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Paulo Bonavides - Formas de Estado e Governo 1 - O problema terminológico Falta de clareza na distinção dos dois conceitos. Estado como estrutura: unidade ou pluralidade dos ordenamentos e sistemas políticos – Estado unitário e União (sociedade de Estados, Estado federal, confederação); Governo como funcionamento: em seu aspecto formal; e, em seu aspecto material (conteúdo: político ou ideológico) A extrema importância dada ao aspecto material (conteúdo), à qualificação dos Estados e governos, à adjetivação cria esta dificuldade de distinção. 2 - O que é Estado? a) O ponto de vista jurídico – problema conduzido para a esfera do Direito; idéia de Estado de Direito; preocupado com os aspectos fundamentais da despersonalização do poder ou com a personalidade que nasce do Direito e se faz centro de toda a criação normativa. (como sinônimo de ordem jurídica) Inclina-se mais ao aspecto da validade, da legalidade do comando, ou seja da autoridade legítima. Fazem coincidir a legalidade e a legitimidade. Kant – Estado é “a reunião de uma multidão de indivíduos sob a lei do Direito”. Crítica: daí, até um presídio pode ser definido como Estado. Burdeau – Essencial para o aparecimento do Estado, i.e., o Estado procede do um fenômeno de despersonalização do poder, ou seja, quando o poder deixa de ter por titular uma pessoa para subjetivar-se numa instituição. O Direito substitui a força e, a razão substitui o arbítrio. Kelsen – num monismo absoluto Estado e Direito representa a mesma coisa: um sistema de normas. “O Estado é um sistema geral e completo de normas jurídicas, é o todo jurídico, é o uno jurídico, como Deus é o mundo e o mundo é Deus.”. O Estado está definido no âmbito da normatividade pura, regida por leis teleológicas (leis de fins) e não por leis da causalidade (leis da natureza ou do mundo físico). Crítica: todas as ordens normativas tornam-se implicitamente legítimas; e qualquer Estado é Estado de Direito. Defesa: Tudo que se reporta a valores, do seu ponto de vista lógico- formalista, é considerado metajurídico, pertencem à filosofia ou à sociologia, mas não ao Direito. Vicente Rao – Reconhece-se no Estado “um sujeito ou titular de direitos e obrigações, isto é, uma personalidade criada pela ordem jurídica” com aptidão e capacidade para exercer direitos e obrigações, como conseqüência de suas relações jurídicas com os outros Estados e com as pessoas físicas. Du Pasquier – O Estado é noção essencialmente jurídica. De uma parte, repousa sobre o Direito, no sentido de que este lhe regula a organização e o funcionamento, doutra é o centro de criação jurídica, por ser ele que estatui ou reconhece o direito positivo [para além do direito natural] bem como detém e aplica a força que o sanciona.”. b) O ponto de vista sociológico – problema conduzido para a esfera da Sociologia; idéia de Estado- força; preocupado com o elemento coercitivo, que revelaria a essência do fenômeno estatal (como instituição – produto da violência organizada). O ponto crucial é a força e não o Direito. É a efetividade ou eficácia do Estado. O Direito vem depois para dissimular o fenômeno essencial da violência. Marxismo – a apropriação privada dos meios de produção gera a sociedade de classes que para enfrentar a crise das suas contradições faz emergir o Estado, um produto da sociedade numa determinada fase de seu desenvolvimento. O Estado moderno é “um comitê que administra os interesses comuna de toda a burguesia”, uma espécie de “máquina de opressão das classes subjugadas e exploradas”. Rodolfo Von Jhering [séc. XIX] – Estado como instituição de organização social do poder de violência; ou, como a sociedade do exercício da titularidade de um poder de coação regulado e disciplinado Gumplowicz [séc. XIX / XX] – O Estado só existe no contraste da diferenciação entre governantes e governados, “um traço eterno, invariável e imutável” Duguit [séc. XIX / XX] – não há vontade ou personalidade do Estado, não há a noção de soberania. O Estado é uma “expressão abstrata, empregada para designar um fato social [concreto], ou seja uma diferenciação entre governantes e governados”. Cuja essência é a “força dos mais fortes dominando a fraqueza dos mais fracos” Oppenheimer [séc. XX] – Estado como coação pela forma e, como exploração econômica pelo conteúdo. Estado é “a instituição social imposta por um grupo vitorioso a um grupo vencido, com o único objetivo de estabelecer o domínio do primeiro sobre o segundo, de modo a precatar-se contra rebeliões internas e agressões externas.”. Max Weber – ponto culminante da Sociologia Política na caracterização do Estado como expressão de força ou coação física. Estado como corporação política, moderno, racional, monopólio da coação legítima. Definido pelo seu meio específico: a força física. Mas ela, ainda que específica e caracterizadora do Estado, não é o instrumento único e normal. Ele se converte na única fonte do “direito à violência”. Adquire título de legitimidade, torna-se legal ou jurídica. Estado como “aquela comunidade humana, que, dentro de um determinado território, reivindica para si, de maneira bem sucedida, o monopólio da violência física legítima.” Os juristas e sociólogos encontram dificuldades em ministrar um conceito neutro de Estado, isento de implicações valorativas. Os conceitos não explicam o Estado em sua universalidade. c) Contribuição de Jellinek ao conceito de Estado Estado enquanto conceito jurídico é “a corporação de um povo assentada num determinado território e dotada de um poder originário de mando”. Povo e território são os elementos materiais e poder originário é o elemento formal. 3 – Das formas de Estado A não distinção entre formas de Estado e formas de governo causa confusão, tanto quanto uma separação rígida, total, absoluta entre os dois termos. Ambas podem levar a conceitos materialmente infiéis. 4 – O Estado Unitário Forma singular ou individual (um só Estado). Enquanto imagem teórica é a mais simples e homogênea: há uma única ordem política, jurídica e administrativa; há a mais perfeita unidade “orgânica”, a que em geral corresponde um só povo, um só território, um só titular do poder público de império. A idéia força é a centralização. Portanto, esses Estados são questionados com respeito às aspirações de liberdade e autonomia das coletividades regionais. Sendo então conveniente uma ordem constitucional dotada de todos os mecanismos de garantia e defesa dos direitos humanos, apta a enfrentar o autoritarismo do Poder Central e a mitigar-lhe o centralismo. a) A centralização no Estado Unitário. Nesta forma de Estado a centralização toma as seguintes formas: Política – unidade do sistema jurídico e da autoridade política: um só direito, uma só lei, um só governo. Não há distinções entre executivo, legislativo e judiciário; nem há poder originário nas autoridades locais. A existência de órgãos legislativos regionais não se dá sob competência primária, mas sim derivativa do poder central, eles não têm poder constituinte, ainda que façam leis regionais Administrativa – unidade quanto à execução das leis e quanto à gestão dos serviços Territorial – elementar extensão do poder central a todo o território Material – centralização no Estado de assuntos, negócios e interesses até então indiferentes a ele. Centralização concentrada – um só centro de decisão e um instrumento único de execução (uma burocracia sem autonomia, hierarquicamente organizada a serviço do poder central, cujas ordens faz circular de cima para baixo, garantindo-lhe o fiel cumprimento e pronto controle. É o ponto mais alto de aspiração política e administrativa de um Estado unitário. Centralização desconcentrada – em nível regional, os agentes do Estado possuem alguma parcela de competência para tomar e fazer executar decisões de interesse local, revogáveis, porém, pela autoridade superior. b) O Estado unitário descentralizado Porque sua idéia força é a centralização, há nos Estados unitários uma tendência política à descentralização, porém, sob limites a fim de que os níveis de descentralização alcançados não comprometam ou neguem a essência do sistema. A descentralização é essencialmente administrativa: a instituição de órgãos locais com alguma competência para estatuir “em nome da coletividade secundária da qual procedem”. É uma competência delegada, revogável e não compromete o monopólio da titularidade política do Poder Central. Pressões descentralizadoras podem conduzir a concessões autonomistas irreconciliáveis: Itália e Espanha. A rigor descentralização política é conceito que implica na autonomia básica conferida às unidades membros conferida às unidades membros da comunhão federativa [e não ao Estado unitário] 5 – As formas de União de Estado: o Estado Federal e a Confederação O sistema federativo tem sua origem na Grécia. Etimologicamente “foedus” (aliança) indica a união política de Estados autônomos. A união não produzia vínculos de caráter permanente ou de natureza estatal. Portanto, a Grécia conheceu apenas Confederações, sem o profundo teor de institucionalização das Federações. A primeira federação é a experiência americana. O Estado federal nasceu no século XVIII com a União americana, por obra dos constituintes da Filadélfia. A confederação é uma união de direito internacional, assentada sobre um tratado delimitativo das competências outorgadas. É pautada pelo princípio da secessão, bastando que se denuncie o tratado para retirar-se da união. A atividade unitária da confederação se projeta para fora. Os estados confederados têm soberania interna e externa, excluídas as externas fixadas no pacto federativo. A relação dos Estados é paritária, de coordenação. A confederação não chega a formar uma personalidade jurídica. A base é contratual. O poder da confederação lida apenas com Estados e não diretamente com os cidadãos. O órgão central se compõe de chefes de Estados ou embaixadores. É um composto de Estados. Falta às confederações o poder de impor uma vontade. Realiza o ideal de contrato. O Estado federal pressupõe a coexistência de dois ordenamentos estatais: um “Estado soberano, formado por uma pluralidade de Estados, no qual o poder do Estado emana dos Estados-membros, ligados numa unidade estatal” (Jellinek) A federação é união de direito constitucional, tendo a constituição por instrumento básico, que reparte a competência entre o Poder Central e os Estados membros. É pautada pelo princípio da indissolubilidade do laço federativo. A atividade unitária da federação se projeta para dentro. A base é institucional, cimentada na constituição. O poder da federação lida com Estados e também diretamente com os cidadãos. O órgão central da federação é um congresso composto de duas câmeras que legisla nos limites da sua competência constitucional para toda união e Estados membros. É um Estado composto. Há nas federações o poder de impor uma vontade. O Estado federal tem duplo aspecto: - aspecto unitário: a competência centralizadora da União - aspecto federativo: autonomia dos Estados membros O princípio da autonomia é preponderante. Ele inspira as regras federativas e a partilha constitucional das competências entre poder federal e os poderes estaduais. A idéia força é a descentralização. Forma antitética ao Estado unitário, assentada na participação e na liberdade das coletividades-membro. Resposta aos problemas da heterogeneidade dos grupos nacionais e da concentração excessiva de poder. Porque sua idéia força é a descentralização, há nos Estados federados uma tendência política à centralização. O Estado federal tende à centralização. A evolução política do sistema federativo se dá no sentido contrário à autonomia: no de enfraquecer os Estados e fortalecer a União. Tendência que se agudizou no século XX, dando origem ao chamado federalismo cooperativo que procura justificar os excessos de intervencionismo da União, a expensas dos Estados membros, mas a benefício da coletividade nacional. Essa evolução pode levar o Estado Federal a uma crise teórica. Sob essa crise, há quem afirme que o Brasil é materialmente um Estado unitário e formalmente uma república federativa. 6 – O funcionamento do sistema federativo Segundo Georges Scelle o sistema federativo repousa sobre dois princípios essenciais: - a lei da participação: os estados membros tomam parte da formação da vontade estatal referida a toda ordem federativa. - a lei da autonomia: há competência constitucional própria e primária para organizar, estatuir e gerir o seu ordenamento, dentro dos limites traçados pela Constituição federal. Não depende da União naquilo que constitui a esfera de suas atribuições específicas. É dotado de poder constituinte A presença do Estado Federal em todos os Estados não se faz tão somente por via legislativa, a constituição estabelece competências administrativas em dois sistemas: por via direta (USA e Brasil); por controle e supervisão federal do aparelho administrativo do Estado membro (Alemanha); ou pela combinação dos dois sistemas (Áustria). O Estado Federal dispõem do poder judiciário próprio, destinado a dirimir os litígios da Federação com os Estados membros e destes entre si. O Estado Federal tem o monopólio da personalidade internacional. O Estado Federal impõe limites aos ordenamentos dos Estados membros quanto à forma de governo, às relações entre poderes; à ideologia; à competência legislativa, à eleição do governo; à solução de litígios na ordem judiciária, etc. São disposições constitucionais restritivas à autonomia dos Estados membros. 7 – Outras formas de União de Estados A união pessoal ([o mesmo monarca para dois reinos], acidental, transitória: os Estados permaneciam independentes) e a união real (associação cujo vínculo era proposital e deliberado). A união real esteve para os estados monárquicos assim como a federação para os Estados republicanos. As uniões desiguais resultantes ou da expansão ou da desintegração do sistema colonial, ou as que se formaram sobre as sombras da Liga das Nações (posterior ONU): o Estado protegido, os Protetorados, o Estado vassalo e o Estado sob mandato e administração fiduciária Uniões paritárias desprovidas de organização (alianças militares, pactos de defesa e cooperação mútua, comunidades que regulam navegação e aduana) Uniões paritárias organizadas (comunidades permanentes que disciplinam matérias de peso, moeda, tráfego, correio, etc; federações e confederações) XXX 8 – As três principais formas ideológicas do Estado moderno: o Estado liberal, o Estado Social e o Estado socialista XXX a) o Estado liberal – XXX O Estado liberal foi de certo modo o poder do “terceiro estado”, ou seja, da burguesia triunfante com a Revolução Francesa. Estado liberal filiado na ordem econômica do “laissez faire, laissez passer” (francês) ou “free interprise” (anglo-americano) Liberdade política entendidas sob dois princípios: da soberania nacional; e, da soberania popular As instituições (a ordem) foram erguidas sobre esses dois princípios. A organização da autoridade estatal, extraído de Montesquieu, consistiu pois no princípio da separação dos poderes. Essa técnica protegeria os direitos fundamentais da pessoa humana. O princípio da legalidade – que toda autoridade se exerce em nome da lei e lei é a sagrada expressão da vontade dos governados. É a base da sua concepção de legitimidade. Grave defeito: o fosso largo entre Sociedade e Estado e ênfase demasiada aos direitos individuais. Não compreendeu em tempo a relevância dos interesses sociais. Concepção estática do ordenamento político e social, apresentada sobre os fundamentos da razão e da lógica, sem abertura aos fatores dinâmicos. Divórcio entre teoria abstrata da liberdade e os privilégios burgueses e classistas manifestos em seu ordenamento institucional. As declarações de direitos das constituições do liberalismo foram volvidas para dogmas e liberdades puramente abstratas, de inspiração individualista, que mantinham o Estado apartado da sociedade, e onde o abstencionismo estatal era o próprio título permissivo das injustiças e dos abusos perpetrados contra os direitos humanos. b) o Estado Social – Representa de certo modo a continuidade do Estado liberal, ainda que para uns, revisado, ou para outros, superado. No período compreendido entre o fim da 1ª guerra (paz de Versalhes) e o fim da década de 30, houve quem vaticinasse o fim dos sistemas políticos fundados na forma representativa e parlamentar; dados os exemplos ideologicamente monistas da Itália fascista e a União Soviética. Contudo a ordem política com base no consentimento dos governados sobreviveu incólume a tais contestações. É concepção ocidental herdeira do liberalismo para evitar a ditadura política e ideológica. O Estado Social pretende ser o poder de todas as classes em comunhão de compromissos e mútuas concessões e equilíbrios. É um estado de caráter intervencionista. Deixou de ser um Estado indiferente ou neutro ao que se passava no interior da sociedade. Passou a ser um agente ativo dos negócios econômicos, sociais e culturais. Conduziu a ação do Estado a esferas que seriam de todo inadmissíveis na forma clássica do liberalismo. Buscou promover a reconciliação da Sociedade com o Estado. Disciplinou o capital e fez justiça no trabalho. Criou a espécie de democracia social complementar à democracia política, aperfeiçoada desde a introdução do sufrágio universal. Ocorreu o alargamento político e jurídico da participação quebrando o monopólio da burguesia. Traços institucionais: Com o intervencionismo se proporcionam ao homem todas as prestações e todos os meios materiais indispensáveis a uma convivência efetivamente democrática, numa sociedade aberta e pluralista, inspirada em conceitos de igualdade, postulados de liberdade e princípios de solidariedade e justiça social. Os direitos sociais passam para o primeiro plano. Supriram as carências de meios de ingerência social. O executivo foi fortalecido, inclusive quanto à iniciativa das leis. As instituições parlamentares passaram a ter um novo papel histórico: órgão de controle da política governativa, fórum legítimo de debates do interesse nacional. O Estado social em países subdesenvolvidos ou em desenvolvimento convive com a impossibilidade de conciliar o teor de “socialidade” com o teor de “juridicidade”, i.e., de anexar à ordem dos valores sociais a garantia plena e eficaz dos valores jurídicos; i.e., de consubstanciar como realidade política e social o Estado de Direito. c) o Estado socialista – O Estado socialista do século XX, intenta apresentar-se como expressão do poder do “quarto estado”, ou seja, da classe trabalhadora para implantar a ditadura do proletariado, e preparar o advento de uma sociedade comunista. O Estado socialista é resultante histórica de duas fases: uma de formulação e pregação teórica (socialismo como doutrina), outra de tomada revolucionária do poder e instituição das novas bases de organização social. O socialismo como doutrina divide-se: - socialismo utópico (Platão, Saint-Simon, Louis Blanc, Proudhon, Owen, Fourier e outros do século XIX) baseados em esquemas ideais e modelos filosóficos de Estado; - socialismo científico (após Marx-Engels). A tese é que o Estado surgiu na história quando se transitou da apropriação social para a apropriação individual dos meios de produção. Daí a dialética das contradições sociais, a emergências das classes e fenômeno do Estado: um aparelho de coerção. Xxx