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Economia e Sociedade em Minas Gerais (Período Colonial) Francisco Vidal Luna A descoberta das zonas auríferas no sertão de Minas Gerais deveu-se principalmente às atividades dos bandeirantes paulistas: dedicando-se às bandeiras de aprisionamento de indígenas, os sertanistas podiam dedicar-se também à uma atividade exploratória subsidiária; assim, mesmo que falhassem em encontrar o ouro, podiam continuar procurando, já que o sucesso de uma bandeira dependia, na verdade, de encontrar, aprisionar e exportar como mão-de-obra para outras regiões os índios. O longo tempo transcorrido entre o início da atividade bandeirante e a efetiva descoberta das minas deveu-se tanto às características naturais do ouro brasileiro, encontrado no muito distante sertão, quanto pela inexperiência técnica dos paulistas na atividade mineratória (ressaltar a idéia do professor Motta de que a data oficialmente divulgada como o início da atividade exploratória pode não ser a data em que efetivamente iniciou-se a exploração aurífera). Tendo sido descoberto, o ouro atuou como um imenso atrativo demográfico. Pode-se verdadeiramente falar de uma corrida às minas, tanto de reinóis quanto de indivíduos advindos de outras regiões da colônia: o ouro brasileiro, de aluvião, permitia que a exploração fosse realizada em a necessidade de grandes investimentos – nas situações limítrofes, uma única pessoa com sua bateia poderia explorar o recurso per se, até que eventualmente viesse a acumular capital suficiente para comprar seus próprios cativos, ou seja, diferentemente da situação determinada pela lavoura canavieira, na mineração não se fazia necessário oferecer enormes incentivos para que a colonização fosse levada adiante. Temendo o enfraquecimento econômico e militar de outras regiões da colônia, e também receando perder o controle da situação, o governo português buscou restringir a onda imigratória, criando um corpo jurídico e administrativo para a região mineira. Tendo monopolizado o direito de distribuição das datas, a Coroa passou a exercer o controle fiscal sobre a atividade. O interessante a ser notado é que, diferentemente da lavoura canavieira, a mineração não estava baseada no tripé da grande propriedade, escravidão extensiva e monocultura. As lavras eram distribuídas de acordo com a quantidade de escravos possuída e tal processo de distribuição visava a intensificar a atividade exploratória. Para estimular a arrecadação fiscal, era mais interessante à metrópole conceder aos interessados pequenas lavras para serem intensamente exploradas pelos cativos. Além disso, a coroa estabeleceu que uma segunda lavra poderia ser concedida apenas quando o proprietário tivesse esgotado os recursos da primeira; esta jurisdição promovia um grande incentivo para que, dada a inicial disponibilidade de lavras, os indivíduos aumentassem o mais possível a produtividade de seus escravos. Estabelecida a atividade mineratória, foi necessário desenvolver localmente uma série de obras de infra-estruturas. A construção de estradas que interligassem aquela região remota aos portos, a criação de dutos para transporte de água utilizada no desbaste dos morros onde havia ouro, o desvio de cursos de água para a exploração do veio e muitas outras obras civis foram levadas a cabo, novamente com a utilização intensiva de mão-de-obra escrava. O interessante da sociedade que se fundamentou nas Minas Gerais é sua peculiaridade frente ao modelo tradicional de colonização que se tem em mente. Já observamos que a grande propriedade não foi a regra na atividade exploratória. Além disso, a estrutura de posse de escravos (bem como a relação senhor/escravo) e a relativa dinamicidade das atividades econômicas são marcos certamente diferenciadores da atividade mineira. Evidências empíricas demonstram que o número modal de escravos possuídos pelos donos das lavras era de um ou dois negros. O número médio de escravos por proprietário ficou entre 3,7 e 6,5 durante todo o período da atividade mineira (tanto em sua ascensão quanto em sua queda). Assim, em uma sociedade na qual a riqueza podia ser medida pelo número de escravos possuídos, observa-se uma distribuição relativamente uniforme, ou pelo menos muito melhor do que em outras áreas do país. De início, predominavam os negros do sexo masculino, entre 18 e 45 anos, advindos sobretudo da África; com o posterior amadurecimento da atividade e finalmente seu declínio, observou-se o relativo equilíbrio natural entre escravos do sexo masculino e feminino, com idades muito mais variadas e nascidos principalmente na própria colônia. Outra característica marcadamente notável da mineração foi o elevado número de ex-escravos que possuíam, agora libertos, seus próprios cativos. Os forros formavam, em Serro Frio (1838) 22,2% dos proprietários de escravos (controlavam cerca de 10% do total de escravos), número muito semelhante, por exemplo, em Congonhas do Sabará, onde 21,7% dos proprietários de escravos eram ex-escravos. O ouro de aluvião e a característica de pequena data mineral concedida pela Coroa com o intuito de maximizar sua arrecadação fiscal podem explicar a predominância do pequeno número de escravos por propriedade. A grande quantidade de forros, por sua vez, muito possivelmente é explicada pela relação diferenciada entre senhor e escravo nas minas. Apesar de todo o controle e vigilância sobre o cativo, a forma mais eficiente e simples para que este maximizasse sua produtividade e não incorresse no contrabando era fornecer-lhe incentivos; não eram raros os casos em que o negro era alforriado após encontrar diamantes de certas proporções, além disso, eram freqüentes os casos em que se autorizava o escravo a dedicar-se por algumas horas à extração de metais para seu próprio benefício. Por fim, a atividade mineratória não se desenvolveu como uma “monocultura”, mas teve bases econômicas muito mais diferenciadas. Em primeiro lugar, a localização das minas dificultava em larga escala as importações (tanto a partir da metrópole quanto de outras áreas da colônia, embora as relações estabelecidas com os demais mercados coloniais tenha sido uma das decorrências mais importantes da atividade mineira); em segundo lugar, a atividade mineratória tendia à especialização: o mais comum era que os cativos fossem utilizados exclusivamente na extração – as atividades de cultivo de alimentos deviam ser realizadas fora das minas; em terceiro lugar, o imenso fluxo migratório criou pólos demandantes cada vez maiores, que se intensificaram ainda mais quando da intensificação do processo de urbanização. Neste contexto, surgiram nos núcleos urbanos diversas atividades artesanais (ainda que controladas pelos olhos bem atentos da metrópole) e prestações dos mais variados serviços. De forma geral, “[...] embora em princípio a economia mineira tendesse a adquirir uma estrutura voltada totalmente à ‘monocultura’ extrativa, sua própria dinâmica de crescimento levou ao surgimento de variadas atividades, não ligadas diretamente à mineração, embora dependessem desta para sua sobrevivência”. (nota: observar que Luna certamente diverge da idéia pradiana de um sentido da colonização estrito para a mineração; no entanto, esta última frase parece evidenciar ainda sua relação com o paradigma predominante).