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Formação Econômica do Brasil Celso Furtado Capítulo VII – Encerramento da etapa colonial. A história lusitana que se estende de sua independência frente à União Ibérica até o processo de independência de sua colônia brasileira é profundamente marcada pelas relações político-econômicas que estabeleceu junto aos ingleses. Tendo perdido largas extensões de seu território no Oriente para os Holandeses, em função da União Ibérica, enfrentando a ameaça neerlandesa no nordeste brasileiro e estando constantemente sob a ameaça efetiva de uma invasão espanhola, a situação de autonomia político-militar de Portugal em fins do século XVII era extremamente precária. Assim, foi necessário à Portugal aproximar-se cada vez mais estreitamente dos ingleses de modo a poder manter-se como uma nação imperial, claro que às custas de grandes perdas econômicas. “Assim como seria difícil explicar o grande êxito da empresa açucareira sem ter em conta a cooperação comercial-financeira holandesa, também só pode explicar-se a persistência do pequeno e empobrecido reino como grande potência colonial [...] tendo em conta a situação especial de semi-dependência que aceitou como forma de soberania o governo português. Os privilégios conseguidos pelos comerciantes ingleses em Portugal foram de tal ordem que os mesmos passaram a constituir um poderoso e influente grupo com ascendência crescente sobre o governo português”. Tal situação repetir-se-ia ao longo dos séculos XVII e XVIII. Apesar de os acordos anglo-lusitanos permitirem a continuação de Portugal como potência ultramarina, não resolviam os problemas econômicos por que passava o reino após o início da concorrência antilhana. A situação econômica portuguesa gradualmente mostrou-se insustentável: dados os déficits de sua balança comercial, decorrentes sobretudo da queda dos preços do açúcar, figurou-se como necessário à Portugal fomentar algum desenvolvimento manufatureiro com o objetivo de realizar a substituição de importações. Como já visto, porém, na perspectiva furtadiana este desenvolvimento seria toldado pelo Tratado de Methuen, que pôde ser efetivado em função do afluxo do ouro brasileiro. No entanto, foi o próprio John Methuen, a quem o nome do tratado deve sua origem, que conseguiu diversos benefícios políticos à Portugal: fez com que os lusos participassem da conferência de Utrecht, na qual Portugal obteve a hegemonia sobre o Amazonas e sobre a navegação de seu rio frente aos franceses, bem como o reconhecimento espanhol quanto à hegemonia lusitana na Colônia de Sacramento. O ouro brasileiro fluindo à Inglaterra via Portugal seria de fundamental importância no fomento do desenvolvimento industrial inglês, primeiro por atuar como uma base de acumulação, segundo por estruturar a Inglaterra como o centro financeiro europeu e terceiro por garantir àquela nação uma imensa flexibilidade em termos de importações, sobretudo de matéria-prima para a indústria nascente. Quando a extração aurífera brasileira começou a escassear, a Inglaterra já havia entrada em franca fase do desenvolvimento industrial. Com isto, uma nova percepção da economia surgia aos ingleses: o laissez-faire passava ao primeiro plano. Com efeito, sob esta nova conjuntura, o Tratado de Methuen, que potencializara todo o processo da revolução industrial por meio do ouro brasileiro (notar aqui a proximidade com o texto e conceitos de Novais), passava a ser mal-visto. Em 1786, conquanto os ingleses ainda mantivessem-no formalmente, a concorrência francesa de vinhos no mercado inglês subira consideravelmente por uma maior equalização de condições. Em 1810, o governo português assinaria um acordo de fundamental importância para a história brasileira. Reconhecia o direito inglês de comercializar diretamente com a região colonial em que se instalara a corte e recebia para seus produtos taxações fiscais menores que aquelas aplicadas aos próprios produtos portugueses. Ao mesmo tempo, recebia a garantia de que os ingleses não reconheceriam qualquer liderança política que Napoleão viesse a estabelecer em Portugal. Concluído o processo de independência brasileiro, a nova nação tinha diante de si um sério problema com que lidar. Dados os acordos com Portugal, a Inglaterra deveria opor-se a todos os inimigos político-militares dos lusos que lhes tomassem as colônias; e efetivamente a independência colonial era justamente isso. Assim, em 1827, quando das negociações junto ao governo inglês para o reconhecimento da nova nação, o Brasil tinha esse grande problema a enfrentar; para contorná-lo, continuou-se a oferecer aos ingleses o reconhecimento de potência econômica privilegiada e era apenas isto que lhes interessava: tendo-o garantido, os acordos com Portugal frente ao Brasil dissipavam-se. Explica-se, assim, a transferência de dependência econômica que se observou no primeiro quartel do Brasil independente. Ainda que politicamente livre, a nação surgia com as mesmas rédeas econômicas que lhes haviam diso imputadas pela antiga metrópole. Em 1842, expirando o tratado assumido pelo governo brasileiro com o inglês, e tendo ocorrido um processo de pan-americanismo em função do acelerado desenvolvimento dos EUA, pôde o Brasil finalmente resistir à pressão inglesa para que outro acordo do mesmo tipo fosse firmado. O país apresentaria, ainda durante toda a primeira metade do século XIX, características econômicas que muito se aproximavam da colônia, isto porque “a estrutura econômica, baseada principalmente no trabalho escravo, se mantivera imutável nas etapas de expansão e decadência”. Apenas as decorrências posteriores da desagregação da economia cafeeira é que viriam alterar este “sentido” permanente na história brasileira e propiciar as bases para o início da industrialização. Capítulo XVI – O Maranhão e a Falsa Euforia do Fim da Época Colonial. Em fins do século XVIII, a organização econômica colonial era formada por uma “[...] constelação de sistemas [...]” relativamente articulada: havia o complexo nordestino, a região economicamente involuída das minas, o complexo pecuário do centro-sul, os pecuaristas da região do Rio São Francisco (que exportavam gado ou para o centro-sul ou para o nordeste, conforme a conjuntura se mostrasse favorável a um ou a outro) e a economia do Pará-Maranhão. Após o declínio da atividade mineira e a queda nos preços dos produtos tropicais exportador por Portugal, todas elas passavam por dificuldades econômicas de maior ou menor grau, mas o importante a ser observado é que já haviam estabelecido algumas relações econômicas mais intrínsecas entre si; apenas o Pará-Maranhão permanecia praticamente todo isolado – mais o Pará que o Maranhão, que chegava a ter algum contato com uma pecuária marginal em relação ao nordeste. O Maranhão seria a única região a experimentar um rápido, ainda que não permanente, desenvolvimento econômico em fins do período colonial, enquanto as demais regiões enfrentavam sérias dificuldades. Já observamos que o desenvolvimento regional deu-se a partir da exploração da mão-de-obra indígena para a coleta das drogas do sertão e como houve, a partir desta busca pelo indígena, um forte conflito de interesses entre jesuítas e colonos. Tendo Pombal alcançado a proeminência política em Portugal (notar que Furtado assume o caráter de personalismo contra o qual tão veementemente opõe-se Jorge de Macedo) e iniciado a contenda contra os jesuítas, não é de se admirar que os colonos fossem grandemente beneficiados, não pela captura dos indígenas, que foi proibida durante a administração pombalina, mas pela criação de uma grande companhia comercial que fomentou um forte desenvolvimento daquela região, pobre ao longo de toda sua história. Algumas outras características fomentariam o desenvolvimento do Maranhão em fins do período colonial. A Guerra de Independência dos EUA fez com que o suprimento de algodão para a nascente indústria inglesa fosse cortado, o que estimulou a oferta brasileira deste produto desenvolvido na região maranhense(para o que contribuiu largamente a companhia comercial pombalina, sobretudo pelo importante financiamento de escravos negros). Posteriormente, a Revolução Francesa e as Guerras Napoleônicas estimulariam a exportação de outros produtos tropicais brasileiros que haviam estado em baixa no último quartel do século XVIII. No entanto, esta prosperidade fundamentava-se apenas em uma conjuntura especial que não tardaria a passar; daí as sérias dificuldades econômicas por que passaria o país quando de sua recém independência. Capítulo XVII – Passivo Colonial, Crise Financeira e Instabilidade Política. O processo de independência brasileira foi militarmente bastante passivo, o que se deu fundamentalmente pelo reconhecimento inglês da validade de tal processo, e isto, como visto no capítulo VII, decorreu da aceitação do governo brasileiro dos benefícios econômicos oferecidos pelos portugueses aos anglos. A situação interna não comportaria outra atitude: a conquista da independência por vias militares certamente tenderia à completa desagregação territorial, exatamente como ocorrera no processo de independência das colônias espanholas, isto porque as regiões não estavam ainda suficientemente interconectadas economicamente, o que permitia a cada uma delas possuir uma elite local com interesses próprios. Tendo reconhecido, por necessidade, os privilégios econômicos dos ingleses no mercado brasileiro, a nova classe politicamente dominante dos grandes proprietários de terra (que consolidariam suas posições ainda mais fortemente em função da queda do poder personalista de D. Pedro I, em 1831) herdava o passivo colonial. As tensões geradas entre os interesses ingleses e os da classe agrícola brasileira tenderiam a agravar-se durante todo o primeiro século da independência: a Inglaterra buscava um liberalismo unilateral, ou seja, visava a criar no Brasil um mercado potencial para sua indústria crescente, mas não tinha nenhum interesse em abrir mercados para os produtos tropicais de exportação brasileira, uma vez que estes concorreriam diretamente com as possessões antilhanas da Inglaterra; um exemplo claro deste conflito de interesses emerge da querela sobre a permissão e legalidade do tráfico negreiro ao longo de toda a primeira metade do século XIX. Além do passivo colonial, o Brasil enfrentava sérias dificuldades financeiras. Não havendo sido estabelecido um sistema tributário suficientemente robusto, as atividades do governo central eram financiadas principalmente pelas tarifas aduaneiras cobradas. No entanto, estas haviam sido estabelecidas em níveis favoráveis aos ingleses, de tal forma que a arrecadação do governo tendia estar muito aquém das despesas efetivas. O início da dívida pública deste período teve origem justamente na cooptação de recursos para financiar o governo. Além disso, processou-se a emissão de papel-moeda, mais que duplicando o meio-circulante à época, o que teve o efeito perverso de desvalorizar a moeda nacional, encarecendo as importações e empobrecendo a população das áreas urbanas. Some-se a estas dificuldades econômicas diversas a péssima conjuntura internacional nos mercados dos produtos tropicais exportados pelo Brasil (dados que os impulsos momentâneos que tanto alentaram, por exemplo, a economia maranhense em fins do século XVIII haviam deixado de existir) e ter-se-á uma perspectiva capaz de explicar a profunda instabilidade política do período, com as muitas revoltas regionais.