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Radiobiologia e Fotobiologia – Prof. Alvaro Leitão (IBCCF-UFRJ) CAPÍTULO IV FOTOQUÍMICA DE ÁCIDOS NUCLEICOS INTRODUÇÃO Diversos comprimentos de onda das radiações UV são intensamente absorvidos pelos ácidos nucleicos, como consequência da estrutura destas macromoléculas, especialmente da natureza das ligações químicas nelas existentes. As moléculas de DNA absorvem, com maior intensidade, na região entre 240 e 280 nm. A maior parte dos danos fotoinduzidos impede a transcrição da informação genética no RNA mensageiro e bloqueia a replicação semiconservativa; desta forma, em células desprovidas de qualquer mecanismo de reparação das lesões, um único dano no DNA pode acarretar a inativação celular. Os efeitos do UV sobre os ácidos nucleicos abordados neste capítulo referem-se, em geral, aos produzidos pelas radiações germicidas, de comprimentos de onda entre 240 e 290 nm; adicionalmente, serão também apresentados alguns efeitos do UV longo e da luz visível. ASPECTOS GERAIS DAS LESÕES FOTOINDUZIDAS NO DNA As purinas, quando irradiadas em solução, mostram-se bastante fotorresistentes, cerca de dez vezes mais que as pirimidinas. Como, entretanto, elas possuem absorbâncias relativamente elevadas para o UV germicida, admite-se que quando inseridas em moléculas de DNA a energia absorvida seja transferida para as pirimidinas ou, eventualmente, para as ligações entre açúcares e fosfatos. As bases pirimidínicas, possuindo uma ligação não saturada entre os carbonos 5 e 6 (um cromóforo bastante eficiente para o UV), constituem o principal sítio de lesões fotoquímicas. Os principais fotoprodutos do DNA, esquematicamente mostrados na Figura IV.1, são: a) dímeros de pirimidinas, especialmente de timina; b) hidratos de bases pirimidínicas; c) ligações ("cross-linkings") entre bases pirimidínicas e aminoácidos; d) produtos de fotoadição (adutos) MÉTODOS BIOFÍSICOS DE ANÁLISE DOS FOTOPRODUTOS Para a identificação dos fotoprodutos e a determinação da frequência com que ocorrem, diversos métodos foram desenvolvidos. As análises espectrofotométricas podem fornecer informações, pois diversos fotoprodutos (como, por exemplo, os que envolvem a saturação da ligação entre os carbonos 5 e 6 das bases pirimidínicas) acarretam modificações do espectro de absorção; além disto, em certos casos o fotoproduto possui um espectro característico e o aparecimento de um novo pico no espectro de absorção do DNA serve como indicador do surgimento de fotolesões. As análises cromatográficas são bastante sensíveis e permitem a avaliação quantitativa dos fotoprodutos. Para sua realização é necessário previamente "marcar" o DNA com precursores radiativos, escolhidos conforme o fotoproduto a ser investigado (timina, citosina, etc.). Após a irradiação com UV, o DNA é hidrolisado, liberando os nucleotídeos e os fotoprodutos; para tal, são empregados tratamentos com calor em meio ácido (ácido fórmico, trifluoroacético ou perclórico) ou exonucleases, que degradam o DNA. Após a hidrólise o material obtido é analisado por cromatografia (papel, camada fina ou troca iônica), medindo-se a radioatividade de cada fração obtida. Em alguns casos a hidrólise pode levar a alterações estruturais dos fotoprodutos; assim, por exemplo, o calor em meio ácido promove a desaminação da citosina, formando uracil, uma base inexistente no DNA. Na Figura IV.2 pode ser visto o resultado da análise de um cromatograma em papel, a partir de uma preparação de DNA exposta ao UV, após marcação com 3 H-citosina e 14 C-timina. IV-2 Figura IV.1 - Representação esquemática dos principais fotoprodutos do DNA. Figura IV.2 - Radiocromatograma em papel para análise de fotoprodutos. Uma preparação de DNA, marcada com 3 H-citosina e com 14 C-timina, após irradiação com UV germicida foi submetida à hidrólise pelo calor em meio ácido e analisada por cromatografia em papel; o uracil encontrado é proveniente da desaminação da citosina. IV-3 O tratamento com enzimas capazes de produzir quebras em regiões adjacentes aos fotoprodutos, constitui técnica de grande valia para a determinação do número de fotoprodutos existentes. Para este fim pode ser usada a endonuclease codificada pelo gene denV do fago T4 ou a extraída de células de Micrococcus luteus, ambas com alto grau de especificidade para dímeros de pirimidinas. Após o tratamento, o DNA é analisado por ultracentrifugação em gradientes alcalinos de sacarose, o que permite determinar o número de quebras induzidas pela enzima e, consequentemente, o de dímeros existentes. Na Figura IV.3 podem ser vistos os perfis de sedimentação de DNA irradiado com UV e tratado ou não com a endonuclese de M. luteus. Podem igualmente ser vistos, para as duas situações, os perfís de sedimentação em gradientes neutros, que são coincidentes, uma vez que a probabilidade de ocorrência de roturas duplas pelo tratamento com a enzima é muito pequena, pois exigiria a presença de dímeros nas duas hélices em regiões diametralmente opostas. Figura IV.3 - Determinação do número de dímeros de pirimidinas no DNA por meio de tratamento com enzima específica para estas lesões (endonuclease de Micrococcus luteus). A - determinação de quebras duplas (gradientes neutros); B - determinação do número total de quebras (gradientes alcalinos). O número de quebras pode ser determinado pelos perfis de sedimentação e coincide com o número de dímeros formados. Certos fotoprodutos são capazes de emitir radiação de fluorescência, como é o caso de alguns adutos de pirimidinas; como a fluorescência do DNA cresce linearmente com a dose de UV aplicada, esta técnica permite a quantificação dos adutos formados no DNA. É ainda possível determinar o número de fotoprodutos mediante o emprego de técnicas de dosagem radioimunológica. Para tal, preparações de DNA irradiadas com UV são injetadas em coelhos; posteriormente o soro dos animais contem anticorpos específicos contra DNA com fotoprodutos, o que torna possível, determinações bastante precisas do número de fotoprodutos existentes em uma preparação de DNA, por técnicas de radioimunoensaio. DÍMEROS DE PIRIMIDINAS Quando uma solução aquosa de timina, no estado congelado, é exposta ao UV, ocorrem modificações do seu espectro de absorção e os dímeros de timina podem ser identificados, por diversos métodos de análise, como os principais fotoprodutos destas soluções irradiadas. Um dímero surge pela ligação de duas moléculas por meio de seus carbonos 5 e 6, o que origina um anel ciclo butano (ou seja, com 4 átomos de carbono), como pode ser visto na Figura IV.4. IV-4 A irradiação com UV, à temperatura ambiente não provoca a formação de dímeros, admitindo-se que o congelamento favoreça a orientação das moléculas, colocando-as em posição semelhante à que elas estão quando na molécula de DNA. Figura IV.4 – Representação de um dímero de timina formado no DNA, destacando o anel ciclobutano. A formação de dímeros em soluções congeladas pode ser detectada pela análise do espectro da absorção obtido antes e após a irradiação com UV-C. Na Figura IV.5, estão representados os espectros de absorção de uma solução de timina, antes da irradiação (A), após a irradiação em estado congelado (B), onde se observa o desaparecimento do pico de absorção em 265 nm (característico da timina) Figura IV.5 (A) – Espectro de absorção de uma solução de timina (25 ug/mL). IV-5Figura IV.5 (B) – Espectro da mesma solução após irradiação com UV-C (254 nm). É importante ressaltar que a irradiação de uma solução de dímeros, com o mesmo comprimento de onda que os formou, leva à sua destruição (monomerização), originando moléculas de timina, o que evidencia a fotorreversibilidade da reação, como pode ser visto na Figura IV.5 (C). Figura IV.5 (C) – Espectro da solução de dímeros irradiada à temperatura ambiente. Dímeros de timina são igualmente formados em cadeias polinucleotídicas ou em preparações de DNA. A reversibilidade da reação também é observada mediante irradiação com outros comprimentos de onda. Desta forma, como mostrado na Figura IV.6, a irradiação com UV de 280 nm, de uma preparação de ácido timidílico conduz ao progressivo aumento do número de dímeros, até atingir um máximo de cerca de 65% de timinas dimerizadas. Se em seguida, a preparação for irradiada com UV de 240 nm, o número de dímeros diminui, até chegar a 15%. Uma preparação análoga, irradiada somente com UV de 240 nm, sofre acúmulo de dímeros até ser atingida a faixa de 15%. IV-6 Figura IV.6 - Dimerização e monomerização do ácido politimidílico. Além dos dímeros de timina, outros podem ser formados em ácidos nucleicos, como os de uracil, citosina, citosina-timina e uracil-citosina, igualmente reversíveis. A frequência de aparecimento dos diversos dímeros depende da estrutura primária do DNA. Assim, por exemplo, em Escherichia coli, que possui uma relação A+T/G+C praticamente igual a 1, os dímeros de timina são quase 60% dos dímeros formados; em M. luteus, cuja relação A+T/G+C é 0,4, os dímeros de timina são menos de 20% do total, sendo mais freqüuntes os de citosina e citosina-timina. Dimeros de pirimidinas formados no DNA também podem ser detectados através de técnicas que utilizam o sequenciamento do DNA acoplado à utilização das endonucleases que reconhecem estas lesões e cortam o DNA no local do dímero. Para pequenos fragmentos de DNA e utilizando a técnica de Maxam e Gilbert (marcação dos terminais com 32 P). Na Figura IV.7 está representado esquematicamente o procedimento deste tipo de experimento. A enzima reconhece dímeros no DNA, corta a ligação glicosídica do dímero e também a ligação fosfodiéster 3’. Este procedimento deixa fragmentos estáveis, marcados no terminal 5’, permitindo a localização precisa do dímero quando o DNA é colocado no gel de sequenciamento. Figura IV.7 – Localização de dímeros em gel de sequenciamento, usando PD endonuclease de M. luteus ou do fago T4. IV-7 Os dímeros de pirimidinas são formados tendo como produto intermediário uma pirimidina no estado tripleto, que se torna capaz de reagir com a pirimidina adjacente. Logo, quando existirem moléculas com excesso de energia nas proximidades de uma cadeia polinucleotídica, podem ocorrer fenômenos de transferência de energia que levem à passagem de uma pirimidina para um estado tripleto, o que constitui a fotossensibilização molecular. Preparações de DNA irradiadas com UV de 313 nm, em presença de acetofenona, sofrem intensa dimerização, somente das timinas, o que pode ser compreendido pela observação de Figura IV.8, na qual estão representados os níveis energéticos dos estados tripletos das quatro bases nitrogenadas do DNA e dos estados singleto e tripleto da acetofenona; verifica-se que este último só possui energia superior ao estado tripleto da timina e, consequentemente, quando ocorrem transferências de energia, somente os dímeros de timina poderão aparecer. Outros compostos, como o etil-acetoacetato, a acetona e a dihidroxiacetona possuem propriedades semelhantes. Figura IV.8 - Níveis de energia dos estados tripletos das bases nitrogenadas e da acetofenona. FOTOPRODUTOS DE HIDRATAÇÃO DE PIRIMIDINAS Quando soluções aquosas de citosina ou de ácido citidílico são irradiadas com UV germicida, ocorre modificação do espectro de absorção, reversível mediante tratamentos com calor ou ácidos, o que pode ser visto na Figura IV.9. O mesmo ocorre com o uracil e timina assim como com os seus nucleotídeos e são consequência da hidratação da dupla ligação entre os carbonos 5 e 6, mostrada na Figura IV.10. Figura IV.9 - Representação esquemática dos espectros de absorção do ácido uridílico, do ácido citidílico e de seus hidratos. A - ácido uridílico (I); ácido uridílico irradiado com UV (II); ácido uridílico irradiado com UV e mantido por 24 h a 20ºC, em pH 0,8 (III). B - ácido citidílico (I); ácido citidílico irradiado com UV (II); ácido citidílico irradiado com UV e mantido por 5 min a 80ºC (III). IV-8 Cadeias polinucleotídicas também sofrem hidratação de bases pirimidínicas quando expostas ao UV germicida, desde que estejam em estrutura de hélice simples. A hidratação de bases pirimidínicas acarreta modificações nas propriedades codificantes dos ácidos nucleicos; assim, em um sistema acelular, o ácido policitidílico (poli-C) irradiado, além de codificar a incorporação de guanina, incorpora também adenina, o que significa estarem as citosinas lesadas codificando erradamente. Da mesma forma, o ácido poliuridílico (poli-U) irradiado com UV, comanda a síntese de cadeias de fenilalanina e serina, sugerindo que o uracil hidratado tem a propriedade codificante da citosina, já que a sequência UCU comanda a incorporação de serina. Figura IV.10 - Fórmulas estruturais do uracil, da citosina e de seus produtos de hidratação. Assim, é provável que os hidratos de pirimidinas formados no DNA (sítios de replicação ou transcrição, em hélice simples) desempenhem um papel na mutagênese induzida pelas radiações UV. LIGAÇÃO ENTRE AMINOÁCIDOS E BASES NITROGENADAS A quantidade de DNA que pode ser extraída, livre de proteínas, de células bacterianas ou de células de mamíferos diminui à medida que cresce a dose de UV aplicada, aparecendo o ácido nucleico complexado a proteínas. O produto de fotoadição da cisteína com a timina, cuja fórmula pode ser vista na Figura IV.11 é um exemplo deste tipo de lesão. Além da cisteína, a arginina, a lisina, a tirosina, o triptofano e a cistina podem interagir com a timina quando irradiados com UV, enquanto estes mesmos aminoácidos e mais a glicina, a serina, a metionina, a histidina e a fenilalanina sofrem fotoadição com o uracil. Figura IV.11 - Fórmula estrutural da 5-S-cisteína 6-hidrotimina; produto de fotoadição da cisteína à timina. Em células HeLa (linhagem derivada de células de câncer de colo de útero da espécie humana) a frequência máxima de ligações fotoinduzidas entre proteínas e DNA é observada na mesma fase do ciclo celular na qual ocorre a maior fotossensibilidade; uma vez que, nestas células, este tipo de lesão não é reparável, é possível que ele esteja implicado no processo de inativação. IV-9 FOTOADIÇÃO DE BASES NITROGENADAS A radiação UV pode acarretar a associação de bases nitrogenadas adjacentes na cadeia polinucleotídica, dando origem a fotoprodutos cujas estruturas diferem dos dímeros de pirimidinas. Estes fotoprodutos, formados entre pirimidinas são certos tipos de adutos, relativamente raros. A fórmula estrutural de um destes adutos, a 6,4-timina-citosina, pode ser vista na Figura IV.12. Este fotoproduto parece desempenhar papel importante na geração de mutagênese induzida por UV, uma vez que, esta lesão é predominante nas chamadas zonas quentes ("hotspots") de mutagênese. Além da 6,4-timina-citosina,já foram isolados adutos semelhantes, do tipo citosina-citosina e timina-timina. Estes fotoprodutos podem ser detectados analisando o DNA, após aquecimento, em gradientes alcalinos de sacarose, uma vez que, nestas condições surgem roturas das cadeias nos sítios onde eles existem. Figura IV.12 - Fórmula estrutural de um aduto de pirimidinas, a 6,4-timina-citosina. ROTURAS DE CADEIAS Ao contrário do que acontece com as radiações ionizantes, o UV não é capaz de promover quebras no DNA em quantidades significativas. Em certas condições experimentais, entretanto, isto ocorre em frequências elevadas, como é o caso do DNA de células cultivadas em presença de 5- bromouracil, um análogo da timina. Neste caso, o UV acarreta a ejeção do átomo de bromo, produzindo o radical uracil. Este radical remove um hidrogênio da desoxirribose, que se fragmenta, quebrando a cadeia, como esquematizado na Figura IV.13. Figura IV.13 - Representação esquemática do possível mecanismo de quebra, pelo UV, de DNA contendo 5- bromouracil. 1 - absorção de um fóton; 2 - ejeção do átomo de bromo; 3 - captura, pelo radical uracil, de um hidrogênio da desoxirribose; 4 - quebra da cadeia do DNA. É importante lembrar que podem ser observadas numerosas quebras nas moléculas de DNA de células irradiadas com UV. Entretanto, isto só acorre quando as células são incubadas por algum tempo IV-10 após a irradiação e, neste caso, tais quebras são devidas à ação de enzimas responsáveis pela eliminação dos fotoprodutos. IMPORTÂNCIA RELATIVA DOS DIVERSOS FOTOPRODUTOS A avaliação da frequência de ocorrência dos diversos fotoprodutos é bastante complexa, pois alguns deles são bastante instáveis e outros são de difícil detecção. A importância relativa de cada fotoproduto para o efeito letal também é de difícil determinação uma vez que eles são reparados diferentemente. Na Tabela IV.1 estão mostradas as frequências relativas de ocorrência de diversos fotoprodutos em DNA de E. coli. TABELA IV.1 Frequência relativa de fotoprodutos em DNA de E. coli ========================================================================= Fotoproduto Frequência relativa ------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------- dímeros de timina 1 dímeros citosina-timina 0,3 dímeros de citosina 0,2 adutos 0,1 hidratos de citosina 0,01 ligações cruzadas 0,001 roturas de cadeia 0,001 ========================================================================= FOTOPRODUTOS DO UV LONGO O UV longo pode produzir, em moléculas de DNA, lesões análogas às causadas pelas radiações germicidas e pelas radiações ionizantes, embora o faça com eficiências diferentes e por mecanismos distintos. Assim, dímeros de pirimidinas, timina-glicóis e roturas de cadeia polinucleotídica são observados em preparações de DNA expostas ao UV longo. As roturas provocadas pelo UV longo no DNA são dependentes de oxigênio e mediadas por fotooxidações, que conduzem à formação de ERO (•OH, peróxido de hidrogênio e oxigênio singleto) verdadeiras responsáveis pelas quebras da cadeia. Enquanto para o UV germicida ocorre uma quebra de cadeia para cada 1.000 dímeros de pirimidina, o UV de 365 nm produz uma rotura simples para cada dois dímeros, podendo ser também detectadas roturas duplas. Reações de fotoadição podem ser promovidas pelo UV longo e, entre elas, são particularmente importantes as que ocorrem com as furocumarinas, compostos aromáticos tricíclicos, de origem natural ou sintética. Quando expostos a radiações de comprimento de onda entre 320 e 380 nm, as furocumarinas interagem com ácidos nucleicos ou com proteínas. A atividade tóxica das furocumarinas, como a psoraleína, sobre o DNA é exercida em duas etapas: (i) formação de um complexo entre o ácido nucleico e o composto químico, independentemente da radiação, fazendo com que este se intercale entre pares de bases nitrogenadas, sendo a reação reversível; (ii) irradiação do complexo com UV longo, do que resulta a fixação covalente do composto às bases pirimidínicas. Esta fixação pode ser feita em um único sítio (monoadição) ou em dois sítios, IV-11 pertencentes a hélices opostas (biadição) o que ocorre com os compostos bifuncionais, como pode ser visto na Figura IV.14. Figura IV.14 - Fotoadição da psoraleína à timina e sua intercalação no DNA. As reações de fotoadição de furocumarinas acarretam diversos efeitos biológicos, tais como o eritema e a pigmentação da pele, a inibição da biossíntese de macromoléculas, a inativação celular e a mutagênese. Este tipo de produtos pode ser detectado através da sedimentação em gradientes de densidade (cloreto de césio). Para isto o DNA é marcado com timina [ 14 C] e posteriormente replicado em presença de bromo uracil marcado com [ 3 H]. Este análogo de timina confere maior densidade ao DNA. Assim, se somente uma das hélices do DNA é mais densa, após desnaturação e sedimentação em gradiente de densidade (CsCl) os fragmentos , [ 14 C]dT terão densidade normal e os contendo [ 3 H]BrdU terão densidade maior. Entretanto, se alguns framentos do DNA contiverem ligações cruzadas, que impedem a separação da hélices durante a desnaturação, aparecerão moléculas de densidade intermediária, como pede ser visto na Figura IV.15. Convém salientar que a técnica pode ser empregada também para ligações cruzadas formadas por diferentes quimioterápicos. Figura IV.15 – Detecção das ligações cruzadas formadas no DNA pela adição de furocumarinas. IV-12 AÇÃO FOTODINÂMICA Devido à possibilidade da energia fotônica ser absorvida por uma determinada molécula e transferida para outra molécula, caracteriza-se o fenômeno de fotossensibilização. Em termos genéricos, o sensibilizador So, ao absorver energia, passa a um estado ativado (S*), mas logo se desativa, transferindo seu excesso de energia para uma molécula A, que se transforma em A*; em consequência, esta pode modificar-se estruturalmente, participar de uma reação bioquímica, dissociar- se, etc. A ação fotodinâmica constitui um tipo de reação de fotossensibilização, na qual o sensibilizador passa a um estado eletrônico excitado, normalmente tripleto, após o que transfere a energia para o oxigênio; este, no estado excitado, reage com o substrato, oxidando-o, como pode ser visto na Figura IV.16. Quatro fatores são necessários para que o processo se realize: (i) o sensibilizador, frequentemente um corante (azul de metileno, proflavinas, acridinas, rosa bengala, etc.), que absorve a energia luminosa e a transfere para um substrato (ou molécula alvo); (ii) o substrato, que se oxida ao receber energia do sensibilizador (exemplos: DNA, RNA ou proteínas); (iii) o oxigênio, indispensável na maior parte dos processos fotodinâmicos e que permite a transferência de energia entre o sensibilizador e a molécula alvo; (iv) a energia luminosa, que deve ser absorvida pelo sensibilizador, para que este se excite. A ação fotodinâmicapode também processar-se em ausência de oxigênio, quando o sensibilizador, no estado excitado, captura um próton ou um elétron do substrato, como pode ser visto nas reações abaixo. S* + RH SH• + R• (transferência de próton) S* + R S•- + R+ (transferência de elétron) Figura IV.16 - Representação esquemática da oxidação de um substrato por ação fotodinâmica. Na maior parte dos casos, entretanto, a ação fotodinâmica é mediada pelo oxigênio e o sensibilizador, uma vez excitado, transfere sua energia para o O2, produzindo oxigênio singleto ou mais raramente, o radical superóxido (O2•-). A excitação do oxigênio pode dar-se por transferência de elétron ou de energia, de acordo com as reações abaixo. S* + O2 S + + O2•- (transferência de elétron) S* + O2 S + O2* (transferência de energia) IV-13 O oxigênio singleto formado pela ação fotodinâmica é o maior responsável pelos efeitos lesivos deste tratamento, sendo sua ação normalmente exercida por adição a moléculas orgânicas não saturadas. FOTOQUÍMICA DO RNA As moléculas de RNA diferem das de DNA pela composição química (ribose em vez de desoxirribose e uracil no lugar de timina) e por possuírem muitas regiões em hélice simples; assim, os fotoprodutos nelas formados são análogos aos descritos para o DNA, embora a importância relativa de cada um possa diferir. É possível que os hidratos de pirimidinas desempenhem papel substancial na inativação das moléculas de RNA. Alguns vírus que possuem RNA como material genético, como o do mosaico do tabaco, têm sido empregados em estudos sobre a fotoquímica deste tipo de ácido nucleico; assim, foi verificada, por exemplo, a formação de hidratos e dímeros de uracil após exposição ao UV germicida, sendo os primeiros os mais prováveis responsáveis pela inativação. Um fotoproduto do RNA, bastante importante, é o formado após exposição de moléculas de RNA de transferência (tRNA) ao UV longo e que surge pelo estabelecimento de uma ligação covalente entre uma citosina e uma base anômala, presente em alguns tipos de tRNA, o tiouracil. Este fotoproduto foi isolado do tRNA da valina, podendo ocorrer também nos tRNAs da fenilalanina e prolina e foi verificado que o tiouracil encontra-se na posição 8 e a citosina na posição 13 da molécula, como mostrado na Figura IV.17. Este fotoproduto é o responsável pela parada da divisão celular e da síntese proteica em E. coli, uma vez que o tRNA modificado não pode ligar o aminoácido. Em mutantes que não possuem tiouracil no tRNA, o fenômeno de inibição da divisão celular não ocorre. Figura IV.17 - Fotoproduto do RNA de transferência da valina.