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Ciências Sociais – Maquiavel – Resumo, anotações e resposta às questões. Texto 2 – Isaiah Berlin Qual a crítica de Isaiah Berlin à idéia de que Maquiavel “separou a moral da política”? A crítica reside no fato de que Maquiavel não separou a moral da política como sendo duas esferas autônomas de ação. O que ele fez foi diferenciar esses dois termos como sendo duas moralidades específicas, incompatíveis entre si: a pagã e a cristã. A primeira contendo os deveres morais (realização pública, disciplina, ordem, justiça etc.) intrínsecos ao homem como ser social, e a segunda, virtudes no sentido mais tradicional, que pregam o amor a Deus, o perdão e a misericórdia acima de qualquer outra realização terrena. Em resumo, trata-se de um conflito entre duas moralidades concorrentes, ao invés de um embate entre uma esfera autônoma de meios (política) e outra de fins (moral). [pgs. 314, 323]. Por que razão, com base na moralidade cristã, nenhuma comunidade satisfatória poderia, em princípio, ser construída? 338, 315, 318, 319, 320, 328 Nenhuma comunidade satisfatória poderia ser construída com base na moralidade cristã pois esta não faz uso da verità effetuale, ou seja, não analisa a realidade como ela é, mas sim do modo como se gostaria que fosse, idealizada. Uma comunidade satisfatória deve ser capaz de conter os vícios de seus cidadãos com a mão firme de um governante que, se necessário, abrirá mão de seus escrúpulos e fará o que for necessário para manter a vitalidade do Estado, mesmo que para isso precise “pisar sobre os ossos de inocentes”. A moralidade cristã, marcada pela bondade e pelo perdão, age com base no imaginário e no impraticável, exigindo mudanças em grau fantástico por parte dos homens, o que Maquiavel vê como um ato de irresponsabilidade que leva à ruína. Aqueles que tentarem seguir essa conduta serão de imediato engolidos pelos realistas, capazes de enxergar o homem como é e tomar as medidas necessárias para contê-lo. É uma moralidade incompatível com os fins sociais que ele julga natural e prudente que os homens procurem. [pgs. 315, 318-20, 328, 338]. Por que razão “escolher uma vida cristã é reduzir-se à impotência política? Escolher uma vida cristã é condenar-se à impotência política à medida que envolve a adoção de uma mentalidade que prega mais o ato de tolerar as injúrias do que o de vingá-las. Os ensinamentos cristãos tendem a esmagar o comportamento cívico dos homens, obrigando-os a suportar humilhações, oferecendo pouca resistência aos déspotas. Conseqüentemente, tais homens acabam por se tornar fracos, vítimas de “homens maus”, ressaltando o quanto essa fé é incompatível com a ética política. [pg. 316]. “A linha entre o cinismo (e até mesmo o pessimismo) e um realismo sólido às vezes não é fácil de ser traçada.”. Você acha que a visão de Maquiavel sobre a política é cínica (do tipo: vale tudo, desde que seja para manter o poder do Príncipe)? Acho que não. Maquiavel não inverte a ordem dos valores tradicionalmente aceitos: vícios são vícios e virtudes são virtudes. Jamais afirma que assassinar e dissimular, por exemplo, são ações boas, mas diz de fato que são honrosas, caso utilizadas em vista da necessidade de manter a ordem e o poder. Os atos cruéis de um governante, por si só, não são louváveis, mas se inseridos num contexto de salvação do país, justificam-se, e é essa salvação o ponto mais importante do autor. As virtudes cristãs, para ele, seriam bem vindas à vida em sociedade se os homens fossem bons, mas por natureza, não o são. Sua covardia, ganância e velhacaria exigem a tomada de medidas enérgicas de vez em quando, e cabe ao governante aceitar essa condição, escolhendo no momento adequado qual moralidade irá seguir. Além disso, Maquiavel declara que o mero desejo de poder é destrutivo, e leva à tirania. O poder deve ser utilizado como instrumento de manutenção de um Estado saudável e vigoroso. Sua preocupação jaz sobre os assuntos públicos, a segurança, glória, força e felicidade sobre a terra, e se as qualidades do leão e da raposa são o único meio de se atingir esses fins – os interesses mais desejados pelo homem – vale tudo. [pgs. 318, 320, 321, 331]. Por que um governo que seguisse princípios morais cristãos levaria o Estado à destruição? Basicamente o que foi dito nas questões 2 e 3. E mais: “Pode-se salvar a alma ou pode-se fundar ou manter um grande e glorioso Estado; mas nem sempre as duas coisas ao mesmo tempo.” [pg. 319]. Na visão de Berlin, a política é amoral? De forma alguma. A política, além de ser um jogo de habilidades, possui um universo moral bem distinto da moralidade tradicional. Pode ser vista e julgada tanto do ponto de vista da moralidade cristã quanto de sua própria moralidade. No primeiro caso, os príncipes, ao matar, enganar e trair, estão cometendo atos ruins, e Maquiavel surpreende por jamais negar isso. No segundo caso, tais atos continuam sendo ruins (quando avaliados independentemente), mas inseridos no contexto político, tornam-se racionais, necessários. [pgs. 325, 332-3]. Qual a diferença entre “valores instrumentais” e valores “morais e últimos”? Valores instrumentais são aqueles atribuídos à política como sendo mero conjunto de habilidades técnicas, que não necessariamente avalia se as ações derivadas de tais técnicas são desejáveis ou não. Os valores morais e últimos (valores de Maquiavel) são aqueles buscados por si mesmos, e pelos quais nenhum sacrifício é julgado demasiado grande, desde que pelo bem-estar da pátria. [pgs. 322, 326]. A sociedade poderia existir sem a política? Por quê? 322 309 Não, pois a sociedade é composta por homens diferentes que perseguem fins diferentes. Para que essa busca por objetivos particulares seja possível, são necessários governos, visto que não há, para Maquiavel, uma “mão oculta” que insira todas as atividades humanas numa harmonia natural. Através da política, os governantes conseguem oferecer segurança, estabilidade, proteção contra inimigos e instituições que conciliem os diversos interesses dos grupos que compõe a sociedade. Além disso, a conduta política é intrínseca ao homem em determinado estágio de civilização, de modo que aqueles que preferem a vida privada não podem se dar ao luxo de se absterem dela, sob o risco de serem ignorados ou destruídos. [pgs. 309, 322]. Por que, para Maquiavel, é impossível construir até mesmo a noção de uma sociedade perfeita? 311 312 É impossível construir até mesmo a noção de uma sociedade perfeita porque esta se basearia em ideais, e o problema dos ideais é que eles não podem ser alcançados. Partindo do pressuposto de que existe uma natureza humana desfavorável à coesão social, Maquiavel enxerga limites até onde o homem pode ser “melhorado”, e a partir daí, ruma para a condição de sociedade mais desejável a ser atingida. Há que se considerar também o fato de que é preciso que os homens escolham qual das moralidades seguir: a cristã ou a pagã. E nessa escolha, geralmente ficam num caminho intermediário que acaba por ser fatal. Não podem ser inteiramente bons ou inteiramente maus, e esse meio termo faz com que revelem suas fraquezas e sejam esmagados. E se por um acaso o indivíduo consegue se entregar completamente aos valores cristãos, é de se esperar que não encontre força e virilidade para construir um Estado forte e duradouro. Em contrapartida, se abre mão totalmente de seus escrúpulos, o que garante que não se transforme em um tirano? Portanto, é essa necessidade de escolha que impede o progresso absoluto das sociedades, e revela o quanto as duas moralidades são incompatíveis tanto na prática como em princípio. [pgs. 311, 336, 338]. O que Berlin quer dizer com “nem todos os valores últimos são compatíveis uns com os outros”? 339 336 Basicamente, quer dizer que há a possibilidade de que não haja apenas uma solução correta e objetivamente válida para a questão de como os homens devem viver. Pode existir uma variedade de objetivos diferentes para homens diferentes em circunstâncias dessemelhantes. Berlin: “poderia haver um obstáculo conceitual (...), à noção de uma única solução final que, se ao menos fosse realizada, estabeleceria a sociedade perfeita. [pgs. 336, 339-40]. Qual o pressuposto principal do pensamento ocidental que Maquiavel contribui para solapar? O pressuposto é o de que em algum lugar deve ser encontrada a solução final da pergunta sobre como os homens devem viver. [pg. 345]. Como, partindo de Maquiavel, Berlin acaba seu texto fazendo uma apologia da tolerância? Berlin faz essa apologia dizendo que Maquiavel, ao propor a existência de fins últimos irreconciliáveis e incompatíveis, abriu caminho para que os homens, percebendo que teriam de tolerar uns aos outros, passassem a valorizar a diversidade, tornando-se céticos sobre soluções definitivas nos assuntos humanos. Essas foram as bases do liberalismo que o próprio Maquiavel teria condenado por sua carência de virtù, mas mesmo assim ele é considerado como um dos criadores do pluralismo e de sua aceitação. [pg.347-8].