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História Econômica do Brasil Caio Prado Jr. Capítulo 21 – Apogeu de um Sistema. Os primeiros anos da república são marcados por um intenso progresso econômico e material no Brasil, impulsionado, uma vez mais, pela exportação de gêneros primários da agricultura tropical. Para este largo desenvolvimento, concorreram fatores externos e internos importantes. Internacionalmente, as demandas dos centros europeus e dos EUA aumentavam continuamente em função de seu desenvolvimento industrial e do aumento do nível de renda de sua população; além disso, as linhas do crédito internacional desenvolveram-se muito mais profundamente, impulsionadas pela maior e melhor organização internacional dos sistemas financeiros e comerciais. No Brasil, além do federalismo que permitia aos Estados tratarem mais eficientemente de seus interesses econômicos (sobretudo pela solução finalmente alcançada para caso da escassez de mão-de-obra após a extinção do tráfico), a República instaurou uma nova classe dirigente, dicotômica em relação à classe politicamente dominante no império: enquanto anteriormente os interesses econômicos eram relegados ao segundo plano (tendo sido, por exemplo, “Mauá incluído no índex da nação somente porque, como deputado, ousara defender no Parlamento interesses privados”), agora predominaria a racionalidade econômica que veria no Estado um instrumento poderoso para a condução de interesses econômicos. Tal processo de expansão concentrar-se-á, como visto, nos gêneros tropicais de exportação. O que é inédito, no entanto, é a participação cada vez maior do capital internacional no desenvolvimento destas atividades, crescendo, concomitantemente a elas, os interesses de comerciantes, financistas e especuladores internacionais. Além disso, o Brasil levará a cabo um processo de radicalização na especialização de sua produção econômica: o café assumirá, durante os primórdios da República, a posição central na vida econômica e política do país, sobretudo pelo controle que o país tinha deste produto no mercado internacional. Apesar da euforia deste desenvolvimento, era bastante óbvio assentar-se ele em bases muito frágeis, extremamente dependentes que eram das conjunturas internacionais. As crises do café e seu colapso na década de 1930 revelarão impossível a propagação continuada dessas características econômicas do país. Além disso, os profundos problemas financeiros e monetários por que passou o país evidenciaram a necessidade de diversificação da produção, seja para diminuir a fragilidade frente a um único produto, seja para fazer cair as excessivas importações. Assim, é nesse período de grande desenvolvimento que se gestam, das contradições do próprio sistema, os requisitos para sua evolução posterior. Para o desgaste desta estrutura econômica tão fortemente enraizada e tão perfeitamente enquadrável no “sentido da colonização” de Caio Prado, concorrerá, além da fragilidade supracitada, a introdução do trabalhador livre. A instabilidade da mão-de-obra nunca fora um problema nos três séculos de emprego de trabalho cativo no país. No entanto, o imigrante, solução para a escassez relativa de força de trabalho que se observou no país após a extinção do tráfico, era livre, tendo a possibilidade de deixar a fazenda em que estava empregado para buscar melhor alternativa em outras propriedades ou mesmo adquirir suas próprias terras ou negócio próprio, o que não era muito difícil na região cafeeira paulista, que se dinamizava profunda e rapidamente. Além disso, esta massa de trabalhadores livres cresce continuamente, sobretudo pela entrada crescente e continuada de novos imigrantes; assim, apesar de tentarem reter os trabalhadores pelo sistema de endividamento destes, os fazendeiros, a pouco e pouco, vêem-se confrontados pelo maior poder social e político que a nova massa trabalhadora obtém, sobretudo pela necessidade de reformas ao trabalhador rural a que se vê forçada a administração pública. “Em suma, a substituição do trabalho escravo pelo livre determinará para a grande propriedade [relacionada intrinsecamente à produção pra exportação] contingências muito graves e que ameaçarão seriamente sua solidez”. A mobilidade da mão-de-obra, sua instabilidade, os conflitos sociais que podia gerar eram todas ameaças reais à estrutura estabelecida. Além disso, o trabalho livre chega a atingir diretamente a margem de lucros da grande propriedade, determinando sua capacidade econômica de operar: “a necessidade de concorrer num mercado livre de trabalho, a pressão por melhoria de salários e condições gerais de vida do trabalhador, afetarão gravemente a base financeira das explorações de menor rendimento, apressando o seu colapso”. Esta seria uma das causas pelas quais, por exemplo, extinguiram-se muitas fazendas de café no Vale do Paraíba e em Minas Gerais, uma vez que os custos com mão-de-obra não podiam ser arcados por eles. Capítulo 23 – Expansão e Crise da Produção Agrária. A produção agrícola brasileira continuará no sentido que a colonização estabeleceu: são produtos tropicais primários para exportação, de tal forma que as regiões brasileiras tendem a manter um contato maior com o setor externo que entre si. a. O Café. É na República que o café encontra o zênite de sua expansão iniciada já no Segundo Império e é no regime republicano que vem a classe dos cafeicultores impor a racionalidade econômica da política a que Prado se refere no capítulo anterior. A expansão cafeeira deu-se essencialmente no estado de São Paulo, enquanto que as áreas mais antigas, sobretudo no Vale do Paraíba, no RJ e em MG, tiveram uma tendência declinante. Para o sucesso desta expansão (SP controlava, na década de 1920, 60% da produção nacional) além das excelentes características naturais que o produto encontrou nessas novas regiões do oeste paulista, concorreu fundamentalmente a solução do problema da mão-de-obra e a introdução do trabalhador livre, apesar de o processo de cultivo e colheita ainda permanecer rudimentar mesmo com essa nova mão-de-obra (melhorias tecnológicas foram introduzidas apenas no beneficiamento do produto). A evolução da economia cafeeira, no entanto, seria de tal ordem que levaria a contínuas crises de superprodução, revelando que o sistema gestava em si as contradições para sua superação, ou seja, para sua substituição por outros arranjos econômicos. A primeira crise de superprodução mostraria sua face já em 1896, mas, dada suas proporções limitadas, pôde ser controlada por operações de desvalorização cambial. No entanto, a segunda crise, de 1906, requereu medidas mais profundas de intervenção, que culminariam, a partir dos excessos recorrentes de super-safras de 1925, com a destruição dos estoques. Um aspecto importante a ser ressaltado da perspectiva de Caio Prado é que as políticas de valorização do café foram motivadas mais pelos interesses dos especuladores internacionais do café que pelos próprios cafeicultores. Segundo sua visão, eram os especuladores e os comerciantes quem realmente lucravam com toda a política de valorização porque mantinham algum estoque do produto quando os preços estavam em baixa, conseguiam comprar ainda alguma quantidade dos cafeicultores ainda durante esta baixa (uma vez que estes careciam de liquidez para sanar suas dívidas e os custos da produção) e posteriormente beneficiavam-se largamente dos preços aumentados pela valorização; assim, lucravam na compra e venda do café, e ainda eram responsáveis por financiar toda a operação, recebendo na seqüência todos os serviços da dívida a serem pagos, em última instância, pelos próprios cafeicultores. Isso explica, por exemplo, o interesse de casas comerciais alemães, francesas, americanas e mesmo dos Rothschild, inicialmente relutantes, em apoiar todo o processo de valorização. Se é certo que os cafeicultores se beneficiavam com a valorização, não é menos certo que este benefício era menor que o dos especuladores internacionais e, pior, era apenas esporádico: a valorizaçãoestimulava ainda mais a superprodução, que seria a responsável por sua completa aniquilação, que não tardaria a vir após o crack da Bolsa de NY, ainda que o sistema de valorização tenha evoluído para assumir bases políticas (mas sempre ancorado nos interesses financeiros, comerciais e especulativos internacionais). b. A Borracha. A grande demanda por borracha iniciada na década de 1890, em função de sua utilização para o fabrico de pneus para a crescente indústria automobilística, estimularia fortemente a sua exploração na região amazônica, concentrando-se no Pará, no Amazonas e, posteriormente, no Acre, regiões em que se encontravam as maiores reservas nativas de seringueiras do mundo. O problema da mão-de-obra, agudamente escassa na região da floresta, foi solucionado pela grave seca que se abateu sobre a região nordestina entre 1877 e 1880. Uniam-se, assim, o pólo repulsivo de força de trabalho e o demandante daquele fator escasso, resolvendo quase que de imediato aquele problema. A extração, no entanto, sempre empregou métodos extremamente rudimentares e não foi difícil ao seringalista, proprietário das terras, prender o seringueiro em um regime de dívidas. Afastado como estava de qualquer centro urbano ou atividade econômica, o seringueiro tinha apenas um eventual contato com o centro da propriedade em que trabalhava e no qual dispendia todo o salário recebido – e quando não o fazia, acabava enganado pelas contas do seringalista. Nota-se, de início, que este regime extrativista não se podia manter por muito, dado sua precariedade e pela pouca racionalidade econômica da exploração. Assim, o crescimento da demanda foi acompanhado tanto de um esgotamento das reservas naturais mais facilmente exploráveis quanto do emprego do capital inglês e norte americano em colônias e áreas de influência, de forma que a concorrência da borracha oriental logo desbancará esta era de ouro do Amazonas, deixando para trás apenas ruínas: “é claro que desfeito o castelo de cartas em que se fundava toda essa prosperidade fictícia e superficial, nada sobraria dela [daquela sociedade organizada em torno da borracha]”. c. Cacau. A extração do cacau foi a principal atividade da Amazônia durante todo o período colonial. No século XIX, com o desenvolvimento da indústria do chocolate, no entanto, a produção foi transferida para o sul da Bahia. Em tudo tal processo extrativista se assemelha à borracha, mas em menor escala. É assim que sua força de trabalho advém dos nordestinos migrantes e que a produção decairá em função da concorrência em colônias que contavam com o capital anglo-americano. Assim, “se não conheceu um desastre igual ao sofrido” pela indústria da borracha, a extração cacaueira “também não ultrapassará uma obscura mediocridade”. d. Açúcar. Após a posição de destaque que assumiria a atividade açucareira ao longo dos primeiros períodos da colonização brasileira, tenderia tal produção a declinar constantemente sua participação no mercado mundial, sobretudo pelo desenvolvimento da concorrência internacional, utilizando-se de métodos produtivos e equipamentos muito mais modernos e embutidos no contexto da revolução industrial. Frente a esta concorrência, não havia alternativa para o produtor do açúcar além de contentar-se com o reduzido mercado interno, sobretudo para a região dinâmica daquela economia, ou seja, a da expansão da fronteira cafeeira. Vale ressaltar que, em decorrência das sucessivas crises do café, o Estado de São Paulo acabaria por engajar-se na produção sucroalcooleira, o que significaria ainda outro rude golpe naquela economia nordestina. É apenas no século XIX que a atividade açucareira do nordeste dará os primeiros passos rumos à modernização, com a instalação de usinas de açúcar em substituição aos antigos engenhos. Neste novo contexto, a antiga unidade produtiva do engenho acabou desmembrando-se, de forma que se tornaram apenas fornecedoras de cana-de-açúcar para os engenhos. Mas o processo não termina aí: dada a pouca regularidade na entrega dos insumos, as usinas passaram a comprar as terras e passarem a produzir elas mesmas a cana de que necessitavam, de forma que existia uma tendência ao desaparecimento completo dos antigos engenhos através de sua incorporação total pelas usinas, o que apenas não ocorreu mais rapidamente em função do poder político ainda retido por alguns membros daquela elite açucareira decadente. e. A Pequena Propriedade. A pouco e pouco, conforme visto no capítulo anterior, a grande propriedade rural seria rompida para dar lugar à mais complexa economia de pequena propriedade. Tal processo era fruto do crescimento demográfico pressionando por terras, das sucessivas partilhas hereditárias e das crises dos produtos de monocultura extensiva. No entanto, o principal fator que competiu para o declínio da antiga estrutura fundiária foi a presença do imigrante. Como forma de estímulo à imigração, a concessão de terras foi uma característica inicialmente peculiar daquele sistema, embora tenha sido fortemente limitada na maioria dos casos, pois, como visto, o objetivo fundamental da imigração era o provimento de força de trabalho para a lavoura que via o trabalhador escravo crescer em escassez relativa. No entanto, a força desestabilizadora da grande propriedade estava posta. A maior parte dos pequenos agricultores imigrantes estabeleceu-se em terras impróprias ao cultivo do café ou que já haviam sido tão intensamente utilizadas para sua produção que a reprodução da cultura era economicamente inviável. Além disso, as crises sucessivas do café e a posterior bancarrota de muitos dos barões cafeeiros acabaria conduzindo ao loteamento das grandes áreas, que agora passavam a produzir artigos de abastecimento, como verduras, frutas, flores, aves, ovos etc.. Apesar da qualidade inferior da terra de que geralmente podiam dispor (já desgastadas pela cultura cafeeira), os imigrantes contavam com o crescimento dos centros urbanos enquanto fontes de demanda para seus produtos, o que era catalisado pelo próprio processo de imigração, que inflava os centros urbanos e aumentava suas necessidades. O “difícil, lento, mas seguro” progresso da pequena propriedade “representa um golpe profundo desferido na estrutura tradicional do Brasil”. Agora não se tratava de produzir bens para exportação, mas de produzir-se voltado ao mercado interno, o que o dinamizará e será fundamental na substituição de importações de produtos de primeira necessidade (vale ressaltar que até a metade do século XIX, 30% das importações brasileiras eram de alimentos, o que pode um parecer paradoxal quando não se considera o caráter de monocultura daquela economia essencialmente agrária). Capítulo 24 – A Industrialização. Há um enorme hiato entre as primeiras indústrias que se começaram a instalar no Brasil no século XIX e as que efetivamente se desenvolveram já em fins daquele século e início do XX. Em primeiro lugar, a abertura dos portos significou o aniquilamento de qualquer possibilidade de desenvolvimento industrial brasileiro. Outras sérias dificuldades impunham-se ao estabelecimento efetivo e sustentado da indústria: carência da principal fonte de energia motora da industrialização, o carvão, falta de uma indústria siderúrgica de base e, principalmente, a inexistência de um mercado consumidor interno de vulto, o qual se encontrava muito voltado às importações e era fragmentado nas diversas regiões economicamente autônomas do país. O posterior desequilíbrio continuado das contas externas da nação (o que evidenciaria o problema de se importar bens de primeira necessidade), o aumento das tarifas sobre produtos importados (primeiro para cobrir déficits da balança comercial e depois com o objetivo definido de defender a indústria) e a existência de uma mão-de-obra relativamente grande (Prado Jr. argumenta que os não-escravos sempre estiveram à margem do sistema de exploração na grande lavoura escravista e que, portanto, constituíam uma reserva barata de mão-de-obraà qual vieram somar-se depois os imigrantes em grande número e com enormes vantagens e conhecimentos técnicos) são fatores fundamentais para o desenvolvimento inicial da indústria brasileira já no período Republicano. A indústria crescerá significativamente nas três primeiras décadas da República, impulsionada, no período, principalmente pela I GM, que dificultara as importações e tornara os países beligerantes novos pólos demandantes de produtos industrializados, sobretudo de alimentos beneficiados. Assim, o número de indústrias passa de pouco mais de 3.000 em 1907 para quase 13.500 em 1920, tendo sido cerca de 6.000 fundadas entre 1914 e 1919. Ligadas principalmente às atividades têxteis e alimentícias, as indústrias brasileiras do período têm características muito peculiares. Em geral, são pequenas propriedades individuais ou familiares para o beneficiamento de alguma matéria-prima, com caráter técnico significativamente primitivo quando comparada com a indústria desenvolvida nos centros europeus e norte-americanos. Além disso, apesar de localizarem-se sobretudo nos estados Ed SP, RJ e RS, são pouco concentradas, estabelecendo-se cada qual próxima a um pólo demandante e sem grande concorrência entre si – em épocas de crise, os industriais, diferentemente do espírito animal da concorrência capitalista, chegam a realizar divisões de mercado entre si para mútuo benefício. Assim, as indústrias geralmente não concorrerão, nesta fase inicial, pela demanda, mas será o inverso o que realmente se verificará: de modo a substituir suas importações, mais caras e desequilibradas em função das diversas políticas cambiais assumidas em todo o período republicano, os consumidores nacionais serão fontes seguras e estáveis de demanda para uma indústria que, portanto, não terá incentivos à evolução técnica. Logo, não se opera no Brasil o processo de ampla concorrência e decorrente concentração da produção que caracterizou o desenvolvimento industrial dos centros europeus e ianques. Cabe analisar, por fim, o processo de capitalização desta indústria. Não havia no país um mercado financeiro organizado: toda a já pequena poupança privada acabava cooptada pelo Estado para seu próprio financiamento. Assim, aquelas indústrias iniciariam suas atividades e as manteriam fundamentalmente com capital próprio. Assim, o capitalista mais comum no Brasil ou advém de pequenos poupadores individuais que iniciaram alguma atividade e a desenvolveram com as inversões dos lucros obtidos na própria atividade (como é o caso das famosas indústrias Matarazzo, Crespi, Jaffet etc.), ou advém de outras atividades, como o café. A análise de Prado é aqui interessante por diferir completamente da de Furtado; enquanto para este a crise de superprodução do café decorreu da inexistência de fontes alternativas em que empregar o capital obtido na cafeicultura, Prado afirmará que “quando depois de 1907, o café produzia larga margem de proveitos graças à política de valorização, mas o seu plantio estava limitado e havia o perigo da recorrência da crise, muitos daqueles lucros foram aplicados na indústria que efetivamente, depois de 1910, se desenvolve com rapidez”. Frente a estas características, é facilmente compreensível que aquela base industrial nacional era extremamente frágil: tecnicamente inferior, sua sorte estará ligada principalmente a fatores exógenos, como o comércio externo (a melhoria do comércio internacional no pós-guerra representará uma forte queda da demanda pelos produtos da indústria nacioal), o estado das finanças públicas e o ritmo das emissões de moeda nacional. Apesar destas sérias dificuldades, o período marca-se pelo desenvolvimento inicial da indústria nacional e também se caracterizará, principalmente após a IGM, pelo afluxo de empresas internacionais para o Brasil, sobretudo das norte-americanas, que geralmente já tinham um mercado consolidado no país para as exportações que realizava para cá e vinham com o intuito de driblar as barreiras alfandegárias e de aproveitar-se de mão-de-obra mais barata. Foram muito variados os tipos da indústria “subsidiária” (como as chama Caio Prado por serem filiais das matrizes externas) e a importância delas marcar-se-á principalmente por terem iniciado uma indústria de base no país, inclusive para a formação de fornecedores internos de maquinaria.