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o MENOR EMPRESÁRIO NA SOCIEDADE LIMITADA UNIPESSOAL Natália Cristina Chal'es I Sumário: 1. lllfrodllçiio. 2. Formas de /imifardo da respo/lsahilid(/de do empresário indil'idua/: 2.1 O C(lSO específico do Brasil. 3. O me/lor cmpresário 1/(/ sociedade /in/irada l/Ilipessoa/: 3.1 O frafalllellf() do lI1('11or elllpresário anres do Código Cil'i1 de 2002: 3.2 Exegese do art. 974 do Código Cil'i/ de 2002; 3.3 AlItori~(/çao para (I cOIlfim/arâo da empresa: 3.4 DiSSO/lição da $ocied(/de Iímitoc!a lIlIipes.wal de caráter tral1sitório e li 1'olltil1l/oÇ(10 da elllpre,w. 4. Conc/ltscio. 5. Referências. INTRODUÇÃO o estudo acerca da sociedade uni pessoal e, mais precisamente, so a sua existência, ainda que transitória, com um sócio menor, é fasci não apenas por envolver uma interdisciplinaridade jurídica, mas ~;,também. por revolucionar noções societárias básicas no Direito brasileiro. Alguns doutrinadores brasileiros, influenciados pelo pensamento jurídico dominante em países como a Alemanha, já em meados do século passado, sustentavam a viabilidade da permanência da sociedade com um sócio, prestigiando o princípio da preservação da empresa e IIT'><'t., ... rI~ a visão contratualista da sociedade. E prestemos, neste ponto, uma homenagem a João Eunápio Borges, ialista mineiro de escol que, ao contrário da maioria dos colegas Mestmnda em Direito Empresarial pela Faculdade de Direito da UFMG. Professora-Assistente de Direito \CIlIPresaríal no Uni-BH e na Faculdade de Direito Padre Arnaldo Jansen. Advogada, de Direito Empresarial. Curitiba, n, 2005 143 Natália Cristina Chaves de seu tempo, defendia, com veemência, a possibilidade de existência uma sociedade limitada reduzida a um sócio, mesmo que transitoria mente. Aliás, o eminente jurista deu um passo adicional no sentido da visão institucional das sociedades limitadas, posicionando-se favoravel mente às sociedades limitadas sem sócio algum~. Se com relação à limitação da responsabilidade do empresário dividual, pela fórmula não societária, não havia qualquer reconhecimento legislativo no Direito brasileiro, antes do Código Civil de 2002, no que tange à sociedade unipessoal com responsabilidade limitada, duas con cessões já eram feitas no âmbito da Lei das Sociedades por Ações (Lei das S/A): a primeira delas consistia na admissão da subsidiária integral, constituída por um único sócio'; a segunda concessão correspondia à tolerância da unipessoalidade superveniente durante um período transitó rio, equivalente ao interregno de uma assembléia geral ordinária e a do ano seguinte.!. Paralelamente, há que se falar na __~nma:~", J,llíb1jca, cuja definição normativa como entidade também viabilizava a sua existência sob o ca ráter de sociedade unipessoal'. 2 "E, embora correndo o risco de escandalizar a muitos, dou convictamente um passo a mais no caminho da instituc/onalização da sociedade por quotas de responsabilidade limitada; entre nós ela poderá existir ocasio nalmente, não apenas com um sócio único, Mas, sem qualquer sócio", POdendo ela adquirir as próprias quotas, nos têrmos do art. 8" do decreto n° 3.708, quotas que ela pode conservar em carteira para ulterior cessão ou revenda, não existe juridicamente, nenhuma impossibilIdade na ocorrência de tal fenômeno: uma sociedade por quotas de responsabilidade limitada que, havendo adquirido, com estrita observância de tôdas as formaliciades legais, totalidade de suas quotas transformou·se em uma sociedade sem sócios.,," BORGES, 1967, p. 54.• 3 °caputdo art, 251 da Lei 6,404/76 assim preceitua: "Art. 251. A companhia pode ser constituída, mediante escritura pública, tendo como único acionista sociedade brasileira." Ao examinar o Projeto de Lei das S/A elaborado por Mredo Lamy Filho e José Luiz Bulhões Pedreira, Theophilo de Azeredo Santos se manifesta sobre a subsidiária integral nos seguintes termos: «A companhia que tem por único acionista outra sociedade brasileira é expressamente admitida e regulada no art. 252, que dá juridicidade ao fato diário, a que se vêem constrangidas as companhias, de usar 'homens de palha' para subscreverem algumas açôes, em cumpri mento ao requisito formal de número mínimo de acionistas." (SANTOS, 1976: 171) 4 Nesse sentido dispõe o art. 206, I, "d", da Lei das S/A: "Art. 206. Dissolve-se a companhia: 1- de pleno direito: (...) d) pela existência de um único acionista, verificada em assembléia geral ordinária, se o mínimo de dois não for reconstituído até à do ano seguinte, ressalvado o disposto no art, 251:' O antigo Dec,-Iei 2,627/40 já dispunha acerca da matéria, admitindo, expressamente, em seu art, 137, a existência de sociedade anônima unipessoal de caráter transitório. 5 De acordo com ó.ÍÍÍiWdõDiCJéiIóó:de2s:ói:iéB1)com a redação dada pelo art, lOdo Decreto 900, de 29 99 11% empresa pública é"a entidade dotada de personalidade jurídica de Direito Privado, com patrimô nio prapno ecapital exclusivo da Uniáo, criada por lei para a exploraçáo de atividade econômica que o Gover no seja levado a exercer por força de contingência ou de conveniência administrativa, pOdendo revestir-se de qualquer das formas admitidas em Direito." (MELLO, 1999: 112-113) Revista de Direito Empresarial, Curitiba, n. 3, jan./jun. 2005 omenor empresário na sociedade limitada unipessoal Percebe-se, pois, que tanto a legislação brasileira sobre sociedades por ações quanto aquela atinente à empresa pública acabaram contribuin do para uma maior aceitação da fórmula societária de limitação da res ponsabilidade do empresário individual, de modo permanente ou transi toriamente6• Respaldadas pelas legislações em apreço, doutrina e jurisprudência passaram a admitir a existência de sociedades limitadas uni pessoais de caráter transitório, na hipótese de falecimento de um dos integrantes do quadro societário bem como em outros casos em que a sociedade se re duzisse a um sócio7 • Em 2002, com a Lei 10.406, que instituiu o Código Civil, foi re gulado, expressamente, o que já vinha sendo acolhido doutrinária e juris prudencialmente. Assim, o art. 1.033 do referido Código dispôs sobre a possibilidade de as sociedades em geral permanecerem com apenas um sócio por um período de 180 dias, prazo este, por sinal, inferior ao aceito, anteriormente, no âmbito das sociedades limitadas, equivalente a um anos. Resta saber se essa situação é aceitável para aqueles casos em que o sócio remanescente é menor e, portanto, não goza de plena capacidade civil. A resposta para essa questão exige um enorme esforço exegético e, certamente, a solução que se proporá neste trabalho suscitará calorosos debates. 2 FORMAS DE LIMITAÇÃO DA RESPONSABILIDADE DO EMPRESÁRIO INDIVIDUAL Antes de adentrar o tema proposto, importa esclarecer que existem, no ordenamento jurídico, basicamente, duas formas de se instrumentali zar a limitação de responsabilidade do empresário individual: a forma societária e a não-societária. 6 Acerca da possibilidade de empresa pública revestida sob a forma de sociedade unípessoal, assim se mallÍfesla Celso Antônio Bandeira de Mello: "Observe-se que a definição normativa admite uma sociedade unipessoaJ, forma esta, que não existe, ou pelo menos não existia no Direito brasileiro até a referida definição de empresa pública," (MELLO, op. cit, 113) No mesmo sentido, Osmar Brina Corrêa-Lima, ao referir-se ao art. S", II do Decreto 200, de 25.02,1967 e ao art, 5° do Decreto 900, de 29,09,1969, leciona: "Como se pode perr:eber pela conjugação dos preceitos./egais acima citados, a empresa pública pode existir sob a forma de socredade anônima unipessoal." (CORREA-LlMA, 2003: 496) 7 Arespeito da matéria, citam-se os seguintes acórdãos: REsp, 61,278; REsp, 24,554-4; REsp, 138.428; REsp, 49.336-6: REsp, 387, Disponível em: <http://www.stj.gov.br>. Acesso em: 03 mar. 2005, Já defendiam este entendimento juristas como Calixto Salomão Filho, João Eunápío Borges, Rubens Requião, Fran Martins, 8 Oinc, IV do art, 1,033 do Código Civil de 2002 preceitua o seguinte: "Art. 1.033, Dissolve-se a sociedade quando ocorrer: (...) IV - a falta de pluralidade de sócios, não reconstituída no prazo de 180 (cento e oitenta) dia,,' Revista de Direito Empresarial, Curitiba, n. 3, jan./jun. 2005 144 145 Natália A primeira delas se dá mediante a constituição de uma sociedade cujo quadro societário é composto por uma única pessoa. É a sociedade unipessoal dotada de responsabilidade limitada, formada com a perSoni_ ficação (no sentido de criação de um novo centro de imputação de direi_ tos e deveres) de um ente não-coletivo~. A forma não-societária, por sua vez, se dá a partir da instituição de patrimônios de afetação e corresponde, na linguagem corrente, à empresa individual de responsabilidade limitadaw• Nesse caso, há a separação de parte do patrimônio da pessoa natural para o exercício da atividade eco nômica, sem que isso implique a criação de uma sociedade. Segundo definição de Calixto Salomão Filho, tal fórmula de limitação da respon sabilidade do empresário individual equivale a um "patrimônio separado qual(ficado por regras sobre capacidade negocia!" 1I. Fiéis à concepção contratualista da sociedade, alguns países opta ram por adotar a fórmula não-societária de limitação da responsabilidade do empresário individual, dentre os quais Portugal. Por outro lado, cm países como Alemanha. Bélgica, França e Itália, tem prevalecido a ado ção da sociedade unipessoal de responsabilidade limitada. 2. 1 O caso específico do Brasil Conforme dito anteriormente, no Brasil, a rigor, a única sociedade unipessoal de caráter não transitório é a subsidiária integral, sendo admi também a constituição de empresa pública com um único sócio. No tocante às sociedades limitadas, a existência de um único sócio somente é aceitá transitoriamente, mais especificamente, no prazo de 180 dias, por força do Código Civil de 2002. Insta ressaltar que, ao dispor, no seu art. 981, sobre contrato de so ciedade, o Código Civil vigente acabou reafirmando a visão contratua da sociedade, obstaculizando os avanços no sentido da adoção de uma forma societária de limitação da responsabilidade do empresário individual, pautada na concepção institucional da sociedadel~. 9 SALOMÃO FILHO, 1995, p. 15. 10 Apalavra empresa, aqui, está sendo usada no seu peml subjetivo, enquanto empresárto. 11 SALOMÃO FILHO, op. cit, p. 36. 12 °caputdo art. 981 do Código Civil de 2002 estabelece o seguinte: "Art. 981. Celebram contrato de socie dade as pessoas que reciprocamente se obrigam a contribuír, com bens ou serviços, para o exercício de atividade econômica e a partilha, entre si, dos resultados." Revista de Direito Empresarial, Curitiba, n. 3, 2005 omenor emoresário na sociedade limitada IJninA.<;<:;nal Com relação à forma não-societária (empresa individual), o aludi Texto codificado introduziu regra inédita, prevendo, pela primeira vez ordenamento jurídico brasileiro, hipótese de limitação da responsabi do empresário individual, sem que isso implique a constituição de SOCiedade. É o que se constata da redação do art. 974 do Código Civil de transcrita na seqüência: Art. 974. Poderá o incapa:::. por meio de represellfallfe ou devidamente assistido, cOlltinuar a empresa antes exercida por ele enquanto capa-:.. por seus pais ou pelo autor da herança. § 1" Nos casos deste artigo, precederá autori::;ação judicial. apos exame das circunstâncias e dos riscos da empresa. bem como da c011l'eniêl/cia em continuá-Ia, podendo a autori::;ação ser rel'ogada pelo jui::.. oUl'idos os pais, tutores ou representantes legais do menor ou do interdito, sem pre dos direitos adquiridos por terceiros. §::r Ni'ioficalll sujeitos ao resultado da empresa os bem que o incapa::.já possuía. ao tempo da sucessão ou da illterdição. desde que estranhos ao acervo daquela, del'endo tais fatos constar do almrá que conceder a au tori::;açi'io. o referido dispositivo engloba duas situações específicas de inca pacidade, sendo elas a do empresário capaz que se tornou incapaz (inca pacidade superveniente) e a do menor que herdou a empresa antes exer cida por terceiros (seus pais ou outro autor da herança). Note-se que o legislador não distinguiu sociedade empresária de empresário individual, fazendo menção somente à continuação da atividade econômica, ou seja, à empresa, independentemente da fOfim exercida. Por se tratar de casos peculiares de exercício da empresa, o Código Civil de 2002 criou um mecanismo legal objetivando a limitação da res ponsabilidade do incapaz, possibilitando-lhe, por meio de autorização judicial, a continuação da empresa que, de outro modo, seria interrompida. Nesse contexto, a solução adotada pelo legislador foi a de institui ção do regime de separação entre o patrimônio não afetado ao exercício da empresa e aquele outro pertencente ao acervo da mesma, sendo que o primeiro não responderá pelos resultados da atividade econômica. Por outro lado, uma vez empregados no exercício da atividade. antes ou depois da autorização judicial, os bcns passam a integrar o pa trimônio empresarial e, portanto, a responder pelos resultados da empresa. 147Revista de Direito Empresarial. n. 3, jan,/jun. 2005 146 Natália Cristina Chaves Ao criar o regime de reserva do patrimônio não empresarial na hi pótese de continuação da empresa pelo menor, o legislador deu o primei ro passo no sentido da limitação da responsabilidade do empresário indi viduai pela fórmula não-societária, compartilhando de posicionamento que já existe em outros sistemas jurídicos D. 3 O MENOR EMPRESÁRIO NA SOCIEDADE LIMITADA UNIPESSOAL Como asseverado acima, o art. 974 do Código Civil alcança duas situações distintas de exercício da empresa pelo incapaz, sendo que, para os fins deste trabalho, interessa-nos tão-somente a hipótese da continua ção da empresa pelo menor. 3. 1 O tratamento do menor empresário antes do CÓdigo Civil de 2002 o art. 974 do Código Civil de 2002 corresponde a uma interessante novidade legislativa, sem precedentes no Código Comercial de ISSO, cuja primeira parte foi revogada com a entrada em vigor do Diploma legal em questão. O Código Comercial de 1850 não admitia a continuação da empre sa pelo menor, sendo bastante rigoroso nesse sentido. De fato, pelo anti go regime, falecendo o empresário individual sem deixar herdeiros capa zes, a solução era a liqüidação imediata do negócio, com a apuração dos resultadps. Não se levava em consideração, à época, princípios como o da pre servação da empresa. Sustentava-se que o menor não teria a maturidade suficiente para a continuação da empresa e, portanto, melhor seria pôr um fim à mesma. No que tange às sociedades empresárias, a referida legislação esta belecia que, se entre os herdeiros houvesse algum menor, este não pode 13 A idéia de limitação da responsabilidade do empresário individual já existe há algum tempo no Brasil. Em 21.05.1947, por exemplo, o Deputado Freitas e Castro apresentou à Câmara dos Deputados o Projeto de lei 201. que possibilitava a constituição de empresas individuais de responsabilidade limitada. Tal projeto acabou não prevalecendo. Já em 1991. o Ministro Jarbas Passarinho encaminhou ao Congresso um projeto de lei de au10ria do Departamento Nacional do Registro do Comércio (DNRC), regulando a matéria em ques tão. Desconhece-se o destino de referido projeto. Existiram outras iniciativas, mas, sem um resultado prático até o presente momento. 148 Revista de Direito Empresarial, Curitiba. n. 3, jan./jun. 2005 omenor empresário na sociedade limitada unipessoal ria tomar parte nela, ainda que autorizado judicialmente, salvo sendo legitimamente emancipado. Era o que preceituava o art. 308 do Código Comercial, abaixo citado: Art. 308. Quando a sociedade dissolvida por morte de UIII dos sócios til'e/' de continuar com os herdeiros do falecido (art. 335. 11. 4), se entre os herdeiros algum 01/ algulls forem menores, estes não poderão ter parte nela, aillda que sejam autori::.ados judicialmente; sal\'O smdo legitima mellfe emallcipados. A despeito de esse posicionamento ter prevalecido no tocante às sociedades que se submetiam ao regime da responsabilidade ilimitada dos sócios, como, por exemplo, a sociedade em nome coletivo, com rela ção às sociedades limitadas com mais de um sócio, a jurisprudência já havia se consolidado no sentido da possibilidade de o menor ser sócio, ~u.antn..1l0 momento da COR!ltih'ü,ão Para isso, era consenso unânime que três requisitos deveriam ser observados: I) o menor deveria ser representado ou assistido, conforme o caso; 2) não poderia participar da gerência da sociedade; e 3) o capital da sociedade deveria estar totalmente integralizado I>!. Contudo, o aludido entendimento não alcançava a situação do me nor que já era sócio de uma sociedade limitada que veio a se tomar uni pessoal pelo falecimento do outro sócio. E nem poderia ser diferente, uma vez que um dos pressupostos básicos para que o menor fosse sócio de tal tipo societário, quando da sua constituição ou pela via hereditária, era, precisamente, º-não-exercício de atos de gerência. Ora, se o menor viesse a se tomar o único sócio de uma sociedade, inevitavelmente, deparar-se-ia com a necessidade de administrá-la, ainda que temporariamente. Isso era inadmissível à luz do Direito anterior. Insta saber se pela exegese do art. 974 do Código Civil essa situação mudou. o"",.. im <hI!p/Iwww"."",.t<>. """" =~2',i;'s."'jo """''' o M". """ do "","",,,.5 149Revista de Direito Empresarial, Curitiba, n. 3. jan./jun. 2005 ......... Natália Cristina Chaves 3.2 Exegese do art. 974 do Código Civil de 200215 Como já observado, o menor poderá tomar parte na sociedade li mitada (com mais de um sócio), desde que preenchidos determinados requisitos. De igual modo, a sociedade limitada também poderá perma necer com apenas um sócio, durante o prazo de 6 meses. Então, o que impediria o menor de continuar o exercício da empre sa em uma sociedade limitada que se tornou unipessoal pela morte de um dos sócios, ainda que temporariamente? Os obstáculos à admissão dessa hipótese estão, precisamente, liga dos às responsabilidades assumidas pelo menor durante esse período em que exercer a empresa individualmente. Com efeito, enquanto a socieda de limitada perdurasse somente com o menor, este teria que administrá-la. Todavia, o entendimento doutrinário e jurisprudencial que vigora va antes do Código Civil de 2002, segundo mencionado anteriormente, era contrário à possibilidade de o menor exercer atos de gerência na socie dade limitada. Como, então, admiti-lo agora? Abandonamos aqui as opiniões mais conservadoras a fim de de fender, desde já, a possibilidade de o menor continuar, por um período de 180 dias, como único sócio de sociedade limitada à luz do Código Civil em vigor. E vamos além. Após o aludido prazo, sustentamos que, se o menor não encontrar outro sócio, poderá continuar o exercício da ativi dade econômica através da fórmula não-societária, ou seja, como empre sário individual, tendo em vista a inovação legislativa referente à limita ção de suA responsabilidade em caso de continuação da empresa. Contudo, fazemos aqui algumas ressalvas. Considerando o que preceitua o nosso ordenamento jurídico, não entendemos possível a constituição de uma sociedade limitada unipessoal (seja o sócio único, capaz ou não), mas, simplesmente, a existência de sociedade unipessoal superveniente de caráter transÍtório l6 • Vale lembrar que a subsidiária integral é uma das únicas sociedades de cunho unipes soaI permanente aceita no Direito brasileiro. Ao lado dela, há apenas a 15 Acerca da continuação da empresa pelo menor empresário, ver: CHAVES, Natália Cristina; GALlZZI, Gustavo Oliva. Omenor empresário. In: RODRIGUES, Frederico Viana (Coord.). Direito de empresa no novo código civil. Rio de Janeiro: Forense, 2004. 16 Aunipessoalidade superveniente ocorre quando a sociedade foi constituída por mais de um sócio, mas, por uma eventualidade, ficou reduzida aapenas um. 150 Revista de Direito Empresarial, Curitiba, n. 3, jan.qun, 2005 omenor empresário na sociedade limitada tminl'l."."nai empresa pública que, de acordo com a legislação que a regulamenta, poderá ter um único sócio, De igual modo, não entendemos possível, consoante o Código Ci vil, que o menor arrisque a própria sorte na atividade econômica fi inicie, JIlividualmilnl,;, o seu exercício, mas tão-somente que continue a empre sa exerClãa anteriormente por terceiros. Mas, voltando ao cerne da questão, quais motivos justificam que o menor continue, transitoriamente, o exercício da empresa como único sócio de uma sociedade limitada e, após o decurso do prazo de 180 dias, como empresário individual? E qual relação o art. 974 do Código Civil guardaria com tudo isso? Adiantamos, desde já, que o art. 974 do Código Civil de 2002 não traz, à primeira vista, a resposta para o nosso problema já que não cuida da hipótese de continuidade da empresa por um menor que já a exercia. De fato, examinando-se o artigo, constata-se que regula as situações em que o menor não praticava a atividade empresária e, em virtude de algum evento, passa a exercê-Ia, dando-lhe continuidade, seja como empresário individual, seja como sócio de sociedade. Entretanto, ainda que a situação tratada no referido Diploma legal não seja equivalente à examinada aqui, existe um ponto de interseção entre as mesmas consistente na continuação da empresa. Com efeito, a temática ora proposta bem como aquela outra tratada pelo art. 974 do 9Qigo Ciyil referem-se à continuação da empresa, tendo em vista o princípio de sua preservação ea sua função' social. Destarte, partindo-se de uma interpretação do referido mtigo, po deríamos admitir a sua aplicação, na medida do possível, ao caso em tela, inclusive no tocante à gerência. Tendo em vista que o Código Civil em vigor adm~ expressa mente, que o menor continue a empresa, e_~q~.:~Lj!l.d~vidualm~!!te, ckvidmn~nte representado.ou assistido, utili:z.ando a firma Çjw).ndQ.l?44~L serau~orizqdº. t:. 'pQrtantQ, gerind.o o negóciQ. p.or que. não aceitacaexis~_.. tên<:ia desociedad~ unipessoal superveniente de çaráteJ;' Jr~nsitó!'l.().z5.Ej~~. t!l!i(;() sócio s~~ . ~---=<;:;"<'-'<' ';;~ ...'" Impende registrar que o Código Civil permite até que a empresa exercida individualmente pelo menor seja gerida por terceiros (gerentes) nomeados pelo juiz, o que, ao nosso ver, poderá trazer implicações bem mais graves. 151Revista de Direito Empresarial, Curitiba, n. 3, jan/jun. 2005 Natálía Cristina Chaves É o que dispõe o parágrafo único do art. 976 do citado Diplollla le. gal, transcrito abaixo: Art. 976. ( ... ) Parágrafo lÍnico. O uso da nova firma caberá, cOI!forme o caso, (lO ge rente; ou ao representallfe do incapa::;; ou a este, quando puder ser QWo ri::.ado. Considerando que, de acordo com o Código Civil, o menor poderá continuar a empresa como empresário individual, utilizando a firma em determinados casos e gerindo pessoalmente o negócio quando possível, não há mais impedimentos a que passe a ser o gestor de uma sociedade J7 Iimitada • Ademais, caso não possa gerir a sociedade, por ser absoluta mente incapaz, o seu representante poderá gerir, nos moldes do parágrafo único do art. 976 supracitado. Trata-se de uma verdadeira revolução no que toca ao entendimento até então dominante com relação à continuação da empresa. Nota-se, pois, que em face do Código Civil, seria, perfeitamente. possível a existência de sociedade limitada unipessoal superveniente de caráter transitório, cujo único sócio seja menor. Transitório, porque, nos atuais moldes da nossa legislação, só é admissível a sociedade limitada unipessoal por um prazo de 6 (seis) meses, após o que, se não reconsti tuído o número de dois, a sociedade se dissolve. l.l Autorlzaçao para a contlnuaçao da empresa O art. 974 do Código Civil subordina a continuação da empresa pelo menor à autorização judicial. Cabe, pois, ao juiz analisar as cir cunstâncias e os riscos da empresa, bem como a conveniência em conti nuá-la. Apesar de o referido dispositivo legal estabelecer a necessidade de autorização judicial para a continuação da empresa pelo menor, no caso ora analisado, em virtude de suas peculiaridades, tal autorização será dispensável. " 1ZPartimos da teoria de que "quem pode o mais pode o menos", 152 Revista de Direito Empresarial, Curitiba, n. 3, jan./jun. 2005 omenor na SOciedade limitada Consoante esposado acima, a sociedade limitada uni pessoal super I!Dlvllte, cujo único sócio seja menor, somente P(~ierá existir por um período de 180 dias. Com efeito, de acordo com o inc. IV do art. 1.033 do Código Civil 2002, já comentado, em se tratando de sociedades limitadas, caso a palidade de sócios não seja reconstituída no prazo aqui tratado, a solu será a dissolução. Tendo em vista a exigüidade do período em que a sociedade Iimi permanecerá como unipessoal, tendo como único sócio um menor, se justifica o procedimento de autorização judicial. Aliás, dependen da situação, antes mesmo da concessão da autoriZação pelo juiz, pode que a pluralidade de sócios já tenha sido reconstituída. Ademais, na hipótese específica do art. 974 do Código Civil de a autorização judicial faz-se necessária até mesmo para que sejam os representantes ou assistentes do menor que o auxiliarão no ..vprt"tClO da empresa. Em se tratando de sociedade limitada que perdeu a pluralidade de sócios, permanecendo apenas com o menor, este já era devidamente as sistido ou representado. De fato, se as~m não o fo~, o 1l1ÇOor não...pode~ ~ se t(~.r~_~~~_sóc}_~~~~?~j~d.!:':geJ!m.Hillia~. Destarte, se o menor já era assistido ou representado ao tempo da morte do seu sócio (ou sócios), em uma sociedade li1llitada, já se conhece (ou pressupõe-se conhecer) o comportamento e interesse daqueles que o ajudam no exercício da atividade, prescindindo-se de um exame judicial. Portanto, seja pelo caráter transitório da SOciedade limitada uni pessoal, seja pelo fato de que o menor já era devidamente assistido ou representado, ~Js~~_~~_ll.!í?~~~ç,~ºjudiciaLa·que. se_.Le.~ .. ª-rt. 21'!.. ~CiviL~~,?_QPl.:-.. l.4 Dlssoluçao da sociedade limitada unipesSoal de caráter transitório e a continuaçao da empresa Frisamos aqui que, pela atual configuração do nosso ordenamento jurídico, não concordamos com a existência de un\a sociedade limitada unipessoal permanente, mas tão-somente, transitória. Nesse contexto, ultrapassado o prazo de 180 dias sem que a plura lidade de sócios seja recomposta, a princípio, a solução seria a dissolução total da sociedade, sob pena de considerar-se irregular o exercício da Revista de Direito Empresarial, Curitiba, n. 3. jan.!Jun. 2005 153 Natália Cristina Chaves atividade e a caracterização da responsabilidade pessoal e ilimitada do menor. Entretanto, e se o menor quiser continuar a empresa, sem um novo sócio, após a expiração desse prazo? Nessa situação, o menor deverá exercê-la individualmente. Trans formar-se-á em empresário individual com as competentes modificações no registro. Resta, pois, uma dúvida. Como ficaria a questão da responsabili dade do menor como empresário individual? Será que passaria a respon der ilimitadamente pelos resultados da empresa? Por exegese do art. 974 do Código Civil de 2002, o qual institui o regime de separação entre o patrimônio não afetado e o afetado ao exer cício da atividade econônúca, na hipótese de continuação da empresa pelo incapaz (inclusive o menor), a responsabilidade do menor será li mitada nos moldes daquele dispositivo. Assim, somente ficarão sujeitos aos resultados da empresa os bens pertencentes ao acervo desta e, não, a totalidade do patrimônio do menor. Permanece, pois, o regime da reserva patrimonial, resguardando-se os interesses do menor. Isso porque a despeito de o ali. 974 do novo Código Civil não tra tar, expressamente, dessa situação, regula os casos de continuação da empresa, como o presente. Aqui se fará necessária a autorização judicial, tendo em vista que o exercícil"l da empresa pelo menor como empresário individual, a princí pio, não terá aquele caráter transitório atinente à sociedade linútada uni pessoal. Caberá, pois, ao juiz analisar a conveniência de continuidade da atividade, sopesando não só o princípio da preservação da empresa e a sua função social, mas, principalmente, os interesses do menor. 4 CONCLUSÃO Ao abordarmos a temática do menor empresário na sociedade li mitada unipessoal, procuramos sensibilizar os leitores para uma análise do Direito societário brasileiro desprovida de conservadorismo e tradicio nalismo excessivos. 154 Revista de Direito Empresarial, Curitiba, n. 3, ian.1un. 2005 omenor empresário na sociedade limitada unipessoal Inebriados por essa atmosfera liberal, afirmamos que o art. 974 do Código Civil em vigor introduziu a noção de limitação da responsabili dade do empresário individual, atendendo aos clamores das mentes mais abertas que, há tempos, vêm chamando a atenção para tal fenômeno, presente em legislações extravagantes mais avançadas. De fato, ao insti tuir um regime de reserva do patrimônio do incapaz não afetado ao exer cício da empresa, o dispositivo legal em apreço representou um marco inicial no sentido da ampla aceitação da responsabilidade limitada do empresário individual. Contudo, não sejamos tão otimistas. Embora o Código Civil tenha instituído a noção de limitação da responsabilidade do empresário indi viduai no Direito brasileiro, tal se aplica em situação excepcionalíssima, consistente na continuação da empresa pelo incapaz. Nos demais casos, permanece a regra da responsabilidade ilimitada. Aliás, foi precisamente para viabilizar a continuação da empresa pelo incapaz que o legislador criou esse regime de reserva patrimonial, preservando, dessa forma, os interesses da palie mais frágil da relação. Melhor seria se tivesse admitido essa limitação da responsabilidade para os empresários individuais em geral, fazendo disso a regra e, não, a exce ção. Com isso, evitar-se-ia, em muito, a constituição de sociedades fictí cias, em que apenas um dos sócios tem real interesse no sucesso do em preendimento, investindo recursos e esforços, enquanto o outro destina se tão-somente a cumprir a formalidade legal consistente na pluralidade de sócios. A continuação da empresa a que se refere o art. 974 do Código Ci vil abrange, expressamente, duas situações: I) a do empresário capaz que se torna incapaz e, 2) a do menor que não exercia a empresa e que a her dou de terceiros (seus pais ou outro autor da herança). O referido dispositivo não disciplinou, especificamente, uma situa ção muito corriqueira consistente na continuação da empresa pelo menor sócio de uma sociedade linútada que se tornou unipessoal pela morte de outro sócio (ou outros sócios). Todavia, viabilizou-a, ainda que em cunho transitório, ao admitir a continuação da empresa pelo menor empresário individual que nem mesmo exercia a atividade econômica. O único empecilho que víamos na admissão dessa hipótese estava relacionado ao exercício de atos de gerência pelo menor enquanto ficasse sozinho na sociedade limitada. Entretanto, considerando que o Código Revista de Direito Empresarial, Curitiba, n. 3, jan.1un. 2005 155 5 Natália Cristina Chaves Civil possibilita ao menor (ou ao seu representante ou gerente), enquanto empresário individual, exercer atos de gerência, acaba permitindo, por analogia, que o menor sócio de uma sociedade limitada administre Os negócios sociais transitoriamente, na eventualidade de falecimento do outro sócio (ou outros sócios). Esclarecemos que somente se admite que o menor permaneça como único sócio da sociedade limitada por 180 dias. Após esse prazo, se não encontrar outro sócio, não terá condições de continuar a empresa sob a estrutura jurídica de uma sociedade, mas, poderá transformar o negócio em empresa individual. Optando por se tomar empresário individual. o patrimônio do menor contará com a proteção da reserva patrimonial mencionada no art. 974 do Código Civil de 2002. O posicionamento ora sustentado talvez encontre resistência por parte dos estudiosos do direito. A matéria não é pacífica e, portanto, por um longo período, ensejará debates fascinantes nas tribunas. REFER~NCIAS BORGES, João Eunápio. Sociedade por quotas Liquidação. Revista Forense. São Paulo, a. 63, fase. 763-764-765, v. 217.jan./fev.lmar. 1967. CHAVES, Natália Cristina; GALIZZI. Gustavo Oliva. O menor empresário. /11: RODRIGUES, Frederico Viana (Coord.). Direito de empresa no novo Código Civil. Rio de Janeiro: Forense, 2004. CÓDIGO COMERCIAL e legislação complementar. 47. ed. São Paulo: Saraiva, 2002. CÓDIGO CIVIL comparado. São Paulo: Saraiva, 2002. CORRÊA-LIMA. Osmar Brina. Sociedade anônima. Belo Horizonte: Del Rey, 2003. MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de direito administrativo. São Paulo: Ma Iheiros. 1999. SALOMÃO FILHO, CaIíxto. A sociedade urupessoal. São Paulo: Malheiros. 1995. SANTOS, Theophilo de Azeredo. A nova lei das S.A. Sindicato dos Bancos do Estado do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro, a. IV, n. 12. jul. 1976. SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. Disponível em: <http:tlwww.stj.gov.br>. Acesso em: OJ mar. 2005. SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. Disponível em: <http://www.stf.gov.br>. Acesso em: 03 mar. 2005. Revista de Direito Empresarial, Curitiba, n. 3, jan./jun. 2005 COMMENTARIO AL NUOVO ARBITRATO SOCIETARIO IN ITALIA: UN CONFRONTO COM LA SPAGNA Alessandro Pieralli1 PREMESSA 11 1 gennaio 2004 e entrato in vigore nell'ordinamento italiano iI D.lgs 17 gennaio 2003, n. 5, con il quaIe il Governo ha introdotto nuove norme per la definizione deI contenzioso in materia di diritto societario, nonché in mate ria bancaria e creditizia. L'intervento si colloca aU'interno della piu ampia riforma dei diritto societario anch' essa in vigore dali' inizio dei 2004 ed anticipa per certi aspetti, la riforma dei processo civil e italiano affidata ormai da tempo alio studio di una Commissione Ministeriale. L' obiettivo dichia rato della riforma societaria equello di ridurre i tempi processuali e di impedire che l'insorgenza di una lite, possa di fatto bloccare l'attívità deU' intera società. In quest' ottica il D.1gs 5/2003, prevede un vero e proprio rito speciale per iI processo societario davanti a\l' autorità giudiziaria caratterizzato dalla concentrazione dell'attívità dei giudice ( ), nonché agli artt. 34, 35 e 36 una nuova disciplina per l'arbitrato societario. 1Pesquisador na Universidade de Florença, Itália. 157 Revista de Direito Empresarial. Curitiba. n. 3, jan.qun. 2005 156