquema interpretativo além de enfatizar a fraqueza do direito, preserva este ao afirmar que há uma ordem normativa unitária que existe com uma objetividade, que pode ser identificada. “The idea of a gap only makes sense where there is some shared consciousness that the law was the law, and therefore ‘ought’ to be obeyed. But as we shall see, there was no such shared consciousness on the question of the legitimacy of labeling pigs as nuisances throughout the first half of the 19th century” (p. 925) TESE: Para Hartog, o problema é o conflito no law making – o direito é uma arma de conflito entre ordens normativas* autônomas, que competem/colaboram/são indiferentes/etc entre si. E a luta é para decidir qual delas ganhará o significado/símbolo de jurídico! Desenrolam-se conflitos sociais para a construção de “o que é direito?” *Ordens normativas = conjuntos de regras/valores que coordenam comportamentos e definem poderes/imunidades/etc entre membros de um ordenamento. “A persistent gap analyst might insist that all that has been revealed is a failure by city government to implement the legal norm articulated in People v. Harriet. Whatever the common council was, it certainly was not an implementer of the ‘law’ of Harriet (…) The behaviour of all participants seems premised on the assumption that the absence of explicit municipal regulation pig keeping was legal. The ongoing debate in the council was fundamentally about lawmaking, not problems of enforcement” (p. 929) Conceito de POSITIVISMO no texto: o autor usa “positivismo” como uma teoria que responde qual é a ordem normativa que tem o símbolo jurídico. Responde essa pergunta de modo unitário: o soberano cria o direito, que é seu comando – ou seja, somente algumas instituições formais (tribunal, legislador, etc) podem dizer quem tem o direito, o que é o direito. Essa visão positivista esta presente na primeira estratégia. Hartog é contrário a essa visão. A segunda estratégia questiona o monopólio do “dizer o Direito”. REGRA Conjunto de fatores que desmentem a regra, entrando em conflito com ela IED ‐ Giselle Viana 14 Contribuição específica do Hartog: mostra que mesmo no núcleo profissional, nos órgãos oficiais, o comportamento é contraditório, ambivalente (ex: no caso dos porcos – vai da ignorância, tolerância, indiferença, leniência, concordância em relação ao fato.) Conclusão: Existe um comportamento indeterminado DENTRO da ordem normativa. Essa oscilação entre legal/ilegal é a indeterminação do Direito. Frequentemente, por exemplo, cometemos “ilegalidades”, mas que não consideramos ilegais dentro de um “entendimento melhor” em relação ao direito: “But even if one assumes that they knew that what they were doing was in some way illegal, what difference does that assumption necessarily make? We all have ngaged in prctices which we know to violate some law yet which are also legal within our own better understanding of the legal order.” (p.934) Enfim... “Pig keeping was not a legal right because it met the formal requisites of a legal custom. (It didn’t.) Nor was it a legal right because it met the objective functional ‘needs’ of the artisanal community of pig keepers. (…) What made the keeping of pigs in the streets of New York City a right (…) was, rather, the fact that a politically active and insistent community of New Yorkers believed pig keeping to be their right and, also, that those who opposed the social practice were unwilling and unable to do what was necessary to stop it.” (p. 933) EXEMPLOS: 1) Do ponto de vista tributário, não importa que o fato gerador seja legal ou não. Dessa forma, um carro roubado deve ainda assim pagar impostos. 2) Favelas são ocupações irregulares do ponto de vista do direito imobiliário, portanto sob a óptica desse ramo do direito elas não “existem”. Mas, por outro lado, o poder público leva serviços públicos como água, luz, etc, e cobra taxas. 3) A Igreja Católica, no que concerne aos direitos dos homossexuais, é uma instituição da sociedade que prega para os seus fiéis CONTRA o Direito, contra a Constituição. A luta pelos direitos desse grupo é um processo contínuo, pois esses não foram concluídos com a mera decisão do STF. Não nasta uma decisão para que se defina se o direito existe ou não. Há um conflito entre ordens (ordens da Igreja, ordens normativas constitucionais) entre os quais não existe uma coerência, uma consistência. O objetivo do autor não é provar que uma estratégia é melhor que a outra – as duas visões revelam algo do modo norte-americano de ver o direito: “My goal is not to prove one or the other the better strategy. Indeed, I think each of these strategies reflects a distinctive legal vision, true in part to the ways Americans have experienced and argued about law for the past two centuries. We cannot choose between them without denying important features of our legal culture” (p. 900) IED ‐ Giselle Viana 15 * São “ilegais”, mas se autodeclaram legais, atribuindo a ilegalidade à conduta repressiva do Estado, que vai na contra-mão das tendências europeias. Nesse segundo caso, o tribunal é visto como uma ARENA: as 2 partes que estão litigando se dizem dentro do direito.’ “If a legal historian has to define or assume a nature of law (…) he might as well start with a definition of law as an arena of conflict within which alternative social visions contended, bargained, and survived.” (p.934) Estudo da genese dos direitos sociais pela... Mostra a importancia de... Modo norteamericano de ver o Direito Instituições como a Suprema Corte Análise da evolução da legislação trabalhista, por ex. Lutas pelos direitos civis (não se espera que o Estado os dê) Análise da formação de sindicatos durante a República. PO N T O S IM PO R T A N T E S A indeterminação do direito é estrutural e relacionada ao conflito entre ordens normativas. Nesse conflito, ambas as partes lutam pelo símbolo jurídico Há contradições inclusive dentro das ordens normativas, e consequentemente dentro da atuação estatal. A dicotomia entre legal/ilegal circula na sociedade. 1a 2a IED ‐ Giselle Viana 16 CHALHOUB – VISÕES DA LIBERDADE O autor trata de um importante caso de indeterminação do direito brasileiro. Sistema jurídico: conjunto especializado de comunicações (falas, profissões, instituições) que existem em uma sociedade. Dentro dele existem regras – existe a dogmática jurídica (saber conceitual utilizado para interpretar a regra, levar a uma decisão) Para Chalhoub, que faz uma abordagem histórica externa, o Direito é objeto de análise – mas não quer chegar a decisão nenhuma... esse tipo de questionamento só faria sentido numa história interna do direito, que não é o caso. OBJETIVO: compreender e explicar a indeterminação do direito – porém não é um texto de doutrina, nem um texto de ciência do direito. Premissa: o direito como tema de estudo não é objeto exclusivo dos juristas, da ciência do direito. OBS: No texto da Hartog, a estratégia 1 é uma perspectiva interna, enquanto a 2 é uma externa. DOGMÁTICA: descontextualiza, pois que construir um esquema geral (o Direito, segundo Hart, precisa comunicar padrões gerais). O texto abala 3 pré-compreensões, que são irreais e muito redutoras: 1) Existe uma divisão clara entre livre e escravo – o escravo é coisa semovente, res, propriedade. 2) A abolição é uma luta que se dá no Parlamento ou fora (através da resistência “ilegal” - quilombolas, fugas, etc); 3) A abolição é uma acumulação progressiva de conquistas legislativas; TESE 1 • Há enorme intedeterminação* em relação a essa questão. Ex: alforria condicional, escravos de aluguel, etc. • Há uma oscilação entre os status de coisa e pessoa do escravo, entre propriedade e liberdade (Ideia da Peteca) • A relação entre senhor e escravo é de domínio e poder. TESE 2 • O tribunal foi também uma arena para o conflito de ordens normativas e um espaço de suma importancia para a contestação do direito de propriedade absoluta. • A resistencia dos escravos se deu também nos tribunais, onde atuavam nos processos. TESE 3 • A luta contra a escravidão é muito mais complexa do que a simples concessão de direitos pelas leis. IED ‐ Giselle Viana 17 * Não é uma indeterminação linguística, é uma indeterminação no sentido apresentado por Hartog. Tema da produção dos dependentes: o texto discute o tema da alforria forçada. Por que tanta celeuma em torno dessa questão? R: Criação de laços de dependência - só há liberdade pela vontade do senhor. OBS: Abolir a escravidão é questionar a soberania do senhor no espaço doméstico – questão simbólica muito séria. Qual é o direito aplicável? Não há um Código Civil... os advogados citam as ordenações filipinas, um conjunto extenso de leis e decretos criados durante o império (leis de hipoteca, casamento, etc que precisavam ter dispositivos que regulassem a situação dos escravos nessas situações), além do direito romano (alguns princípios são retirado e usados – o direito romano não é usado diretamente, mas mediado pelos juristas, por livros de doutrina, através dos quais era usado pelos operadores do Direito – ex: “o parto segue o ventre”; Savigni: “a alforria não é uma doação”, o senhor não esta dando a liberdade, e sim renunciando o seu domínio – a liberdade do escravo está suspensa até que haja essa renúncia. O que está em jogo? Toda doação pode ser revogada por ingratidão. Ao dizer que a alforria não é doação, ela não pode ser revogada!) IED ‐ Giselle Viana 18 Módulo 2 Teoria das Fontes 1) Defende a hipótese: a teoria das fontes responde a perguntas que são comuns à teoria do ordenamento, o que não quer dizer que ela foi abandonada com o advento da última. 2) Um desses problemas comuns é: qual o fundamento de validade das normas? ESPINOSA E REALE – O CAMPO JURÍDICO 1 ) INTRODUÇÃO Hartog estudou o conceito de "conflito entre ordens normativas": os donos dos porcos alegavam ter o direito de possuir porcos, e a corte dizia que não. Há portanto duas ordens normativas querem tornar-se jurídicas, e para isso entram em conflito entre si. A questão central desse conflito é o fato de que existem grupos que dizem "Sim, nós podemos!", e outros que dizem "Não, não podem!"... onde está, afinal, o direito? Um exemplo atual seria o da união poliafetiva. Há nesse caso uma expectativa de direito, que é porém condicionada pelo questionamento: isso é permitido no direito brasileiro? Para responder a essa pergunta, o primeiro passo de qualquer um seria, muito provavelmente, buscar a resposta no direito positivo (no Código Civil, por exemplo). Essa é uma fonte do direito, mas há outras? NUNO ESPINOSA Segundo Espinosa, existem fontes do direito chamadas fontes de conhecimento e outras chamadas fontes de produção: O autor enfatiza as fontes de produção. O modo como elas irão se manifestar textualmente (fonte de conhecimento) é de importância secundária, pois o texto é mero veículo da forma. "Fontes do direito são modos de formação das normas jurídicas, os modos como uma sociedade manifesta o seu querer, no sentido de atribuir juridicidade a certas regras." N. ESPINOZA a) Fontes de Conhecimento • Textos que contém as normas; • Ex: vade meccum, livros de doutrina, códigos, etc b) Fontes de Produção • Órgãos que criam as normas; • Ex: Poder Constituinte. • Diz respeito também às formas que as normas tomam: tipos, conjuntos normativos; • Ex: Lei, costumes, sentenças, jurisprudência. IED ‐ Giselle Viana 19 A sociedade tem inúmeras regras, mas manifesta o seu querer em atribuir juridicidade apenas a algumas. O objetivo primordial da Teoria das Fontes é justamente responder à questão: "qual é a ordem normativa que tem o símbolo jurídico?". A lacuna na definição de Espinoza está em referir-se a um “querer social”, ou seja, em partir do pressuposto de que a sociedade possui um querer consensual. Dessa forma, sua conceituação de Fontes do Direito obnubila os conflitos normativos que permeiam a sociedade. MIGUEL REALE "Fontes do direito são processos de instituição de normas jurídicas, dando realce ao problema de sua validade." M. REALE Em sua definição o autor nos traz uma informação nova: a questão da validade. O objetivo da Teoria da Fontes é justamente responder a essa questão: qual norma social tem validade jurídica? TEORIAS DO ORDENAMENTO JURÍDICO As Teorias do Ordenamento Jurídico surgiram sobretudo no final do século XIX e começo do XX, sendo portanto um produto do “entre guerras”. Tais teorias respondem à questão da validade. Um exemplo de seus precursores é o Kelsen, cuja resposta é interna ao próprio sistema: normas superiores regulam a produção de outras normas, conferindo-lhes validade. Percebe-se portanto que existem alguns problemas que são respondidos pelas duas teorias. A Teoria das Fontes, porém, enfatiza mais os modos de produção das normas com validade jurídica. As Teorias do Ordenamento buscam também responder a questões adjacentes à Teoria das Fontes. Isso porque algumas dessas teorias não pretendem, como a de Kelsen, ser internas ao campo jurídico. 2) CONCEITOS ALF ROSS O jurista dinamarquês faz uma tríplice diferenciação: ao falarmos de fontes do direito, isso pode significar três coisas: a) Fonte no sentido de Causa Social: quais são as causas sociais que explicam a formação do direito? Em outras palavras, como o Direito surge do Social? Essas causas consistem em CAUSA SOCIAL Como o Direito surge do social? Ex: Lynn Hunt FUNDAMENTO MORAL Determinada regra é legítima? Ex: Immanuel Kant TÉCNICO- JURÍDICO Quais são os poderes que legitimam a regra? Ex: Miguel Reale A B C IED ‐ Giselle Viana 20 determinadas relações sociais, econômicas, de poder, interesses de classes, tradições culturais, etc. É a causalidade social que explica a formação de uma regra! O estudo dessas causas é cultivado nos campos da história, da sociologia, da antropologia, etc, dentro dos quais há diversas teorias que buscam responder à questão da formação. Exemplo: Lynn Hunt, ao buscar estudar constelações de sentimentos, atitudes, relações sociais, etc, para explicar a formação dos direitos humanos, é um exemplo de teórica que busca suas fontes nas causas sociais. b) Fonte no sentido de Fundamento Moral: quando, por que, e em que sentido uma determinada ordem normativa é legítima? Tal vertente busca identificar a fonte de legitimidade do Direito e essa legitimidade relaciona-se à justificativa de obediência a tal ordem normativa. Não se olha, portanto, o direito apenas como um fato social! Exemplo: Kant enquadra-se nessa vertente teórica pois tem uma teoria moral que serve de fundamento para o Direito. Para o autor, o critério de legitimidade do Direito reside no Imperativo Categórico. Esse último é uma espécie de "teste" para se dizer quando uma regra é fundada moralmente: testa-se a universalidade de uma regra. Por exemplo, Kant se pergunta se a mentira, em situações específicas, se justifica... chega à conclusão de que o direito de mentir não pode ser universalizado, porque senão perderia-se o critério de confiança nas relações sociais. Sua filosofia moral dá critérios de legitimidade à regra. Kant vê como importante também o critério de autonomia (dar a regra a si mesmo). O autor tem uma teoria política republicana: o cidadão deve escolher o representante que cria regras para os cidadãos, e é essa escolha que faz com que a regra criada perca o caráter de heteronomia. Essa autonomia dá legitimidade ao direito. c) Fonte no sentido Técnico-Jurídico: Segundo Miguel Reale, "uma fonte do direito só pode ser formal, no sentido de que ela representa sempre uma estrutura normativa que processa e formaliza, conferindo-lhe validade objetiva, determinadas diretrizes de conduta ou esferas de competência.” Para o autor, ainda, fontes materiais (como causa social) compreendem um conjunto de valores sociológicos, psicológicos, culturais, etc., que condicionam a decisão do poder, porém, não que não são objetos de estudo do direito. Fontes do direito são sempre estruturas normativas que implicam a existência de alguém dotado de poder de decidir sobre o seu conteúdo. Ou seja, um poder de optar entre as várias vias normativas possíveis, elegendo-se aquela que é declarada obrigatória, quer erga hominis, como ocorre nas hipóteses das fontes legal e consuetudinária, quer nos casos inter-partes, como nas fontes jurisdicional e negocial. ). Fontes do direito, dessa forma, condensam uma estrutura, um campo de possibilidades. Reale deixou de fora, nessa tipologia, a doutrina. Esta, segundo o autor, não obriga, não cria regra obrigatória, portanto não é fonte do direito. No conceito de fontes do direito, o poder é um elemento essencial. Há sempre um poder de decidir, que espelha as modalidades das fontes. Estas se diversificam em tantas modalidades quantas são as formas do poder de decidir na experiência social. Fonte portanto está ligada a poder: a fonte legal, por exemplo, resulta do poder estatal de legislar; a fonte costumeira resulta do poder social inerente à vida coletiva; a fonte jurisdicional resulta do poder jurisdicional; e a fonte negocial resulta do poder que tem a vontade humana de instaurar vínculos reguladores, de estabelecer pactos. IED ‐ Giselle Viana 21 3 ) PROBLEMÁTICA Na definição de Fonte de Reale, percebe-se um grande comprometimento em demarcar ‘o que é preocupação específica da dogmática jurídica’ (fontes formais) e o que ficaria de fora (fontes materiais), ou seja, em delimitar a Ciência do Direito. A dogmática no geral faz um enorme esforço para demarcar seus limites. O Campo Jurídico (conjunto de comunicações jurídicas: regras jurídicas, instituições, teorias, discursos, falas sobre o direito no geral) se contrói historicamente procurando definir o seu limite. Reale identifica nos costumes, como foi dito, uma fonte jurídica. Porém, o autor considera o estudo da gênese desses costumes como fonte material, e portanto alheia ao Direito. A teoria dogmática tem conceitos internos que se referem a estruturas, contextos externos. Com efeito, o direito vai construindo sua autonomia tendo conceitos que se referem ao mundo externo, com suas causas, fatores e fenômenos sociais, porém o abreviando, simplificando. Após esse processo de simplificação, porém, o campo jurídico cria sua própria complexidade interna. No esquema acima, a complexidade social de formação do direito é simplificada por X. Explicar como Y se forma é fonte material, externa ao direito. Observa-se que o “costume” estudado pelos antropólogos (costume pertencente ao mundo externo) é diferente daquele estudado pelo Direito. O processo de construção do limite do direito se dá pela exclusão e inclusão. Dizer o que esta dentro é dizer ‘que argumentos importam e que argumentos não importam’. Quem delimita esse campo? Um desses delimitadores é a Teoria Dogmática, Teoria das Fontes. Esta patrulha e constrói os limites, através da inclusão e exclusão, da identificação e hierarquização das modalidades de fontes. Um exemplo dessa hierarquização aparece quando há conflito entre lei e costume: qual deve prevalecer? Normas Jurídicas Dogmática CAMPO JURÍDICO CAMPO JURÍDICO X “COSTUME” MUNDO EXTERNO Y “COSTUME” Teorias sobre.. Desnível de complexidade IED ‐ Giselle Viana 22 SÍ N T E SE Teoria das fontes é uma teoria doutrinária que define os limites do campo jurídico e determina as fontes e sua hierarquia; Fontes materiais, ou como causa social, abrangem o âmbito das relações sociais, econômicas, da antropologia, psicologia, cultura, etc. Fontes no sentido de Fundamento Moral buscam identificar a fonte de legitimidade das ordens normativas, que lhes atribui coercibilidade. Fontes formais, ou no sentido técnico-jurídico, são estruturas normativas que implicam a existência de alguém dotado de poder de decidir sobre o seu conteúdo tornando-o obrigatório; Reale: existe um processo histórico de criação de modalidades do poder de decidir, e o rol da fontes, assim como sua hierarquia, varia no tempo; O campo jurídico possui conceitos internos que simplificam realidades do mundo externo. IED ‐ Giselle Viana 23 ANTÔNIO RIBAS - MANUAL DE DIREITO CIVIL O manual data de 1865, é um documento histórico, documento que espelha uma época, e como tal precisa ser decifrado. A CONSCIÊNCIA NACIONAL A teoria das fontes de Ribas não parte da identificação do direito criado pelo estado. O autor diz que “legislação” constitui atos do poder jurídico, que contém preceitos obrigatórios. “O direito preexiste ao legislador na consciência nacional. Ele [legislador] não o inventa nem o cria, apenas o formula e o traduz em caracteres sensíveis, esclarece-o com as luzes da razão universal e presta-lhe a força social.” (p. 99) Ou seja, o legislador concebe a regra que já existe na consciência do povo, traduzindo-a na escrita. Nesse processo de formulação da regra existe uma racionalidade, não é arbitrário. E, por fim, o legislador coloca o poder público “garantindo” a regra através da imposição de sanções. Donde, identificam-se algumas premissas na Teoria das Fontes de Ribas: 1) O autor não identifica o Direito ao Direito Estatal. 2) Existe uma consciência nacional, popular. 3) O legislador apenas formula, não cria. Para Ribas, essa consciência nacional ganha visibilidade nos usos e costumes de uma determinada sociedade: “Mas, enquanto ele [o direito] jaz assim invisível no seio do povo, devem existir, e de fato existem, meios pelos quais se reconheçam os seus preceitos; estes meios são os usos e costumes” (p. 125) O costume portanto não cria, apenas traduz os princípios fundamentais do direito. Exemplo: Sucessão - já existe na consciência do povo, na sociedade, como direito costumeiro. O legislador apenas formula essas regras pré-existentes. O LEGISLADOR Ribas busca justificar qual é o papel do legislador: a função deste é importante na medida em que a sociedade fica mais complexa e o direito começa a confundir-se na consciência popular. Restitui, dessa forma, clareza e certeza quando dessa confusão, fazendo cessar os antagonismos do sentido, e revolvendo assim possíveis conflitos. Ademais, nessa consciência popular só se encontram os princípios fundamentais, cabendo ao legislador detalhá-los: “Nem por este motivo se deve julgar ociosa, ou menos importante, a missão do legislador. Quando o direito começa a confundir-se na consciência popular, em consequência do desenvolvimento da vida social, e da especialização das profissões e das capacidades, ou quando ele começa a tornar-se incerto nas quadras de transição, por terem vindo nossas fórmulas substituir as antigas, compete ao legislador restituir-lhe a sua clareza e certeza, fazer cessar o antagonismo dos princípios encarnados nas antigas e novas crenças, formulando IED ‐ Giselle Viana 24 o direito em teses precisas, e solenemente promulgando-as, afim de que se tornem acessíveis a todos.” (p. 100) A JURISPRUDÊNCIA Ribas afirma que a legislação, porém, não é o único órgão do direito popular, da consciência do povo: a par dela coloca-se também a jurisprudência. Para o Ribas, a jurisprudência é sinônimo de "direito científico", ou seja, de doutrina, o saber acerca do direito. É a jurisprudência que dá forma científica à legislação e ao direito popular. “Segundo a etimologia, pode a jurisprudência ser definida, - a ciência teórica e prática do direito, ou a ciência do direito unida ao hábito de aplicá-lo. Denomina-se também a jurisprudência o costume que adotam os tribunais, de julgar de certo modo as questões de direito que lhe são sujeitas.” O JURISCONSULTOS Dentro do direito há os profissionais do direito, a respeito dos quais há toda uma exposição no livro do Ribas (o que desapareceu nos manuais contemporâneos). “A jurisprudência abre aos seus cultores carreiras, senão lucrativas, pelo menos honrosas...” Ademais, Ribas faz uma classificação do grau de conhecimento do direito: “Aquele que apenas conhece as leis, mas não sabe interpretá-las, chama-se leguleio; o que as conhece e interpreta exatamente, mas não as aplica, denomina-se jurisperito; o que apenas possui a mera prática de aplica-las, sem sabe-las bem interpretar, nem conhecer a sua teoria científica, chama-se rabula; o jurisconsulto ou jurisprudente é o que reúne a ciência do direito à prática na sua aplicação.” Percebe-se nos referidos trechos que o autor busca identificar e dar importância a um grupo social específico: os jurisconsultos. Essa tentativa pode ser analisada de forma crítica, pois ao dar grande valor aos jurisconsultos e à sua função social, o autor tenta justificar a existência de uma elite cultural que tem o monopólio de dizer o direito. Ribas portanto tem uma visão do jurista como alguém que tem um privilegio cognitivo, de conhecer como é o direito na sociedade. "Entretanto, uma classe [juristas] então se forma naturalmente, que torna-se depositaria dessas crenças, continuadora desses costumes, e toma assim, por especial tarefa, a cultura e o desenvolvimento do direito tradicional". CLASSIFICAÇÃO E HIERARQUIA DAS FONTES A divisão do capítulo de fontes em “Essenciais” e “Subsidiárias” expressa sua visão da hierarquia entre as fontes. Divide-as em: IED ‐ Giselle Viana 25 Ao analisarmos essa classificação, percebemos algumas peculiaridades: 1) CONFLITO ENTRE LEI E CIÊNCIA: Ribas menciona como fonte essencial a legislação (no século XIX era um instrumento mais político). Ao contrário do que se pode pensar, pelo que se lê no início do manual, não é a consciência popular, o costume, a fonte essencial do direito. Isso porque apesar de tudo Ribas é um autor do século XIX, seria implausível não colocar a legislação como fonte essencial. Ele portanto reconhece como ela faz parte do regime, da configuração política, própria do contexto em que ele vive. Como contrapartida, porém, afirma que as leis remetem à consciência nacional, e essa consciência só pode ser interpretada pelos jurisconsultos, pois quem conhece o direito é a doutrina. Portanto, Ribas ao mesmo tempo diz o que era esperado que ele dissesse (a lei é a fonte essencial), e cria um outro polo pra se contrapor à lei (a ciência). Percebe-se no texto uma tensão entre legislador e doutrinador. Entende-se portanto que a lei é a fonte essencial mas preexiste na consciência do povo. E o intérprete da consciência do povo é justamente o doutrinador! OBS: Atualmente, a tensão maior esta entre juiz e doutrinador... 2) Ribas coloca a doutrina como direito consuetudinário. 3) A remissão ao direito estrangeiro não é apenas para fins comparativos, é uma fonte subsidiaria do direito. FONTES SUBSIDIÁRIAS Fonte subsidiaria significa lacuna: onde há uma lacuna da legislação entram as fontes subsidiárias. Disso decorre que, sempre que se apresenta um pleito em juízo, cumpre ao magistrado que o resolva, não podendo alegar a omissão da lei para não fazê-lo (o que seria um delito de denegação da justiça, nas palavras de Ribas). “No atual estado porém da legislação pátria, dificílimo e perigoso seria o cumprimento desse dever, se não houvessem outras fontes subsidiárias do direito” (p. 124) FONTES DO DIREITO Fontes Essenciais Legislação Nacional Fontes Subsidiárias Direito Consuetudinário Direito Científico (doutrina) Direito Popular (costume) Legislação Estrangeira Direito Romano Direito Canônico Direito das nações modernas IED ‐ Giselle Viana 26 Doutrina Ribas ressalta a importância da doutrina no sentido estrito. Segundo o autor, a uniformidade das decisões judiciais é uma das manifestações do direito científico. As decisões reiteradas dos tribunais não são, pois, fontes do direito, são manifestações da ciência do direito. “Na ausência de disposição legislativa tem, pois, lugar a opinião comum dos jurisconsultos pátrios, como órgãos do direito consuetudinário nacional, e a dos jurisconsultos estrangeiros, como órgãos das nações modernas (...)” (p. 148) Ademais, segundo o autor, nem todos os advogados ou juízes estão habilitados para emitirem um juízo baseado inteiramente em sua própria consciência, devendo recorrer, assim, à doutrina. Esta porém não é obrigatória para os juízes (uma decisão judicial só é obrigatória para as partes) e nem inflexível, podendo ser modificada e substituída por novas opiniões comuns. “Nem todos os advogados e juízes estão habilitados para aprofundarem por si mesmos as questões, de modo a poderem formular conscientemente uma opinião própria; devem, pois, recorrer a esta fonte subsidiária, não tanto para sua comodidade, como para maior segurança dos direitos das partes;” (p. 149) OBS: o que chamamos atualmente de “jurisprudência dos tribunais” é uma extensão do sentido original da palavra, que se referia à ciência do direito. Essa ciência promove a uniformidade, que é o desenvolvimento do costume cientifico (pág. 26) Legislação estrangeira O direito romano e as legislações estrangeiras no geral são aplicados, porém antes filtrados pela doutrina. Essa última, percebe-se, tem um peso muito mais determinante do que a classificação sugere. A TERRITORIALIZAÇÃO DO DIREITO Os historiadores do direito que escrevem sobre a Teoria das Fontes fazem a seguinte dicotomia: D IR E IT O N A C IO N A L IU S C O M U N E É uma doutrina sobre o direito romano e canônico. É o direito comum, erudito, que não tem uma demarcação geográfica, tem uma unidade espiritual. Era o direito estudado na Europa no século XVI, XVII. Era o direito por excelencia, fonte essecial, mas se torna fonte subsidiária com o advento do Direito Nacional. Na época moderna, em especial no sec. XIX, há uma territorialização do direito: cada estado passa a ter seu próprio direito; Com a ilustração perde-se a unidade do direito erudito e passa-se a estudar nas faculdade de direito o Direito Nacional. Significa também uma atividade legiferante acentuada, que se expressa com a criação de constituicoes, leis, etc. IED ‐ Giselle Viana 27 Essa territorialização do direito se manifesta no esquema do Ribas: nele, fonte essencial é a legislação nacional. Apesar disso, não esquecer que Ribas é dicotômico, reservando um lugar especial também para a doutrina nacional e internacional. SÍ N T E SE O direito preexiste na consciência popular, e suas regras são traduzidas (e não criadas) pelo legislador. A jurisprudência se refere à legislação e ao direito popular dando-lhes uma forma cientifica. Ribas ao mesmo tempo que segue a tendencia à valorização do Direito Nacional, classificando a legislação nacional como fonte essencial, busca dar importâmcia à ciência do Direito, que estava na época sendo construída. As fontes subsidiárias preenchem as lacunas da legislação, dando aos aplicadores do direito uma margem para que os pleitos não fiquem sem solução. A fonte doutrinária garante maior segurança do direito das partes. IED ‐ Giselle Viana 28 LYNN HUNT - A INVENÇÃO DOS DIREITOS HUMANOS COMENTÁRIOS SOBRE O LIVRO TESE: Lynn, ao tratar da “invenção” dos direitos humanos, questiona a ideia de uma natureza humana perene. Para a autora, a natureza humana tem uma história. A questão da separação dos corpos se desenvolve no reconhecimento do outro como alguém que também tem sentimentos, ou seja, na empatia. A autora atribui uma grande importância a Beccaria, cujo livro “Dos Delitos e das Penas” circulou pelo mundo, gerando diversas traduções e adaptações. Da mesma forma, Lynn atribui uma grande importância aos livros em geral, aos impressos, que são meios por excelência de difusão de problemas, de pensamentos e de novas questões. É um traço marcante no livro a leitura, pela Lynn Hunt, de textos jurídicos como se fossem “literatura”. Não há uma preocupação em distinguir gêneros, em demarcar o que é jurídico e o que não é. A lógica do direito é uma lógica inclusiva: uma vez formada a empatia, mesmo que direcionada apenas a um grupo, ela tende a multiplicar-se abrangindo outros. A luta por reconhecimento de direitos, portanto, não acaba: é uma constante. MÉTODO Lynn transforma coisas pouco palpáveis, intangíveis, como sentimentos, dor, empatia, em algo que pode ser descrito e narrado. O tipo de discurso que ela constrói não se valida, como pode-se esperar, pelo jogo de “hipóteses + dados”. Como historiadora, ela narra, “conta uma historia”. Assim, ao narrar, ela explica. Não é, portanto, um tipo de explicação forte como a cientifica. Por exemplo, ao levantar a questão de aue tipo de correlação existe entre leitura e empatia, Lynn não argumenta a partir de uma relação de causa e efeito. Como historiadora, desconfiança que a explicação dos fenômenos depende de contextos, de múltiplos fatores muito contingentes. Há outras perspectivas, algumas que procuram explicar afinidades eletivas entre fenômenos, compondo um quadro de afinidade a partir de um conjunto de evidências independentes. Essa afinidade eletiva é um termo emprestado da química para descrever aproximação de elementos por vínculos contingentes. Hunt desdobra as evidências como forma de tornar a narrativa mais sólida. Descreve detalhes significativos que liguem um caso a outro caso (e não a uma lei). Metáfora do muro seco: Lynn constrói um muro seco, no qual a singularidade de cada pedra permite que elas se encaixem. São peças que, isoladas, não tem nada a ver uma com a outra, mas juntas têm coesão suficiente para tornar sólido o muro. O cimento, inexistente no muro metafórico de Lynn, seria uma lei, a causalidade. IED ‐ Giselle Viana 29 Metáfora da tapeçaria: ao observarmos uma tapeçaria de perto, as imagens não se formam com nitidez, para enxergar o que está representado é necessário afastar-se da obra. Analogamente, os cinco capítulos de Lynn não estão encaixados explicitamente, é preciso um certo "afastamento" do leitores para uma visão da "imagem" que eles, em conjunto, formam. O título de cada capítulo é uma frase retirada de uma fonte primária. E o quadro que se forma a é um quadro no qual a natureza humana não é perene, é histórica: novos sentimentos são criados, são aprendidos, e isso muda com o tempo. OS DIREITOS HUMANOS Lynn reflete sobre a inefetividade dos direitos humanos. Estes possuem afinidade com práticas culturais complexas, relacionadas a sentimentos como a empatia, por exemplo. Essa efetividade é muito mais pertinente ao âmbito da cultura que ao institucional, e portanto não se resolve com instituições mais eficientes. A importância do aparecimento de novas instituições, de textos normativos que tratem dos direitos humanos não é independente, pois há também, simultaneamente e de maior importância, a formação de uma cultura de direitos. É uma interpretação muito mais complexa sobre a formação dos direitos humanos. Demanda de Universalismo presente nas declarações de direito:w a gramática dos direitos (os discursos sobre os direitos) surge, principalmente na França, com uma vocação universalista. Essa pretensão universalista porém é muito peculiar pois abrange apenas aqueles pertencentes ao mesmo grupo. Mais tarde porém, há uma luta pra estender esses direitos a outros grupos (protestantes, negros, mulheres, etc). No nível local, os direitos são mais universais. Essa extensão não para nunca, pois novos grupos vão demandar o reconhecimento de seus direitos à medida em que a sociedade se torna mais complexa. IED ‐ Giselle Viana 30 Módulo 3 Teorias do Ordenamento Contrapor 2 conceitos de sistema: 1) O Conceito Sintático, representado por Kelsen; 2) O Conceito pragmático, representado por Tércio. ALGUNS ESCARECIMENTOS A palavra “sistema” é um conceito complexo e com vários sentidos. Sistema expressa normalmente um tipo de relação específica num conjunto de elementos. Pode ser diferenciado em: Sistema externo: constitui um sistema de conceitos, um tipo de concatenação, interligação específica entre esses conceitos. Núcleos conceituais ganharam o nome de institutos (síntese de conceitos). Sistema interno: Não é um sistema de conceitos, é uma interligação entre normas. KELSEN E TÉRCIO – SISTEMAS SINTÁTICO E PRAGMÁTICO A teoria do ordenamento do século XX é uma teoria de sistema interno, cujo aparecimento portanto é muito recente. Por outro lado, imaginar um sistema de conceitos já é algo muito mais antigo. Já em Hobbes percebe-se um sistema externo: uma das estruturas argumentativas do Leviatã tem caráter demonstrativo, e o conjunto de 'deveres do súdito' é uma dedução de premissas acerca de como é a natureza humana. Ademais, em A Ética de Espinosa há manifestamente um sistema externo, assim como na pandectística do direito privado. No Direito Romano também não havia um sistema interno (exemplo prático: a melhor maneira de se estudar direito das obrigações, do ponto de vista do sistema externo, é pensar como um contrato se diferencia do outro pela variação de um elemento. São vários conceitos que estão interligados formando um sistema). Sistema EXTERNO Conceito A Conceito B Conceito C Conceito D Conceito E Sistema INTERNO Norma X Norma Y Norma W Norma Z Norma K IED ‐ Giselle Viana 31 SINTAXE X PRAGMÁTICA Ambos são aspectos para estudar a linguagem. SISTEMA SINTÁTICO No exemplo acima, percebe-se que a sintática estuda a relação entre os termos da frase. Dessa forma, falar em sistema sintático é falar do encadeamento entre as normas. Uma discussão recorrente de natureza sintática: tomando-se como premissa que uma norma tem fundamento em outra norma superior, o ato de vontade que faz a norma originária é competente?. SISTEMA PRAGMÁTICO Por outro lado, a pragmática estuda consequências comportamentais do uso da linguagem. Dessa forma, são defeitos pragmáticos cotidianos: Exemplo 1: Exemplo 2: - No exemplo 1, ao perguntar se o outro sujeito consegue alcançar o sal, não se quer saber se ele ‘consegue alcançar o sal’. O objetivo da pergunta é pedir que ele passe o sal. - No exemplo 2, a placa de ‘sorria, você esta sendo filmado’ não é uma descrição de que existe uma câmera que está filmando seu sorriso! É um aviso de que você está sendo vigiado. "Sócrates é admiravelmente" O advérbio não pode modificar um substantivo... Há um problema sintático! "O triângulo tem quatro lados" A frase está ok, mas o enunciado não se refere adequadamente ao seu objeto... Há um problema semântico! SORRIA, VOCÊ ESTÁ SENDO FILMADO! Se você fizer algo errado iremos atrás de você! IED ‐ Giselle Viana 32 Uma discussão recorrente da pragmática é, por exemplo, como dar uma ordem, fazer uma ameaça, enquanto o enunciado parece uma sugestão, um conselho, etc. OBS: a pragmática não é equivalente a ‘prática’. É, na verdade, um aspecto, uma perspectiva para o estudo da comunicação. Caso 1: Uma lei estadual da Bahia criou o município de Luís Eduardo Magalhães. A criação dele, assim como de outros criados de forma análoga, foi posteriormente questionada pelo STF. Por que? A Constituição Federal tem o seguinte dispositivo: uma lei complementar vai estabelecer os critérios que deverão ser obedecidos pelos estados para a criação dos municípios. Sucede que essa lei não foi criada, e o estado da Bahia criou o município mesmo assim. Porém, no município, antes de ter a sua criação protestada judicialmente, correram eleições, recebimento de verbas, houve a criação de escolas, o julgamento em tribunais do júri, em suma, toda uma vida municipal com ampla densidade jurídica. Assim, o conjunto de outras normas incidiram (normas que autorizaram o repasse de verbas para o município, por exemplo). Do ponto de vista sintático há um defeito advindo do fato de não existir a norma, donde o fundamento de validade é precário. Na concepção sintática de Kelsen o sistema jurídico é unitário pois todas as normas tem um fundamento comum de validade. A pergunta-chave, por essa perspectiva, é uma pergunta de fundamento: a lei estadual, a autoridade tinha competência ou não? Não... há um defeito advindo do fato de não existir a norma que regulamentasse a criação do município, donde o fundamento de validade é precário. A decisão do supremo foi de que a lei estadual que criou o município era inconstitucional... mas que ela continuaria produzindo efeitos. Ou seja, na prática o STF não desfez o município. Na discussão em torno dessa lei, Eros Graus por exemplo citou a força normativa dos fatos: o município existia tanto fática quanto juridicamente (ex factum oritur jus). Teoricamente pode-se declarar inconstitucionalidade ex tunc (a partir do fato), ou ex nunc (a partir da decisão). Nesse caso, não foi nem um nem outro! Decidiu-se que era inconstitucional, mas que até certa data seria considerado constitucional. Dava-se tempo, dessa forma, para que o Congresso criasse a tal lei que regularia a criação de municípios pelos estados. Ou seja, o Supremo também trabalhou para dar validade a essa lei no futuro, negociando com o congresso para a criação da tal lei. Dessa relação entre Supremo e Congresso observa-se que o pertencimento de uma norma ao ordenamento não é meramente sintático... envolve também negociação entre poderes! OBS: a discussão sintática diria "tem a lei complementar que justifica etc", "jogando para debaixo do tapete" toda essa discussão sobre a justificação. A pragmática estuda relações entre comportamentos, entre o emissor e o receptor. Na pragmática de ordem jurídica, estuda-se relações de autoridade entre o emissor e o receptor. Enfim, voltando à pergunta do exemplo, o município de Luís Eduardo Magalhães é válido? Como as autoridades estão se relacionando, como há um trabalho de colaboração ou conflito entre elas? Essa é uma discussão pragmática, que não se resolve apenas pelas discussão sintática. IED ‐ Giselle Viana 33 Caso 2: Há em São Paulo uma lei estadual anti-fumo, que é muito mais restritiva e rígida que a Lei Federal sobre o tema. Do ponto de vista sintático existem sérias discussões acerca do conflito de competências. Com efeito, muitos dizem que essa lei é inconstitucional pois o estado não tinha competência para criar uma lei sobre cujo assunto já havia uma lei federal. Porém, a força dessa lei estadual é tão grande que ninguém pergunta mais sobre a sua inconstitucionalidade... Por que não se pergunta se ela está violando a constituição? A lei anti-fumo tem um respaldo muito mais em uma visão biopolítica de saúde, uma visão sobre "o que é o corpo saudável", um senso comum produzido pela ciência e pelos meios de comunicação CONTRA o cigarro. Em 20 anos mudou- se toda uma concepção social coletiva acerca do tabaco. É isso, e não a constituição, que dá respaldo a essa lei. Caso 3: O Plano Collor – através de uma medida provisória, Collor congela as poupanças. Essa medida provisória diretamente viola a constituição, sendo inconstitucional do ponto de vista sintático. Todavia, se respalda não no seu vínculo à constituição, mas antes numa intensa necessidade na época de combater a hiper-inflação. O que há em comum nos 3 casos? A autoridade que emite a norma esta garantida não pelo vínculo com uma outra norma superior, mas por “outra coisa”. Em outras palavras, são autoridades cujas ações estão sim justificadas mas sem apelar para uma norma superior. Com efeito, uma norma, do ponto de vista pragmático, mesmo que não tenha outra norma superior onde buscar respaldo, pode ser fundamentada por outros mecanismos. É importante observar que esse ponto de vista não exclui a validade. Para a pragmática, buscar o respaldo em outra norma é ainda validade, sendo esta uma (entre outras) importante técnica (bem econômica, pois o argumento da competência encerra a discussão), mas não a única. Do ponto de vista sintático o Sistema Jurídico é unitário, se fundamenta na constituição e suas normas são válidas. Já para a pragmática, o Sistema Jurídico não se compõe de uma única cadeia normativa que culmina na constituição, não é uma pirâmide que culmina numa norma fundamental. Com efeito, o Sistema Jurídico é um sistema de cadeias independentes. Dessa forma, não há uma única norma origem: a primeira norma de cada cadeia é a norma origem, A autoridade que emite a norma está garantida por mecanismos alheios à validade Caso 1 Caso 3 Caso 2 IED ‐ Giselle Viana 34 donde o sistema jurídico se compõe de varias normas origens. A Constituição é uma norma origem proeminente, mas não é a única! Norma fundamental no sentido histórico é a Constituição. Mas esse conceito aparece também no sentido de um pressuposto: os juristas de uma determinada comunidade pressupõe a validade da primeira norma positiva, e isso é a norma fundamental. Ao fazer isso, essa norma positiva válida é fundamento de validade para a criação de outras normas derivadas. REGRAS DE CALIBRAÇÃO Voltando à questão da ‘validade’ da norma de origem (por definição, esta não é válida) , a pragmática responde que a justificação dela se dá pela calibragem. A ideia é que, além de normas, o sistema jurídico é um conjunto de regras de calibração. O que são regras de calibração? São princípios (exemplo: ex factum oritur jus), cuja existência não depende da sua positivação em uma lei. São, antes, lugares comuns, expressões que sintetizam um argumento maior, argumentos aceitos pela comunidade jurídica, criados ou importados por ela. Tércio usa as tais regras de calibração com um sentido muito abrangente. Elas muitas vezes tem origem no ambiente profissional, no âmbito publico, etc. São, em suma, argumentos de justificação empregados para respaldar normas que produzem efeitos e pertencem ao sistema jurídico mas não são válidas. Exemplo: há uma lei municipal obrigando o uso do cinto de segurança: o município não tinha competência, donde a lei seria inválida. Todavia, foi tal o impacto no numero de acidentes que a lei acabou por fundamentar-se em suas próprias consequências.. Esse argumento pela consequência teve um apelo muito grande e a lei continuou produzindo efeitos. A calibração tem uma historia própria: alguns princípios entram em desuso, outros são inventados, muitos tem origem latina. Muitas vezes são preteridos em favor de outros princípios também, no caso concreto. O Tribunal de Nuremberg, por exemplo, viola alguns princípios (Nullum crimen, nulla poena sine praevia lege poenali) mas garante outros. OBS: as ideias de Kelsen não são usadas diretamente. Autores como ele são interpretados, retraduzidos e retrabalhados por uma dogmática jurídica específica (do direito administrativo, constitucional, etc). A dogmática operaliza as ideias kelsenianas e a partir delas cria as suas próprias metáforas e conceitos (a “pirâmide normativa”, por exemplo, é criação da dogmática, e não de Kelsen). Essa descrição da pragmática está em conflito com a dogmática? A rigor não, pois a dogmática e essa perspectiva trabalham em planos diferentes. Toda essa visão de pirâmide normativa é uma maneira de trazer pro sistema jurídico uma regra de calibração muito influente. O Sistema Jurídico se autodescreve se simplificando. A pirâmide, com efeito, não descreve a complexidade do sistema jurídico, é antes um lugar- comum: no geral, a auto-representação dogmática condensa e estabelece lugares comuns. Em síntese, vê-se em ambos os autores analisados (Tércio e Kelsen) uma tentativa de descrever o sistema jurídico contemporâneo... não há intenção de fazer uma dogmática jurídica, que é mero objeto da teoria, estoque de argumentos, uma auto-representação simplificada do sistema jurídico, que é muito mais complexo. IED ‐ Giselle Viana 35 INDETERMINAÇÃO DO DIREITO Na concepção de Sistema Jurídico de Tércio o Direito é indeterminado. Isso porque a de determinação do pertencimento de uma norma ao sistema não se dá apenas pela validade: as normas precisam ser justificada com base em princípios. Assim como Hartog, percebe que as vezes os comportamentos das autoridades é contraditório. Assim, o comportamento de um juiz do município de Luis Eduardo Magalhães (que lá trabalhava sem saber, ou sem se importar, que a lei de criação da cidade era inválida), é análogo ao das autoridades municipais de Nova York (que trabalhavam como se os porcos fossem permitidos). Há em ambos os casos uma indeterminação social. A AUTORIDADE No caso da pragmática a preocupação é em imunizar uma autoridade, ou seja, dar-lhe um respaldo, justificá-la. Por outro lado, do ponto de vista da sintaxe a relação entre normas não é propriamente uma discussão em torno da imunização, também é uma questão de relação entre autoridades competentes. Em Kelsen, o ato de vontade da autoridade é “desidratado” pela teoria: não importa qual a intenção da autoridade... afinal, ela não existe como uma autoridade concreta, real. A relação sintática trabalha com algumas abstrações: o “legislador”, o “Constituinte”, etc. FONTES INFRA-LEGAIS Regulamento autônomo: quando Tércio discute as fontes infra-legais observa que uma portaria para ser válida precisa estar consistente com a lei. Sucede que frequentemente sua produção ganha uma autonomia que muitas vezes viola a lei, mas mesmo assim muitas delas continuam existindo. Por que? Na prática, por exemplo, um gerente de banco não lê a constituição, ele lê a portaria do banco central e é ela que observa no seu dia-a-dia. Destarte, na vida cotidiana essas fontes infra-legais mostram o aparecimento de novas cadeias, cuja justificação, do ponto de vista da validade, é questionável, mas que existem como um fato da estrutura do sistema jurídico. Fim! SÍ N T E SE O Sistema sintático estuda a relação entre as normas, que se encontram em uma única cadeia normativa que culmina na Constituição; Para a pragmátiva, o sistema jurídico é um sistema de cadeias independentes. Na pragmática de ordem jurídica, estuda-se relações de autoridade entre o emissor e o receptor. Do ponto de vista sintático, uma norma só é justificada quando é válida, sendo assim necessário que tenha sido produzida por órgão competente e de acordo com normas superiores; Do ponto de vista Pragmático uma norma efetiva mas inválida, pode buscar respaldo em outros mecanismos, como as regras de calibração (princípios).