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Reprodução Sexuada: Meiose, Células Germinativas e Fecundação 21 Neste capítulo VISÃO GERAL 1269 DE REPRODUÇÃO SEXUADA MEIOSE 1272 CÉLULAS GERMINATIVAS PRIMORDIAIS E DETERMINAÇÃO DO SEXO EM MAMÍFEROS 1282 OÓCITOS 1287 ESPERMATOZOIDES 1292 FECUNDAÇÃO 1297 Sexo não é totalmente necessário. Os organismos unicelulares podem reproduzir-se por di- visão mitótica simples, e muitas plantas se propagam de forma vegetativa, pela formação de brotos multicelulares que mais tarde se separam da planta que os originou. Da mesma forma, no reino animal, uma Hydra multicelular pode produzir descendentes sozinha, por brotamento (Figura 21-1), e as anêmonas do mar e as minhocas marinhas podem dividir-se em duas metades, cada uma capaz de regenerar a metade que falta. Há ainda espécies de lagartos que consistem apenas em fêmeas e se reproduzem sem acasalamento. Embora tal reprodução assexuada seja simples e direta, ela dá origem a descendentes que são geneti- camente idênticos ao organismo que os originou. Por outro lado, na reprodução sexuada, os genomas de dois indivíduos são misturados para produzir descendentes que diferem ge- neticamente uns dos outros e de seus pais. Aparentemente, esta forma de reprodução tem grandes vantagens, tanto que a grande maioria das plantas e animais a escolheu. Mesmo muitos procariotos e eucariotos que normalmente se reproduzem de forma assexuada, em períodos ocasionais, utilizam a troca genética, criando, dessa forma, descendentes com no- vas combinações de genes. Este capítulo descreve a maquinaria celular da reprodução sexu- ada. Porém, antes de discutirmos em detalhe como essa maquinaria funciona, faremos uma breve consideração sobre o que ela implica e que benefícios traz. VISÃO GERAL DE REPRODUÇÃO SEXUADA Reprodução sexuada ocorre em organismos diploides, nos quais cada célula contém dois conjuntos de cromossomos, um cromossomo herdado de cada um dos pais. Entretanto, as células especializadas em levar adiante a reprodução sexuada são haploides; ou seja, cada uma delas contém apenas um conjunto de cromossomos. Na etapa final de reprodução se- xuada, uma célula haploide de um indivíduo se funde com uma célula haploide de outro, misturando os dois genomas e restaurando o estado diploide. Portanto, a reprodução sexu- ada requer um tipo especializado de divisão celular chamado de meiose, no qual uma célula precursora diploide dá origem a uma progênie de células haploides, ao invés de células di- ploides, como ocorre na divisão celular mitótica normal. Em organismos multicelulares que se reproduzem sexualmente, as células haploides produzidas por meiose se desenvolvem em gametas altamente especializados – oócitos (ou ovócitos), espermatozoides, pólen ou esporos. Nos animais, caracteristicamente, fêmeas produzem oócitos grandes e não-móveis, ao passo que machos produzem espermatozoides pequenos e móveis (Figura 21-2). Na fecundação, um espermatozoide haploide funde-se com um oócito haploide para formar uma célula diploide (um ovo fecundado, ou zigoto), que contém uma combinação nova de cromossomos. Então, o zigoto se desenvolve como um novo organismo multicelular por meio de sucessões repetidas de mitoses, seguidas por especialização celular, que inclui a produção de gametas (Figura 21-3A). Em eucariotos superiores, a fase haploide é curta Na maioria dos organismos que se reproduzem sexualmente, as células diploides proliferam por divisão celular mitótica, e as células haploides que se formam por meiose não prolife- ram. Alguns organismos simples, como leveduras de fissão, são exceções nas quais as células haploides proliferam por mitose, e as células diploides formadas pela fusão de células ha- 0,5 mm Figura 21-1 Fotografia de uma Hydra, da qual dois novos organismos estão brotando (setas). Os descendentes, que são geneticamente idênticos ao organismo que os originou, se despren- derão e viverão de forma independente. (Cortesia de Amata Hornbruch.) Alberts_21.indd 1269Alberts_21.indd 1269 29.07.09 08:19:2929.07.09 08:19:29 1270 Alberts, Johnson, Lewis, Raff, Roberts & Walter ploides dividem-se diretamente por meiose para produzir novas células haploides (Figura 21-3B). Uma exceção menos extrema ocorre em plantas, nas quais tanto as células haploides como as diploides proliferam. Entretanto, em todas as plantas, menos nas mais primitivas, como musgos e samambaias, a fase haploide é muito curta e simples, enquanto a fase diploi- de se estende por um longo período de desenvolvimento e de proliferação celular. Em quase todos os animais, incluindo todos os vertebrados, apenas as células diploides proliferam: os gametas haploides existem apenas brevemente, não se dividem e são alta- mente especializados para a fusão sexual. Nestes organismos, é vantajoso fazer a distinção Figura 21-2 Eletromicrografia de varredura de um oócito com muitos espermatozoides humanos ligados a sua superfície. Apesar de oócito não ser móvel, os espermatozoides têm alta motilidade. Embora muitos esper- matozoides estejam ligados ao oócito, somente um irá fecundá-lo, como será discutido mais adiante. (Cortesia de D. Phillips/Science Photo Library.) Organismos haploides MITOSE Células haploides MEIOSE Zigoto diploide ACASALAMENTO Organismos haploidesOrganismos diploides MEIOSE Oócito haploide Espermatozoide haploide FECUNDAÇÃO Zigoto diploide MITOSE Organismo diploide EUCARIOTOS SUPERIORES ALGUNS EUCARIOTOS INFERIORES (A) (B) Células da linhagem germinativa Células somáticas Figura 21-3 Células haploides e di- ploides no ciclo de vida de eucariotos superiores e alguns inferiores. As células haploides são mostradas em vermelho e as células diploides em azul. (A) As células na maioria dos animais e das plantas normalmente proliferam na fase diploide para formar um orga- nismo multicelular; apenas os gametas (oócitos e espermatozoides em animais) são haploides, e eles se fundem no momento da fecundação para formar um zigoto diploide, que se desenvolve como um novo indivíduo. Os gametas se desenvolvem a partir de células di- ploides da linhagem germinativa (cinza) nas gônadas; todas as células restantes no organismo são células somáticas. (B) Em alguns eucariotos inferiores, como leveduras de fissão e a alga verde Chlamydomonas, ao contrário, as células haploides proliferam, e a única célula diploide é o zigoto, que existe tempora- riamente após acasalamento. Alberts_21.indd 1270Alberts_21.indd 1270 29.07.09 08:19:2929.07.09 08:19:29 Biologia Molecular da Célula 1271 entre as células da linhagem germinativa (ou células germinativas), que incluem os game- tas e suas células precursoras diploides específicas, e as células somáticas, que formam o restante do organismo e no final não deixam descendentes (ver Figura 21-3A). De certa for- ma, as células somáticas existem apenas para auxiliar as células germinativas a sobreviver, desenvolver-se e transmitir seu DNA para a próxima geração. Meiose cria diversidade genética Organismos que se reproduzem sexualmente herdam dois conjuntos completos de cromos- somos, um de cada progenitor. Cada conjunto contém cromossomos autossômicos, comuns a todos os membros da espécie, e cromossomos sexuais, que estão distribuídos de forma diferente de acordo com o sexo do indivíduo. Portanto, cada núcleo diploide contém duas versões muito semelhantes de cada cromossomo autossômico, mais um conjunto de cro- mossomos sexuais adequados para o sexo do indivíduo. As duas cópias de cada cromos- somo autossômico, uma herdada da mãe e uma do pai, são chamadas de cromossomos homólogos, e na maioria das células elas mantêm uma existência separada como cromos- somos independentes. No entanto, durante a meiose cada cromossomo deve se comunicar fisicamente com seu par homólogo único através do pareamento, para sofrer recombinação genética. Essa comunicação é essencial para capacitar os homólogos a segregarem de forma correta em células-filhas diferentes durante a meiose. Uma característica crucial da meiose é que ela gera células haploides que são genetica- mente diferentes umas das outras e das duas células haploides que formaram o organismo no primeiro momento. As diferenças genéticas surgem por dois mecanismos. Primeiro, in- dividualmente, um gameta contém ou a versão materna ou a paterna de cada cromossomo; como a escolha de materno ou paterno ocorre de forma independente e aleatória para cada par de homólogos, os cromossomos maternos e paternos originais são rearranjados em com- binações novas nas células haploides. Segundo, mesmo que as versões materna e paterna de cada cromossomo tenham sequências de DNA semelhantes, elas não são idênticas, sofrendo recombinação genética durante a meiose – um processo chamado de crossingover (discutido no Capítulo 5) para produzir versões híbridas novas de cada cromossomo; dessa forma, cada cromossomo em um gameta contém uma mistura única de informação genética de ambos os pais. Discutiremos estes dois mecanismos em maiores detalhes mais tarde (ver Figura 21-13). A reprodução sexuada proporciona uma vantagem competitiva aos organismos A maquinaria da reprodução sexuada é elaborada, e os recursos gastos nela são grandes (Fi- gura 21-4). Quais são seus benefícios e por que ela evolui? Reproduzindo-se sexualmente, os indivíduos produzem descendentes variados, cujos genótipos diversos provavelmente têm chances iguais de representar uma mudança para pior ou para melhor. Então, por que os indivíduos sexuados deveriam ter uma vantagem competitiva sobre os indivíduos que se reproduzem por um processo assexuado? Este problema continua deixando perplexos os biólogos evolucionistas. Uma vantagem da reprodução sexual parece ser que o rearranjo de genes ajuda uma es- pécie a sobreviver em um ambiente variável imprevisível. Se um casal de pais produz muitos descendentes com uma variedade grande de combinações de genes, é maior a chance de que ao menos um de seus descendentes tenha a combinação de características necessária para sobreviver em um ambiente em modificação. Na verdade, uma população de leveduras que se reproduz por brotamento, modificada geneticamente para que não possa sofrer re- combinação genética por meiose e, portanto, não possa se reproduzir sexualmente, adapta- -se de forma muito menos satisfatória e mais demorada às condições ambientais rigorosas do que a população do tipo selvagem, que pode se reproduzir sexualmente. Outra vantagem da reprodução sexuada parece ser sua capacidade de auxiliar na elimi- nação de genes prejudiciais de uma população: as fêmeas geralmente acasalam com os ma- chos mais aptos, de modo que os machos menos aptos não deixam descendentes e servem apenas como uma espécie de lata de lixo genética. Esta seleção rigorosa entre os machos significa que genes “bons” são transmitidos e genes “ruins” são perdidos na população de forma mais eficiente que seriam de outro modo. Como resultado, espera-se que membros de uma população de reprodução sexuada tenham média de aptidão muito mais alta que membros de uma população equivalente que se reproduz assexuadamente. Figura 21-4 Um pavão mostrando sua complexa cauda. Esta plumagem ex- travagante serve para atrair as fêmeas, com o objetivo de reprodução sexuada. Ela desenvolveu-se porque apenas os machos mais aptos e elegantes deixa- rão descendentes. (Cortesia de Cyril Laubscher.) Alberts_21.indd 1271Alberts_21.indd 1271 29.07.09 08:19:3129.07.09 08:19:31 1272 Alberts, Johnson, Lewis, Raff, Roberts & Walter Quaisquer que sejam os benefícios que a reprodução sexuada possa ter, é surpreenden- te que praticamente todos os organismos complexos atuais tenham evoluído amplamen- te por gerações através da reprodução sexuada em vez da assexuada. Comparativamente, organismos assexuados, apesar de abundantes, na sua maioria parecem ter permanecido simples e primitivos. Agora, passaremos para os mecanismos celulares do sexo, começando com os eventos da meiose. Então, focaremos nossa discussão principalmente em mamíferos. Primeiro, leva- remos em consideração as células diploides da linhagem germinativa que originam os ga- metas e a maneira como o sexo de um mamífero é determinado. Finalmente, examinaremos o processo de fecundação, no qual um oócito e um espermatozoide se fundem para formar um novo organismo diploide. Resumo O ciclo reprodutivo sexuado envolve uma alternância de estados diploides e haploides: as células diploides dividem-se por meiose para formar células haploides, e as células haploides de dois in- divíduos se fundem em pares para formar novos zigotos diploides. No processo, os genomas são misturados e recombinados para produzir indivíduos com novas combinações genéticas. Nos eu- cariotos superiores, as células diploides proliferam por mitose, e somente uma pequena proporção delas (aquelas da linhagem germinativa) sofre meiose para produzir células haploides; as células haploides se diferenciam como gametas, os quais são especializados para a reprodução sexuada, têm apenas uma existência breve e não se dividem. Acredita-se que a reprodução sexuada seja van- tajosa tanto por produzir indivíduos com combinações genéticas novas, alguns dos quais podem sobreviver e procriar em um ambiente variável imprevisível, como por propiciar uma maneira efi- ciente de eliminar mutações prejudiciais de uma população. MEIOSE A compreensão de que os gametas são haploides veio de uma observação que também su- geria que os cromossomos carregam informação genética. Em 1883, em um estudo com vermes nematódeos, foi descoberto que o núcleo de um oócito e o de um espermatozoide contêm dois cromossomos cada um, enquanto o zigoto (ou ovo fecundado) contém qua- tro cromossomos. Isto levou à teoria cromossômica da hereditariedade, a qual explicou o paradoxo de longa data de que as contribuições materna e paterna para as características da progênie parecem ser iguais, apesar da enorme diferença de tamanho entre o oócito e o espermatozoide (ver Figura 21-2). O achado também sugeriu que as células germinativas haploides resultam de um tipo es- pecial de divisão celular no qual o número de cromossomos é dividido exatamente ao meio. Este tipo de divisão, chamado de meiose (do grego meiosis, que significa diminuição ou re- dução), nos animais inicia-se nas células da linhagem germinativa dos ovários ou testículos. Poderia parecer que a meiose acontece por uma modificação simples da mitose, na qual a síntese de DNA (fase S) é omitida e uma divisão celular simples produz diretamente duas células haploides. No entanto, a meiose é mais complexa que isto e envolve duas divisões ce- lulares ao invés de uma, mas com apenas uma etapa de síntese de DNA. Os eventos essenciais da meiose foram estabelecidos somente no início da década de 1930, como resultado de cui- dadosos estudos citológicos e genéticos. Estudos genéticos e moleculares mais recentes têm começado a identificar as várias proteínas específicas da meiose que fazem com que os cro- mossomos na meiose se comportem de uma maneira diferente dos cromossomos na mitose e ajudam a mediar os eventos decisivos de recombinação genética que ocorrem na meiose. Veremos que os eventos de recombinação são importantes não apenas para a variabilidade genética, mas também para a segregação cromossômica precisa durante a meiose. Os gametas são produzidos por duas divisões celulares meióticas A meiose utiliza quase a mesma maquinaria molecular e os sistemas de controle que agem na mitose comum. Contudo, neste capítulo daremos enfoque às características particulares da meiose que a distinguem da mitose. No início da meiose, assim como na mitose, os cro- mossomos têm o seu DNA replicado (na fase S meiótica) e as duas cópias estão intimamente ligadas por complexos coesina ao longo de todo seu comprimento (ver Figura 17-24), sendo chamadas de cromátides-irmãs. Entretanto, diferentemente da mitose, a meiose ocorre Alberts_21.indd 1272Alberts_21.indd 1272 29.07.09 08:19:3129.07.09 08:19:31 Biologia Molecular da Célula 1273 para produzir gametas com a metade dos muitos cromossomos de suas células precursoras diploides. Isso é obtido pela modificação do programa mitótico de maneira que uma etapa única de replicação de DNA é seguida por duas etapas sucessivas de segregação de cromos- somos (Figura 21-5A). Lembre-se de que, na mitose (discutida no Capítulo 17), os cromos- somos duplicados alinham-se ao acaso no equador do fuso mitótico, e as cromátides-irmãs são tracionadas até separarem-se e serem segregadas em duas células-filhas, de modo que cada filha herda um conjunto diploide completo de cromossomos e é geneticamente idên- tica à célula-mãe (Figura 21-5B). Na primeira divisão da meiose (meiose I), ao contrário, os homólogos paternos e maternos duplicados (incluindo os dois cromossomos sexuais repli- cados) pareiam um ao lado do outro e trocam informação genética por meio de um processo MEIOSE(A) (B) MITOSE CROMOSSOMOS DUPLICADOS ALINHADOS INDIVIDUALMENTE NO FUSO REPLICAÇÃO DO DNA Homólogo paterno Homólogo materno REPLICAÇÃO DO DNA PAREAMENTO DE HOMÓLOGOS DUPLICADOS SEPARAÇÃO DE HOMÓLOGOS NA ANÁFASE I SEPARAÇÃO DE CROMÁTIDES-IRMÃS NA ANÁFASE II SEPARAÇÃO DE CROMÁTIDES-IRMÃS NA ANÁFASE Células-filhas haploides Células-filhas diploides M EI O SE II M EI O SE I FA SE S M EI Ó TI C A HOMÓLOGOS PAREADOS ALINHADOS NO FUSO Figura 21-5 Comparação entre a meiose e a divisão celular mitótica. Para maior clareza, somente um par de cromossomos (homólogos) é mostrado. (A) Na meiose, após a replicação de DNA, duas divisões nucleares (e celulares) são necessárias para produzir os gametas haploides. Os homólogos duplicados, cada um composto por duas cromá- tides-irmãs unidas firmemente, pareiam e são segregados em células-filhas diferentes na meiose I; as cromátides-irmãs separam-se somente na meio- se II. Como é indicado pela formação de cromossomos que são parcialmente verme- lhos e parcialmente cinzas, o pareamento dos homólogos na meiose leva à recombina- ção genética (crossing-over) durante a meiose I, como será discutido mais tarde. Portanto, cada célula diploide que entra em meiose produz quatro cé- lulas haploides geneticamente diferentes. (B) Na mitose, ao contrário, os homólogos não formam pares e as cromátides- irmãs separam-se durante a divisão única. Assim, cada cé- lula diploide que se divide por mitose produz duas células- filhas diploides geneticamente idênticas. Alberts_21.indd 1273Alberts_21.indd 1273 29.07.09 08:19:3129.07.09 08:19:31 1274 Alberts, Johnson, Lewis, Raff, Roberts & Walter de recombinação genética. Então, eles alinham-se no equador do fuso meiótico, e depois, ao invés das cromátides-irmãs, os homólogos duplicados é que são tracionados até separarem- -se, sendo segregados em duas células-filhas. Apenas na segunda divisão da meiose (meiose II), a qual ocorre sem uma replicação adicional de DNA, as cromátides-irmãs são separadas e segregadas para produzir células-filhas haploides. Dessa forma, cada célula diploide que entra em meiose produz quatro células haploides, sendo que cada uma herda ou a cópia materna ou a paterna de cada cromossomo, mas não ambas (ver Figura 21-5A). Os cromossomos homólogos duplicados (e os cromossomos sexuais) formam pares durante o início da prófase I Durante a mitose em muitos organismos, os cromossomos homólogos comportam-se inde- pendentemente uns dos outros. No entanto, durante a meiose I, é fundamental que homólogos se reconheçam uns aos outros e tornem-se ligados fisicamente a fim de que homólogos mater- nos e paternos passem por recombinação genética e segreguem para células-filhas diferentes na anáfase I. Mecanismos especiais medeiam estas interações íntimas entre homólogos. A justaposição progressiva de homólogos ocorre durante uma prófase meiótica muito prolongada (prófase I), a qual pode levar horas em leveduras, dias em camundongos e se- manas em vegetais superiores. Da mesma forma que na mitose, os cromossomos duplicados na prófase da meiose aparecem como estruturas delgadas longas, nas quais as cromátides- -irmãs estão coladas firmemente e tão juntas que parecem apenas uma. É durante o início da prófase I que os homólogos começam a se unir ao longo de seu comprimento em um proces- so chamado de pareamento, que, pelo menos em alguns organismos, inicialmente ocorre por interações entre sequências de DNA complementar (chamadas de sítios de pareamento) nos dois homólogos; na maioria dos organismos, o pareamento estável requer recombina- ção genética entre os homólogos. Com o avanço da prófase I, os homólogos tornam-se mais intimamente justapostos, formando uma estrutura de quatro cromátides chamada de bi- valente (Figura 21-6A). Como discutiremos mais adiante, a recombinação genética inicia durante o pareamento no início da prófase I, com a produção de quebras programadas na fita dupla de DNA da cromátide; alguns destes eventos de recombinação se resolverão mais tarde nos entrecruzamentos (crossovers), quando um fragmento de uma cromátide materna é trocado por um fragmento correspondente de uma cromátide do homólogo paterno (Figura 21-6B; ver também Figura 5-64). O pareamento dos homólogos requer movimentos de cromossomos, mas não se sabe o que aciona estes movimentos. Os cromossomos replicados sofrem os principais rearran- jos dentro do núcleo durante a prófase I. As extremidades dos cromossomos (os telômeros) estão firmemente ligadas à superfície do envelope nuclear. Inicialmente, eles estão distribu- ídos ali de forma difusa, mas então se agrupam transitoriamente em um ponto no envelope e, mais tarde ainda, dispersam-se novamente (Figura 21-7). Nem os mecanismos, nem as funções destes rearranjos são conhecidos, embora se imagine que eles tornem a prófase I mais rápida e eficiente. Uma possibilidade é que eles ajudem a impedir o embaralhamento dos cromossomos durante a prófase I. Em leveduras de fissão, o agrupamento dos telômeros é necessário para o pareamento e o crossing-over dos homólogos, porém em alguns organis- mos ele ocorre após o pareamento já estar bem encaminhado. Cromossomo 1 paterno replicado Cromossomo 1 materno replicado Centrômero Bivalente Cromátides- -irmãs (A) (B) Quiasma Figura 21-6 Alinhamento dos ho- mólogos e crossing-over. (A) A es- trutura formada por dois homólogos duplicados alinhados de forma muito próxima é chamada de bivalente. Como na mitose, as cromátides-irmãs estão conectadas firmemente ao longo de todo seu comprimento, bem como pe- los seus centrômeros. Nesse estágio, os homólogos normalmente estão unidos por um complexo proteico chamado de complexo sinaptotênico (não-mostrado; ver Figura 21-9). (B) Um bivalente em estágio posterior no qual um único evento de crossing-over está ocorrendo entre cromátides não-irmãs. Somente quando o complexo sinaptotênico se desfaz e os homólogos pareados sepa- ram-se um pouco no final da prófase I, como é mostrado, é possível visualizar o crossing-over microscopicamente como uma tênue conexão, chamada de quias- ma, entre os homólogos. (A) (B) 5 μm Figura 21-7 Rearranjo de telômeros durante a prófase em oócitos bovinos em desenvolvimento. O núcleo está corado de azul, e os telômeros, de ver- melho. Durante a prófase I, os telômeros estão ligados à superfície interna do envelope nuclear. A princípio, eles estão dispersos em torno do envelope nuclear (não-mostrado). Então, eles tornam-se agrupados em uma região do envelope (A); por fim, perto do final da prófase I, eles se dispersam novamente (B). (De C. Pfeifer et al., Dev. Biol. 255:206-215, 2003. Com permissão de Elsevier.) Alberts_21.indd 1274Alberts_21.indd 1274 29.07.09 08:19:3129.07.09 08:19:31 Biologia Molecular da Célula 1275 Descrevemos o pareamento de homólogos autossômicos durante a prófase I, mas o que acontece aos cromossomos sexuais? Isto varia entre organismos diferentes. Fêmeas mamí- feras têm dois cromossomos X, que pareiam e segregam da mesma forma que os outros ho- mólogos. Contudo, os machos têm um cromossomo X e um Y. Embora estes cromossomos não sejam homólogos, eles também devem parear e sofrer crossing-over durante a prófase para que sejam segregados normalmente na anáfase I. O pareamento, o crossing-over e a segregação são possíveis por causa de uma região pequena de homologia entre o X e o Y em uma ou ambas as extremidades destes cromossomos. Os dois cromossomos pareiam e se entrecruzam nessa região durante a prófase I, assegurando que cada espermatozoide receba ou um cromossomo X ou um Y, e não ambos ou nenhum. Assim, somente dois tipos de espermatozoides são produzidos normalmente: aqueles contendo um cromossomo Y, o qual dará origem a um embrião do sexo masculino, e aquele contendo um cromossomo X, que originará um embrião feminino. O pareamento dos homólogos culmina na formação de um complexo sinaptotênico Os homólogos pareados são trazidos a uma íntima justaposição, com seus eixos estruturais (centro axial) distantes cerca de 400 nm, por um mecanismo que depende, na maioria das espécies, das quebras programadas na fita dupla de DNA que ocorrem nas cromátides-ir- mãs. Por que atrair os eixos juntos? Uma possibilidade é que a grande máquina proteica, chamada de complexo de recombinação, que se organiza sobre uma quebra da fita dupla em uma cromátide, liga-se à sequência de DNA correspondente no homólogo próximo e ajuda a enovelar em seu par. Este assim chamado alinhamento pré-sináptico dos homólogos é se- guido por sinapse, na qual o centro axial de um homólogo torna-se intimamente ligado ao centro axial de seu par por um arranjo hermeticamente agrupado de filamentos transversos para criar um complexo sinaptotênico, o qual atravessa o espaço, agora de 100 nm, entre os homólogos (Figura 21-8). Embora o crossing-over inicie antes da montagem do complexo sinaptotênico, as etapas finais ocorrem enquanto o DNA é mantido no complexo (discutido no Capítulo 5). As modificações morfológicas que ocorrem durante o pareamento de cromossomos mei- óticos são a base para dividir a prófase I em cinco estágios sequenciais – leptóteno, zigóteno, paquíteno, diplóteno e diacinese. Como é mostrado na Figura 21-9, a prófase I começa com o leptóteno, quando os homólogos condensam e pareiam, e inicia-se a recombinação genética. No zigóteno, o complexo sinaptotênico começa a formar-se em regiões próximas ao longo dos homólogos; a formação inicia em locais onde os homólogos estão associados intimamente e os eventos de recombinação estão ocorrendo. No paquíteno, o processo de formação está completo e os homólogos estão unidos por sinapses ao longo de todo seu comprimento. O estágio de paquíteno pode persistir por dias ou mais tempo, até a desinapse iniciar no dipló- teno com a desorganização dos complexos sinaptotênicos e a concomitante condensação e o encurtamento dos cromossomos. É somente neste estágio, depois dos complexos terem se desfeito, que os eventos individuais de entrecruzamento entre cromátides não-irmãs podem Figura 21-8 Desenho esquemático simplificado de um complexo sinapto- tênico. Antes do complexo sinaptotêni- co se formar, complexos de recombina- ção se organizam sobre quebras da fita dupla de DNA em cromátides-irmãs e ajudam a catalisar o crossing-over entre alças de cromátides não-irmãs de lados opostos do complexo (não-mostrado). (Modificada de K. Nasmyth, Annu. Rev. Genet. 35:673-745, 2001. Com permis- são de Annual Reviews.) 100 nm Filamentos transversos Centros axiais dos homólogos Complexo coesina Alças de cromatina de cromátides-irmãs de um homólogo Alberts_21.indd 1275Alberts_21.indd 1275 29.07.09 08:19:3229.07.09 08:19:32 1276 Alberts, Johnson, Lewis, Raff, Roberts & Walter DIPLOTENE Cromátides- -irmãs paternas Cromátide 1 Cromátide 2 Cromátide 3 Cromátide 4 (A) (C) (D) Cromátides- -irmãs maternas Formação do complexo sinaptotênico Desorganização do complexo sinaptotênico 0,1 μm 5 μm INTERFASE LEPTÓTENO PAQUÍTENO ZIGÓTENO DIPLÓTENO SEGUIDO PELA DIACINESE (B) ser vistos como conexões inter-ho- mólogos chamadas de quiasmata (o singular é quiasma), que agora desempenham um papel crucial na manutenção dos homólogos juntos de forma compacta (Figura 21-10). Os homólogos agora estão prontos para iniciar o processo de segregação. A prófase I termina com a diacinese – o estágio de transição para a metáfase I. As proteínas que formam os filamentos transversos que fazem a ponte entre os cen- tros axiais dos homólogos têm sido identificadas em várias espécies, incluindo leveduras, vermes, moscas e mamíferos. Elas formam homodímeros que interagem uns com os outros através do espaço de 100 nm existente entre os homólogos, como ilustrado na Figura 21-11. Na maioria dos eucariotos, estas proteínas são importantes para o crossing-over, uma vez que mutantes que carecem delas não conseguem estabelecer recombinações. Os complexos coesina que se organizam sobre o DNA durante a fase S e juntam as cromátides-irmãs du- rante a meiose são os componentes principais do centro axial de cada homólogo (ver Figura 21-8). Algumas das subunidades coesina que operam na meiose são as mesmas que funcio- nam na mitose, ao passo que outras são específicas para a meiose. Não só as recombinações como também os complexos coesina desempenham um papel fundamental na segregação dos homólogos durante a divisão meiótica I, como discutiremos agora. A segregação dos homólogos depende de proteínas específicas da meiose associadas ao cinetocoro Uma diferença fundamental entre meiose I e mitose (e meiose II) é que, na meiose I, ao invés das cromátides-irmãs, são os homólogos que se separam e são segregados em duas Figura 21-9 Sinapse e desinapse dos homólogos durante os diferentes estágios da prófase I. (A) Um único bivalente é representado esquematicamente. Em leptóteno, as duas cromátides-irmãs ligam-se, e suas alças de cromatina se es- tendem juntas para fora a partir de um centro axial comum. O complexo sinaptotênico começa a se formar focalmente no início do zigóteno. A formação continua durante o zigó- teno e está completa no paquíteno. O complexo se desfaz no diplóteno. (B) Uma eletromicrografia de um complexo sinaptotênico de uma célula meiótica em paquíteno em uma flor de lírio. (C e D) Microfotografias de imunofluores- cência de células em prófase I do fungo Sordaria. Bivalentes parcialmente em sinapse no zigóteno são mostrados em (C) e bivalentes totalmente em sinapse são mostrados em (D). Setas vermelhas em (C) apontam para as regiões onde a sinapse ainda está incompleta. (B, cortesia de Brian Wells; C e D, de A. Storlazzi et al., Genes Dev. 17:2675-2687, 2003. Com permissão de Cold Spring Harbor Laboratory Press.) (A) (B) 1 2 3 4 Figura 21-10 Um bivalente com três quiasmata resultantes de três eventos de crossing-over (entrecru- zamento). (A) Fotomicrografia de luz de um bivalente de gafanhoto. (B) Desenho mostrando o arranjo dos entrecruzamentos em (A). Note que a cromátide 1 foi submetida a uma troca com a cromátide 3, e a cromátide 2 sofreu trocas com as cromátides 3 e 4. Observe também como a combinação de quiasmata e a adesão firme dos braços das cromátides-irmãs uma à outra (mediada por complexos coesina) mantêm os dois homólogos juntos após o complexo sinaptotênico ter se desorganizado; se os quiasmata ou a adesão entre as cromátides-irmãs deixam de se formar, os homólogos virão separados a este estágio e não serão segregados apropriadamente quando a célula se dividir no final da meiose I. (A, cortesia de Bernard John.) Alberts_21.indd 1276Alberts_21.indd 1276 29.07.09 08:19:3229.07.09 08:19:32 Biologia Molecular da Célula 1277 células-filhas (ver Figura 21-5). Esta diferença depende de três características da meiose I que a distinguem da mitose (Figura 21-12). Primeiro, os cinetocoros (complexos proteicos Figura 21-12 Comparação do comportamento do cromossomo em meiose I, meiose II e mitose. Cromossomos comportam-se de maneira seme- lhante em mitose e meiose II, mas comportam-se de forma muito diferente em meiose I. (A) Na meiose I, os dois cinetocoros-irmãos estão localizados lado-a-lado em cada homólogo nos centrômeros-irmãos e se prendem aos microtúbulos derivados do mesmo polo do fuso. A destruição proteolítica dos complexos coesina ao longo dos braços das cromátides-irmãs desfaz a aderência entre os braços e extingue gradualmente as recombinações, permitindo que os homólogos duplicados separem-se na anáfase I, enquanto os complexos coesina residuais nos centrômeros mantêm as irmãs jun- tas. A degradação proteolítica dos complexos coesina residuais nos centrômeros permite a separação das cromátides-irmãs na anáfase II. (B) Ao con- trário, na mitose, os dois irmãos prendem-se aos microtúbulos derivados de diferentes polos do fuso, e as duas cromátides-irmãs migram separadas no início da anáfase e segregam em células-filhas separadas (discutido no Capítulo 17). Figura 21-11 Modelo molecular de como filamentos transversos podem ser formados por um único tipo de proteína. (A) Um esquema da cadeia polipeptídica mostrando os domínios globulares N-terminal e C-terminal, co- nectados por uma região hélice-hélice (ou super-hélice). (B) Está proposto que a proteína forma homodímeros, os quais então interagem através do es- paço de 100 nm que separa os centros axiais dos dois homólogos. (Adaptada de S. L. Page e R.S. Hawley, Science 301:785-789, 2003. Com permissão de AAAS.) 100 nm Filamentos transversos Centro axial (B) (A) Alças de cromatina das cromátides-irmãs Proteína de filamento transverso Região super-hélice do homodímero (A) MEIOSE (B) MITOSE Microtúbulo do cinetocoro Cinetocoro Cromátide Centrômero + + + Cinetocoro Complexos coesina Complexo coesina TELÓFASE II TELÓFASEANÁFASEMETÁFASE METÁFASE IIANÁFASE I ANÁFASE IIMETÁFASE I Microtúbulo do cinetocoro Cromátide Centrômero Cinetocoro Células-filhas diploides Células-filhas haploides Complexo coesina Alberts_21.indd 1277Alberts_21.indd 1277 29.07.09 08:19:3229.07.09 08:19:32 1278 Alberts, Johnson, Lewis, Raff, Roberts & Walter associados aos centrômeros, discutidos nos Capítulos 4 e 17) nas duas cromátides-irmãs de um homólogo se prendem aos microtúbulos derivados do mesmo polo do fuso da meiose I e, dessa forma, segregam juntos para a mesma célula-filha na anáfase I; isso contrasta com a mitose (e a meiose II), na qual os cinetocoros de duas cromátides-irmãs de um cromossomo se prendem a polos opostos do fuso e, por conseguinte, segregam para células-filhas diferen- tes na anáfase. Segundo, uma ligação física forte é mantida entre os homólogos e resiste às forças de tração do fuso da meiose I até os bivalentes estarem alinhados no equador do fuso e os homólogos separarem-se na anáfase I. Os quiasmata formados entre cromátides não- -irmãs e a coesão entre os braços de cromátides-irmãs cooperam para manter os homólogos juntos (ver Figura 21-10). Terceiro, os braços das cromátides-irmãs separam-se na anáfase I, acabando com os quiasmata e permitindo que os homólogos separem-se, mas as irmãs permanecem aderidas juntas na região de seus centrômeros até a anáfase II e, portanto, não se separam na anáfase I. Em experimentos de micromanipulação, cromossomos em meiose I transferidos para fusos de meiose II comportam-se como se estivessem em meiose I, indicando que o compor- tamento especializado de cromossomos, em meiose I é determinado pelos próprios cromos- somos, ao invés do fuso ou outros fatores citoplasmáticos. Várias proteínas específicas da meiose associadas a cromossomos da meiose I explicam o comportamento especial, embora funcionem juntamente com proteínas não-específicas da meiose que ajudam a intermediar tanto a mitose como a meiose. Por exemplo, complexos de proteínas específicas da meiose associam-se com os dois cinetocoros em cada homólogo replicado e ajudam a assegurar que as duas cromátides-irmãs se prendam aos microtúbulos derivados de um único polo do fuso. Outras proteínas (chamadas de shugoshinas) associadas a cinetocoros ajudam a ga- rantir que cinetocoros-irmãos não virão separados para a anáfase I, quando a enzima pro- teolítica separase (discutida no Capítulo 17) cliva os complexos coesina que unem os braços de cromátides-irmãs. Uma maneira das shugoshinas protegerem os complexos coesina em centrômeros é pelo recrutamento de uma proteína fosfatase específica para os centrômeros; a fosfatase reverte a fosforilação dos complexos coesina que é necessária para a separase clivá-los. Assim, os braços das cromátides vêm separados para a anáfase I, ao passo que os centrômeros não. As irmãs separam-se somente quando a separase cliva os complexos coe- sina remanescentes nos centrômeros na anáfase II (ver Figura 21-12A), quando as shugoshi- nas já funcionaram. Ao contrário da meiose I, a meiose II ocorre rapidamente e lembra rigorosamente uma divisão celular mitótica, embora ocorra sem replicação de DNA. A prófase II é breve: o en- velope nuclear se rompe, enquanto o novo fuso se forma, e então a metáfase II, a anáfase II e a telófase II seguem normalmente em uma sucessão rápida. Depois que os envelopes nu- cleares se formaram em torno dos quatro núcleos haploides produzidos na telófase, ocorre a citocinese e a meiose está completa. A meiose frequentemente funciona mal A distribuição dos cromossomos que ocorre durante a meiose é uma façanha extraordinária de contabilidade intracelular. Em humanos, cada meiose necessita que a célula inicial não perca de vista 92 cromátides (46 cromossomos, cada um duplicado), distribuindo um con- junto completo de cada tipo de cromossomo para cada uma das quatro células haploides des- cendentes. Não causa surpresa que podem ocorrer erros na distribuição dos cromossomos durante este processo complicado. Erros são especialmente comuns na meiose de fêmeas humanas, a qual é interrompida após o diplóteno durante anos: a meiose I só é completada no momento da ovulação, e a meiose II somente após o oócito ser fecundado. Na verdade, tais erros na segregação de cromossomos durante o desenvolvimento do oócito são as causas mais comuns tanto de aborto espontâneo quanto de retardo mental em humanos. Quando os homólogos falham em se separar adequadamente – um fenômeno chamado de não-disjunção – o resultado é que alguns dos gametas haploides produzidos carecem de um cromossomo em particular, enquanto outros têm mais de uma cópia dele. (Células com um número anormal de cromossomos são chamadas de aneuploides, enquanto aquelas com o número correto são ditas euploides.) Na fecundação, gametas aneuploides formam embri- ões anormais, a maioria dos quais morre. No entanto, alguns sobrevivem. Por exemplo, em Alberts_21.indd 1278Alberts_21.indd 1278 29.07.09 08:19:3329.07.09 08:19:33 Biologia Molecular da Célula 1279 humanos, a síndrome de Down, que é a principal causa única de retardo mental, é causada por uma cópia extra do cromossomo 21, normalmente resultante da não-disjunção durante a meiose I no ovário da fêmea. Erros de segregação durante a meiose I aumentam muito à medida que a idade materna avança. Apesar de sua falibilidade, quase todos os eucariotos usam a meiose, ao menos de for- ma intermitente, para embaralhar sua informação genética antes de passá-la para a próxima geração. O crossing-over faz a principal contribuição para este processo de mistura genética, como discutiremos agora. O crossing-over reforça o rearranjo genético A menos que sejam gêmeos idênticos, que se desenvolvem a partir de um único zigoto, dois filhos dos mesmos pais jamais são geneticamente iguais. Como discutimos anteriormente, isto ocorre porque, muito antes dos dois gametas fundirem-se durante a fecundação, dois ti- pos de rearranjo genético aleatório ocorreram na meiose I, durante a produção dos gametas: a distribuição ao acaso de homólogos maternos e paternos e o crossing-over. A distribuição aleatória dos homólogos maternos e paternos (Figura 21-13A), em princípio, poderia pro- duzir 2n gametas geneticamente diferentes, onde n é o número haploide de cromossomos. Por exemplo, em humanos, cada indivíduo pode produzir ao menos 223 = 8,4 × 106 gametas geneticamente diferentes. Porém, o número real de variantes é muito maior que este por causa do crossing-over cromossômico (ou simplesmente crossing-over), que é uma con- sequência da recombinação dos homólogos (discutida no Capítulo 5), na qual são trocados segmentos de DNA de cromossomos homólogos. Na meiose, quando a troca ocorre entre cromátides não-irmãs, ele mistura a constituição genética de cada um dos cromossomos (Fi- gura 21-13B). Em média, entre dois e três crossing-overs (entrecruzamentos) ocorrem entre cada par de homólogos humanos (Figura 21-14). Três pares de cromossomos homólogos Um par de cromossomos homólogos Materno paterno ARRANJO INDEPENDENTE DE HOMÓLOGOS MATERNOS E PATERNOS DURANTE A MEIOSE I MEIOSE II Gametas possíveis Gametas possíveis (A) (B) Materno Paterno CROSSING-OVER DURANTE A PRÓFASE I DIVISÕES MEIÓTICAS I E II Figura 21-13 As duas principais con- tribuições para o rearranjo do material genético que ocorre na produção de gametas durante a meiose. (A) O arranjo independente dos homólogos materno e paterno durante a meiose produz 2n gametas haploides diferentes para um organismo com n cromos- somos. Aqui, n = 3, e há oito gametas diferentes possíveis. (B) O crossing-over durante a prófase I troca segmentos de DNA entre cromossomos homólogos e, dessa forma, rearranja genes em cromossomos particulares. Devido às muitas pequenas diferenças na sequên- cia de DNA que sempre existem entre dois homólogos quaisquer, ambos os mecanismos aumentam a variabilidade genética dos organismos que se repro- duzem sexualmente. Alberts_21.indd 1279Alberts_21.indd 1279 29.07.09 08:19:3329.07.09 08:19:33 1280 Alberts, Johnson, Lewis, Raff, Roberts & Walter Os detalhes moleculares do crossing-over são discutidos no Capítulo 5 (ver Figura 5-64). Brevemente, uma proteína conservada específica da meiose chamada de Spo 11 inicia o cros- sing-over por criar uma quebra na fita dupla do DNA tanto da cromátide materna quanto da paterna. Um complexo de recombinação multienzimático muito grande, contendo enzimas de reparo da fita dupla de DNA, reúne-se sobre a quebra e catalisa a recombinação homólo- ga. Na maioria dos casos, estes eventos não resultam em um entrecruzamento. Entretanto, em alguns casos, a recombinação homóloga leva a um entrecruzamento, onde segmentos de DNA são trocados entre cromátides não-irmãs de um modo recíproco. Como discutido an- teriormente, após a desinapse, cada entrecruzamento pode ser visto ao microscópio como um quiasma (ver Figura 21-10A). Como ilustrado na Figura 21-10B, cada uma das duas cro- mátides-irmãs de um homólogo pode formar um ou mais entrecruzamentos com qualquer das duas cromátides-irmãs de seu par homólogo. O crossing-over é altamente regulado O crossing-over tem duas funções distintas na meiose: ele ajuda a manter os homólogos jun- tos até que sejam segregados adequadamente para as duas células-filhas produzidas pela meiose I e contribui para a diversidade genética dos gametas que finalmente são produzi- dos. No entanto, como poderia ser esperado, o crossing-over é altamente regulado: o número e a localização das quebras na fita dupla ao longo de cada cromossomo são controlados, assim como a probabilidade que uma quebra seja convertida em um entrecruzamento. Em- bora as quebras na fita dupla que ocorrem na meiose I possam estar situadas quase em qual- quer lugar ao longo do cromossomo (ver Figura 21-14), elas não estão distribuídas de forma uniforme: elas se agrupam com frequência em locais onde a cromatina é mais acessível (em hot spots), e ocorrem apenas raramente em cold spots, locais como as regiões de heterocro- matina em torno dos centrômeros e telômeros. Pelo menos dois tipos de regulação influenciam a localização e o número de entrecruza- mentos que se formam, nenhum deles sendo bem compreendido. Ambos funcionam antes do complexo sinaptotênico se organizar. Um assegura que pelo menos um entrecruzamento se forme entre os membros de cada par homólogo, como é necessário para a segregação nor- mal dos homólogos em meiose I. No outro, chamado de interferência de entrecruzamento, a presença de um evento de entrecruzamento inibe a formação de outro próximo a ele, talvez pela depleção local das proteínas necessárias para converter uma quebra na fita dupla de DNA em um entrecruzamento estável. Nos mamíferos, a meiose é regulada de forma diferente em machos e fêmeas Os mecanismos básicos da meiose têm sido conservados durante a evolução em todos os eucariotos de reprodução sexuada. Por exemplo, em todos estes organismos a maior parte da meiose é gasta na prófase I, embora os detalhes da sincronização de estágios diferentes variem entre os organismos (Figura 21-15). No entanto, há algumas diferenças extraordiná- rias na regulação da meiose em espécies diferentes e em sexos diferentes na mesma espécie. A diferença entre os dois sexos é muito surpreendente em mamíferos. 10 μm Figura 21-14 Entrecruzamentos entre homólogos no testículo humano. Nes- ta fotomicrografia de imunofluorescên- cia, anticorpos foram usados para corar os complexos sinaptotênicos (verme- lho), os centrômeros (azul) e os locais de crossing-over (verde). Observe que todos os bivalentes têm ao menos um entre- cruzamento e nenhum tem mais que 3. (Modificada de A. Lynn et al., Science 296:2222-2225, 2002. Com permissão de AAAS.) Alberts_21.indd 1280Alberts_21.indd 1280 29.07.09 08:19:3329.07.09 08:19:33 Biologia Molecular da Célula 1281 Em fêmeas mamíferas, os oócitos primários iniciam a meiose no ovário fetal, mas a in- terrompem após o diplóteno, depois que o complexo sinaptotênico se desfaz na meiose I. Eles completam a meiose I somente após a fêmea tornar-se sexualmente madura, e o oócito é liberado do ovário durante a ovulação; além disso, o oócito liberado completa a meiose II somente se é fecundado. Dessa forma, há mecanismos especiais de parada e início durante a meiose em fêmeas mamíferas. Em humanos, alguns oócitos permanecem detidos em meio- se I por 40 anos ou mais, o que, presumivelmente, é ao menos parte da razão do aumento dramático da não-disjunção em mulheres mais velhas. Ao contrário, em machos mamíferos, a meiose inicia nas células precursoras de espermatozoides (espermatócitos primários) no testículo somente na puberdade e, então, prossegue continuamente, sem os mecanismos de parada e início que funcionam durante a meiose na fêmea. Leva cerca de 24 dias para um espermatócito humano completar a meiose. Também há uma grande diferença nas taxas de erro de meiose em fêmeas e machos mamíferos, e isto é especialmente impressionante em humanos. Em torno de 20% dos oócitos humanos são aneuploides, comparados a 3 a 4% de espermatozoides humanos, e, em grande parte como resultado disso, acima de 25% de todos os fetos humanos são aneuploides, e a maior parte deles por não-disjunção em oócitos na meiose I. A fecun- dação em mamíferos tipicamente envolve a ovulação de um número pequeno de oócitos em uma extremidade do trato reprodutor feminino e a entrada de milhões de esperma- tozoides na outra. Dada a escassez relativa de oócitos, se poderia esperar que o desen- volvimento do oócito estivesse submetido a um controle de qualidade mais rigoroso que o desenvolvimento do espermatozoide, mas o caso é o contrário. Se a meiose funciona mal em células do macho, um mecanismo de ponto de verificação do ciclo celular (dis- cutido no Capítulo 17) é ativado, o que interrompe a meiose e leva à morte celular por apoptose. Tais mecanismos de ponto de verificação aparentemente não funcionam nas células meióticas femininas; se a segregação de homólogos deixa de ocorrer normalmen- te, as células continuam através da meiose e produzem oócitos aneuploides. A linhagem germinativa masculina, por outro lado, é considerada como sendo a principal fonte de outro tipo de erro genético. Como muito mais divisões celulares mitóticas ocorrem na via para a produção de um espermatozoide, e cada ciclo de replicação de DNA é propenso a erro, a contribuição dos pais para o número médio de novas mutações é maior que a contribuição das mães. A produção de gametas envolve mais do que apenas a meiose, e os outros processos também diferem para oócitos e espermatozoides. Como veremos, ao final da meiose, um oócito mamífero está completamente maduro, enquanto um espermatozoide que tenha completado a meiose terá apenas começado sua diferenciação. No entanto, antes de discu- tirmos estes gametas, levaremos em consideração primeiro como certas células no embrião mamífero inicialmente tornam-se definidas para se desenvolverem em células germinativas e, então, como estas células tornam-se comprometidas para transformarem-se em esperma- tozoides ou oócitos, dependendo do sexo do indivíduo. Resumo Gametas haploides (oócitos, espermatozoides, pólen e esporos) são produzidos por meiose, na qual duas divisões celulares sucessivas seguem um ciclo de replicação de DNA para dar origem a quatro células haploides a partir de uma única célula diploide. A meiose é dominada por uma prófase I prolongada, que pode ocupar 90% ou mais do período meiótico total. No início da prófase I, os cromossomos estão replicados e consistem em duas cromátides-irmãs fortemente unidas. Então, os cromossomos homólogos (homólogos) pareiam lado-a-lado e tornam-se progressivamente mais intimamente justapostos à medida que a prófase I prossegue. Os homólogos fortemente alinhados (bivalentes) sofrem recombinação genética, formando entrecruzamentos que podem ser vistos, mais tarde, como quiasmata, os quais ajudam a manter cada par de homólogos unido durante a metáfa- se I. Tanto o crossing-over quanto a segregação independente das cópias materna e paterna de cada cromossomo durante a meiose I têm papéis importantes na formação dos gametas geneticamente diferentes uns dos outros e de ambos os pais. Proteínas associadas ao cinetocoro específicas da meio- se auxiliam a garantir que ambas as cromátides-irmãs em um homólogo prendam-se ao mesmo polo do fuso; outras proteínas associadas ao cinetocoro asseguram que os homólogos permaneçam conectados em seus centrômeros durante a anáfase I, de maneira que os homólogos, ao invés das cromátides-irmãs, sejam segregados na meiose I. Depois da longa meiose I, a meiose II segue rapi- damente, sem replicação de DNA, em um processo que lembra a mitose, no qual cromátides-irmãs são separadas na anáfase. 0 1 2 3 4 5 6 7 LEPTÓTENO ZIGÓTENO PAQUÍTENO DIPLÓTENO + DIACINESE Conclusão da meiose I e toda a meiose II Conclusão da meiose I e toda a meiose II (A) (B) Pr óf as e I Te m p o (d ia s) LEPTÓTENO ZIGÓTENO PAQUÍTENO DIPLÓTENO + DIACINESE Pr óf as e I Te m p o (d ia s) 0 3 6 9 12 LÍRIO CAMUNDONGO Figura 21-15 Comparação dos tempos necessários para cada um dos estágios da meiose. (A) Tempos aproximados para um macho mamífero (camundon- go). (B) Tempos aproximados para o tecido masculino de uma planta (lírio). Os tempos diferem para gametas mas- culinos e femininos (espermatozoides e oócitos, respectivamente) da mesma espécie, assim como para os mesmos gametas de espécies diferentes. Por exemplo, a meiose em um macho hu- mano continua por 24 dias, comparada com 12 dias no camundongo. Na fêmea humana, ela pode durar 40 anos ou mais, porque a meiose I é interrompida após o diplóteno. No entanto, em todas as espécies, a prófase I é sempre muito mais longa que todos os outros estágios meióticos juntos. Alberts_21.indd 1281Alberts_21.indd 1281 29.07.09 08:19:3329.07.09 08:19:33 1282 Alberts, Johnson, Lewis, Raff, Roberts & Walter CÉLULAS GERMINATIVAS PRIMORDIAIS E DETERMINAÇÃO DO SEXO EM MAMÍFEROS As estratégias reprodutivas sexuais variam muito entre organismos diferentes. No restante deste capítulo, abordaremos principalmente as estratégias utilizadas pelos mamíferos. Em todos os embriões de vertebrados, certas células são escolhidas no início do desen- volvimento como progenitoras dos gametas. Estas células germinativas primordiais (PGCs, primordial germ cells) diploides migram para as gônadas em desenvolvimento, as quais for- marão os ovários nas fêmeas e os testículos nos machos. Após um período de proliferação mi- tótica nas gônadas em desenvolvimento, as PGCs sofrem meiose e se diferenciam em game- tas maduros haploides – ou oócitos ou espermatozoides. Mais tarde, depois do acasalamento, a fusão do oócito com o espermatozoide inicia a embriogênese. A subsequente produção de novas PGCs nesse novo embrião começa o ciclo novamente (ver Figura 21-3A). Nesta seção, levaremos em consideração como surgem as PGCs de mamíferos, como o sexo de um mamífero é determinado e como a determinação do sexo define se as PGCs se desenvolvem em espermatozoides ou em oócitos. Sinais de células vizinhas especificam PGCs em embriões mamíferos Em muitos animais, incluindo muitos vertebrados, o oócito não-fecundado contém molé- culas específicas localizadas em uma região particular do citoplasma que determina quais células se tornarão células germinativas. Quando o oócito é fecundado e passa por divisões repetidas para produzir as células do embrião precoce, as células que herdam estas molécu- las determinantes de células germinativas tornam-se PGCs (Figura 21-16). Embora a nature- za molecular e as funções dos determinantes sejam amplamente desconhecidas, proteínas da família Vasa são um componente necessário em todos estes animais. Proteínas vasa são estruturalmente semelhantes a RNA-helicases dependentes de ATP, mas sua função precisa na determinação de células germinativas permanece um mistério. Ao contrário, em outros animais, incluindo os mamíferos, o citoplasma do oócito não con- tém determinantes localizados para células germinativas. Em vez disso, sinais de células vizi- nhas ditam quais células tornam-se PGCs. Em mamíferos, todas as células produzidas pelas primeiras divisões do zigoto são totipotentes – isto é, elas têm o potencial para dar origem a qual- quer dos tipos celulares do animal, incluindo as células germinativas e a células de tecidos extra- embrionários como a placenta. Somente mais tarde um grupo pequeno de células é induzido a tornar-se PGCs por sinais produzidos por células vizinhas. No camundongo, por exemplo, em torno de 6 dias após a fecundação, sinais (incluindo BMP4, proteína morfogênica dos ossos 4, de bone morphogenic protein 4) secretados por células no tecido que reveste a parte externa do próprio embrião induzem cerca de 10 células no tecido de revestimento embrionário adjacente a tornarem-se precursoras de PGC. Essas células dividem-se e maturam para tornar-se PGCs, impedindo a expressão de alguns genes de células somáticas e ativando a expressão de genes envolvidos na manutenção da característica especial de células germinativas. Embora mecanismos diferentes especifiquem PGCs em animais diferentes, alguns dos mecanismos que controlam sua proliferação e desenvolvimento têm sido conservados na Figura 21-16 Segregação de determi- nantes de células germinativas no ne- matódeo C. elegans. As fotomicrogra- fias na linha superior mostram o padrão de divisões celulares, com os núcleos celulares corados de azul; embaixo, as mesmas células estão coradas com um anticorpo que marca (em verde) grânu- los pequenos (chamados de grânulos P) que funcionam como determinantes de células germinativas. Os grânulos P são compostos por moléculas de RNA e proteína, estando distribuídos aleatoria- mente por todo o citoplasma do oócito não-fecundado (não-mostrado aqui). Como mostrado nos painéis mais à es- querda, após a fecundação, os grânulos se acumulam em um dos polos do zigo- to. Então, os grânulos são segregados em uma das duas células-filhas a cada divisão celular. A única célula contendo os grânulos P no embrião mostrado nos painéis mais à direita é a precursora da linhagem germinativa. (Cortesia de Susan Strome). Alberts_21.indd 1282Alberts_21.indd 1282 29.07.09 08:19:3429.07.09 08:19:34 Biologia Molecular da Célula 1283 evolução desde vermes até humanos. Por exemplo, o desenvolvimento de PGCs em todos animais que têm sido estudados conta com a supressão dos destinos de células somáticas por repressão de genes, bem como a inibição de tradução de mRNAs específicos por proteí- nas de ligação ao RNA Nanos. As PGCs migram para a gônada em desenvolvimento Depois que as PGCs mamíferas se desenvolvem, elas proliferam e migram para seu destino final nas gônadas em desenvolvimento (Figura 21-17). Enquanto elas migram através do embrião, várias proteínas-sinal extracelulares produzidas por células somáticas adjacentes atuam na sinalização para elas sobreviverem, proliferarem e migrarem. Entre as proteínas- -sinal secretadas que ajudam a atrair as PGCs para a gônada em desenvolvimento estão as quimiocinas, as quais se ligam a receptores associados à proteína G (GPCRs, G-protein- coupled receptors) e orientam a migração de vários tipos celulares, incluindo as PGCs e as células brancas do sangue, os leucócitos (discutido no Capítulo 23). Após as PGCs entrarem na gônada em desenvolvimento, que neste estágio é chamada de crista genital (ou saliência genital), elas passam por mais várias divisões celulares mitóti- cas, na direção de tornarem-se especializadas a seguir uma via que as levará a desenvolve- rem-se como oócitos ou espermatozoides. Entretanto, logo que as PGCs migram para o interior da gônada embrionária, elas não estão irreversivelmente comprometidas a tornarem-se gametas. Quando removidas do em- brião e cultivadas na presença de proteínas-sinal extracelulares adequadas, elas se conver- tem em células que podem ser mantidas indefinidamente em cultivo como uma linhagem celular que pode produzir qualquer dos tipos celulares do organismo do animal, embora não as células extra-embrionárias que formarão estruturas como a placenta; por essa razão, elas são ditas pluripotentes, ao invés de totipotentes. A respeito disso, estas assim chamadas células germinativas embrionárias (EG, embrionyc germ cells) lembram as células-tronco em- brionárias (ES, embrionyc stem cells) (discutido no Capítulo 23). Células EG e ES são fontes promissoras de vários tipos celulares humanos – tanto para testes de fármacos quanto para o tratamento de doenças, como ataques cardíacos, derrames e várias doenças neurodegene- rativas, nas quais tipos celulares específicos morrem. O que determina se as PGCs que migram para dentro da gônada mamífera se desen- volverão em oócitos ou espermatozoides? Surpreendentemente, o que determina não é a constituição de seu próprio cromossomo sexual, mas sim se a crista genital começou a se desenvolver em um ovário ou em um testículo, respectivamente. Os cromossomos sexuais nas células somáticas da crista genital determinam que tipo de gônada a crista se tornará. Apesar de muitos genes influenciarem no resultado, um único gene no cromossomo Y tem um papel especialmente importante. O gene Sry direciona a gônada mamífera em desenvolvimento a tornar-se um testículo Aristóteles acreditava que a temperatura do macho durante o ato sexual determinava o sexo dos descendentes: quanto mais alta a temperatura, maior a chance de produzir um macho. Estivesse ele referindo-se a lagartos ou crocodilos ao invés de humanos, ele estaria muito próximo da verdade, visto que em muitos répteis ovíparos a temperatura de incubação dos Figura 21-17 Migração de PGCs de mamíferos. (A) Fotomicrografia de flu- orescência mostrando PGCs migrando em um corte transversal de um embrião precoce de camundongo. As PGCs estão coradas com um anticorpo monoclonal (em verde) que marca especificamente estas células neste estágio da embrio- gênese. As células restantes no embrião estão coradas com uma lecitina (em ver- melho) que se liga ao ácido siálico, que é encontrado na superfície de todas as células. (B) Esquema que corresponde à fotomicrografia mostrada em (A). (A, cor- tesia de Robert Anderson e Chris Wylie.) Tubo neural Somito Futura gônada Intestino médio (B) Notocorda (A) 100 μm Célula germinativa primordial Alberts_21.indd 1283Alberts_21.indd 1283 29.07.09 08:19:3529.07.09 08:19:35 1284 Alberts, Johnson, Lewis, Raff, Roberts & Walter ovos determina o sexo dos descendentes; em lagartos e crocodilos, os machos desenvolvem- -se em temperaturas quentes e as fêmeas em temperaturas frias. No entanto, sabemos agora que os cromossomos sexuais, ao invés da temperatura dos pais ou do embrião, determinam o sexo de um mamífero. As fêmeas dos mamíferos têm dois cromossomos X em todas as suas células somáti- cas, enquanto que os machos têm um X e um Y. A presença ou a ausência do cromossomo Y, que é o menor cromossomo humano (Figura 21-18), determina o sexo do indivíduo. Os indivíduos com um cromossomo Y se desenvolvem como machos, não importando quantos cromossomos X eles tenham, enquanto indivíduos sem um cromossomo Y se desenvolvem como fêmeas, mesmo que tenham apenas um cromossomo X. O espermatozoide que fecun- da o oócito determina o sexo do zigoto resultante: o oócito têm um único cromossomo X, enquanto o espermatozoide pode ter um X ou um Y. O cromossomo Y influencia o sexo do indivíduo por guiar as células somáticas da crista genital a se desenvolverem como um testículo em vez de um ovário. Embriões mamíferos estão programados para desenvolverem-se como fêmeas a não ser que sejam impedidos de fazê-lo pelo testículo, que conduz o embrião a se desenvolver como um macho. Se as cris- tas genitais são removidas antes de terem começado a se desenvolver em um testículo ou um ovário, um mamífero desenvolve-se como uma fêmea, independentemente do cromos- somo sexual que ele transporte. Isso não significa que sinais não sejam necessários para o desenvolvimento de órgãos específicos da fêmea em mamíferos: por exemplo, a secreção da proteína-sinal Wnt4 é necessária ao desenvolvimento normal do ovário mamífero. O gene decisivo no cromossomo Y que conduz a crista genital a desenvolver-se em testí- culo ao invés de ovário é chamado de Sry, por ser a “região do Y que determina o sexo” (sex- determining region of Y). Surpreendentemente, quando este gene é introduzido no genoma de um zigoto de camundongo XX, o embrião transgênico produzido desenvolve-se como um macho, mesmo que lhe faltem todos os outros genes do cromossomo Y. Entretanto, tais ca- mundongos de sexo-revertido não podem produzir espermatozoides, por lhes faltar os outros genes no cromossomo Y que são necessários para o desenvolvimento destes gametas. De forma semelhante, humanos XY com uma mutação que inativa o Sry se desenvolvem como fêmeas, mesmo que sejam geneticamente machos. O Sry é expresso em uma subpopulação de células somáticas da gônada em desenvolvi- mento, e isto faz com que estas células se diferenciem em células de Sertoli, o principal tipo de células de sustentação no testículo (ver Figura 21-29). As células de Sertoli dirigem o de- senvolvimento sexual ao longo de uma via de diferenciação masculina por influenciar outras células na crista genital e em outras partes do embrião, pelo menos de quatro maneiras: 1 2 3 4 5 6 7 8 11109 12 13 14 15 16 19 20 21 X Y22 17 18 Figura 21-18 Cromossomos de um macho humano normal. Os cromos- somos foram marcados com o corante de Giemsa. Ver também Figuras 4-10 e 4-11. Observe a diferença de tamanho dos dois cromossomos sexuais. Enquan- to o cromossomo X tem mais de 1.000 genes, o cromossomo Y contém apenas cerca de 80. (Cortesia de Julie Robert- son do Wisconsin State Laboratory of Hygiene.) Alberts_21.indd 1284Alberts_21.indd 1284 29.07.09 08:19:3529.07.09 08:19:35 Biologia Molecular da Célula 1285 1. Elas estimulam as PGCs recém-chegadas a se desenvolverem ao longo de uma via que produz espermatozoides. Elas fazem isso impedindo que as células entrem em meiose e se desenvolvam ao longo da via que produz oócitos, como discutiremos mais tarde. 2. Elas secretam o hormônio antimulleriano, que entra na circulação do sangue e su- prime o desenvolvimento do trato reprodutor feminino por causar a regressão do ducto de Muller (caso contrário, estes ductos dariam origem ao oviduto, ao útero e à parte superior da vagina). 3. Elas estimulam células endoteliais e musculares lisas no tecido mesenquimal adjacen- te a migrar para o interior da gônada em desenvolvimento. Estas células formam ele- mentos fundamentais dentro do testículo que são necessários para a produção normal de espermatozoides, a qual inicia quando o organismo atinge a maturidade sexual. 4. Elas ajudam a induzir outras células somáticas na gônada em desenvolvimento a se tornarem células de Leydig, que secretam o hormônio sexual masculino testosterona na corrente sanguínea. A secreção de testosterona é responsável por induzir todas as características sexuais secundárias masculinas, incluindo as estruturas do trato reprodutor masculino, como a próstata e as vesículas seminais, que se desenvolvem a partir de outro ducto, chamado de sistema de ductos de Wolff. Este sistema de ductos degenera-se na fêmea em desenvolvimento, pois necessita de testosterona para sobreviver e se desenvolver. A secreção de testosterona também ajuda a mas- culinizar o cérebro precoce em desenvolvimento, influenciando a identidade e a orientação sexual masculina e, por isso, o comportamento sexual: por exemplo, ra- tas que são tratadas com testosterona logo após o nascimento mostram mais tarde um comportamento sexual semelhante ao dos machos. O gene Sry codifica uma proteína reguladora de gene (Sry) que liga-se ao DNA e influen- cia a transcrição de outros genes envolvidos no desenvolvimento da célula de Sertoli. Um gene fundamental nesta cascata codifica outra proteína reguladora de gene relacionada à Sry, que é chamada de Sox9. O gene Sox9 não está no cromossomo Y, mas é expresso em ma- chos em todos os vertebrados, ao contrário do Sry, que é encontrado apenas em mamíferos. Se o Sox9 é expresso de forma ectópica nas gônadas em desenvolvimento de um embrião de camundongo XX, o embrião desenvolve-se como um macho, mesmo que lhe falte o gene Sry, sugerindo que a proteína Sry normalmente atue pela indução da expressão do gene Sox9. A proteína Sox9 ativa diretamente a transcrição de pelo menos alguns genes específicos de células de Sertoli, incluindo o gene que codifica o hormônio antimulleriano. Na ausência ou de Sry ou de Sox9, a crista genital de um embrião XY se desenvolve como um ovário ao invés de um testículo. As células de sustentação tornam-se células foliculares em vez de células de Sertoli. Outras células somáticas tornam-se células da teca folicular (em vez de células de Leydig), o que, iniciando a puberdade, contribui para a produção do hormônio sexual feminino estrogênio. As PGCs se desenvolvem ao longo da via que produz oócitos, ao invés de espermatozoides (Figura 21-19), e o animal se desenvolve como uma fêmea. Como as células de Sertoli induzem as PGCs que migram para o interior da gônada em desenvolvimento em machos a seguirem a via que leva à produção de espermatozoide ao invés da que leva à produção de oócito? O mecanismo depende da pequena molécula– sinal ácido retinoico (ver Figura 15-13), que, em ambos os sexos, é produzida por células em uma estrutura tubular transitória chamada de mesonefros, que se encontra adjacente à gônada em desenvolvimento. No ovário embrionário, o ácido retinoico induz as células da linhagem germinativa em proliferação a entrarem em meiose e darem início à via que leva à produção de oócitos; as células ficam detidas após diplóteno da prófase I, fase em que elas perma- necem até a ovulação, que inicia quando a fêmea atinge a maturidade sexual. No testículo embrionário, ao contrário, células de Sertoli produzem uma enzima que degrada o ácido retinoico, impedindo que o ácido retinoico do mesonefros induza as células da linhagem germinativa a entrar em meiose e iniciar o desenvolvimento de oócitos. Apenas muito mais tarde, quando o macho torna-se sexualmente maduro, as células da linhagem germinativa no testículo começam a produzir espermatozoides. Muitos aspectos da reprodução sexuada variam bastante entre espécies animais Embora a meiose seja altamente conservada em todos os eucariotos que se reproduzem sexualmente, outros aspectos da reprodução sexuada são extremamente variáveis. Temos Alberts_21.indd 1285Alberts_21.indd 1285 29.07.09 08:19:3529.07.09 08:19:35 1286 Alberts, Johnson, Lewis, Raff, Roberts & Walter visto que o sexo de um animal pode depender ou de seus cromossomos ou do ambien- te no qual ele se desenvolve. Contudo, mesmo os mecanismos genéticos da determina- ção do sexo variam muito. Por exemplo, em C. elegans e Drosophila, o sexo é determinado pela proporção de cromossomos X em relação aos autossômicos, em vez da presença ou ausência de um cromossomo Y, como nos mamíferos. Em C. elegans, a determinação do sexo depende principalmente dos controles da transcrição e da tradução sobre a expressão gênica, enquanto em Drosophila ela depende de uma cascata de eventos de regulação do processamento (splicing) de RNA, como foi discutido no Capítulo 7. Além disso, em Droso- phila, o caráter de especificidade do sexo de cada célula no organismo é programado indi- vidualmente por seus próprios cromossomos, em vez de ser controlado principalmente por hormônios. Permanece um mistério o porquê de alguns aspectos da reprodução sexuada terem sido conservados durante a evolução, enquanto outros se tornaram fundamental- mente tão diferentes. Resumo Um número pequeno de células no embrião mamífero precoce recebe sinais de suas vizinhas para tornarem-se células da linhagem germinativa. As células germinativas primordiais (PGCs) resul- tantes proliferam e migram para o interior das gônadas em desenvolvimento. Aqui, as células da linhagem germinativa comprometem-se a se desenvolver em oócitos, se a gônada está se tornando um ovário, ou espermatozoides, se a gônada está se tornando um testículo. Uma gônada em desen- volvimento se diferenciará em um ovário a menos que suas células somáticas contenham um cro- mossomo Y, caso no qual ela se diferencia em um testículo. O gene Sry no cromossomo Y mamífero é fundamental para o desenvolvimento do testículo: ele é expresso em uma subpopulação de células somáticas na gônada em desenvolvimento e as conduz para diferenciarem-se em células de Serto- li, as quais então produzem moléculas-sinal que promovem o desenvolvimento de características masculinas e reprimem o desenvolvimento de características femininas. Embriões mamíferos são programados para seguir uma via feminina de desenvolvimento a menos que sejam desviados pelas células de Sertoli para seguir a via masculina. Via espermática Via que produz oócitos TESTÍCULO OVÁRIO MACHO FÊMEA Hormônio antimülleriano Testosterona Células germinativas Estrogênio Espermatozoide Oócito Células de sustentação Célula de Sertoli Célula folicular Células que secretam hormônios sexuais Célula de Leydig Célula da teca Célula somática expressando o gene Sry no cromossomo Y Gônada não- -diferenciada em desenvolvimento Célula germinativa primordial (PGC) Crista genital Figura 21-19 Influência do Sry sobre a gônada em desenvolvimento. As células da linhagem germinativa estão sombreadas em vermelho, e as células somáticas estão sombreadas em verde ou azul. A mudança da cor clara para a escura indica que a célula tornou-se diferenciada. O gene Sry atua em uma subpopulação de células somáticas na gônada em desenvolvimento para dire- cioná-las a se diferenciar em células de Sertoli, ao invés de células foliculares. As células de Sertoli, então, impedem que as células da linhagem germinativa se desenvolvam ao longo da via ooci- tária e ajudam a guiá-las para a via de desenvolvimento de espermatozoides. Elas também secretam o hormônio anti- mulleriano, que causa a regressão dos ductos de Muller, e ajudam a induzir outras células somáticas a se diferen- ciarem em células de Leydig, as quais secretam testosterona (ver Figura 21- 29). Na ausência de Sry, as células da li- nhagem germinativa se comprometem com o desenvolvimento de oócitos, e as células somáticas se desenvolvem ou como células foliculares da granulosa, as quais sustentam o desenvolvimento do oócito, ou como células da teca fo- licular, que produzem progesterona; a progesterona é convertida em estrogê- nio pelas células foliculares da granulo- sa. Embora o testículo inicie a secreção de testosterona no feto, o ovário não começa a secretar estrogênio até a pu- berdade. Alberts_21.indd 1286Alberts_21.indd 1286 29.07.09 08:19:3529.07.09 08:19:35 Biologia Molecular da Célula 1287 OÓCITOS Pelo menos em um aspecto, os oócitos são as células animais mais extraordinárias: uma vez ativados, eles podem dar origem a um novo indivíduo completo dentro de dias ou semanas. Nenhuma outra célula em um animal superior tem esta capacidade. A ativação geralmente é a consequência da fecundação – fusão de um espermatozoide com o oócito – mas oócitos tam- bém podem ser artificialmente ativados por vários tratamentos químicos ou físicos não-espe- cíficos. Na verdade, alguns organismos, incluindo uns poucos vertebrados, como alguns la- gartos, normalmente reproduzem-se por meio de oócitos que se tornam ativados na ausência de espermatozoide – isto é, por partenogênese. Os mamíferos são os únicos animais que não podem ser produzidos partenogeneticamente; por causa do imprinting genômico (discutido no Capítulo 7), eles necessitam tanto de contribuições genéticas maternas quanto paternas. Apesar de um oócito ser capaz de originar todos os tipos celulares no organismo adulto, ele próprio é uma célula altamente especializada, excepcionalmente equipada para a função única de gerar um novo indivíduo. O citoplasma de um oócito pode até mesmo reprogramar um núcleo de uma célula somática para que o núcleo possa dirigir o desenvolvimento de um novo indivíduo, ainda que os componentes responsáveis no oócito sejam na maioria desconhecidos. Dessa maneira é que a famosa ovelha Dolly foi produzida. O núcleo de um oócito de ovelha não-fecundado foi removido com uma pipeta de vidro e substituído pelo núcleo de uma célula somática adulta. Um impulso elétrico foi usado para ativar o oócito, e o embrião resultante foi implantado no útero de uma fêmea receptora. A ovelha adulta resultante tinha o genoma do núcleo da célula somática doadora e, portanto, era um clone da ovelha doadora. A mesma abordagem, chamada de clonagem reprodutiva, tem sido usada para produzir clones de vários mamíferos, incluindo camundongos, ratos, gatos, cães, cabras, porcos, vacas e cavalos (ver Figura 21-38). Em todos os casos, a eficiência é baixa: a maior parte dos clones morre antes de nascer, e menos de 5% deles se desenvolvem até a fase adulta, provavelmente porque o núcleo somático transplantado não é reprogramado completamente e, portanto, expressa muitos genes de forma inadequada. Nesta seção, consideraremos brevemente algumas das características especializadas de um oócito, antes de discutir como ele sofre seus preparativos finais para a fecundação. Um oócito é altamente especializado para desenvolvimento independente Os oócitos da maioria dos animais são células únicas gigantes. Eles contêm reservas de todos os materiais necessários ao desenvolvimento inicial do embrião até o estágio no qual o novo indivíduo possa começar a se alimentar. Antes desse estágio, essa célula gigante sofre cliva- gens em muitas células menores, mas sem ocorrer crescimento efetivo. O embrião mamífero é uma exceção. Ele pode começar a crescer precocemente pela captação de nutrientes da mãe por meio da placenta. Dessa forma, um oócito de mamífero, apesar de ainda ser uma célula grande, não é tão grande quanto um oócito de uma rã ou de uma ave, por exemplo. Caracteristicamente, os oócitos são esféricos ou ovoides, com um diâmetro de cerca de 0,1 mm em humanos e em ouriços-do-mar (cuja larvas são muito pequenas), de 1 a 2 mm em rãs e em peixes e de muitos centímetros em aves e em répteis (Figura 21-20). Em contraste, uma célula somática típica tem um diâmetro de apenas cerca de 10 a 30 μm (Figura 21-21). Normalmente, o citoplasma do oócito contém reservas de nutrientes na forma de gema, a qual é rica em lipídeos, proteínas e polissacarídeos e que geralmente está contida dentro de estruturas delicadas, chamadas de grânulos da gema. Em algumas espécies, uma membrana envolve cada grânulo da gema. Nos oócitos que se desenvolvem como grandes animais fora do corpo da mãe, a gema pode ocupar mais de 95% do volume da célula. Nos mamíferos, cujos embriões são em grande parte nutridos por suas mães através da placenta, há pouca ou nenhuma gema. O revestimento do oócito é outra peculiaridade dessas células. É uma forma especializa- da de matriz extracelular que consiste, em grande parte, em glicoproteínas – algumas secreta- das pelo oócito e algumas pelas células que o circundam. Em muitas espécies, o revestimento principal é uma camada imediatamente em torno da membrana plasmática do oócito; em oócitos de animais não-mamíferos, como aqueles de ouriços-do-mar ou galinhas, ela é cha- mada de camada vitelina, enquanto que em oócitos de mamíferos é chamada de zona pelú- cida (Figura 21-22). Essa camada protege o oócito de lesões mecânicas e, em muitos oócitos, Célula somática típica Oócito humano ou de ouriço-do-mar Núcleo Citoplasma Oócito típico de rã ou peixe 1 mm = 1.000 μm Figura 21-21 Tamanhos relativos de vários oócitos, comparados com o ta- manho de uma célula somática típica. Oócito humano Oócito de galinha Oócito de rã Figura 21-20 O tamanho real de três oócitos. O oócito humano possui 0,1 mm de diâmetro. Alberts_21.indd 1287Alberts_21.indd 1287 29.07.09 08:19:3529.07.09 08:19:35 1288 Alberts, Johnson, Lewis, Raff, Roberts & Walter ela também atua como uma barreira espécie-específica para o espermatozoide, admitindo apenas a entrada daqueles da mesma espécie ou de espécies intimamente relacionadas. Muitos oócitos (incluindo os de mamíferos) contêm vesículas secretoras especializadas, logo abaixo da membrana plasmática, na região externa, ou córtex, do citoplasma oocitário. Quando um espermatozoide ativa o oócito, estes grânulos corticais liberam seu conteúdo por exocitose; o conteúdo dos grânulos altera o revestimento do oócito de forma a ajudar a evitar que mais de um espermatozoide fusione-se ao oócito. De modo geral, os grânulos corticais estão distribuídos uniformemente por todo o cór- tex. Entretanto, em muitos organismos, alguns componentes citoplasmáticos do oócito têm uma distribuição espantosamente assimétrica. Alguns destes componentes localizados mais tarde servem como determinantes de células germinativas (ver Figura 21-16) ou ajudam a estabelecer a polaridade do embrião, como discutido no Capítulo 22. Os oócitos desenvolvem-se em etapas Um gameta feminino em desenvolvimento, ou oócito, diferencia-se em oócito maduro por uma série de modificações progressivas. A regulagem destas modificações é coordenada com as fases da meiose, nas quais as células germinativas passam por suas duas divisões finais al- tamente especializadas. Como discutido anteriormente, os oócitos permanecem detidos na meiose I por um período prolongado, enquanto crescem em tamanho e diferenciam-se pro- gressivamente; em muitos casos, após completarem a meiose I, eles permanecem suspensos novamente em metáfase II, enquanto aguardam a fecundação (embora possam aguardar a fecundação em vários outros pontos, dependendo da espécie). Enquanto os detalhes do desenvolvimento do oócito (oogênese) variam de espécie a es- pécie, as etapas gerais são semelhantes, como mostrado na Figura 21-23. As células germina- tivas primordiais migram para a gônada em desenvolvimento para tornarem-se oogônias, as quais proliferam por mitose por um período antes de iniciarem a meiose I, ponto no qual elas são chamadas de oócitos primários; normalmente isso ocorre antes do nascimento em mamí- feros. Como discutido anteriormente, antes do início da meiose I, o DNA é replicado, de modo que cada cromossomo consiste em duas cromátides-irmãs; no início da prófase I, os cromos- somos homólogos duplicados pareiam ao longo de seu eixo longitudinal, e o crossing-over ocorre entre as cromátides não-irmãs desses homólogos pareados (ver Figura 21-10). Após esses eventos, a célula permanece retida depois do diplóteno da prófase I por um período que varia de poucos dias até vários anos, dependendo da espécie. Durante este longo período de suspensão (ou, em alguns casos, no início da maturidade sexual), os oócitos primários sinte- tizam um revestimento e grânulos corticais. Os oócitos grandes de espécies não-mamíferas, também acumulam ribossomos, gema, glicogênio, lipídeo e os RNAs mensageiros (mRNAs) que, mais tarde, irão dirigir a síntese de proteínas necessárias ao crescimento e o desenvolvi- mento embrionário inicial. Em muitos destes oócitos, podemos observar as atividades bios- sintéticas intensivas na estrutura dos cromossomos, os quais descondensam e formam alças laterais, adquirindo a aparência característica de “cromossomos plumosos”, significando que os genes nas alças estão sendo intensamente transcritos (ver Figuras 4-54 e 4-55). A próxima fase do desenvolvimento do oócito, a maturação do oócito, normalmente não ocorre até a maturidade sexual, quando hormônios estimulam o oócito. Sob essas in- fluências hormonais, a célula retoma sua progressão ao longo da meiose I. Os cromossomos (A) (B) 20 μm 20 μm Figura 21-22 A zona pelúcida. (A) Eletromicrografia de varredura de um oócito de hamster mostrando a zona pelúcida. (B) Uma eletromicrografia de varredura de um oócito semelhante, no qual a zona (à qual vários espermato- zoides estão aderidos) foi parcialmente removida para revelar a membrana plasmática subjacente, que contém numerosas microvilosidades. A zona é inteiramente produzida pelo oócito em desenvolvimento. (De D. M. Phillips, J. Ultrastruct. Res. 72:1-12, 1980. Com per- missão de Elsevier.) Alberts_21.indd 1288Alberts_21.indd 1288 29.07.09 08:19:3629.07.09 08:19:36 Biologia Molecular da Célula 1289 condensam novamente, o envelope nuclear se rompe, o fuso meiótico se organiza e os cro- mossomos homólogos replicados segregam em dois grupos na anáfase I, cada um conten- do a metade do número original de cromossomos. Para finalizar a meiose I, o citoplasma divide-se assimetricamente, produzindo duas células que diferem muito em tamanho: uma é um pequeno corpúsculo polar, e a outra é um grande oócito secundário, o precursor do ovo, ou zigoto. Nesse estágio, cada cromossomo é ainda composto de duas cromátides-irmãs mantidas juntas em seus centrômeros. As cromátides-irmãs não se separam até a anáfase II, após a qual o citoplasma do grande oócito secundário divide-se novamente assimetrica- mente para produzir o ovo (ou zigoto) e um segundo corpúsculo polar pequeno, cada um contendo um grupo haploide de cromossomos individuais (ver Figura 21-23). Em função Figura 21-23 As etapas da oogêne- se. As oogônias desenvolvem-se a par- tir de células germinativas primordiais (PGCs) que migram para as gônadas em desenvolvimento nos estágios iniciais da embriogênese. Para maior clare- za, apenas um par de cromossomos homólogos é mostrado. Após várias divisões mitóticas, as oogônias iniciam a meiose e agora são chamadas de oócitos primários. Em mamíferos, os oócitos primários são formados muito cedo (entre 3 e 8 meses de gestação nos embriões humanos) e permanecem retidos após o diplóteno da prófase I até a fêmea tornar-se sexualmente madura. Neste ponto, um pequeno número de oócitos primários matura periodica- mente sob a influência de hormônios, completando a meiose I e tornando-se oócitos secundários, os quais finalmen- te sofrerão meiose II, para produzir ovos maduros. O estágio no qual o ovo ou o oócito é liberado do ovário e fecundado varia de espécie para espécie. Na maior parte dos vertebrados, a maturação do oócito é retida em metáfase II, e o oócito secundário completa a meiose II apenas após a fecundação. Todos os corpúsculos polares finalmente dege- neram. Na maioria dos animais, o oócito em desenvolvimento é circundado por células acessórias especializadas que ajudaram a mantê-lo isolado e nutrido (não-representado). ENTRA NA GÔNADA CÉLULA GERMINATIVA PRIMORDIAL OOGÔNIA OOGÔNIA DIPLOIDE PROLIFERA POR DIVISÃO CELULAR MITÓTICA DENTRO DO OVÁRIO OÓCITO PRIMÁRIO MEIOSE SOFRE INTERRUPÇÃO APÓS DIPLÓTENO DA PRÓFASE I, ENQUANTO O OÓCITO PRIMÁRIO CRESCE CRESCIMENTO E DESENVOLVIMENTO ADICIONAL DO OÓCITO PRIMÁRIO MATURAÇÃO DO OÓCITO PRIMÁRIO; CONCLUSÃO DA MEIOSE I OÓCITO SECUNDÁRIO CONCLUSÃO DA MEIOSE II OVO MADUROM EI O SE II M EI O SE I M IT O SE Revesti- mento do oócito Grânulos corticais Primeiro corpúsculo polar Segundo corpúsculo polar ENTRADA EM MEIOSE Alberts_21.indd 1289Alberts_21.indd 1289 29.07.09 08:19:3629.07.09 08:19:36 1290 Alberts, Johnson, Lewis, Raff, Roberts & Walter dessas divisões assimétricas de seu citoplasma, os oócitos mantêm seu tamanho grande, apesar de sofrerem as duas divisões meióticas. Ambos os corpúsculos polares são pequenos e, por fim, degeneram. Na maioria dos vertebrados, a maturação do oócito avança até a metáfase da meiose II, ponto no qual tornam-se retidos. No momento da ovulação, o oócito secundário retido é liberado do ovário, pronto para ser fecundado. Se a fecundação ocorrer, o bloqueio é retirado e a célula completa a meiose, tornando-se um ovo maduro. Por ele estar fecundado, também é chamado de zigoto. Os oócitos utilizam mecanismos especiais para atingir seu tamanho grande Uma célula somática com diâmetro de 10 a 20 μm normalmente leva cerca de 24 horas para dobrar sua massa, na preparação para a divisão celular. A essa taxa de biossíntese, tal célula levaria um tempo muito longo para alcançar a massa milhares de vezes maior de um oócito de mamífero, com o diâmetro de 100 μm. Ela levaria ainda mais tempo para alcançar a massa mi- lhões de vezes maior de um oócito de inseto com diâmetro de 1.000 μm. Ainda, alguns insetos vivem apenas poucos dias e conseguem produzir oócitos com diâmetros até maiores do que 1.000 μm. Os oócitos devem ter mecanismos especiais para alcançar seu tamanho tão grande. Uma estratégia simples para o crescimento rápido é possuir cópias extras de genes na célula. A maior parte do crescimento de um oócito ocorre após a replicação do DNA, durante a prolongada interrupção após o diplóteno na prófase I, quando o grupo de cromossomos diploides está duplicado ( ver Figura 21-23). Dessa forma, ele tem duas vezes mais DNA dis- ponível para a síntese de RNA do que tem em média uma célula somática na fase G1 do ciclo celular. Os oócitos de algumas espécies ficam mesmo grandes períodos acumulando DNA extra: eles produzem muitas cópias extras de certos genes. Como discutimos no Capítulo 6, as células somáticas da maioria dos organismos contêm 100 a 500 cópias dos genes de RNA ribossomal para produzir ribossomos suficientes para a síntese de proteína. Os oóci- tos necessitam de um número de ribossomos ainda maior para sustentar a taxa elevada de síntese proteica exigida durante os estágios iniciais da embriogênese e, nos oócitos de vários animais, os genes de RNA ribossomal são amplificados especificamente; alguns oócitos de anfíbios, por exemplo, contêm 1 ou 2 milhões de cópias desses genes. Os oócitos também podem depender, em parte, das atividades sintéticas de outras cé- lulas para seu crescimento. Por exemplo, a gema normalmente é sintetizada fora do ovário e importada para dentro do oócito. Em aves, anfíbios e insetos, as proteínas da gema são produzidas por células do fígado (ou suas equivalentes), as quais secretam essas proteínas no sangue. Dentro dos ovários, os oócitos utilizam a endocitose mediada por receptor para captar as proteínas da gema do fluido extracelular (ver Figura 13-46). O auxílio nutricional pode vir também de células acessórias adjacentes no ovário. Elas podem ser de dois tipos. Em alguns invertebrados, parte da progênie da oogônia torna-se células auxiliares (nurse cells), em vez de tornar-se oócitos. Junções citoplasmáticas conectam essas células ao oócito, permitindo que macromoléculas passem diretamente das células auxiliares para dentro do citoplasma do oócito (Figura 21-24). Para o oócito de inseto, as células auxiliares sintetizam muitos dos produtos – ribossomos, mRNA, proteínas e outros – que os oócitos dos vertebra- dos têm que produzir sozinhos. As outras células acessórias do ovário que ajudam a nutrir os oócitos em desenvolvi- mento são células somáticas comuns, chamadas de células foliculares, que circundam cada oócito em desenvolvimento tanto em invertebrados como em vertebrados. Elas estão dis- postas como uma camada epitelial ao redor do oócito (Figura 21-25; ver também Figura 21-24) e estão conectadas umas às outras e ao oócito por meio de junções ocludentes, que permitem a troca de moléculas pequenas, mas não de macromoléculas (discutido no Ca- pítulo 19). Embora as células foliculares sejam incapazes de fornecer macromoléculas pré- formadas ao oócito através destas junções, elas podem fornecer as moléculas precursoras pequenas, a partir das quais as macromoléculas são produzidas. A importância fundamental da comunicação por junções comunicantes tem sido demonstrada distintamente no ovário de camundongo, onde as proteínas de junção comunicante (conexinas) envolvidas em co- nectar células foliculares umas às outras são diferentes daquelas que conectam as células fo- liculares ao oócito. Se os genes que codificam qualquer uma destas proteínas são destruídos em camundongos, tanto células foliculares como oócitos deixam de se desenvolver normal- mente, e as fêmeas são estéreis. Em muitas espécies, as células foliculares secretam macro- 20 μm Junção citoplasmática Célula folicular Célula auxiliar Oócito Figura 21-24 Células auxiliares e célu- las foliculares associadas a um oócito de Drosophila. As células auxiliares e o oócito originam-se de uma oogônia comum, a qual dá origem a um oócito e a 15 células auxiliares (apenas sete delas são vistas neste plano de corte). Estas células permanecem unidas por junções citoplasmáticas, que resultam de divisões celulares incompletas. Por fim, as células auxiliares depositam seu conteúdo citoplasmático dentro do oócito em desenvolvimento e morrem. As células foliculares se desenvolvem de forma independente a partir de células do mesoderma. Alberts_21.indd 1290Alberts_21.indd 1290 29.07.09 08:19:3629.07.09 08:19:36 Biologia Molecular da Célula 1291 moléculas que, ou contribuem para o revestimento do oócito, são captadas para dentro do oócito em desenvolvimento através de endocitose mediada por receptor, ou atuam sobre os receptores de superfície celular do oócito para controlar o padrão de assimetria espacial e axial do oócito (discutido no Capítulo 22). A comunicação entre o oócito e suas células foliculares ocorre em ambas as direções. A sincronização dos processos de desenvolvimento nos dois grupos de células tem que ser coordenada, e parece que isso depende de sinais do oócito para as células foliculares. Experimentos nos quais oócitos jovens são combinados com células foliculares velhas, ou vice-versa, mostram que um programa de desenvolvimento intrínseco no oócito geralmente controla a taxa de desenvolvimento da célula folicular. A maioria dos oócitos humanos morre sem maturar A Figura 21-26 resume as etapas no desenvolvimento do oócito humano no ovário. Uma camada única de células foliculares circunda a maior parte dos oócitos primários em meni- nas recém-nascidas. Tal oócito, junto com suas células foliculares circundantes, é chamado de folículo primordial (ver Figura 21-25A). Periodicamente, iniciando algum tempo antes Figura 21-26 As etapas no desenvolvimento do oócito humano. Observe que, durante a maior parte de seu desenvolvimento, o oócito é circundado por células da granulosa (verde), as quais estão separadas de uma camada externa de células da teca folicular (azul) por uma lâmina basal (preto) interpos- ta. Depois da ovulação, o folículo esvaziado se transforma em uma estrutura endócrina, o corpo lúteo, que secreta progesterona para auxiliar a preparar o útero para a gestação. Se a fecundação não ocorre, o corpo lúteo regride, e o revestimento do útero é perdido por descamação durante a menstruação. Figura 21-25 Eletromicrografia de oó- citos primários em desenvolvimento no ovário de coelho. (A) Um estágio inicial do desenvolvimento do oócito primário. Nem a zona pelúcida nem os grânulos corticais foram desenvolvidos, e uma única camada de células folicula- res achatadas circunda o oócito. (B) Um oócito primário mais desenvolvido, que é mostrado em uma magnitude seis vezes menor, porque é muito maior que o oócito em (A). Esse oócito adquiriu uma zona pelúcida espessa e está cir- cundado por várias camadas de células foliculares (agora chamadas de células da granulosa) e uma lâmina basal que isola o oócito das outras células no ovário. As células da granulosa estão co- nectadas umas às outras e ao oócito por junções comunicantes. (De The Cellular Basis of Mammalian Reproduction [J. Van Blerkom e P. Motta eds.]. Baltimore- Munich: Urban & Schwarzenberg, 1979.) Células foliculares Células da granulosa Zona pelúcida Núcleo do oócito Citoplasma do oócito Lâmina basal Tecido conectivo 10 μm (B) 50 μm (A) Oócito primário detido em prófase I Células foliculares Células da teca Grânulos corticais Zona pelúcida Células da granulosa Oócito primário Oócito secundário Antro Antro Onda de FSH induz o crescimento de 10 a 12 folículos antrais, um dos quais é dominante Onda de FSH + LH dispara a maturação e a ovulação do oócito dominante Superfície do ovário Primeiro corpúsculo polar Corpo lúteo FOLÍCULO ANTRAL DOMINANTE FOLÍCULO ROMPIDOFOLÍCULO ANTRAL FOLÍCULO EM DESENVOLVIMENTO FOLÍCULO PRIMORDIAL Lâmina basal Alberts_21.indd 1291Alberts_21.indd 1291 29.07.09 08:19:3629.07.09 08:19:36 1292 Alberts, Johnson, Lewis, Raff, Roberts & Walter do nascimento, uma pequena proporção de folículos primordiais começa a crescer e eles se tornam folículos em desenvolvimento, nos quais camadas múltiplas de células foliculares (agora chamadas de células da granulosa) circundam o oócito em crescimento (ver Figura 21-25B). Não se sabe o que faz com que certos folículos primordiais iniciem o crescimento. Alguns destes folículos em desenvolvimento progridem até adquirir em uma cavidade cheia de líquido, ou antro folicular, para tornarem-se folículos antrais. Após a puberdade, aproximadamente uma vez por mês, a hipófise secreta uma onda de hormônio folículo-estimulante (FSH, follicle stimulating hormone), que acelera o crescimen- to de cerca de 10 a 12 folículos antrais. Um destes folículos torna-se dominante, e, perto da metade do ciclo menstrual, uma onda de FSH e de hormônio luteinizante (LH, luteinizing hormone) dispara a ovulação: o oócito primário dominante completa a meiose I e o oócito secundário resultante é retido em metáfase II; o folículo aumenta rapidamente e se rompe na superfície do ovário, liberando o oócito secundário, ainda circundado por uma capa de células da granulosa embebida em uma matriz semelhante a gelatina rica em hialuronana (ácido hialurônico). O oócito liberado é levado a completar a meiose II somente se um es- permatozoide fecundá-lo dentro de um dia, ou um pouco mais ou menos. Permanece um mistério por que apenas uma proporção pequena dos muitos folículos an- trais presentes nos ovários no momento da onda de FSH a cada mês é estimulada a acelerar seu crescimento, e por que apenas um destes folículos matura e libera seu oócito, enquanto o res- tante degenera. Uma vez que o folículo selecionado tenha maturado além de certo ponto, algum mecanismo de feedback (retroalimentação) deve funcionar para garantir que nenhum outro fo- lículo complete a maturação e seja ovulado durante este ciclo. Qualquer que seja o mecanismo, o resultado é que, durante os 40 anos ou um pouco mais ou menos da vida reprodutiva de uma mulher, somente 400 ou 500 oócitos serão liberados. Todos os outros milhões, ou um pouco mais ou menos, de oócitos primários presentes ao nascimento morrem sem maturar. Ainda é um enigma por que tantos oócitos são formados apenas para morrer nos ovários. Resumo Os oócitos desenvolvem-se em etapas, a partir de células germinativas primordiais (PGCs) que mi- gram para a gônada em desenvolvimento, onde tornam-se oogônias. Após um período de proli- feração mitótica, as oogônias iniciam a meiose I e são agora chamadas de oócitos primários. Os oócitos primários permanecem retidos após o diplóteno da prófase I de dias a anos, dependendo da espécie. Durante esse período de permanência na prófase I, eles crescem, sintetizam um revesti- mento e acumulam ribossomos, mRNA e proteínas, frequentemente requisitando a ajuda de outras células, incluindo as células foliculares circundantes. A sinalização bidirecional entre os oócitos e suas células foliculares é necessária para o crescimento e o desenvolvimento normal do oócito. No processo de indução hormonal da maturação oocitária, os oócitos primários completam a meiose I para formar um corpúsculo polar pequeno e um grande oócito secundário, que prossegue para a metáfase da meiose II. Na maioria dos vertebrados, o oócito secundário é detido em metáfase II até ser estimulado pela fecundação a completar a meiose e iniciar o desenvolvimento embrionário. ESPERMATOZOIDES Na maioria das espécies, existem dois tipos fundamentalmente diferentes de gametas. O oóci- to está entre as maiores células em um organismo, enquanto o espermatozoide normalmente é a menor. O oócito e o espermatozoide são otimizados em vias opostas para a propagação dos genes que carregam. O oócito não é móvel e contribui para a sobrevivência dos genes mater- nos por promover grande armazenamento de matéria-prima para o crescimento e o desenvol- vimento do embrião, juntamente com um eficiente envoltório protetor. O espermatozoide, ao contrário, é otimizado para difundir os genes paternos explorando este investimento materno: de modo geral, ele é altamente móvel e tem uma forma aerodinâmica que lhe proporciona ra- pidez e eficiência para realizar a fecundação. A competição entre os espermatozoides é feroz, e a grande maioria falha na sua missão: dos bilhões de espermatozoides liberados durante a vida reprodutiva de um homem, apenas uns poucos conseguem fecundar um oócito. Os espermatozoides estão altamente adaptados para transferir seu DNA para um oócito Os espermatozoides típicos são células “despidas”, equipadas com um flagelo forte que os impulsiona através de um meio aquoso, mas desprovidas de organelas citoplasmáticas, Alberts_21.indd 1292Alberts_21.indd 1292 29.07.09 08:19:3729.07.09 08:19:37 Biologia Molecular da Célula 1293 como ribossomos, retículo endoplasmático ou aparelho de Golgi, que são desnecessárias para a tarefa de transferir seu DNA para o oócito. No entanto, os espermatozoides contêm muitas mitocôndrias localizadas estrategicamente onde elas possam dar força ao flagelo de forma mais eficiente. Os espermatozoides geralmente consistem em duas regiões morfoló- gica e funcionalmente diferentes, contidas por uma única membrana plasmática: a cauda, que impulsiona o espermatozoide em direção ao oócito e auxilia na sua passagem através do revestimento do gameta feminino, e a cabeça, que contém um núcleo haploide altamente condensado (Figura 21-27). O DNA no núcleo está condensado de maneira extremamente compacta, para minimizar seu volume para o transporte, e a transcrição está desativada. Os cromossomos de muitos espermatozoides carecem das histonas das células somáticas e, ao invés delas, estão condensados com proteínas simples, com carga altamente positiva, cha- madas de protaminas, bem como com histonas específicas de espermatozoides. Na cabeça da maioria dos espermatozoides de animais, posicionada muito próximo à extremidade anterior do envelope nuclear, está uma vesícula secretora especializada cha- mada de vesícula acrossômica (ou acrossomo). Essa vesícula contém enzimas hidrolíticas que acredita-se que auxiliem o espermatozoide a penetrar através do revestimento externo do oócito. Quando um espermatozoide entra em contato com o revestimento do oócito, o conteúdo do acrossomo é liberado por exocitose na chamada reação de acrossomo (ou rea- ção acrossômica). Essa reação é necessária para o espermatozoide ligar-se ao revestimento, passar através dele e fundir-se com o oócito. A cauda móvel do espermatozoide é um flagelo longo, cujo axonema central deriva-se de um corpo basal situado exatamente atrás do núcleo. Como descrito no Capítulo 16, o axonema consiste em dois microtúbulos centrais simples circundados por nove pares de mi- crotúbulos dispostos simetricamente. O flagelo de alguns espermatozoides (incluindo os de mamíferos) difere de outros flagelos porque o padrão de 9 + 2 microtúbulos está circundado por nove fibras densas externas (Figura 21-28). As fibras densas são rígidas e não-contráteis, e acredita-se que restrinjam a flexibilidade do flagelo e protejam-no de forças de torção; de- feitos nessas fibras levam à morfologia espermática anormal e à infertilidade. O dobramento ativo do flagelo é causado pelo deslizamento dos pares de microtúbulos adjacentes entre si, controlado por proteínas motoras chamadas de dineínas, as quais usam a energia da hidróli- se do ATP para o deslizamento dos microtúbulos. O ATP é produzido por um grande número de mitocôndrias altamente especializadas que estão concentradas na parte anterior da cau- da do espermatozoide (chamada de peça intermediária), onde o ATP é necessário. Os espermatozoides são produzidos continuamente no testículo mamífero Ao contrário dos oócitos, que iniciam a meiose antes do nascimento e permanecem reti- dos após o diplóteno da prófase I até que a fêmea humana atinja a puberdade, a meiose e a produção de espermatozoides (espermatogênese) não iniciam nos testículos dos machos humanos até a puberdade. Então, eles seguem continuamente no revestimento epitelial de tubos muito longos e altamente contorcidos, chamados de túbulos seminíferos. Células ger- minativas imaturas, chamadas de espermatogônias, estão localizadas ao redor do limite mais externo desses túbulos, próximas à lâmina basal (Figura 21-29A). A maioria dessas células divide-se um número limitado de vezes por mitose antes que a proliferação pare e inicie-se a meiose I, ponto no qual elas agora são chamadas de espermatócitos primários; os esper- matócitos primários originam os espermatócitos secundários, os quais se dividem para ori- ginar espermátides, que, finalmente, diferenciam-se em espermatozoides (Figura 21-29B). Uma proporção pequena das espermatogônias serve como células-tronco, que lentamente dividem-se por mitose durante a vida, produzindo células-filhas, as quais ou permanecem como células-tronco ou comprometem-se com a maturação. As etapas da espermatogênese e suas relações com a meiose são ilustradas na Figura 21-30. Durante a prófase I, os cromossomos homólogos pareados participam do crossing- -over. Então, os espermatócitos primários completam a meiose I para produzir dois esper- Figura 21-28 Esquema da peça intermediária de um espermatozoide mamífero, visto em corte trans- versal em um microscópio eletrônico. O centro do flagelo é composto de um axonema circundado por nove fibras densas. O axonema consiste em dois microtúbulos simples, cercados por nove pares de mi- crotúbulos. As mitocôndrias (mostradas em verde) estão bem localizadas para fornecer o ATP necessário ao movimento do flagelo; elas estão distribuídas em um arranjo espiral incomum ao redor do axonema (ver Figura 21-27). 10 μm Vesícula acrossômica (ou acrossomo) Núcleo haploide Peça intermediária Mitocôndrias Membrana plasmática Flagelo Cabeça Cauda Figura 21-27 Um espermatozoide humano. Ele é mostrado em corte longitudinal. Mitocôndria Microtúbulos do axonema Membrana plasmática Fibra densa externa 0,5 μm Alberts_21.indd 1293Alberts_21.indd 1293 29.07.09 08:19:3729.07.09 08:19:37 1294 Alberts, Johnson, Lewis, Raff, Roberts & Walter matócitos secundários, cada um contendo 22 cromossomos autossômicos duplicados, as- sim como ou um cromossomo X duplicado ou um cromossomo Y duplicado. Os dois esper- matócitos secundários derivados de cada espermatócito primário prosseguem na meiose II para produzir quatro espermátides, cada uma com um número haploide de cromossomos simples. As espermátides haploides sofrem, então, modificações morfológicas dramáticas até se diferenciarem em espermatozoides, os quais migram para a luz dos túbulos seminífe- ros. Posteriormente, os espermatozoides passam para o epidídimo, um tubo contorcido que está ligado ao testículo, onde sofrem maturação e são armazenados. Entretanto, os esperma- tozoides armazenados ainda não estão aptos a fecundar um oócito; como discutiremos mais tarde, eles sofrem maturação adicional no trato genital feminino – um processo chamado de capacitação. Os espermatozoides se desenvolvem como um sincício Uma característica intrigante da espermatogênese é que, uma vez que uma espermatogônia começa a maturar, sua progênie não completa a divisão citoplasmática (citocinese) durante a mitose e a meiose subsequentes. Consequentemente, grandes clones de células-filhas em diferenciação, que descendem de uma mesma espermatogônia em maturação, permane- cem unidos por junções citoplasmáticas, formando um sincício (Figura 21-31). As junções citoplasmáticas persistem até a fase final da diferenciação espermática, quando os esperma- tozoides são liberados individualmente no lúmem do túbulo seminífero. Como resultado, espermatozoides diferenciados são produzidos em grupos síncronos em uma determinada área do túbulo seminífero. Qual é a função do arranjo sincicial? Vimos anteriormente que os oócitos crescem e se diferenciam enquanto contêm o gru- po diploide de cromossomos em duplicata. Os espermatozoides, ao contrário, não crescem e sofrem a maior parte de sua diferenciação após seus núcleos terem completado a meiose para tornarem-se haploides. No entanto, a presença das junções citoplasmáticas entre eles significa que cada espermatozoide haploide em desenvolvimento compartilha um citoplas- ma comum com seus vizinhos. Dessa forma, ele pode ser suprido com todos os produtos (B) Célula de Sertoli Espermatogônia 200 μm Lúmen Lâmina basal circundando o túbulo seminífero Células de Leydig (A) MITOSE MEIOSE I MEIOSE II Espermatócito secundário Espermátide Espermátide em diferenciação Espermatozoide no lúmen Espermatogônia Lâmina basal Espermatócito primário Célula de Sertoli Figura 21-29 Diagramas altamente simplificados de um corte transversal de um túbulo seminífero em um tes- tículo mamífero. (A) Todos os estágios da espermatogênese mostrados ocor- rem enquanto as células da linhagem germinativa em desenvolvimento estão em íntima associação com as células de Sertoli. Essas células dirigem a diferen- ciação sexual ao longo de uma via mas- culina. Elas são células grandes que se estendem da lâmina basal até o lúmem do túbulo seminífero; são necessárias à sobrevivência das espermatogônias e são análogas às células foliculares no ovário (ver Figura 21-19). A espermato- gênese também depende da testoste- rona secretada pelas células de Leydig, localizadas entre os túbulos seminíferos. (B) As espermatogônias dividem-se por mitose na periferia do túbulo seminífe- ro. Algumas dessas células entram em meiose I para tornarem-se espermató- citos primários; eles, então, completam a meiose I para tornarem-se esperma- tócitos secundários. Os espermatócitos secundários, por sua vez, completam a meiose II e tornam-se espermátides, as quais se diferenciam em espermatozoi- des e são liberadas do túbulo (ver Figura 21-30). Em homens, uma espermatogô- nia leva cerca de 24 dias desde o início da meiose até a emergência como uma espermátide, e outras cinco semanas para a espermátide se diferenciar em um espermatozoide. Alberts_21.indd 1294Alberts_21.indd 1294 29.07.09 08:19:3729.07.09 08:19:37 Biologia Molecular da Célula 1295 dos genes de um genoma diploide completo. Por exemplo, um espermatozoide em desen- volvimento que carrega um cromossomo Y pode ser suprido com proteínas essenciais codi- ficadas pelos genes do cromossomo X. Assim, o genoma diploide controla a diferenciação espermática, da mesma forma que controla a diferenciação do oócito. Alguns dos genes que regulam a espermatogênese foram conservados durante a evolu- ção desde moscas até humanos. Por exemplo, os genes Daz codificam proteínas de ligação ao RNA e estão localizados em um local no cromossomo Y humano. Descobriu-se que este local sofreu deleção em uma proporção considerável de homens inférteis, muitos dos quais não podem produzir espermatozoides. Um gene de Drosophila homólogo aos genes Daz hu- Figura 21-30 As etapas da espermato- gênese. As espermatogônias desenvol- vem-se a partir de células germinativas primordiais (PGCs) que migram para o interior da gônada em desenvolvimento nos estágios iniciais da embriogênese. Quando o animal torna-se sexualmente maduro, as espermatogônias começam a proliferar com rapidez por mitose. Algumas mantêm a capacidade de se dividir indefinidamente (como células- -tronco espermatogônias). Outras (es- permatogônias em maturação) sofrem um número limitado de ciclos de divi- são mitótica antes de iniciar a meiose para tornarem-se espermatócitos, que, finalmente, tornam-se espermátides haploides e, então, espermatozoides. A espermatogênese difere da oogênese (ver Figura 21-23) de várias maneiras. (1) Novas células entram em meiose continuamente a partir da puberdade. (2) Cada célula que inicia a meiose dá origem a quatro gametas diferenciados ao invés de um. (3) O espermatozoide maduro forma-se por um processo elaborado de diferenciação celular que inicia após a conclusão da meiose. (4) Ocorrem cerca de duas vezes mais divisões celulares na produção de um espermatozoide do que na produção de um oócito; por exemplo, em um camun- dongo estima-se que em média ocor- ram cerca de 56 divisões desde o zigoto até a formação de um espermatozoide, e em torno de 27 divisões desde o zigo- to até um oócito maduro. CÉLULA GERMINATIVA PRIMORDIAL ESPERMATOGÔNIA ESPERMATÓCITO PRIMÁRIO ESPERMATÓCITOS SECUNDÁRIOS ESPERMÁTIDES ESPERMATOZOIDES DIFERENCIADOS M EI O SE II M EI O SE I M IT O SE ENTRA NA GÔNADA ESPERMATOGÔNIA DIPLOIDE PROLIFERA POR DIVISÃO CELULAR MITÓTICA DENTRO DO TESTÍCULO CONCLUSÃO DA MEIOSE I CONCLUSÃO DA MEIOSE II DIFERENCIAÇÃO ENTRADA EM MEIOSE Alberts_21.indd 1295Alberts_21.indd 1295 29.07.09 08:19:3729.07.09 08:19:37 1296 Alberts, Johnson, Lewis, Raff, Roberts & Walter manos é, de forma semelhante, fundamental para a espermatogênese nessa mosca: machos da mosca deficientes em Daz são inférteis porque não produzem espermatozoides, porém, extraordinariamente, podem ser curados por um transgene Daz humano. As proteínas de ligação ao RNA são importantes especialmente na espermatogênese, porque muitos dos ge- nes expressos na linhagem espermática são regulados no nível da tradução do RNA. Resumo Um espermatozoide geralmente é uma célula pequena, compactada, altamente especializada para a tarefa de fecundar um oócito. Enquanto em mulheres um grupo grande de oócitos é produzido antes do nascimento, nos homens a espermatogônia começa a entrar em meiose para produzir esper- matócitos (e espermatozoides) apenas após a maturidade sexual, e continua a fazê-lo daí por diante. Cada espermatócito primário diploide dá origem a quatro espermatozoides haploides diferenciados. O processo de diferenciação espermática ocorre após a meiose estar completa, o que leva cinco se- manas, em humanos. No entanto, como as espermatogônias e os espermatócitos em diferenciação falham em completar a citocinese, a progênie de uma única espermatogônia desenvolve-se como um grande sincício. Assim, os produtos proteicos codificados por ambos os cromossomos dos pais diri- gem a diferenciação dos espermatozoides, mesmo que cada núcleo espermático seja haploide. Figura 21-31 Junções citoplasmáticas em células espermáticas em desenvol- vimento e seus precursores. A progê- nie de uma única espermatogônia em maturação permanece unida através de junções citoplasmáticas durante a diferenciação em espermatozoide. Para simplificação, apenas duas esperma- togônias conectadas em maturação são mostradas iniciando a meiose, para finalmente produzir oito espermátides haploides unidas. Na verdade, o número de células conectadas que entram nas duas divisões meióticas e sofrem dife- renciação de forma síncrona é muito maior do que o representado aqui. Note que, no processo de diferenciação, a maior parte do citoplasma da espermá- tide é descartada na forma de corpos residuais, os quais são fagocitados por células de Sertoli. + Espermatogônia Espermatogônias MITOSE Espermatócitos primários MEIOSE I MEIOSE II Espermátides em diferenciação Espermatócitos secundários Junções citoplasmáticas Espermátides Corpos residuais Espermatozoides diferenciados Alberts_21.indd 1296Alberts_21.indd 1296 29.07.09 08:19:3729.07.09 08:19:37 Biologia Molecular da Célula 1297 FECUNDAÇÃO Uma vez liberados, o oócito e o espermatozoide estão igualmente destinados a morrer dentro de minutos ou horas, a menos que encontrem um ao outro e se fundam no pro- cesso de fecundação. Por meio da fecundação, o oócito e o espermatozoide são salvos: o oócito é ativado para iniciar seu programa de desenvolvimento, e os núcleos haploides dos dois gametas se unem para formar o genoma diploide de um novo organismo. Ori- ginalmente, a fecundação foi estudada de forma mais intensiva em invertebrados ma- rinhos como ouriços-do-mar e estrelas-do-mar, onde a fecundação ocorre na água do mar, após a liberação de quantidades enormes tanto de oócitos quanto de espermatozoi- des. Esta fecundação externa é bem mais acessível de ser estudada do que a fecundação interna de mamíferos, que normalmente acontece no trato reprodutor feminino após o acasalamento. No entanto, no final dos anos de 1950, tornou-se possível fecundar oócitos de mamíferos in vitro, abrindo caminho para uma análise dos eventos celulares e mole- culares da fecundação nestes animais. Nesta seção, concentraremo-nos na fecundação em mamíferos. Começaremos consi- derando a capacitação dos espermatozoides que ocorre durante sua passagem através do trato genital feminino. Então, discutiremos a ligação do espermatozoide ao revestimento do oócito (a zona pelúcida), que induz a reação de acrossomo, necessária para o espermato- zoide passar através da zona e fundir-se com o oócito. A seguir examinaremos a ligação do espermatozoide com a membrana plasmática do oócito e sua subsequente fusão com esta membrana. Após, discutindo como a fusão de um espermatozoide ativa o oócito e como os núcleos haploides dos dois gametas reúnem-se no zigoto para completar a fecundação, consideraremos brevemente o campo em crescente expansão da tecnologia de reprodução assistida, que tem revolucionado o tratamento da infertilidade humana e aberto caminho para novas maneiras de manipulação do processo reprodutivo. Espermatozoides ejaculados se tornam capacitados no trato genital feminino Dos 300 milhões ou mais de espermatozoides humanos ejaculados durante o ato sexual, apenas cerca de 200 alcançam o local de fecundação no oviduto. Uma vez que encontre um oócito, um espermatozoide deve primeiramente migrar através das camadas de células da granulosa que circundam o oócito e, depois, ligar-se e atravessar a zona pelúcida. Finalmen- te, ele deve ligar-se e fundir-se à membrana plasmática do oócito. Espermatozoides ejaculados de mamíferos, inicialmente, não são competentes para realizar nenhuma dessas tarefas. Eles devem primeiro ser modificados por condições no tra- to reprodutor feminino. Como é necessário para o espermatozoide adquirir a capacidade de fecundar um oócito, o processo é chamado de capacitação. A capacitação leva cerca de 5 a 6 horas em humanos, sendo completada apenas quando o espermatozoide chega no oviduto. O espermatozoide sofre grandes alterações bioquímicas e funcionais, incluindo alterações em glicoproteínas, lipídeos e canais de íons na membrana plasmática, e uma grande altera- ção no potencial de repouso de sua membrana (o potencial de membrana se desloca para um valor mais negativo, de modo que a membrana se torna hiperpolarizada). A capacita- ção também está associada a um aumento no pH citosólico, a fosforilação de tirosina de várias proteínas espermáticas e a exposição dos receptores de superfície celular que ajudam o espermatozoide a ligar-se à zona pelúcida. A capacitação altera dois aspectos decisivos do comportamento espermático: ela aumenta bastante a motilidade do flagelo e torna o esper- matozoide capaz de sofrer a reação de acrossomo. A capacitação pode ocorrer in vitro no meio de cultivo apropriado e, normalmente, é uma parte necessária desse tipo de fecundação. Três componentes críticos são necessários no meio, todos normalmente estando em concentrações altas no trato genital feminino – albumina, Ca2+ e HOC3 –. A proteína albumina ajuda a extrair o colesterol da membra- na plasmática, aumentando a capacidade desta membrana de fundir-se à membrana do acrossomo durante a reação acrossômica. O Ca2+ e o HOC3– entram no espermatozoide e ativam diretamente uma enzima adenilil-ciclase solúvel no citosol para produzir AMP cíclico (discutido no Capítulo 15), que ajuda a iniciar muitas das alterações associadas à capacitação. Alberts_21.indd 1297Alberts_21.indd 1297 29.07.09 08:19:3729.07.09 08:19:37 1298 Alberts, Johnson, Lewis, Raff, Roberts & Walter Espermatozoides capacitados ligam-se à zona pelúcida e sofrem uma reação acrossômica Durante a ovulação, oócitos mamíferos são liberados do ovário para dentro da cavidade pe- ritoneal próximo à entrada do oviduto, para dentro do qual eles são levados rapidamente. Eles estão cobertos com várias camadas de células da granulosa embebidas em uma matriz extracelular rica em ácido hialurônico (discutido no Capítulo 19). As células da granulosa podem ajudar o oócito a ser recolhido para dentro do oviduto, e elas também podem secre- tar sinais químicos não-identificados que atraem os espermatozoides para o oócito. Encontrando um oócito, um espermatozoide capacitado precisa penetrar as camadas de células da granulosa, utilizando uma enzima hialuronidase presente na superfície do es- permatozoide. Então, ele pode se ligar à zona pelúcida (ver Figura 21-22). Normalmente, a zona pelúcida funciona como uma barreira à fecundação entre espécies, e a remoção dela frequentemente elimina essa barreira. Espermatozoides humanos, por exemplo, fecundarão oócitos de hamster que tiveram sua zona removida com enzimas específicas; obviamente, tais zigotos híbridos não se desenvolvem. Algumas vezes, oócitos de hamster sem zona são utilizados em clínicas de infertilidade para avaliar a capacidade fecundante de espermato- zoides humanos in vitro (Figura 21-32). A zona pelúcida da maioria dos oócitos de mamíferos é composta principalmente por três glicoproteínas, as quais são todas produzidas exclusivamente pelo oócito em crescimento. Duas delas, ZP2 e ZP3, agrupam-se em filamentos longos, enquanto a outra, ZP1, faz ligações entre- cruzadas dos filamentos em uma rede tridimensional. A proteína ZP3 é fundamental: fêmeas de camundongos com um gene Zp3 inativado produzem oócitos sem uma zona pelúcida e são inférteis. Os oligossacarídeos específicos O-ligados na ZP3 parecem ser responsáveis, ao menos em parte, pela ligação espécie-específica do espermatozoide à zona. Entretanto, a ligação do espermatozoide à zona é complexa e envolve tanto mecanismos dependentes quanto indepen- dentes de ZP3, assim como uma variedade de proteínas na superfície do espermatozoide. A zona induz o espermatozoide a sofrer a reação de acrossomo (ou reação acrossômica), na qual o conteúdo do acrossomo é liberado por exocitose (Figura 21-33). A reação de acrosso- mo é necessária à fecundação normal, pois expõe várias enzimas hidrolíticas que talvez ajudem o espermatozoide a abrir o túnel através da zona pelúcida, e altera a superfície do espermatozoi- de de maneira que ele possa se ligar e se fundir à membrana plasmática do oócito, como discu- tiremos a seguir. A ZP3 purificada in vitro pode disparar a reação de acrossomo, possivelmente por ativação de um receptor semelhante à lecitina na superfície do espermatozoide, que parece ser uma forma transmembrana da enzima galactosil-transferase. A ativação do receptor leva a um aumento no Ca2+ no citosol do espermatozoide, o qual inicia a exocitose. O mecanismo de fusão espermatozoide-oócito ainda é desconhecido Depois de um espermatozoide sofrer a reação acrossômica e penetrar a zona pelúcida, ele liga-se à membrana plasmática do oócito, inclinando-se sobre as extremidades das micro- vilosidades na superfície do gameta feminino (ver Figura 21-32). O espermatozoide liga-se inicialmente por sua extremidade anterior e, depois, por sua porção lateral (ver Figura 21- 33). Rapidamente as microvilosidades vizinhas sobre a superfície do oócito se alongam e se agrupam em torno do espermatozoide para assegurar que este seja aderido de forma firme até que possa fundir-se ao oócito. Depois da fusão, todos os componentes do espermatozoi- de são atraídos para dentro do oócito, à medida que as microvilosidades são reabsorvidas. Os mecanismos moleculares responsáveis pela ligação e fusão espermatozoide-oócito são em grande parte desconhecidos, embora, após um número de ativações artificiais, duas proteínas de membrana têm sido apontadas como necessárias à fusão. Uma é a proteína trans- membrana da superfamília das imunoglobulinas, específica do espermatozoide, chamada de Izumo (em função de um santuário japonês dedicado ao casamento). Ela torna-se exposta na superfície do espermatozoide de camundongo e humano durante a reação de acrossomo. Anticorpos anti-Izumo impedem a fusão, e espermatozoides de camundongo deficientes de Izumo não podem se fundir a oócitos normais, porém ainda é desconhecida a forma como a Izumo promove a fusão espermatozoide-oócito. A única proteína na superfície do oócito que se demonstrou necessária à fusão com o espermatozoide é a proteína CD9, que é um membro da família tetraspanina, assim chamada porque essas proteínas têm quatro segmentos que transpõem a membrana. Espermatozoides normais não se fundem a oócitos de fêmeas de camundongo deficientes de CD9, indicando que a fusão espermatozoide-oócito depende de CD9, mas não se sabe como. A CD9 não atua sozinha na superfície do oócito para promover a 5 μm Figura 21-32 Eletromicrografia de varredura de um espermatozoide humano fazendo contato com um oócito de hamster. A zona pelúcida do oócito foi removida, expondo a membrana plasmática que contém nu- merosas microvilosidades. A habilidade do espermatozoide de um indivíduo penetrar os oócitos de hamster é usada como um teste de fertilidade masculina; a penetração de mais de 10 a 25% dos oócitos é considerada normal. (Cortesia de David M. Phillips.) Alberts_21.indd 1298Alberts_21.indd 1298 29.07.09 08:19:3729.07.09 08:19:37 Biologia Molecular da Célula 1299 fusão: espermatozoides normais também não se fundem a oócitos tratados com uma enzima que remove proteínas fixadas à membrana plasmática por uma âncora glicosilfosfatidilinosi- tol (GPI, glycosylphosphatidylinositol) (discutido no Capítulo 10), indicando que uma ou mais proteínas ligadas ao GPI também são necessárias à fusão, embora a proteína ou as proteínas apropriadas já tenham sido identificadas. A fusão do espermatozoide ativa o oócito por aumentar o Ca2+ no citosol A fusão com o espermatozoide ativa o oócito, fazendo os grânulos corticais liberarem seu conteúdo por exocitose, em um processo chamado de reação cortical. A meiose, que estava retida em metáfase II, é concluída, produzindo um segundo corpúsculo polar e um zigoto, o qual começa a se desenvolver. Um aumento de Ca2+ no citosol do oócito fecundado dispara todos estes eventos. Se a concentração de Ca2+ no citosol de um oócito não-fecundado é elevada artificialmente – di- retamente por uma injeção de Ca2+ ou indiretamente pelo uso de um ionóforo contendo Ca2+ (discutido no Capítulo 11) – os oócitos de todos os animais até agora testados, incluindo os mamíferos, são ativados. Ao contrário, o impedimento do aumento no Ca2+ pela injeção de EGTA, um agente quelante de Ca2+, inibe a ativação do oócito em resposta à fecundação. Quando o espermatozoide funde-se à membrana plasmática do oócito de uma maneira normal, isso causa um aumento local no Ca2+ citosólico, que se difunde como uma onda através da célula (ver Figura 15-40). A onda se propaga por feedback positivo: a elevação no Ca2+ citosólico causa abertura dos canais de Ca2+, permitindo que ainda mais Ca2+ entre no citosol. A onda inicial de liberação de Ca2+ normalmente é seguida, dentro de poucos minu- tos, por oscilações de Ca2+ (discutido no Capítulo 15), que persistem por várias horas. O espermatozoide que realizou a fusão dispara a onda e as oscilações de Ca2+ por introduzir um fator dentro do citosol do oócito. A injeção de um espermatozoide intacto, de uma cabeça de espermatozoide ou de um extrato de espermatozoide dentro de um oócito faz o mesmo. Todos esses tratamentos aumentam a concentração de inositol 1,4,5-trifosfato (IP3), o qual libera Ca 2+ do retículo endoplasmático e inicia a onda e as oscilações de Ca2+ (discutido no Capítulo 15). Um candidato forte para ser o fator crítico que o espermatozoide mamífero introduz no oócito é uma forma de fosfolipase C específica de espermatozoides (PLC�), que cliva diretamente o fosfoinositol 4,5-bifosfato (PI[4,5]P2) para produzir IP3 (e diacilglicerol) (ver Figura 15-39). Figura 21-33 A reação de acrossomo que ocorre quando um espermato- zoide de mamífero fecunda um oóci- to. Em camundongos, a zona pelúcida tem cerca de 6 �m de espessura, e o espermatozoide a atravessa a uma velo- cidade de cerca de 1 �m/min. REAÇÃO DE ACROSSOMO Vesícula acrossômica Célula da granulosa LIGAÇÃO DO ESPERMATO- ZOIDE À ZONA PELÚCIDA Membrana plasmática do oócito Zona pelúcida O CONTEÚDO DO ESPERMATOZOIDE ENTRA NO CITOPLASMA DO OÓCITO FUSÃO DAS MEMBRANAS PLASMÁTICAS PENETRAÇÃO ATRAVÉS DA ZONA PELÚCIDA 3 4 1 2 5 Núcleo do oócito Conteúdo acrossomal Alberts_21.indd 1299Alberts_21.indd 1299 29.07.09 08:19:3829.07.09 08:19:38 1300 Alberts, Johnson, Lewis, Raff, Roberts & Walter A reação cortical ajuda a garantir que apenas um espermatozoide fecunde o oócito Embora muitos espermatozoides possam ligar-se a um oócito, normalmente apenas um funde-se à membrana plasmática do oócito e injeta seu citosol, núcleo e outras organelas no citoplasma do gameta feminino. Se mais de um espermatozoide fundir-se – uma situação chamada de poliespermia – são formados fusos mitóticos extra ou multipolares, resultando na segregação defeituosa dos cromossomos durante as primeiras divisões celulares mitóti- cas; células aneuploides são produzidas, e o desenvolvimento geralmente para. Dois mecanismos funcionam para assegurar que apenas um espermatozoide fecunde o oócito. Primeiro, uma alteração na membrana plasmática do oócito, causada pela fusão do primeiro espermatozoide, evita que outros espermatozoides se fundam. Em oócitos de ouriço-do-mar, a alteração é uma despolarização rápida da membrana do oócito; em oócitos mamíferos, o mecanismo não é conhecido. O segundo bloqueio à polispermia é proporcio- nado pela reação cortical do oócito, a qual libera várias enzimas que alteram a estrutura da zona pelúcida, de modo que os espermatozoides não podem ligar-se ou penetrar nela. Entre as alterações que ocorrem na zona de mamíferos está a inativação de ZP3, de maneira que ela não possa mais se ligar a espermatozoides ou induzir uma reação de acrossomo; além disso, a ZP2 é clivada, o que ajuda de certa forma a tornar a zona impenetrável (Figura 21-34). Figura 21-34 Esquema de como se acredita que a reação cortical em um oócito de camundongo evita que es- permatozoides adicionais entrem no oócito. O conteúdo liberado dos grâ- nulos corticais inativa a ZP3, de modo que ela não pode mais se ligar à mem- brana plasmática do espermatozoide. Ele também cliva parcialmente a ZP2, endurecendo a zona pelúcida de manei- ra que os espermatozoides não podem penetrá-la. Juntas, estas alterações pro- movem um bloqueio à poliespermia. Membrana plasmática do espermatozoide ligado Núcleo do esperma- tozoide Carboidrato ZP3 ZP2 ZP1 Zona pelúcida Membrana plasmática do oócito Grânulos corticais contendo enzimas hidrolíticas REAÇÃO CORTICAL (EXOCITOSE) BLOQUEIO À POLISPERMIA Conteúdo dos grânulos corticais liberado O segundo espermatozoide não pode ligar-se ZP2 clivada ZP3 modificada Zona pelúcida alterada Alberts_21.indd 1300Alberts_21.indd 1300 29.07.09 08:19:3829.07.09 08:19:38 Biologia Molecular da Célula 1301 O espermatozoide fornece centríolos assim como seu genoma para o zigoto Uma vez fecundado, o oócito é chamado de zigoto. No entanto, a fecundação não está com- pleta até que os dois núcleos haploides (chamados de pró-núcleos) – um do oócito e o outro do espermatozoide – tenham se aproximado e combinado seus cromossomos em um único núcleo diploide. Em oócitos fecundados de mamíferos, os dois pró-núcleos não se fundem diretamente como ocorre em muitas outras espécies. Eles se aproximam um do outro, mas permanecem separados até depois que a membrana de cada pró-núcleo seja rompida em preparação à primeira divisão mitótica do zigoto (Figura 21-35). Na maioria dos animais, incluindo os humanos, o espermatozoide contribui com mais do que seu genoma para o zigoto. Ele também fornece seus centríolos – estruturas que estão ausentes em oócitos humanos não-fecundados. Os centríolos do espermatozoide entram no oócito junto com o seu núcleo e a sua cauda, e um centrossomo se forma em torno deles. Nos humanos, o centrossomo se duplica e, então, os dois centrossomos resul- tantes auxiliam na organização do primeiro fuso mitótico no zigoto (Figura 21-36, e ver também Figura 21-35). Isso explica por que a poliespermia, na qual vários espermatozoi- des fornecem seus centríolos para o oócito, causa a formação de fusos mitóticos extra ou multipolares. A fecundação in vitro e a injeção intracitoplasmática do espermatozoide estão revolucionando o tratamento da infertilidade humana Cerca de 10% dos casais humanos têm a fertilidade diminuída, de forma que a mulher não se torna grávida após 12 a 18 meses mantendo relações sexuais sem utilizar métodos anticon- cepcionais. Em aproximadamente metade destes casos, o homem é o problema, e na outra metade, é a mulher. Embora haja numerosas razões para a fertilidade diminuída tanto em homens quanto em mulheres, na grande maioria dos casos alguma forma de tecnologia de reprodução assistida pode resolver o problema. O primeiro grande avanço no tratamento da infertilidade ocorreu em 1978, com o nas- cimento de Louise Brown, a primeira criança produzida por fecundação in vitro (IVF, in vitro fertilization). Antes deste sucesso, houveram debates acalorados sobre a ética e a se- gurança da IVF – excepcionalmente semelhantes aos debates éticos atuais sobre a produção e o uso de células-tronco embrionárias (ES) humanas. Agora, a IVF é um procedimento de rotina e tem mais de um milhão de crianças produzidas. Para iniciar o processo, geralmente a mulher é pré-tratada com hormônios para estimular a maturação simultânea de múltiplos Figura 21-35 A aproximação dos pró-núcleos do espermatozoide e do oócito após a fecundação em mamífe- ros. Os pró-núcleos migram em direção ao centro do zigoto. Quando estão mui- to próximos, seus envelopes nucleares formam interdigitações. O centrossomo se duplica, os envelopes nucleares se rompem e, finalmente, os cromossomos de ambos os gametas são integrados em um fuso mitótico único, que orga- niza a primeira divisão (clivagem) do zigoto. (Adaptada de esquemas e de eletromicrografias fornecidas por Daniel Szöllösi.) DIVISÃO PARA PRODUZIR DUAS CÉLULAS DIPLOIDES Pró-núcleo haploide do oócito Pró-núcleo haploide do espermatozoide CITOSOL Axonema da cauda do espermatozoide Cromossomos ENVELOPES NUCLEARES INTERDIGITADOS; CROMOSSOMOS JÁ DUPLICADOS REPLICAÇÃO DE CENTROSSOMO, SEGUIDA POR RUPTURA DO ENVELOPE NUCLEAR OS CROMOSSOMOS DO OÓCITO E DO ESPERMATOZOIDE ALINHAM-SE EM UM ÚNICO FUSO DA METÁFASE Matriz do centrossomo Centríolos do centrossomo Alberts_21.indd 1301Alberts_21.indd 1301 29.07.09 08:19:3829.07.09 08:19:38 1302 Alberts, Johnson, Lewis, Raff, Roberts & Walter oócitos. Logo antes de serem liberados pela ovulação, os oócitos são recolhidos do ovário (utilizando-se uma agulha longa introduzida através da vagina) e são fecundados em pla- cas de cultivo com os espermatozoides do homem. Após poucos dias em cultivo, 2 ou 3 dos embriões precoces de melhor aparência morfológica são transferidos com um cateter para dentro do útero da mulher; os embriões restantes normalmente são mantidos congelados em nitrogênio líquido, para implantações posteriores, se necessário. A principal complica- ção da IVF é a gestação múltipla, que ocorre em mais de 30% dos casos, se comparada com cerca de 2% em gestações naturais. O procedimento de IVF descrito há pouco tem permitido a muitas mulheres, inférteis anteriormente, produzir crianças normais. Entretanto, a IVF não resolve o problema para homens inférteis que geralmente produzem espermatozoides anormais ou em quantidade muito pequena. O segundo avanço, que ocorreu em 1992, forneceu a solução para a maior parte destes homens. Nesta modificação da IVF, chamada de injeção intracitoplasmática do espermatozoide (ICSI, intracytoplasmic sperm injection), um oócito é fecundado pela injeção de um único espermatozoide dentro dele (Figura 21-37). Esta estratégia elimina a necessidade de um número grande de espermatozoides móveis e evita os muitos obstáculos que normalmente um espermatozoide tem de passar para fecundar um oócito, incluindo capacitação, migração até o oócito, reação de acrossomo, passagem através da zona pelúcida e fusão com a membrana plasmática do oócito. A ICSI tem uma taxa de sucesso de mais de 50% e tem mais de 100.000 crianças produzidas. Além de revolucionar o tratamento da infertilidade, a IVF abriu caminho para muitas possibilidades novas na manipulação do processo reprodutivo. Por exemplo, ela tem tor- nado possível aos pais portadores de genes defeituosos prevenir a passagem do gene para seus filhos, por meio da triagem dos embriões IVF portadores do gene antes da implantação deles no útero. (C) (A) (B) (C) (D) 100 �m Figura 21-36 Fotomicrografias de imunofluorescência de pró-núcleos de espermatozoide e de oócito humanos aproximando-se após a fecundação in vitro. Os microtúbulos do fuso estão corados em verde com anticorpos anti- tubulina, e o DNA está marcado em azul com uma coloração específica. (A) Um fuso meiótico em um oócito secundário maduro não-fecundado. (B) Um oócito fecundado, que está realizando a extru- são de seu segundo corpúsculo polar, cerca de cinco horas após a fusão com um espermatozoide. A cabeça do es- permatozoide (à esquerda) está cercada por uma série de microtúbulos. Os pró- núcleos do oócito e do espermatozoide ainda estão muito distantes. (C) Os dois pró-núcleos estão se aproximando. (D) Cerca de 16 horas após a fusão dos gametas, o centrossomo que entrou no oócito com o espermatozoide está duplicado, e os centrossomos-filhos or- ganizaram um fuso mitótico bipolar. Os cromossomos de ambos os pró-núcleos estão alinhados na placa metafásica do fuso. Como é indicado pelas setas em (C) e (D), a cauda do espermatozoide ainda está associada a um dos centros- somos. (De C. Simerly et al., Nat. Med.1: 47-53, 1995. Com permissão de Mac- millan Publishers Ltd.) 50 µm Figura 21-37 Injeção intracitoplasmá- tica de espermatozoide (ICSI). Foto- micrografia de luz de um oócito secun- dário humano sendo sustentado por uma pipeta de sucção (à esquerda) e injetado com um único espermatozoide humano por intermédio de uma agulha de vidro. A zona pelúcida reveste o oócito e o corpúsculo polar. (Cortesia de Reproductive Biology Associates, Atlanta, Geórgia.) Alberts_21.indd 1302Alberts_21.indd 1302 29.07.09 08:19:3829.07.09 08:19:38 Biologia Molecular da Célula 1303 Como discutido antes, técnicas in vitro para manipulação de oócitos de mamíferos têm tornado possível produzir clones de muitos tipos de mamíferos, pela transferência do núcleo de uma célula somática do animal a ser clonado para dentro de um oócito não-fe- cundado que tenha tido seu próprio núcleo removido ou destruído. Este não é um procedi- mento fácil; a taxa de sucesso é baixa, e ainda é incerto se um humano poderia ser clonado de maneira semelhante. Além disso, há argumentos éticos sérios em relação a se alguém deveria, em algum momento, tentar clonar um humano. No entanto, há o entendimento geral de que não deveria ser tentado com a tecnologia existente, pois a probabilidade de produzir uma criança anormal é alta; na verdade, muitos países e estados americanos têm feito a tentativa ilegal. Entretanto, tal clonagem reprodutiva não deveria ser confundida com clonagem tera- pêutica, na qual o embrião precoce produzido in vitro a partir de tal zigoto reconstituído não é implantado em um útero para produzir um novo indivíduo, mas, em vez disso, é usado para fazer células ES que são geneticamente idênticas à doadora do núcleo somático (Figura 21-38). Vários tipos de células especializadas produzidas a partir de tais células ES “perso- nalizadas” poderiam, então, ser usados para tratar o doador, evitando o problema da rejei- ção imunológica associada à utilização de células derivadas de células ES geneticamente diferentes. Evidentemente, as sociedades teriam que tomar algumas decisões difíceis sobre até onde elas estão dispostas a ir na exploração destas tecnologias novas para manipular o processo reprodutivo para o possível benefício dos indivíduos. Alternativamente, poderia ser possível, no futuro, produzir células semelhantes a ES personalizadas por caminhos que evitem estes dilemas éticos: por exemplo, em experimentos recentes, a engenharia genética foi usada para expressar em fibroblastos de camundongo em cultivo várias proteínas regu- ladoras de genes normalmente expressas em células ES; quando quatro destes transgenes foram expressos simultaneamente, os fibroblastos comportaram-se de forma muito seme- lhante a células ES. A fecundação marca o início de um dos mais admiráveis fenômenos em toda a biologia – o processo de embriogênese, no qual o zigoto se desenvolve em um novo indivíduo. Este é o assunto do próximo capítulo. Resumo A fecundação em mamíferos inicia normalmente quando um espermatozoide, que tenha sofrido capacitação no trato reprodutor feminino, liga-se à zona pelúcida que envolve um oócito no ovidu- to. Esta ligação induz o espermatozoide a sofrer uma reação de acrossomo, liberando o conteúdo da vesícula acrossômica, que se imagina ser capaz de ajudar o espermatozoide a abrir (por diges- tão enzimática) seu caminho através da zona. A reação de acrossomo também é necessária para o espermatozoide ligar-se e fundir-se à membrana plasmática do oócito. A fusão do espermatozoide com o oócito induz uma onda e oscilações de Ca2+ no citosol do oócito, que ativam o gameta femini- no. A ativação inclui a reação cortical do oócito, na qual os grânulos corticais liberam seu conteúdo, o qual altera a zona pelúcida de modo que outros espermatozoides não podem ligar-se ou penetrar nela. A sinalização de Ca2+ também dispara o desenvolvimento do zigoto, que começa depois que os dois pró-núcleos haploides se aproximam e alinham seus cromossomos em um fuso mitótico único, que intermedeia a primeira divisão mitótica do zigoto. Muitos casais previamente inférteis agora podem se reproduzir graças à IVF e à ICSI. Camundongos adultos Células somáticas Oócito não-fecundado Ativação do oócito Embrião Injeção de núcleo somático dentro do oócito enucleado DIVISÃO CELULAR EM CULTIVO CLONAGEM REPRODUTIVA CLONAGEM TERAPÊUTICA Mãe receptora Camundongo clonado Células ES “personalizadas” Remoção do núcleo do oócito Figura 21-38 Diferença entre clona- gem reprodutiva e a preparação de células tronco embrionárias “perso- nalizadas”. Em ambos os casos, se produz um embrião reconstruído pela remoção (ou destruição) do núcleo de um oócito não-fecundado e pela substituição deste pelo núcleo de uma célula somática do animal a ser clonado. O oócito reconstruído é ativado por um choque elétrico para se desenvolver. Na clonagem reprodutiva, o embrião que se desenvolve em cultivo é transplantado para o útero de uma mãe receptora e dá origem a um animal clonado. Ao contrário, na preparação de células tronco embrionárias (ES) personalizadas – algumas vezes chamada de clonagem terapêutica – o embrião é usado para produzir células ES em cultivo e estas, então, podem ser utilizadas para produ- zir vários tipos celulares especializados para o tratamento do indivíduo que for- neceu o núcleo somático; como as célu- las especializadas produzidas por estas células ES são geneticamente idênticas à doadora do núcleo somático, elas não serão rejeitadas pelo sistema imuno- lógico. Alberts_21.indd 1303Alberts_21.indd 1303 29.07.09 08:19:3929.07.09 08:19:39 1304 Alberts, Johnson, Lewis, Raff, Roberts & Walter REFERÊNCIAS Gerais Austin CR and Short RV eds (1984) Reproduction in Mammals Vol I Germ Cells and Fertilization 2nd ed. Cambridge, UK: Cambridge University Press. Gilbert SF (2006) Developmental Biology 8th ed pp 175–210, 529–554, 593–626. Sunderland, MA: Sinauer Associates, Inc. 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O genoma normalmente é idêntico em todas as células; as células diferem não porque contenham informações genéticas diferentes, mas porque expressam conjuntos diferentes de genes. Esta expressão genética seletiva controla os quatro processos essenciais de cons- trução do embrião: (1) proliferação celular, produção de muitas células a partir de uma, (2) especialização celular, criação de células com diferentes características em diferentes posi- ções, (3) interações celulares, coordenação do comportamento de uma célula com o de suas vizinhas, e (4) movimentos celulares, rearranjo das células para formar tecidos e órgãos es- truturados (Figura 22-1). Em um embrião em desenvolvimento, todos os processos estão acontecendo ao mes- mo tempo, em uma variedade caleidoscópica de maneiras diferentes, em partes distintas do organismo. Para entender as estratégias básicas do desenvolvimento, teremos que limitar o nosso foco. Em particular, precisamos entender o curso de eventos a partir do ponto de vista de uma célula individual e como o genoma atua nessa célula. Não há um oficial em coman- do mantendo-se fora do combate para direcionar as tropas; cada uma das milhões de células no embrião precisa tomar as suas próprias decisões, de acordo com a sua própria cópia de instruções genéticas e suas circunstâncias particulares. A complexidade dos animais e das plantas depende de uma característica extraordiná- ria do sistema de controle genético. As células possuem uma memória: os genes que uma célula expressa e a maneira como ela se comporta dependem do seu passado e do seu am- biente presente. As células do corpo – as células musculares, os neurônios, as células da pele, as células do intestino, e assim por diante – mantêm as suas características especializadas não porque elas recebem continuamente as mesmas instruções do seu meio, mas porque elas retêm um registro dos sinais que as suas ancestrais receberam em um desenvolvimento embrionário inicial. Os mecanismos moleculares de memória celular foram introduzidos no Capítulo 7. Neste capítulo abordaremos as suas consequências. MECANISMOS UNIVERSAIS DE DESENVOLVIMENTO ANIMAL Existem em torno de 10 milhões de espécies de animais, e eles são fantasticamente variados. Ninguém espera que o verme, a mosca, a águia e a lula gigante tenham sido gerados pelos mesmos mecanismos de desenvolvimento, assim como não se espera que os mesmos méto- dos tenham sido usados para fazer um sapato e um avião. Alguns princípios similares abstra- tos devem estar envolvidos, talvez, mas com certeza não as mesmas moléculas específicas. Uma das revelações mais impressionantes dos últimos 10 ou 20 anos foi que as nossas suspeitas iniciais estavam erradas. De fato, muito da maquinaria básica de desenvolvimento é essencialmente a mesma, não somente em todos os vertebrados, mas também em todos os maiores filos de invertebrados. As moléculas reconhecidamente semelhantes e evoluti- vamente relacionadas definem nossos tipos celulares especializados, marcam as diferen- ças entre as regiões do corpo e auxiliam a criar o padrão corporal. As proteínas homólogas são, com frequência, funcionalmente intercambiáveis entre espécies muito diferentes. Uma proteína de camundongos produzida de maneira artificial em uma mosca pode, frequente- mente, realizar a mesma função da própria versão da proteína da mosca, e vice-versa, con- Neste capítulo MECANISMOS 1305 UNIVERSAIS DE DESENVOLVIMENTO ANIMAL CAENORHABDITIS 1321 ELEGANS: O DESENVOLVIMENTO A PARTIR DA PERSPECTIVA DE UMA CÉLULA INDIVIDUAL DROSOPHILA E A 1328 GENÉTICA MOLECULAR DA FORMAÇÃO DE PADRÕES: A GÊNESE DO PLANO CORPORAL GENES SELETORES 1341 HOMEÓTICOS E A FORMAÇÃO DE PADRÕES DO EIXO ÂNTEROPOSTERIOR ORGANOGÊNESE E 1347 A FORMAÇÃO DOS PADRÕES DOS ÓRGÃOS ACESSÓRIOS MOVIMENTOS 1363 CELULARES E A DETERMINAÇÃO DA FORMA DO CORPO DOS VERTEBRADOS O CAMUNDONGO 1378 DESENVOLVIMENTO 1383 NEURAL DESENVOLVIMENTO 1398 VEGETAL Alberts_22.indd 1305Alberts_22.indd 1305 29.07.09 16:49:1229.07.09 16:49:12 1306 Alberts, Johnson, Lewis, Raff, Roberts & Walter trolando de forma eficaz o desenvolvimento de um olho, por exemplo, ou a arquitetura do cérebro (Figura 22-2). Graças a esta unidade fundamental do mecanismo, como veremos, os biólogos do desenvolvimento estão agora caminhando em direção a um entendimento coerente do desenvolvimento animal. As plantas pertencem a um reino separado: elas desenvolveram seus organismos mul- ticelulares independentemente dos animais. Também pode ser dada uma explicação unifi- cada para o seu desenvolvimento, porém diferente da dos animais. Os animais serão o nosso principal interesse neste capítulo, mas retornaremos para as plantas, de maneira breve, no final. Começaremos pela revisão de alguns princípios gerais básicos do desenvolvimento ani- mal e pela introdução das sete espécies animais que os biólogos do desenvolvimento adota- ram como os seus organismos-modelo principais. Figura 22-1 Os quatro processos essenciais pelos quais um organismo multicelular é feito: proliferação celu- lar, especialização celular, interação celular e movimento celular. PROLIFERAÇÃO CELULAR ESPECIALIZAÇÃO CELULAR INTERAÇÃO CELULAR MOVIMENTO CELULAR Figura 22-2 Proteínas homólogas fun- cionando de maneira intercambiável no desenvolvimento de camundongos e de moscas. (A) Uma proteína de mosca utilizada em um camundongo. A sequência de Drosophila de DNA codificante para a proteína Engrailed (uma proteína de regulação gênica) pode ser substituída pela sequência codificante correspondente da proteína Engrailed-1 de camundongo. A perda de Engrailed-1 nos camundongos causa um defeito em seus cérebros (o cere- belo não se desenvolve); a proteína de Drosophila atua como um substituto eficiente, recuperando o camundongo transgênico da sua deformidade. (B) Uma proteína de molusco utilizada em uma mosca. A proteína Eyeless controla o desenvolvimento ocular de Drosophi- la e, quando sua expressão é alterada, pode induzir o desenvolvimento de um olho em um local anormal, como uma perna. A proteína homóloga, Pax6, de camundongo, de lula e praticamente de qualquer animal dotado de olhos, quan- do apresenta uma expressão alterada de forma semelhante em uma mosca transgênica, produz o mesmo efeito. As micrografias eletrônicas de varredura mostram uma região de tecido ocular na perna de uma mosca, resultante da expressão alterada do gene Eyeless de Drosophila (acima) e do Pax6 de lula (abaixo). O painel à direita mostra, em uma amplificação menor, todo o olho de uma Drosophila normal, para comparação. (A, de M. C. Hanks et al., Development 125:4521-4530, 1998. Com permissão da The Company of Biolo- gists; B, de S. I. Tomarev et al., Proc. Natl. Acad. Sci. U. S. A. 94:2421-2426, 1997. Com permissão da National Academy of Sciences e cortesia de Kevin Moses.) Cerebelo Camundongo normal(A) (B) Camundongo sem Engrailed-1 Camundongo recuperado pela Engrailed de Drosophila 50 �m Alberts_22.indd 1306Alberts_22.indd 1306 29.07.09 16:49:1229.07.09 16:49:12 Biologia Molecular da Célula 1307 Os animais compartilham algumas características anatômicas básicas As semelhanças entre as espécies animais em relação aos genes que controlam o desen- volvimento refletem a evolução dos animais a partir de um ancestral comum no qual esses genes já estavam presentes. Embora não saibamos como ele se parecia, o ancestral comum dos vermes, dos moluscos, dos insetos, dos vertebrados e de outros animais complexos ti- nha, necessariamente, muitos tipos celulares diferenciados que seriam reconhecidos por nós: células epidérmicas, por exemplo, formando uma camada externa protetora; células do intestino para absorver nutrientes da comida ingerida; células musculares para mover-se; neurônios e células sensoriais para controlar os movimentos. O corpo deve ter sido organi- zado com uma camada de pele cobrindo o exterior, uma boca para a alimentação e um tubo intestinal para reter e processar a comida – com músculos, nervos e outros tecidos arranja- dos no espaço entre a camada externa de pele e o tubo intestinal interno. Essas características são comuns a quase todos os animais, e elas correspondem a um esquema anatômico básico de desenvolvimento. A célula-ovo – um depósito gigante de ma- teriais – se divide, ou se cliva, para formar muitas células menores. Estas se aderem para criar uma camada epitelial voltada para o meio externo. Uma grande parte dessa camada permanece externa, constituindo a ectoderme – o precursor da epiderme e do sistema ner- voso. Uma parte da camada dobra-se em direção ao interior para formar a endoderme – o precursor do intestino e de seus órgãos acessórios, como os pulmões e o fígado. Outro grupo de células move-se para o espaço entre a ectoderme e a endoderme e forma a mesoderme – o precursor dos músculos, dos tecidos conectivos e de vários outros componentes. Essa transformação de uma simples bola, ou esfera oca de células, em uma estrutura com tubo digestivo é chamada de gastrulação (da palavra grega para “barriga”) e, de uma forma ou outra, é uma característica quase universal do desenvolvimento animal. A Figura 22-3 ilus- tra o processo como é visto no ouriço-do-mar. A evolução tem se diversificado, com base nos fundamentos moleculares e anatômicos que descrevemos neste capítulo, para produzir a maravilhosa variedade de espécies dos dias de hoje. Contudo, a conservação geral dos genes e dos mecanismos significa que, ao estudar o desenvolvimento de um animal, muito frequentemente são encontrados indícios gerais do Figura 22-3 Gastrulação no ouriço-do-mar. Um ovo fertilizado divide-se para produzir uma blástula – uma esfera oca de células epiteliais circundando uma cavidade. Então, no processo de gastrulação, al- gumas células dobram-se para o interior para formar o intestino e outros tecidos internos. (A) Micrografia eletrônica de varredura mostrando o início da migração do epitélio. (B) Representação mostrando como um grupo de células se separa do epitélio para constituir a mesoderme. (C) Estas células migram para a face interna da parede da blástula. (D) Enquanto isso, o epitélio continua a dobrar-se para a região interna para formar a endoderme. (E e F) A endoderme invaginada estende-se em um longo tubo digestivo. (G) O final do tubo digestivo faz contato com a parede da blástula no local da futura abertura da boca. Aqui a ectoderme e a endoderme irão fusionar-se, e será formada uma abertura. (H) O plano corporal básico animal, com uma camada de ectoderme na parte exterior, um tubo de endoderme na parte de dentro e a mesoderme encaixada entre eles. (A, de R. D. Burke et al., Dev. Biol. 146:542-557, 1991. Com permissão da Academic Press; B-G, conforme L. Wolpert e T. Gustafson, Endeavour 26:85-90, 1967. Com permissão de Elsevier.) (A) (B) (D)(C) (F) (G)(E) (H) 100 �m Endoderme começando a se invaginar Face ventral Migração de células da mesoderme Futura boca Tubo digestivo Futuro esqueleto Futuro ânus Ectoderme Endoderme Boca Ânus Mesoderme Alberts_22.indd 1307Alberts_22.indd 1307 29.07.09 16:49:1329.07.09 16:49:13 1308 Alberts, Johnson, Lewis, Raff, Roberts & Walter desenvolvimento de vários outros tipos de animais. Como resultado, os biólogos do desen- volvimento da atualidade, assim como os biólogos celulares, podem se dar ao luxo de estu- dar questões fundamentais na espécie que ofereça o caminho mais fácil para uma resposta. Os animais multicelulares são ricos em proteínas que fazem a mediação das interações celulares e da regulação gênica O sequenciamento de genomas revela a extensão das semelhanças moleculares entre as es- pécies. O verme nematoide Caenorhabditis elegans, a mosca Drosophila melanogaster e o vertebrado Homo sapiens são os primeiros três animais para os quais foi obtida a sequência completa do genoma. Na árvore familiar da evolução animal, eles estão muito distantes uns dos outros: a linhagem que leva aos vertebrados divergiu daquela que leva aos nematoides, aos insetos e aos moluscos mais de 600 milhões de anos atrás. Apesar disso, quando os 20 mil genes do C. elegans, os 14 mil genes da Drosophila e os 25 mil genes dos humanos são sistematicamente comparados uns com os outros, é observado que em torno de 50% dos genes de cada uma das espécies possuem homólogos claramente reconhecíveis em uma ou nas outras duas espécies. Em outras palavras, as versões reconhecíveis de pelo menos 50% de todos os genes humanos já estavam presentes no ancestral comum dos vermes, das moscas e dos humanos. Obviamente, nem tudo é conservado: existem alguns genes com funções-chave no de- senvolvimento de vertebrados que não possuem homólogos no genoma de C. elegans ou de Drosophila, e vice-versa. Entretanto, o fato de existir uma grande proporção dos 50% dos genes que não possui homólogos identificáveis em outros filos não significa, simplesmente, que as suas funções são de menor importância. Embora esses genes não-conservados sejam transcritos e bem-representados em bibliotecas de DNA complementar (cDNA), os estudos de variabilidade de sequências de DNA e de aminoácidos dentro e entre as populações natu- rais indicam que esses genes podem, excepcionalmente, sofrer mutações sem comprometer seriamente a adaptabilidade; quando são inativados artificialmente, as consequências não são tão severas quanto seriam no caso dos genes que possuem homólogos em espécies que apresentam relações distantes. Uma vez que estes genes são livres para evoluir rapidamente, algumas dezenas de milhões de anos podem ser suficientes para destruir qualquer seme- lhança familiar, ou para permitir a sua perda do genoma. Os genomas de diferentes classes de animais diferem também porque, como discutido no Capítulo 1, existem variações substanciais na extensão das duplicações gênicas: a quanti- dade de duplicações gênicas na evolução dos vertebrados tem sido particularmente grande; como resultado, um mamífero ou um peixe frequentemente possuem vários homólogos que correspondem a um único gene em um verme ou em uma mosca. Apesar de tais diferenças, em uma primeira análise, podemos dizer que todos esses animais possuem um conjunto semelhante de proteínas a sua disposição para as suas funções-chave. Em outras palavras, eles constroem seus corpos usando, de maneira geral, o mesmo conjunto de partes moleculares. Quais genes, então, são necessários para produzir um animal multicelular, além daque- les necessários para produzir uma única célula? A comparação dos genomas de animais com o de leveduras que se reproduzem por brotamento – um eucarioto unicelular – sugere que duas classes de proteínas são especialmente importantes para a organização multicelular. A primeira classe é a das moléculas transmembrana usadas para a adesão e a sinalização celular. Em torno de 2.000 genes de C. elegans codificam receptores de superfície celular, pro- teínas de adesão celular e canais iônicos que estão ausentes na levedura, ou presentes em número muito menor. A segunda classe é a das proteínas de regulação gênica: estas proteínas de ligação ao DNA são muito mais numerosas no genoma de C. elegans do que no de leve- dura. Por exemplo, a família básica hélice-alça-hélice possui 41 membros em C. elegans, 84 na Drosophila, 131 nos humanos e somente 7 nas leveduras, e outras famílias de regulado- res da expressão gênica também são dramaticamente superexpressas nos animais, quando comparadas a leveduras. Não é surpresa, portanto, que essas duas classes de proteínas sejam centrais para a biologia do desenvolvimento: como veremos, o desenvolvimento de animais multicelulares é dominado por interações célula-célula e pela expressão gênica diferencial. Como discutido no Capítulo 7, microRNAs (miRNAs) também têm um papel significa- tivo no controle da expressão gênica durante o desenvolvimento, mas parecem ser de im- portância secundária quando comparados às proteínas. Dessa forma, um embrião mutante de peixe-zebra que não expresse a proteína Dicer, que é necessária à produção de miRNAs Alberts_22.indd 1308Alberts_22.indd 1308 29.07.09 16:49:1329.07.09 16:49:13 Biologia Molecular da Célula 1309 funcionais, ainda iniciará o seu desenvolvimento quase normalmente, originando tipos ce- lulares especializados e uma organização do plano corporal mais ou menos correta, antes que as anomalias se tornem severas. O DNA regulador define o programa de desenvolvimento Um verme, uma mosca, um molusco e um mamífero compartilham muitos dos mesmos ti- pos celulares essenciais, e todos são dotados de uma boca, um intestino, um sistema nervoso e uma pele; contudo, além de umas poucas características básicas, eles parecem radicalmen- te diferentes em sua estrutura corporal. Se o genoma determina a estrutura do corpo e todos esses animais possuem esta coleção similar de genes, como podem ser tão diferentes? As proteínas codificadas no genoma podem ser vistas como os componentes de um conjunto de ferramentas de construção. Muitas coisas podem ser construídas com este con- junto, assim como um conjunto de ferramentas de construção de crianças pode ser usado para fazer caminhões, casas, pontes, guindastes, e assim por diante, pela associação dos componentes em diferentes combinações. Alguns elementos, necessariamente, vão juntos – porcas com parafusos, rodas com pneus e eixos – mas a organização em grande escala do objeto final não é definida por essas estruturas. Ao contrário, ela é definida pelas instruções que acompanham os componentes e descrevem como eles devem ser montados. Em grande parte, as instruções necessárias para produzir um animal multicelular es- tão contidas no DNA regulador não-codificante associado a cada gene. Como discutido no Capítulo 4, cada gene em um organismo multicelular está associado a milhares ou deze- nas de milhares de nucleotídeos de DNA não-codificante. Este DNA pode conter, dispersas nele, dúzias de elementos reguladores separados ou estimuladores – pequenos segmentos de DNA que servem como sítios de ligação para complexos específicos de proteínas de re- gulação gênica. Em termos gerais, como explicado no Capítulo 7, a presença de um dado módulo regulador desse tipo leva à expressão do gene sempre que o complexo de proteínas que reconhecem aquele segmento de DNA esteja apropriadamente montado na célula (em alguns casos, uma inibição ou um efeito mais complicado na expressão gênica é produzido em seu lugar). Se pudéssemos decifrar o conjunto completo de módulos reguladores asso- ciados a um gene, entenderíamos todas as condições moleculares diferentes sob as quais os produtos daquele gene devem ser produzidos. Este DNA regulador pode, assim, ser consi- derado como o definidor do programa sequencial de desenvolvimento: as regras passam de um estado para o próximo, enquanto as células proliferam e leem suas posições no embrião pela relação com as suas adjacências, ativando novos conjuntos de genes de acordo com as atividades das proteínas que elas correntemente contêm (Figura 22-4). Variações nas pró- prias proteínas, obviamente, também contribuem para as diferenças entre as espécies. No entanto, mesmo que o conjunto de proteínas codificado pelo genoma se mantenha com- pletamente inalterado, a variação no DNA regulador seria suficiente para originar tecidos e estruturas corporais radicalmente distintos. Quando comparamos espécies animais com planos corporais semelhantes – diferentes vertebrados, como um peixe, um pássaro e um mamífero, por exemplo – observamos que os genes correspondentes normalmente possuem conjuntos semelhantes de módulos regula- dores: as sequências de DNA de muitos módulos individuais têm sido bem conservadas e são reconhecidas como homólogas nos diferentes animais. O mesmo é verdade se compa- ramos diferentes espécies de vermes nematoides ou diferentes espécies de insetos. Contu- do, quando comparamos regiões reguladoras de vertebrados com aquelas de vermes ou de Figura 22-4 Como o DNA regulador define a sucessão de padrões de expressão gênica no desenvolvimen- to. Os genomas dos organismos A e B codificam o mesmo conjunto de proteí- nas, porém possuem DNAs reguladores diferentes. As duas células na figura co- meçam no mesmo estado, expressando as mesmas proteínas no estágio 1, mas passam para estados bem diferentes no estágio 2, devido ao arranjo distinto de módulos reguladores. Estágio embrionário 2 Estágio embrionário 1 Gene 1 Gene 2 Gene 3 Gene 1 Gene 2 Gene 3 Módulos reguladores TEMPO Estágio embrionário 2 Estágio embrionário 1 Gene 1 Gene 2 Gene 3 Gene 1 Gene 2 Gene 3 TEMPO Proteína reguladora do gene CÉLULA NO ORGANISMO A CÉLULA NO ORGANISMO B RELACIONADO Alberts_22.indd 1309Alberts_22.indd 1309 29.07.09 16:49:1329.07.09 16:49:13 1310 Alberts, Johnson, Lewis, Raff, Roberts & Walter moscas, é difícil ver qualquer tipo de semelhança. As sequências codificantes de proteínas são indubitavelmente semelhantes, mas as sequências correspondentes de DNA regulador mostram-se muito diferentes. Este é o resultado esperado se diferentes planos de corpo são produzidos principalmente pela alteração do programa incorporado no DNA regulador, em- bora retendo a maior parte do mesmo conjunto de proteínas. A manipulação do embrião revela as interações entre as suas células Confrontado com um animal adulto, em toda a sua complexidade, como alguém começa a analisar o processo que o trouxe à vida? A primeira etapa essencial é descrever as alterações anatômicas – os padrões de divisão celular, de crescimento e de movimento que convertem o ovo em um organismo maduro. Este é o trabalho da embriologia descritiva, sendo mais difícil do que se poderia pensar. Para explicar o desenvolvimento em termos de comportamento ce- lular, precisamos ser capazes de rastrear as células individuais acompanhando suas divisões celulares, transformações e migrações no embrião. As bases da embriologia descritiva foram apresentadas no século XIX, mas a tarefa mais refinada de rastreamento das linhagens celula- res continua a por à prova a ingenuidade dos biólogos do desenvolvimento (Figura 22-5). Dada uma descrição, como se pode ir além e descobrir os mecanismos causais? Tra- dicionalmente, os embriologistas experimentais têm tentado entender o desenvolvimento em termos das maneiras pelas quais as células e os tecidos interagem para gerar a estrutura multicelular. Os geneticistas do desenvolvimento, enquanto isso, têm tentado analisar o de- senvolvimento em termos das ações dos genes. Essas duas estratégias são complementares e convergiram para produzir o nosso conhecimento atual. Na embriologia experimental, as células e os tecidos de animais em desenvolvimento são removidos, rearranjados, transplantados ou crescidos em isolamento, de modo a desco- brir como eles influenciam um ao outro. Os resultados são, com frequência, surpreendentes: um embrião inicial cortado pela metade, por exemplo, pode produzir dois animais comple- tos e perfeitamente formados, ou um pequeno pedaço de um tecido transplantado para um novo local pode reorganizar toda a estrutura do corpo em desenvolvimento (Figura 22-6). Observações desse tipo podem ser aprofundadas e aperfeiçoadas para decifrar as interações Figura 22-5 Rastreamento de linha- gens celulares em embrião jovem de galinha. As figuras na fileira de cima são de baixa amplificação e mostram os embriões inteiros; as figuras abaixo são mais detalhadas, mostrando a distribuição das células marcadas. O experimento de rastreamento releva os rearranjos celulares complexos e dramá- ticos. (A, D) Dois pequenos pontos de marcadores fluorescentes, um vermelho e outro verde, foram utilizados para marcar pequenos grupos de células em um embrião em 20 horas de incubação. Apesar de o embrião ainda parecer uma lâmina de tecido quase sem caracte- rísticas distintas, já existe algum grau de especialização. Os pontos foram colocados em cada um dos lados de uma estrutura chamada de nó primitivo, ou linha primitiva. (B, E) Seis horas mais tarde, algumas das células marcadas permanecem no nó primitivo (que se moveu para trás), causando um ponto de fluorescência no local, enquanto outras começaram a se mover para a frente, em relação ao nó primitivo. (C, F) Após mais oito horas, o plano corporal é claramente visível, com a cabeça na extremidade anterior (no topo), um eixo central e fileiras de segmentos corporais embrionários, denominados somitos, nos dois lados do corpo. O nó primitivo regrediu ainda mais em direção à cauda; algumas das células marcadas original- mente permanecem no nó primitivo, formando um ponto brilhante de fluo- rescência, enquanto outras migraram para posições mais anteriores e se tor- naram parte dos somitos. (Cortesia de Raquel Mendes e Leonor Saúde.) 1 mm (C)(B)(A) (F)(E)(D) Alberts_22.indd 1310Alberts_22.indd 1310 29.07.09 16:49:1329.07.09 16:49:13 Biologia Molecular da Célula 1311 básicas célula-célula e as regras do comportamento celular. Os experimentos são mais fáceis de serem realizados em grandes embriões que sejam prontamente acessíveis para micro- cirurgias. Assim, as espécies mais usadas têm sido as aves – especialmente a galinha – e os anfíbios – particularmente a rã africana Xenopus laevis. Os estudos de animais mutantes identificam os genes que controlam os processos do desenvolvimento A genética do desenvolvimento inicia-se com o isolamento de animais mutantes cujo de- senvolvimento é anormal. Isso geralmente envolve uma sondagem genética, como descrito no Capítulo 8. Os animais parentais são tratados com um mutagênico químico ou com uma radiação ionizante para induzir mutações nas suas células germinativas, e grandes números da sua progênie são examinados. Os raros mutantes que mostram alguma anormalidade in- teressante no desenvolvimento – desenvolvimento alterado do olho, por exemplo – são se- lecionados para um estudo mais aprofundado. Dessa maneira, é possível descobrir os genes que são especificamente necessários ao desenvolvimento normal de qualquer característica escolhida. Pela clonagem e pelo sequenciamento de um gene encontrado dessa maneira, é possível identificar o seu produto proteico, investigar como ele funciona e começar uma análise do DNA regulador que controla a sua expressão. A estratégia genética é mais fácil em pequenos animais com tempos de geração cur- tos que podem crescer em laboratório. O primeiro animal a ser estudado desse modo foi a mosca-das-frutas Drosophila melanogaster, a qual será estudada extensivamente a seguir. Contudo, a mesma estratégia tem sido bem sucedida no verme nematoide, Caenorhabditis elegans, no peixe-zebra, Danio rerio, e no camundongo, Mus musculus. Embora os humanos não sejam intencionalmente mutagenizados, eles são sondados para anormalidades em nú- meros enormes pelo sistema médico de saúde. Muitas mutações em humanos causam anor- malidades compatíveis com a vida, e as análises dos indivíduos afetados e das suas células fornecem indícios importantes sobre os processos do desenvolvimento. Uma célula toma as decisões sobre o seu desenvolvimento muito antes de mostrar uma mudança visível Por um simples olhar atento, ou com o auxílio de marcadores fluorescentes e outras técnicas de marcação celular, pode-se descobrir qual será o destino de determinada célula em um embrião, caso seja permitido a ele desenvolver-se normalmente. A célula pode ter como des- tino morrer, por exemplo, ou tornar-se um neurônio, ser parte de um órgão, como o pé, ou dar origem a uma progênie de células distribuídas por todo o corpo. Conhecer o destino ce- lular, nesse sentido, entretanto, é saber quase nada a respeito da característica intrínseca da célula. Em um extremo, a célula que é destinada a tornar-se, digamos, um neurônio pode já estar especializada de uma maneira que garanta que ela se tornará um neurônio, não impor- Um embrião de 2 células dividido quase ao meio por um grampo de cabelo Transplante de um pequeno grupo de células em um embrião hospedeiro (A) (B) Figura 22-6 Alguns resultados surpre- endentes obtidos pela embriologia experimental. Em (A), um embrião anfíbio inicial é dividido praticamente em duas partes com um grampo de cabelo. Em (B), um embrião de anfíbio em um estágio um pouco mais tardio recebe um enxerto de um pequeno conjunto de células de outro embrião naquele estágio. As duas operações, bem-diferentes, induzem um único embrião a desenvolver-se em um par de gêmeos ligados (siameses). É também possível no experimento (A) dividir o embrião inicial em duas metades completamente separadas; dois girinos bem-formados inteiramente separados são então produzidos. (A, segundo H. Spemann, Embryonic Development and Induction. New Haven: Yale University Press, 1938; B, Segundo J. Holtfreter e V. Hamburger, in Analysis of Development [B.H. Willier, P. A. Weiss e V. Hamburger, eds.], p. 230-296. Philadelphia: Saun- ders, 1955.) Alberts_22.indd 1311Alberts_22.indd 1311 29.07.09 16:49:1429.07.09 16:49:14 1312 Alberts, Johnson, Lewis, Raff, Roberts & Walter tando o quanto o seu ambiente seja alterado; tal célula é considerada como determinada para o seu destino. No extremo oposto, a célula pode ser bioquimicamente idêntica a outras células fadadas a outros destinos, sendo a sua posição acidental a única diferença entre elas, o que expõe as células a influências futuras distintas. O estado de determinação de uma célula pode ser testado transplantando-a para am- bientes alterados (Figura 22-7). Uma das conclusões-chave da embriologia experimental tem sido que, graças à memória celular, uma célula pode tornar-se determinada muito antes de mostrar algum sinal externo óbvio de diferenciação. Entre os extremos de total determinação e completa indeterminação celular, há um amplo espectro de possibilidades. Uma célula pode, por exemplo, já estar levemente espe- cializada para o seu destino normal, com uma forte tendência para desenvolver-se naquela direção, mas ainda capaz de alterar-se e ter um destino diferente, se colocada em um am- biente suficientemente coercivo. (Alguns biólogos do desenvolvimento descreveriam esta célula como especificada ou comprometida, mas ainda não determinada.) Ou a célula pode estar determinada, digamos, como uma célula cerebral, mas ainda não determinada quanto a ser um componente neuronal ou glial do cérebro. E, frequentemente, parece que células adjacentes do mesmo tipo interagem e dependem de suporte mútuo para manter suas ca- racterísticas especializadas, de maneira que elas irão comportar-se como determinadas se mantidas juntas em um agrupamento, mas não determinadas se colocadas sozinhas e isola- das de suas companhias usuais. As células relembram valores posicionais que refletem a sua localização no corpo Em muitos sistemas, muito antes de as células comprometerem-se com a diferenciação em um tipo celular específico, tornam-se regionalmente determinadas: ou seja, ativam e man- têm a expressão de genes que podem ser considerados como marcadores de posição ou de região do corpo. Esta característica posição-específica de uma célula é chamada de valor posicional e mostra seus efeitos na maneira como a célula se comporta em etapas subse- quentes da formação dos padrões. O desenvolvimento da perna e da asa de galinha fornece um exemplo impressionante. Ambas, a perna e a asa do adulto, consistem em músculos, ossos, pele e assim por diante – quase exatamente a mesma gama de tecidos diferenciados. A diferença entre os dois mem- bros não reside nos tipos de tecidos, mas na maneira como estes tecidos estão arranjados no espaço. Como, então, essa diferença ocorre? No embrião da galinha, a perna e a asa originam-se quase ao mesmo tempo, na forma de pequenos brotos no formato de língua que se projetam do flanco. As células nos dois pares de brotos dos membros parecem semelhantes e uniformemente indiferenciadas em um primeiro momento. Contudo, um simples experimento mostra que essa aparente seme- lhança é enganosa. Um pequeno bloco de tecido indiferenciado na base do broto da perna, da região que normalmente daria origem à coxa, pode ser cortado e enxertado na ponta do broto da asa. Surpreendentemente, o enxerto não dá origem à parte apropriada de ponta de asa, nem a um pedaço de tecido de coxa no local errado, mas a um dedo do pé (Figura 22-8). Esse experimento mostra que as células do broto da perna já estão previamente deter- Figura 22-7 O teste-padrão para a de- terminação celular. Doador Transplante Hospedeiro Doador Transplante Hospedeiro Após iniciar a diferenciação Antes de iniciar a diferenciação DESTINO NORMAL NÃO-DETERMINADO DETERMINADO Broto da perna Broto da asa Asa resultante Porção de tecido da mesoderme que formaria estruturas da coxa Tecido presumivelmente da coxa, enxertado na ponta do broto da asa Parte superior da asa e antebraço Dedos do pé com garras terminais Figura 22-8 Provável tecido de coxa enxertado na ponta de um broto de asa de galinha, formando dedos do pé. (Segundo J.W. Saunders et al., Dev. Biol. 1:281-301, 1959. Com permissão da Academic Press.) Alberts_22.indd 1312Alberts_22.indd 1312 29.07.09 16:49:1429.07.09 16:49:14 Biologia Molecular da Célula 1313 minadas como perna, mas ainda não irrevogavelmente comprometidas para vir a ser uma parte particular da perna: elas ainda podem responder a sinais no broto da asa, de maneira que formam estruturas apropriadas para a ponta do membro, em vez da base. O sistema de sinalização que controla as diferenças entre as partes do membro é, aparentemente, o mes- mo para a perna ou para a asa. A diferença entre os dois membros resulta da diferença nos estados internos das suas células no início do desenvolvimento dos membros. A diferença do valor posicional entre as células dos membros anteriores e as células dos membros posteriores dos vertebrados parece ser um reflexo da expressão diferencial de um conjunto de genes, que codificam proteínas de regulação gênica que são responsáveis por fazer com que as células nos dois brotos de membros se comportem de maneiras distintas (Figura 22-9). Mais tarde, neste capítulo, explicaremos como o próximo nível, mais detalha- do, de formação de padrões é determinado em um broto individual de um membro. Sinais indutivos podem criar diferenças ordenadas entre células inicialmente idênticas Em cada estágio do seu desenvolvimento, a célula de um embrião é exposta a um conjunto limitado de opções de acordo com o seu estado: a célula percorre uma via de desenvolvi- mento que se ramifica repetidamente. A cada ramificação nesta via, ela deve fazer uma es- colha, e esta sequência de escolhas determina seu destino final. Dessa forma, um complexo grupo de tipos celulares distintos é produzido. Para compreender o desenvolvimento, precisamos saber como cada escolha entre as possíveis opções é controlada, e como estas opções dependem das escolhas feitas previa- mente. Para reduzir esta questão a sua forma mais simples: como duas células com o mesmo genoma, mas separadas no espaço, tornam-se diferentes? A maneira mais eficaz de tornar células diferentes é expô-las a diferentes condições am- bientais, e os sinalizadores ambientais mais importantes que atuam sobre as células de um embrião são aqueles advindos das células adjacentes. Dessa forma, no modo de formação de padrões provavelmente mais comum, um grupo de células inicialmente apresenta o mes- mo potencial de desenvolvimento, e um sinal originado fora deste grupo de células faz com que um ou mais membros deste grupo tome uma via de desenvolvimento distinta, causando uma alteração nas suas características. Este processo é chamado de interação indutiva. Ge- ralmente, o sinal é limitado no tempo e no espaço, de forma que apenas um subconjunto de células competentes – aquelas mais próximas da fonte do sinal adquira o caráter induzido (Figura 22-10). Alguns sinais indutores são de curto alcance – em especial aqueles transmitidos por contatos célula-célula; outros são de longo alcance, mediados por moléculas que podem se difundir pelo meio extracelular. O grupo de células inicialmente semelhantes competentes para responder ao sinal é às vezes chamado de grupo de equivalência ou campo morfogené- tico. Ele pode consistir em apenas duas, ou em milhares de células, e qualquer fração deste total pode ser induzida, dependendo da intensidade e da distribuição do sinal. Células-irmãs podem nascer diferentes por uma divisão celular assimétrica A diversificação celular nem sempre precisa depender de sinais extracelulares: em alguns casos, células-irmãs nascem diferentes como resultado de uma divisão celular assimétrica, em que conjuntos significativos de moléculas são divididos de maneira desigual entre as Figura 22-9 Embriões de galinha aos seis dias de incubação, mostrando os brotos dos membros marcados por hibridização in situ com sondas para detecção da expressão dos genes Tbx4, Tbx5 e Pitx1, todos codificando proteínas de regulação gênica rela- cionadas. As células que expressam Tbx5 irão formar uma asa; as células que expressam Tbx4 e Pitx1 formarão uma perna. Pitx1, quando expresso de forma errônea no broto da asa, faz com que o membro desenvolva características de uma perna. (Cortesia de Malcolm Logan.) Tbx5 Tbx4 Pitx1 Broto da asa Broto da perna 1 mm Sinal indutivo Células direcionadas para uma nova via de desenvolvimento Figura 22-10 Sinalização indutiva. Alberts_22.indd 1313Alberts_22.indd 1313 29.07.09 16:49:1429.07.09 16:49:14 1314 Alberts, Johnson, Lewis, Raff, Roberts & Walter duas células no momento da divisão. Esta segregação assimétrica de moléculas (ou conjun- tos de moléculas) atua como determinante para um dos destinos celulares pela alteração di- reta ou indireta do padrão de expressão gênica na célula-filha que a contém (Figura 22-11). As divisões assimétricas são particularmente comuns no início do desenvolvimento, quando o ovo fertilizado divide-se para originar células-filhas com destinos diferentes, mas elas também ocorrem em estágios mais tardios – na gênese das células nervosas, por exemplo. A retroalimentação positiva pode originar assimetria onde não havia antes A sinalização indutiva e a divisão celular assimétrica representam duas estratégias distintas para a criação de diferenças entre as células. Ambas, no entanto, pressupõem uma assime- tria preexistente no sistema: a fonte do sinal indutivo deve estar localizada de forma que algumas células recebem o sinal forte e outras não; ou a célula-mãe já deve apresentar uma assimetria interna antes de se dividir. Muito frequentemente, o histórico do sistema assegura que alguma assimetria estará presente. Contudo, o que acontece se não estiver, ou se a assi- metria inicial for apenas sutil? A resposta reside na retroalimentação positiva: pela retroalimentação positiva, um sis- tema que inicialmente era homogêneo e simétrico pode criar padrões espontaneamente, mesmo quando não houver um sinal externo organizado. E nos casos onde, como geralmen- te ocorre, o ambiente ou as condições iniciais imponham uma assimetria inicial fraca mas definitiva, a retroalimentação positiva provê os meios necessários para amplificar a assime- tria e criar um padrão de desenvolvimento. Para ilustrar a ideia, considere um par de células adjacentes que iniciam em um estado similar e podem trocar sinais para influenciar o comportamento uma da outra (Figura 22-12). Quanto mais qualquer uma das células produzir o mesmo produto X, mais ela vai sinalizar para a célula vizinha que iniba sua produção de X. Este tipo de interação célula-célula é cha- mado de inibição lateral e origina um ciclo de retroalimentação positiva que tende a ampli- ficar qualquer diferença inicial entre as duas células. Esta diferença pode ser originada por condições impostas por algum fator externo anterior, ou simplesmente por flutuações aleató- rias espontâneas, ou “ruído” – uma característica inevitável do circuito do controle genético nas células, conforme discutido no Capítulo 7. Em qualquer um dos casos, a inibição lateral significa que, se a célula #1 sintetizar um pouco mais de X, ela fará com que a célula #2 sinte- tize menos; e como a célula #2 faz menos X, ela causa uma menor inibição na célula #1, o que permite que a quantidade de X na célula #1 aumente ainda mais; e assim sucessivamente, até que um estado de equilíbrio seja atingido, onde a célula #1 contém grandes quantidades de X e a célula #2 contém muito pouco. Figura 22-11 Os dois modos de tornar células-irmãs diferentes. 1. Divisão assimétrica: as células-irmãs nascem diferentes 2. Divisão simétrica: as células-irmãs se tornam diferentes como resultado das influências que atuam sobre elas após o seu nascimento Alberts_22.indd 1314Alberts_22.indd 1314 29.07.09 16:49:1529.07.09 16:49:15 Biologia Molecular da Célula 1315 Análises matemáticas mostram que este fenômeno depende da força do efeito da inibi- ção lateral: se ela for muito fraca, as flutuações irão desaparecer e não haverá efeito durador; mas se ela for forte e duradoura o suficiente, o efeito será autoamplificado de forma constante, rompendo a simetria inicial entre as duas células. A inibição lateral, frequentemente mediada pela troca de sinais nos pontos de contato célula-célula através da via de sinalização de Notch (como discutido no Capítulo 15), é um mecanismo comum de diversificação celular em teci- dos animais, fazendo com que células adjacentes se especializem de formas diferentes. A retroalimentação positiva gera padrões, cria resultados tudo-ou-nada e provê memória Processos similares de retroalimentação positiva podem operar sobre conjuntos maiores de células para originar diversos tipos de padrões espaciais. Por exemplo, uma substância A (um ativador de curto alcance) pode estimular sua própria produção nas células que a con- tenham e nas células adjacentes, enquanto pode também estimulá-las a produzir um sinal H (um inibidor de longo alcance) que se difunde amplamente e inibe a produção de A nas células localizadas a grandes distâncias. Se todas as células partirem de um estado inicial igual, mas um grupo de células ganhar certa vantagem pela produção um tanto maior de A do que o restante das células, a assimetria pode ser autoamplificada. A ativação de curto al- cance, combinada desta forma à inibição de longo alcance, pode colaborar para a formação de grupos de células que se tornem especializadas como centros sinalizadores localizados, em um tecido inicialmente homogêneo. No polo oposto do espectro de magnitude, a retroalimentação positiva também pode ser o meio pelo qual as células individuais se tornam espontaneamente polarizadas e inter- namente assimétricas, por meio de sistemas de sinalização intracelular que tornam um sinal assimétrico inicial capaz de autoamplificação. Por meio destas e de muitas outras variações sobre o tema da retroalimentação positiva, alguns princípios gerais se aplicam. Em cada um dos exemplos anteriores, a retroalimenta- ção positiva leva ao rompimento da simetria e a um fenômeno tudo-ou-nada. Se a retroali- mentação estiver abaixo de um certo limiar de força, as células se mantêm essencialmente no mesmo estado; se a retroalimentação estiver acima do limiar, elas se tornam muito dife- rentes. Acima deste limiar, o sistema tem estabilidade dupla ou é multiestável – ele se des- loca na direção de um ou outro resultado final, dentre os dois ou mais resultados possíveis altamente distintos, de acordo com qual das células (ou qual dos polos de uma única célula) ganhou a vantagem inicial. A escolha entre resultados finais alternativos pode ser determinada por sinais externos que conferem a uma das células uma pequena vantagem inicial. Contudo, uma vez que a Figura 22-12 Origem da assimetria pela retroalimentação positiva. Neste exemplo, duas células interagem, cada uma produzindo uma substância X que atua na outra célula, inibindo a produ- ção de X, um efeito conhecido como ini- bição lateral. Um aumento na produção de X em uma das células leva a uma re- troalimentação positiva que tende a au- mentar a produção de X nesta mesma célula, enquanto diminui a quantidade de X na célula vizinha. Isto pode originar uma instabilidade crescente, tornando as duas células radicalmente distintas. Por fim, o sistema se estabiliza em um dos dois estados opostos. A escolha fi- nal do estado representa uma forma de memória: uma pequena influência que inicialmente direcionou uma escolha não é mais necessária para manter o estado final estável. X X X X X X X X Uma flutuação transiente cria uma pequena assimetria. RETROALIMENTAÇÃO POSITIVA A assimetria é autoamplificada. ESTABILIDADE DUPLA Os estados finais alternativos tudo-ou-nada representam uma memória estável. X X X X XX X X X X X X X X X X XX X X X X X XX X X X X X X X X X X XXX X XX X Alberts_22.indd 1315Alberts_22.indd 1315 29.07.09 16:49:1529.07.09 16:49:15 1316 Alberts, Johnson, Lewis, Raff, Roberts & Walter retroalimentação positiva tenha feito o seu trabalho, este sinal externo se torna irrelevante. O rompimento da simetria, uma vez estabelecido, é muito difícil de ser revertido: a retroali- mentação positiva faz com que o estado assimétrico escolhido seja autossustentado, mesmo quando o sinal inicial tenha desaparecido. Dessa forma, a retroalimentação positiva provê ao sistema uma memória dos sinais passados. Todos estes efeitos da retroalimentação positiva – rompimento da simetria, resultados tudo-ou-nada, estabilidade dupla e memória – andam lado a lado e são encontrados repeti- das vezes no desenvolvimento dos organismos. Estes efeitos são fundamentais para a origem de padrões estáveis e fortemente delineados nas células em diferentes estados. Um pequeno conjunto de vias de sinalização, utilizado repetidamente, controla o padrão de desenvolvimento Quais, então, são as moléculas que atuam como sinais para coordenar a formação espacial de padrões em um embrião, seja para dar origem à assimetria de novo, ou para agir como indutores dos centros de sinalização estabelecidos para controlar a diversificação das células adjacentes? Em princípio, qualquer tipo de molécula extracelular poderia servir. Na prática, a maioria dos eventos indutivos conhecidos no desenvolvimento animal é governada por ape- nas uma família de proteínas de sinalização altamente conservadas, que são utilizadas repeti- damente em contextos diferentes. A descoberta deste vocabulário limitado que as células uti- lizam para comunicação durante o processo de desenvolvimento ocorreu nos últimos 10 a 20 anos como uma das grandes descobertas simplificadoras da biologia do desenvolvimento. Na Tabela 22-1, revisamos brevemente as seis principais famílias de proteínas de sinalização que atuam repetidamente como indutoras do desenvolvimento animal. Detalhes dos mecanismos intracelulares através dos quais estas moléculas atuam são encontrados no Capítulo 15. O resultado final da maioria dos eventos de indução é uma alteração na transcrição do DNA na célula que responde ao sinal: alguns genes são ativados e outros são inibidos. Diferentes moléculas sinalizadoras ativam diferentes tipos de proteínas reguladoras de ge- nes. Além disso, o efeito de ativação de uma proteína reguladora de genes irá depender de quais outras proteínas reguladoras de genes também estiverem presentes em uma célula, uma vez que elas atuam em conjunto. Como resultado, diferentes tipos celulares em geral responderão de maneiras diferentes a um mesmo sinal, e células iguais frequentemente irão responder de maneiras diferentes a um mesmo sinal que seja iniciado em tempos distintos. A resposta dependerá de quais outras proteínas reguladoras de genes estiverem presentes antes da chegada do sinal – refletindo a memória celular dos sinais recebidos previamente, e de quais outros sinais a célula está recebendo no momento corrente. Morfógenos são indutores de longo alcance que exercem efeitos graduados Moléculas-sinal frequentemente parecem coordenar uma escolha simples tipo sim ou não: um efeito quando sua concentração é alta e outro quando sua concentração é baixa. A retro- Tabela 22-1 Algumas proteínas-sinal são utilizadas repetidamente como indutoras do desenvolvimento animal VIA DE SINALIZAÇÃO FAMÍLIA DE LIGANTES FAMÍLIA DE RECEPTORES INIBIDORES/MODULADORES EXTRACELULARES Receptor tirosina- cinase (RTK) EGF FGF (Branchless) Efrinas Receptores EGF Receptores FGF (Breathless) Receptores Eph Argos Superfamília TGF� TGF� BMP (Dpp) Nodal Receptores TGF� Receptores BMP chordin (Sog), noggin Wnt Wnt (Wingless) Frizzled Dickkopf, Cerberus Hedgehog Hedgehog Patched, Smoothened Notch Delta Notch Fringe Apenas alguns exemplos representativos de cada classe de proteínas são listados – principalmente aqueles que são mencionados neste Capítulo. Nomes particulares para Drosophila são mostrados entre parênteses. Muitos dos componentes listados apresentam diversos homólogos distinguidos por números (FGF1, FGF2, etc.) ou por nomes compostos (Sonic hedgehog, Lunatic fringe). Outras vias de sinalização, incluindo as vias JAK/STAT, receptores nucleares de hormônios e receptores associados à proteína G, também desempenham um papel importante em alguns processos de desenvolvimento. Alberts_22.indd 1316Alberts_22.indd 1316 29.07.09 16:49:1529.07.09 16:49:15 Biologia Molecular da Célula 1317 alimentação positiva faz com que as células respondam de forma tudo-ou-nada, de maneira que um resultado é obtido quando o sinal está abaixo de um dado valor crítico, e outro re- sultado quando está acima deste valor. Em muitos casos, no entanto, as respostas têm um ajuste mais fino: uma alta concentração pode, por exemplo, direcionar as células-alvo para uma via de desenvolvimento, uma concentração intermediária para uma outra via, e baixas concentrações podem induzir estas células a uma outra via possível. Um caso importante é aquele em que a molécula-sinal difunde-se a partir de um centro de sinalização localizado, criando um gradiente de concentração de sinal. As células a diferentes distâncias da fonte são direcionadas a comportarem-se em uma grande variedade de maneiras diferentes, de acordo com a concentração do sinal que elas recebem. Assim, uma molécula-sinal que impõe um padrão em um amplo campo de células é chamada de morfógeno. Os membros dos vertebrados fornecem um exemplo notável: um grupo de células em um lado do broto do membro embrionário pode se tornar especializado como um centro sinalizador e secretar a proteína Sonic hedgehog – um membro da família Hedgehog de moléculas–sinal. Esta proteína espalha-se a partir de sua fonte, formando um gradiente de morfógenos que controla as características das células ao longo do eixo pole- gar-para-dedo mínimo do broto do membro. Se um grupo adicional de células sinalizadoras é enxertado no lado oposto do broto, uma duplicação especular do padrão de dígitos é pro- duzida (Figura 22-13). Os inibidores extracelulares de moléculas-sinal moldam a resposta ao indutor Especialmente para as moléculas que podem atuar à distância, é importante limitar a ação do sinal, assim como produzi-lo. A maioria das proteínas–sinal do desenvolvimento possui antagonistas extracelulares que podem inibir a sua função. Estes antagonis tas geralmente são proteínas que se ligam ao sinal ou seu receptor, impedindo que ocorra uma interação produtiva. Figura 22-13 Sonic hedgehog como um morfógeno no desenvolvimento dos mem bros de galinhas. (A) A ex- pressão do gene Sonic hedgehog em um embrião de galinha de quatro dias, mostrada por hibridização in situ (vista dor sal do tronco no nível dos brotos das asas). O gene é expresso na linha média do corpo e na borda posterior (a região polarizada) de cada um dos brotos das asas. A proteína Sonic hed gehog espalha-se a partir destas fontes. (B) De- senvolvimento normal da asa. (C) Um enxerto de tecido da região polarizada causa uma dupli cação especular do pa- drão da asa do hospedei ro. Acredita-se que o tipo de dígito que se de senvolve seja coordenado pela concentração local da proteína Sonic hedgehog; tipos diferen tes de dígitos (marcados 2, 3 e 4) formam-se de acordo com sua distância de uma fonte de Sonic hedgehog. (A, cortesia de Randall S. Johnson e Robert D. Riddle.) 500 �m ANTERIOR POSTERIOR ANTERIOR POSTERIOR (B) (A) (C) Região polarizada do broto da asa Região polarizadora retirada do broto da asa doador e enxertada na região anterior do broto da asa do hospedeiro Desenvolve-se em Desenvolve-se em 2 2 2 3 3 3 4 4 4 Alberts_22.indd 1317Alberts_22.indd 1317 29.07.09 16:49:1629.07.09 16:49:16 1318 Alberts, Johnson, Lewis, Raff, Roberts & Walter Um número surpreendentemente grande de decisões no desenvolvimento é, na verda- de, re gulado por inibidores e não pela molécula-sinal primária. O sistema nervoso em um embrião de rã origina-se de um conjunto de células que é competente para formar tanto tecido neuronal quanto epiderme. Um tecido indutor libera a proteína chordin, a qual favo- rece a formação do tecido neuronal. A chordin não possui receptor próprio. Em vez disso, ela é um inibidor de proteínas–sinal da família BMP/TGF�, que induzem o desenvolvimento da epiderme e estão presentes por toda a região neuroepitelial onde os neurônios e a epiderme se formam. A indução do tecido neuronal é devida a um gradiente inibidor de um sinal an- tagonista (Figura 22-14). Os sinais de desenvolvimento podem se espalhar através de um tecido de diferentes maneiras Acredita-se que muitos sinais de desenvolvimento se espalhem pelos tecidos por difusão simples através dos espaços entre as células. Se um grupo especializado de células produz uma molécula-sinal em taxas constantes, e este morfógeno é então degradado conforme se afasta desta fonte, um gradiente discreto será formado, com o ponto máximo na fonte. A velocidade de difusão e a meia-vida do morfógeno determinarão juntas a extensão do gra- diente (Figura 22-15). Este mecanismo simples pode ser modificado de diversas maneiras para ajustar a forma e a extensão do gradiente. Receptores na superfície das células ao longo do caminho podem Figura 22-14 Duas maneiras de criar um gradiente de morfógenos. (A) Pela produção localizada de um indu- tor – um morfógeno – que se difunde a partir da sua origem. (B) Pela pro dução localizada de um inibidor que se difun- de a partir da sua origem e bloqueia a ação de um indutor uniformemente distribuído. Indutor distribuído uniformemente Inibidor distribuído em um gradiente Gradiente resultante da atividade do indutor (B) (A) Fonte do inibidor Fonte do indutor Gradiente do indutor se estendendo ao longo do conjunto de células Figura 22-15 Estabelecimento de um gradiente de sinal por difusão. O gráfico mostra estágios sucessivos do estabelecimento da concentração de uma molécula-sinal produzida a taxas constantes na origem, com a produção começando no tempo 0. A molécula sofre degradação conforme se difunde da fonte, criando um gradiente de concentração com o pico na fonte. Os gráficos foram calculados com a premis- sa de que a difusão ocorre ao longo de um eixo no espaço, de que a molécula tem uma meia-vida (t1/2) de 20 minutos, e de que ela se difunde com a constante de difusão D = 0,4 Mm2hr-1, parâmetros típicos para uma proteína pequena (30 kDa) em água. Note que o gradiente já está próximo do estado de equilíbrio com o tempo de uma hora e que a con- centração no estado de equilíbrio (nos tempos maiores) diminui exponencial- mente com a distância. t = 160 min t = 80 min t = 40 min t = 20 min t = 10 min t = 5 min Distância da fonte (mm) t = tempo decorrido do ponto inicial Fonte do morfógeno 0,5 1,0 1,5 2,0 2,5 0,1 0,2 0,3 0,4 0,5 0 Alberts_22.indd 1318Alberts_22.indd 1318 29.07.09 16:49:1629.07.09 16:49:16 Biologia Molecular da Célula 1319 capturar o morfógeno e promover a sua endocitose e degradação, diminuindo sua meia-vida efetiva. Ou ele pode se ligar a moléculas da matriz extracelular, reduzindo a sua taxa de difu- são efetiva. Em alguns casos, é como se o morfógeno fosse captado pelas células por endoci- tose e depois liberado novamente, apenas para ser captado e liberado por outras células, de forma que o sinal se espalha através de uma longa via intracelular. Há ainda um outro mecanismo para a distribuição de sinal que depende de longos e finos filipódeos, ou citonemas, que se estendem por distâncias equivalentes a muitas vezes o diâmetro celular em alguns tecidos do epitélio. Uma célula pode enviar citonemas para fazer contato com outra célula distante, tanto para entregar quanto para receber um sinal desta célula. Dessa forma, por exemplo, uma célula pode realizar inibição lateral através da via Notch em um grande conjunto de células adjacentes. Os programas que são intrínsecos a uma célula frequentemente definem o curso de tempo do seu desenvolvimento Sinais como os que acabamos de discutir desempenham um grande papel no controle do tempo dos eventos de desenvolvimento, mas seria errado imaginar que toda a mudança no desenvolvimento necessita de um sinal indutor para desencadeá-la. Muitos dos mecanis- mos que alteram características celulares são intrínsecos das células e não necessitam de sinais do ambiente celular: a célula progredirá no seu programa de desenvolvimento mesmo quando mantida em um ambiente constante. Existem muitos casos em que alguém pode- ria suspeitar de que algo deste tipo está ocorrendo no controle da duração do processo de desenvolvimento. Por exemplo, em um camundongo, as células progenitoras neuro nais no córtex cerebral continuam a dividir-se e a gerar neurônios por somente 11 ciclos celulares, e no macaco, por aproximadamente 28 ciclos, após os quais elas param. Diferentes tipos de neurônios são gerados em estágios distintos desse programa, sugerindo que, à medida que a célula progenitora envelhece, ela altera as especificações que fornece para as células da progênie em diferenciação. No contexto de um embrião intacto, é difícil provar que tal curso de eventos é estrita- mente o resultado de um processo celular autônomo marcador de tempo, uma vez que o ambiente celular está se alterando. Os experimentos com células em cultura, entretanto, fornecem evidências claras. Por exemplo, as células progenitoras da glia isoladas do ner- vo óptico de um rato, sete dias após o nascimento, e cultivadas sob condições constantes em um meio apropriado irão manter a proliferação por um tempo estritamente limitado (cor respondente a um máximo de aproximadamente oito divisões celulares) e então irão dife renciar-se em oligodendrócitos (as células da glia que formam as bainhas de mielina ao redor dos axônios no cérebro), obedecendo a um padrão de tempo semelhante ao que elas teriam seguido se tivessem sido deixadas no seu lugar no embrião. Os mecanismos moleculares responsáveis por estas alterações lentas nas condições internas da célula, realizadas no curso de dias, semanas, meses e mesmo anos, ainda não são conhecidos. Uma possibilidade é que eles reflitam mudanças progressivas no estado da cromatina (discutido no Capítulo 4). Os mecanismos que controlam a escala de tempo de processos mais rápidos, apesar de ainda pouco conhecidos, não são um mistério. Mais adiante, discutiremos um exemplo – o oscilador de expressão gênica, conhecido como relógio de segmentação, que coordena a formação de somitos em embriões de vertebrados – os rudimentos das séries de vértebras, costelas e músculos associados. Enquanto o embrião cresce, os padrões iniciais são estabelecidos em pequenos grupos de células e refinados por indução sequencial Os sinais que organizam o padrão espacial de um embrião em geral atuam sobre distâncias curtas e governam escolhas relati vamente simples. Um morfógeno, por exemplo, normal- mente atua sobre uma distância de menos de 1 mm – uma distância efetiva para difusão (ver Figura 22-15) – e direciona escolhas entre não mais do que uma porção de opções de desenvolvimento para as células nas quais ele atua. Contudo, os órgãos que eventualmente se desenvolvem são muito maiores e mais complexos do que isso. A proliferação celular que se segue à especificação inicial é responsável pelo aumento em tamanho, enquanto que o refinamento do padrão inicial é explicado por uma série de induções locais que acrescentam níveis sucessivos de detalhes em um esboço inicialmen- Alberts_22.indd 1319Alberts_22.indd 1319 29.07.09 16:49:1629.07.09 16:49:16 1320 Alberts, Johnson, Lewis, Raff, Roberts & Walter te simples. Assim que dois tipos de células estão presentes, uma delas pode produzir um fator que induza um subconjunto de células vizinhas a se especializarem em uma ter ceira via. O terceiro tipo celular pode, por sua vez, sinalizar em resposta aos outros dois tipos celulares próximos, gerando um quarto e um quinto tipo celular, e assim por diante (Fi- gura 22-16). Esta estratégia para a geração de um padrão progressivamente mais complicado é cha- mada de indução sequencial. É principalmente por meio de induções sequenciais que a estrutura do corpo de um animal em desenvolvimento, após ser primeiramente esboçada em miniatura, torna-se elaborada em detalhes progressivamente mais finos, enquanto o desenvolvi mento prossegue. Nas seções que se seguem, focalizaremos em uma pequena seleção de organismos-mode- lo para ver como os princípios que citamos nesta primeira seção operam na prática. Começare- mos com o verme nematoide, Caenorhabditis elegans. Resumo As alterações óbvias no comportamento celular que observamos enquanto um organismo multice- lular desenvolve-se são os sinais exteriores de uma complexa computação molecular, dependente da me mória celular que está ocorrendo dentro das células enquanto elas recebem e processam os sinais de suas vizinhas e emitem sinais em resposta. O padrão final dos tipos celulares diferenciados é, dessa forma, o resultado de um programa mais oculto de especialização celular – um programa extensivamente utilizado na alteração dos padrões de expressão por proteínas de regulação gênica, dando a uma célula potencialidades diferentes das outras muito antes de a diferenciação terminal começar. Os biólogos do desenvolvimento procuram decifrar o programa oculto e relacioná-lo, por meio de experimentos genéticos e microcirúrgicos, aos sinais que as células trocam enquanto elas proliferam, interagem e movem-se. Animais tão diferentes como vermes, moscas e humanos usam conjuntos semelhantes de pro- teínas para controlar o seu desenvolvimento, de maneira que o que descobrimos em um organismo frequentemente fornece informações sobre os outros. Um grupo de vias de sinalização célula-célula evolutivamente conservadas é usado repetitivamente, em dife rentes organismos e em tempos dis- tintos, para regular a criação de um padrão multicelu lar organizado. As diferenças no plano cor- poral parecem surgir em grande parte de dife renças no DNA regulador associado a cada gene. Este DNA desempenha uma função central na definição do programa sequencial de desenvolvimento, colocando genes em ação em tempos e em locais específicos, de acordo com o padrão de expressão gênica que estava presente em cada célula no estágio de desenvolvimento anterior. As diferenças entre as células de um embrião surgem de várias maneiras. A retroalimentação positiva pode levar ao rompimento da simetria, criando uma diferença marcante e constante en- tre células inicialmente quase idênticas. Células-irmãs podem nascer diferentes como resultado de uma divisão celular assimétrica. Ou um grupo de células inicialmente semelhantes pode ser exposto a diferentes sinais indutivos de células localizadas fora do grupo; indutores de longo al- cance com efeitos gradativos, chamados de morfógenos, podem organizar padrões complexos. Por meio da memória celular, tais sinais temporários podem ter um efeito duradouro sobre o estado interno da célula, induzindo-a, por exemplo, a tornar-se determinada para um destino específico. Assim, as sequências de sinais simples atuando em tempos e em locais diferentes nas células em crescimento dão origem aos intricados e variados organismos multicelulares que povoam o mun- do ao nosso redor. Figura 22-16 Formação de padrões por indução sequencial. Uma série de interações indutoras pode gerar muitos tipos celulares, ini ciando a partir de so- mente alguns. B A A C B A D C E B C é induzido pelo sinal de B atuando sobre A D e E são induzidos pelo sinal de C atuando em A e B, respectivamente Alberts_22.indd 1320Alberts_22.indd 1320 29.07.09 16:49:1729.07.09 16:49:17 Biologia Molecular da Célula 1321 CAENORHABDITIS ELEGANS: O DESENVOLVIMENTO A PARTIR DA PERSPECTIVA DE UMA CÉLULA INDIVIDUAL O verme nematoide Caenorhabditis elegans é um organismo pequeno, relativamente sim- ples e precisamente estruturado. A anatomia de seu desenvolvimento tem sido descrita em extraordinário detalhe, e pode-se mapear a linhagem exata de cada célula no corpo. A se- quência genômica completa também é conhecida, e um grande número de fenótipos mu- tantes tem sido analisado para determinar funções gênicas. Se há algum animal mul ticelular cujo desenvolvimento deveríamos ser capazes de entender em termos de controle genético, é este. Comparações de sequências de DNA indicam que, enquanto as linhagens que levam aos nematoides, aos insetos e aos vertebrados divergiram uma da outra ao redor da mesma época, a taxa de mudanças evolutivas na linhagem dos nematoides tem sido substancial- mente maior: os seus genes, a sua estrutura corporal e suas estratégias de desenvolvimento são mais divergentes dos nossos próprios do que dos da Drosophila. No entanto, no nível molecular, muitos dos seus mecanismos de desenvolvimento são similares em insetos e ver- tebrados, sendo coordenados por sistemas de genes homólogos. Se quisermos saber como um olho, um membro ou um coração se desenvolve, é preciso procurar estas respostas em outros locais: o C. elegans não possui estes órgãos. Contudo, em um nível mais fundamental, ele é bastante instrutivo: apresenta as questões gerais básicas do desenvolvimento animal de uma forma relati vamente simples e nos possibilita respondê-las em termos de função gênica e do comportamento das células individuais identificadas. O Caenorhabditis elegans é anatomicamente simples Como adulto, o C. elegans consiste em somente cerca de mil células somáticas e de 1.000 a 2.000 células germinativas (exatamente 959 núcleos celulares somáticos e aproxi madamente 2.000 células germinativas são encontrados em um sexo; exatamente 1.031 núcleos celulares somáticos e cerca de 1.000 células germinativas no outro) (Figura 22-17). A sua anatomia foi reconstruída, célula por célula, por microscopia eletrônica de seções seriadas. A estrutura do plano corporal do verme é simples: ele tem simetria aproximadamente bilateral, um corpo alongado composto dos mesmos tecidos básicos de outros animais (nervos, músculos, in- testino, pele), organizado com boca e cérebro na extremidade anterior e ânus na posterior. A parede externa do corpo é composta de duas camadas: a epiderme protetora, ou “pele”, e a camada muscular imediatamente abaixo. Um tubo de células endodermais forma o intesti- no. Um segundo tubo, localizado entre o intestino e a parede do corpo, constitui a gônada; a sua parede é composta de células somáticas, com as células germinativas dentro dela. O verme C. elegans tem dois sexos – um hermafrodita e um macho. O hermafrodita pode ser visto simplesmente como uma fêmea que produz um número limitado de esperma: ela pode reproduzir-se tanto por autofecundação, usando o seu próprio esperma, como por fecundação cruzada após a transferência do esperma do macho pelo acasalamento. A au- tofecundação permite a um verme heterozigoto único produzir uma progênie homozigota. Esta é uma característica importante que auxilia a fazer do C. elegans um organismo excep- cionalmente conveniente para estudos genéticos. Figura 22-17 Caenorhabditis ele- gans. É mostrada uma visão lateral de um adulto hermafrodita. (De J. E. Sulston e H. R. Horvitz, Dev. Biol. 56:110- 156, 1977. Com permissão da Academic Press.) 1,2 mm Faringe Oócitos Intestino Útero Vulva Ovos Gônadas Epiderme Músculos Parede corporal Ânus ANTERIOR DORSAL VENTRAL POSTERIOR Alberts_22.indd 1321Alberts_22.indd 1321 29.07.09 16:49:1729.07.09 16:49:17 1322 Alberts, Johnson, Lewis, Raff, Roberts & Walter Os destinos celulares no nematoide em desenvolvimento são quase perfeitamente previsíveis O C. elegans inicia a sua vida como uma única célula, o ovo fertilizado, o qual origina, por meio de repetidas divisões celulares, as 558 células que formam um pequeno verme dentro da casca do ovo. Após a eclosão, as divisões adicionais resultam no crescimento e na matu- ração sexual do verme, enquanto ele passa por quatro estágios larvais sucessivos, separados por mudas. Após a muda final para o estágio adulto, o verme hermafrodita inicia a produção de seus próprios ovos. A sequência inteira de desenvolvimento, de ovo a ovo, leva somente cerca de três dias. A linhagem de todas as células a partir do ovo unicelular até o adulto multicelular foi mapeada pela observação direta do animal em desenvolvimento. No nematoide, um dado precursor celular inicia o mesmo padrão de divisões celulares em cada indivíduo e, com poucas exceções, o destino de cada célula descendente pode ser previsto a partir da sua po- sição na árvore de linhagens (Figura 22-18). Esse grau de precisão estereotipada não é visto no desenvolvimento de animais maio- res. À primeira vista, isso poderia sugerir que cada linhagem celular no embrião nematoi de é rígida e independentemente programada para seguir um conjunto de padrões de divi são celular e de especialização celular, tornando o verme um péssimo e não-representati vo or- ganismo-modelo para o desenvolvimento. Veremos que isso está longe de ser verda de: como em outros animais, o desenvolvimento depende de interações célula-célula e de processos internos das células individuais. O resultado no nematoide é quase perfeita mente previsível, porque o padrão de interações célula-célula é altamente reproduzível, estando precisamen- te correlacionado à sequência das divisões celulares. No verme em desenvolvimento, como em outros animais, a maioria das células não se restringe a gerar uma progênie de células de um único tipo diferenciado até um momento mais tardio do desenvolvimento, e células de um determinado tipo, como as musculares, em geral são derivadas de diversos precursores dispersos espacialmente e que também dão origem a outros tipos de células. As exceções, nos vermes, são o intestino e a gônada, cada um formado por uma única célula fundadora, originada no estágio de desenvolvi- mento de 8 células para a linhagem celular do intestino, e no estágio de 16 células para a Figura 22-18 A árvore de linhagens para as células que formam o tubo digestivo (o intestino) de C. ele- gans. Note que, embora as células in- testinais formem um único clone (as sim como o fazem as células da linhagem germi nativa), as células da maioria dos outros tecidos não o fazem. As células nervosas (não mos tradas na figura do adulto na parte inferior) são agrupadas principalmente em um gânglio próximo às extremi dades anterior e posterior do animal e no ner vo ventral que percorre o comprimento do corpo. Intestino ANTERIOR POSTERIOR Sistema nervoso Epiderme musculatura Musculatura Sistema nervoso Gônadas somáticas Epiderme Sistema nervoso Musculatura Linhagem germinativa OVO 0 10 Te m p o ap ós a fe rt ili za çã o (e m h or as ) Eclosão Alberts_22.indd 1322Alberts_22.indd 1322 29.07.09 16:49:1729.07.09 16:49:17 Biologia Molecular da Célula 1323 linhagem de célula-ovo, ou linhagem germinativa. Contudo, em qualquer caso, a diver- sificação celular começa cedo, tão cedo quanto o ovo começa a se clivar: muito antes da diferenciação terminal, a célula começa a se encaminhar através de uma série de estágios intermediários de especialização, seguindo diferentes programas de acordo com sua loca- lização e suas interações com as células adjacentes. Como surgem estas diferenças iniciais entre as células? Os produtos de genes de efeito materno organizam a divisão assimétrica do ovo O verme é semelhante à maioria dos animais na especificação inicial das células que irão eventualmente dar origem às células germinativas (ovos ou esperma). A linhagem germi- nativa dos vermes é produzida por uma série estrita de divisões celulares assimétricas do ovo fertilizado. A assimetria origina-se com um sinal do ambiente do ovo: o ponto de entrada do esperma define o futuro polo posterior do ovo alongado. As proteínas no ovo intera gem umas com as outras e organizam-se em relação a este ponto de maneira a criar uma assi- metria mais elaborada no interior da célula. As proteínas envolvidas são traduzidas prin- cipalmente a partir de produtos de mRNA acumulados dos genes da mãe. Como este RNA é produzido antes de o ovo ser posto, é somente o genótipo da mãe que determina o que acontece nos primeiros passos do desenvolvimento. Os genes que atuam desta maneira são chamados de genes de efeito materno. Um subconjunto de genes de efeito materno é especificamente necessário para orga- nizar o padrão assimétrico do ovo nematoide. Estes são chamados de genes Par (defectivos em parti ção), e pelo menos seis foram identificados por rastreamento genético de mutantes em que o padrão tenha sido rompido. Os genes Par possuem homólogos em insetos e em vertebrados, onde desempenham papel fundamental na organização da polaridade da cé- lula, como discutido no Capítulo 19. De fato, uma das chaves para o entendimento atual dos mecanismos gerais envolvidos com a polaridade de células foi a descoberta destes genes por estudos em embriões de desenvolvimento inicial de C. elegans. No ovo nematoide, assim como em outras células no nematoide e em outros animais, as proteínas Par (os produtos dos genes Par) têm elas mesmas uma distribuição assimétri- ca, algumas estando localizadas em um dos extremos da célula e outras no extremo opos- to. Elas servem para trazer um conjunto de partículas de ribonucleoproteínas chamadas de grânulos P para o polo posterior do ovo, de maneira que a célula-filha posterior herda os grânulos P, e a célula-filha anterior não. Por todas as poucas divisões celulares seguintes, as proteínas Par operam de uma maneira semelhante, orientando o fuso mitótico e segregan- do os grânulos P para uma célula-filha em cada mitose, até que, no estágio de 16 células, há somente uma célula que contém os grânulos P (Figura 22-19). Esta célula origina a linhagem germinativa. A especificação dos precursores das células germinativas como independentes dos precur sores das células somáticas é um evento-chave no desenvolvimento de praticamente todos os tipos de animais, e o processo tem características comuns mesmo em filos com Figura 22-19 Divisões assimétricas segregando grânulos P na célula fundadora da linhagem germinativa de C. elegans. As micrografias na linha de cima mostram o padrão de divisões celulares, com os núcleos celulares corados em azul com um marcador flu- orescente específico para DNA; abaixo estão as mesmas células coradas com um anticorpo contra os grânulos P. Estes pequenos grânulos (0,5 a 1 μm de diâ- metro) estão distribuídos aleatoriamen- te por todo o citoplasma em um ovo não-fertilizado (não-mostrado). Após a fertilização, em cada divisão celular até o estágio de 16 células, tanto eles como a maquinaria intracelular que os localiza assimetricamente estão segregados em uma única célula-filha. (Cortesia de Susan Strome.) Alberts_22.indd 1323Alberts_22.indd 1323 29.07.09 16:49:1729.07.09 16:49:17 1324 Alberts, Johnson, Lewis, Raff, Roberts & Walter estrutu ras corporais muito diferentes. Dessa forma, na Drosophila, as partículas semelhantes aos grânulos P também são segregadas em uma extremidade do ovo e tornam-se incorpo- radas nas células precursoras da linhagem germinativa para a determinação do seu destino. Um fenômeno similar ocorre nos peixes e nas rãs. Nessas espécies, pode-se reconhe cer pelo menos algumas das mesmas proteínas no material que determina as células ger minativas, incluindo os homólogos de uma proteína de ligação ao RNA chamada de Vasa. Ainda é des- conhecido o modo como a Vasa e as suas proteínas associadas e moléculas de RNA atuam na definição da linhagem germinativa. Os padrões progressivamente mais complexos são criados por interações célula-célula O ovo do C. elegans, assim como de outros animais, é uma célula extraordinariamente gran- de, com espaço para a formação de padrões internos complexos. Além dos grânulos P, outros fatores são distribuídos em uma maneira ordenada ao longo do seu eixo ântero-posterior sob o controle das proteínas Par, que, assim, são alocadas para células diferentes enquanto o ovo passa por alguns dos primeiros ciclos de divisão celular. Essas divisões ocorrem sem cresci mento (uma vez que a alimentação não pode começar antes que a boca e o intestino tenham sido formados) e subdividem o ovo em células progressivamente menores. Muitos dos fatores que são localizados são proteínas de regulação gênica, as quais atuam direta- mente na célula que as herda para direcionar ou bloquear a expressão de genes específicos, adicionando diferen ças entre a célula e as suas vizinhas e comprometendo-a com um des- tino especializado. Enquanto as primeiras poucas diferenças ao longo do eixo ântero-posterior do C. elegans são o resultado de divisões assimétricas, a formação de novos padrões, incluindo o padrão dos tipos celulares ao longo de outros eixos, depende de interações entre uma célula e outra. As linhagens celulares no embrião são tão reproduzíveis que as células individuais podem ser designadas com nomes e identificadas em cada animal (Figura 22-20); as células do estágio de quatro células, por exemplo, são chamadas de ABa e ABp (as duas células-irmãs anterio- res), e EMS e P2 (as duas células-irmãs posteriores). Como resultado das divisões assimétricas que acabamos de descrever, a célula P2 expressa uma proteína-sinal na sua superfície – Delta, uma proteína de nematoides homóloga ao ligante de Notch – enquanto as células ABa e ABp expressam o receptor transmembrana correspondente – um homólogo de Notch. A forma alongada da casca do ovo força essas células para um arranjo tal que a célula mais anterior, ABa, e a célula mais posterior, P2, não estão mais em contato uma com a outra. Assim, somen- te a célula ABp pode receber sinais da célula P2, tornando ABp diferente de ABa e definindo o futuro eixo dorso-ventral do verme (Figura 22-21). Ao mesmo tempo, a P2 também expressa outra molécula-sinal, a proteína Wnt, a qual atua no receptor Wnt (uma proteína Frizzled) na membrana da célula EMS. Este sinal po- lariza a célula EMS em relação ao seu local de contato com P2, controlando a orientação do fuso mitótico. A célula EMS então se divide para originar duas células-filhas que se tornam comprometidas para destinos diferentes como resultado do sinal Wnt de P2. Uma filha, a célula MS, originará músculos e várias outras partes do corpo; a outra filha, a célula E, é a célula fundadora do intestino, comprometida em originar todas as células do intestino e de nenhum outro tecido (ver Figura 22-21). Figura 22-20 O padrão de divisões celula res em um embrião jovem de C. elegans, in dicando os nomes e os destinos das célu las individuais. As célu- las que são irmãs são mostradas ligadas por uma linha preta curta. (Se gundo K. Kemphues, Cell 101:345-348, 2000. Com permissão de Elsevier.) Ovo fertilizado ANTERIOR POSTERIOR P1AB (pele, neurônios, faringe e outros) P2 ABp ABa EMS E (intestino) C (músculos, pele e neurônios) D (músculos) MS (músculos e outras partes do corpo) P4 (linhagem germinativa) Delta Notch Frizzled Wnt Aba Aba EMS Futura célula E P2 P2 ABp ABp Futura célula MS Figura 22-21 Vias de sinalização celular controlando a designação de dife- rentes característi cas para as células em um embrião nematoide de quatro células. A célula P2 utiliza a via de sinalização de Notch para enviar um sinal indutor para a célula ABp, induzindo-a a adotar uma caracte rística especiali- zada. A célula ABa possui todo o aparato molecular para responder da mes- ma maneira ao mesmo sinal, mas ela não o faz, porque não está em contato com P2. Enquanto isso, um sinal Wnt da célula P2 induz a célula EMS a orientar o seu fuso mitótico e a gerar duas filhas que se tornam comprometidas com destinos diferentes, como resultado de suas exposições distintas à proteína Wnt – a célula MS e a célula E (a célula fundadora do intestino). Alberts_22.indd 1324Alberts_22.indd 1324 29.07.09 16:49:1829.07.09 16:49:18 Biologia Molecular da Célula 1325 Tendo sido descrita a cadeia de causa e efeito no desenvolvimento inicial dos nema- toides, examinaremos agora alguns dos métodos que têm sido usados para decifrá-la. A microcirurgia e a genética revelam a lógica do controle do desenvolvimento; a clonagem de genes e o seu sequenciamento revelam seus mecanismos moleculares Para descobrir os mecanismos causais, precisamos conhecer o potencial de desenvolvi- mento das células individuais no embrião. Em que momentos de suas vidas elas sofrem alterações internas decisivas que as determinam para um destino particular, e em que mo- mentos dependem dos sinais de outras células? No nematoide, a microcirurgia de micro- emissão laser pode ser usada para matar uma ou mais células vizinhas, e então observar diretamente como a célula comporta-se em circunstâncias alteradas. Alternativamente, as células de um embrião inicial podem ser empurradas e rearranjadas dentro da casca do ovo pelo uso de uma fina agulha. Por exemplo, as posições relativas de ABa e de ABp podem ser trocadas no estágio de desenvolvimento de quatro células. A célula ABa passa pelo que nor- malmente seria o programado para a célula ABp, e vice-versa, mostrando que as duas células inicialmente possuem o mesmo potencial de desenvolvimento e dependem dos sinais das suas vizinhas para torná-las diferentes. Uma terceira tática é remover a casca do ovo de um embrião inicial de C. elegans pela sua digestão com enzimas e, então, manipular as células em cultura. A existência de um sinal polarizante de P2 para EMS foi demonstrada dessa ma- neira. Foram usadas sondagens genéticas para identificar genes envolvidos na interação das células P2-EMS. Procurou-se por linhagens mutantes de vermes nos quais nenhuma célu- la de intestino fosse induzida (chamados de mutantes Mom, porque possuem mais meso- derma, do inglês more mesoderm – o mesoderma sendo o destino de ambas as células-filhas de EMS, quando a indu ção falha). A clonagem e o sequenciamento dos genes Mom revela- ram que um codifica a proteína-sinal Wnt que é expressa na célula P2, e o outro codifica uma proteína Frizzled (um receptor Wnt) que é expressa na célula EMS. Uma segunda sondagem genética foi conduzida em busca de linhagens mutantes dos vermes com o fenótipo opos- to, nos quais células extras de intestino são induzidas (chamados de mutantes Pop, porque apresen tam uma faringe posterior, do inglês posterior pharynx). Um dos genes Pop (Pop1) codifica uma proteína de regulação gênica (um homólogo de LEF1/TCF) cuja atividade é diminuída pela sinalização de Wnt em C. elegans. Quando a atividade de Pop1 está ausente, ambas as filhas das células EMS comportam-se como se tivessem recebido o sinal Wnt de P2. Foram usados métodos genéticos semelhantes para identificar os genes cujos produtos medeiam a sinalização dependente de Notch de P2 para ABa. Continuando neste caminho, é possível construir uma representação detalhada dos eventos decisivos no desenvolvimento do nematoide e da maquinaria geneticamente espe- cífica que os controlam. As células alteram suas capacidades de resposta aos sinais do desenvolvimento ao longo do tempo A complexidade do corpo do nematoide adulto é alcançada por meio do uso repetido de uma série de mecanismos formadores de padrões, incluindo aqueles que acabamos de ver em ação no embrião inicial. Por exemplo, as divisões celulares com assimetria molecular são depen dentes das proteínas de regulação gênica Pop1, presentes durante todo o desen- volvimento de C. elegans, criando células-irmãs anteriores e posteriores com diferentes ca- racterísticas. Como enfatizado anteriormente, enquanto os mesmos poucos tipos de sinais atuam repetidamente em tempos e locais distintos, os efeitos que eles provocam são diferentes por- que as células são programadas para responder diferentemente de acordo com a sua idade e o seu histórico. Vimos, por exemplo, que no estágio do desenvolvimento de quatro células, uma célula, ABp, altera seu potencial de desenvolvimento devido a um sinal recebido atra- vés da via de sinalização de Notch. No estágio de desenvolvimento de 12 células, as netas da célula ABp e as netas da célula ABa encontram outro sinal de Notch, desta vez oriundo de uma célula-neta EMS. A neta de ABa altera o seu estado interno em resposta a este sinal e inicia a formação da faringe. A neta de ABp não o faz – a exposição inicial ao sinal de Notch tornou-a não-responsiva. Portanto, em diferentes momentos na sua história, ambas as li- Alberts_22.indd 1325Alberts_22.indd 1325 29.07.09 16:49:1829.07.09 16:49:18 1326 Alberts, Johnson, Lewis, Raff, Roberts & Walter nhagens celulares ABa e ABp respondem a Notch, porém os resultados são diferentes. De alguma maneira, um sinal de Notch no estágio de 12 células induz a faringe, mas um sinal de Notch no estágio de quatro células possui outros efeitos – os quais incluem a prevenção da indução da faringe por este mesmo sinal em um estágio mais tardio. Este fenômeno, onde um mesmo mecanismo de sinalização tem efeitos distintos em estágios diferentes e em con- textos diferentes, é visto no desenvolvimento de todos os animais, e em todos eles a via de sinalização de Notch é utilizada desta forma, repetidamente. Os genes heterocrônicos controlam o tempo no desenvolvimento Uma célula não precisa receber um sinal externo para alterar-se: um conjunto de molécu- las reguladoras dentro da célula pode provocar a produção de outro, e a célula pode então passar por uma série de diferentes estados de maneira autônoma. Esses estados diferem não somente em sua capacidade de resposta a sinais externos, mas também em outros aspec- tos da sua química interna, incluindo as proteínas que interrompem ou iniciam o ciclo de divisão celular. Dessa forma, os mecanismos internos da célula, junta mente com os sinais re cebidos no passado e no presente, ditam a sequência das alterações bio químicas na célula e o momento das suas divi sões celulares. Os detalhes moleculares específicos dos me canismos que governam o programa tem- poral do desenvolvimento ainda são desconhecidos. Extraordinariamente, pouco se sabe, mesmo no embrião nematoide com o seu padrão rigidamen te previsível de divisões ce- lulares, a respeito de como a sequência das divisões celulares é con trolada. Entretanto, nos últimos estágios, quando a larva alimenta-se, cresce e sofre a muda para tornar-se um adulto, é possível identificar alguns dos genes que controlam os momentos dos eventos celulares. As mutações nesses genes causam fenótipos heterocrônicos: as células em uma larva de um estágio comportam-se como se pertencessem a uma larva de um estágio dife- rente, ou as células no adulto continuam dividindo-se como se pertencessem a uma larva (Figura 22-22). Por meio de análises genéticas, pode-se determinar que os produtos dos genes hetero- crônicos agem em série, formando cascatas reguladoras. Curiosamente, dois genes no início das suas respectivas cascatas, chamados de Lin4 e Let7, não codificam proteínas, mas molé- culas de microRNAs – pequenas moléculas de RNA regulador não-traduzidas, com 21 ou 22 nucleotídeos. Estas atuam pela ligação a sequências complementares nas regiões não-codi- ficantes das molé culas de mRNA transcritas de outros genes heterocrônicos, inibindo, assim, sua tradução e promovendo a sua degradação, como discutido no Capítulo 7. O aumento dos níveis do RNA de Lin4 controla a progressão do comportamento celular do estágio 1 de larva para o comportamento celular do estágio 3 de larva; o aumento dos níveis do RNA de Let7 controla a progressão da larva tardia para o adulto. Na realidade, Lin4 e Let7 foram os Figura 22-22 Mutações heterocrôni- cas no gene Lin-14 de C. elegans. São mostrados os efeitos em somente uma das muitas linhagens afetadas. A muta- ção com perda de função (recessiva) em Lin14 causa uma ocorrência prematura do padrão de divisão celular e as ca- racterísticas de diferenciação da larva tardia, de maneira que o animal alcança o seu estágio final de modo pre maturo e com um número anormalmente pe queno de células. A mutação com ganho de função (dominante) provoca o efeito oposto, induzindo as células a reiterarem os seus padrões de divi- são celular característicos do primeiro estágio larval, continuando por cinco ou seis ciclos de mudas e persistindo na produção de um tipo imaturo de cutí- cula. A cruz denota uma morte celular programada. As linhas verdes represen- tam as células que contêm a proteína Lin14 (que se liga ao DNA); as linhas vermelhas represen tam as células que não contêm essa proteína. No desenvol- vimento normal, o desaparecimen to de Lin14 é desencadeado pelo início da ali- mentação larval. (Segundo A. Ambros e H. R. Horvitz, Science 226:409-416, 1984, com permissão de AAAS; e P. Arasu, B. Wightman e G. Ruvkun, Growth Dev. Aging 5:1825-1833, 1991, com permis- são da Growth Publishing Co., Inc.) Segundo estágio de larva Quarto estágio de larva Terceiro estágio de larva Primeiro estágio de larva TT T Tipo selvagem Mutante Lin14 com perda de função Mutante Lin14 com ganho de função Te m p o Alberts_22.indd 1326Alberts_22.indd 1326 29.07.09 16:49:1829.07.09 16:49:18 Biologia Molecular da Célula 1327 primeiros microRNAs a serem descritos nos animais: por meio de estudos da genética do de- senvolvimento em C. elegans foi descoberta a importância de toda essa classe de moléculas para a regulação gênica. As moléculas de RNA que são idênticas ou quase idênticas ao RNA Let7 são encon tradas em muitas outras espécies, incluindo-se a Drosophila, o peixe-zebra e os humanos. Além disso, esses RNAs parecem atuar de maneira semelhante para regular o nível das suas mo- léculas de mRNA-alvo, e os próprios alvos são homólogos aos alvos do RNA Let7 do nema- toide. Em Drosophila, este sistema de moléculas parece estar envolvido na metamorfose da forma larval para mosca, mantendo conservado o seu papel de controlar o curso das transi- ções envolvidas no desenvolvimento. As células não contam as divisões celulares para cronometrar seus programas internos Uma vez que os passos da especialização celular têm de ser coordenados com as divi sões ce- lulares, frequentemente é sugerido que o ciclo de divisão celular deveria servir como um re- lógio no controle do ritmo dos outros eventos no desenvolvimento. Sob este ponto de vista, as alterações nos estados internos estariam condicionadas a sua passagem pelos ciclos de divi- são: a célula passaria para o próximo estado se sofresse mitose, por exemplo. Apesar de haver alguns casos onde as alterações no estado celular estão condicionadas aos eventos do ciclo celular, isto está longe de ser uma regra geral. As célu las dos embriões em desenvolvimento, sejam eles vermes, moscas ou vertebrados, normalmente mantêm seu cronograma-padrão de determinação e de diferenciação, mesmo quando o progresso pelo ciclo de divisão celular é bloqueado de maneira artificial. Existem neces sariamente algumas anormalidades, pelo menos porque uma célula única que não se dividiu não pode diferenciar-se de duas maneiras de uma só vez. Contudo, na maioria dos casos que têm sido estudados, parece claro que a célula altera o seu estado com o tempo, de forma mais ou menos independente da divisão celular, e que esta alteração de estado controla a decisão de dividir-se, assim como a decisão de quando e como se especializar. Células selecionadas morrem por apoptose como parte do programa de desenvolvimento O controle dos números celulares no desenvolvimento depende tanto da morte celular quanto da divisão celular. Um hermafrodita de C. elegans gera 1.030 núcleos somáticos celu- lares no curso do seu desenvolvimento, mas 131 das células morrem. Estas mortes celulares programadas ocorrem em um padrão absolutamente previsível. Em C. elegans, elas podem ser descritas em detalhes, pois é possível rastrear o destino de cada célula individual e ver quem morre, observando como cada vítima suicida sofre apoptose e é rapidamente engol- fada e digerida pelas células vizinhas (Figura 22-23). Em outros orga nismos, em que uma observação detalhada é mais difícil, tais mortes facilmente passam despercebidas; mas a morte celular por apoptose provavelmente seja o destino de uma fração substancial das cé- lulas produzidas pela maioria dos animais, desempenhando uma parte essencial na geração de um indivíduo com os tipos celulares certos, em números e locais certos, como discutido no Capítulo 18. As sondagens genéticas em C. elegans têm sido cruciais na identificação dos genes que desencadeiam a apoptose e em salientar a sua importância no desenvolvimento. Desco- briu-se que três genes, chamados de Ced3, Ced4 e Egl1 (CED, morte celular anor mal, de cell death abnormal), são necessários para ocorrerem as 131 mortes celulares normais. Se esses genes são inativados por mutação, as células que normalmente são destinadas a morrer so- brevivem, diferenciando-se como tipos celulares reconhecidos, como neurônios. Por outro lado, a superex pressão ou a expressão em local errôneo dos mesmos genes causa a morte de Figura 22-23 Morte celular apoptótica em C. elegans. A morte depende da expressão dos genes Ced3 e Ced4 na ausência da expressão de Ced9 – to- dos na própria célula que está mor rendo. O subsequente engolfamento e a remo ção dos restos dependem da expressão de ou tros genes nas células vizinhas. A célula comete suicídio A célula morta é englobada pela célula vizinha Os restos celulares são digeridos sem deixar resquícios Alberts_22.indd 1327Alberts_22.indd 1327 29.07.09 16:49:1829.07.09 16:49:18 1328 Alberts, Johnson, Lewis, Raff, Roberts & Walter muitas células que normalmente sobreviveriam. O mesmo efeito resulta de mutações que inati vam outro gene, Ced9, o qual normalmente reprime o programa de morte celular. Todos esses genes codificam para componentes conservados da maquinaria de morte celular. Como descrito no Capítulo 18, o Ced3 codifica para um homólogo de caspases, en- quanto o Ced4, o Ced9 e o Egl1 são respectivamente homólogos de Apaf1, Bcl2 e Bad. Sem a compreensão obtida pela análise detalhada do desenvolvimento desse ver me nematoide transparente e geneticamente maleável, teria sido muito mais difícil desco brir esses genes e entender o processo de morte celular nos vertebrados. Resumo O desenvolvimento do pequeno verme nematoide transparente e relativamente simples Caenorhab- ditis elegans é extraordinariamente reproduzível e tem sido descrito em deta lhes, pois uma célula em qualquer posição no corpo tem a mesma linhagem em todos os indivíduos, e essa linhagem é totalmente conhecida. Além disso, o seu genoma foi completa mente sequenciado. Assim, estraté- gias genéticas e técnicas microcirúrgicas podem ser combinadas para decifrar os mecanismos do desenvolvimento. Como em outros orga nismos, o desenvolvimento depende da ação recíproca de interações célula-célula e de processos celulares autônomos. O desenvolvimento inicia com uma divisão assimétrica do ovo fertilizado, dividindo-o em duas células menores contendo diferentes determinantes de destino celu lares. As filhas dessas células interagem através das vias de sinaliza- ção celulares de Notch e Wnt para criar uma série mais diversa de estados celulares. Enquanto isso, por divisões assimétricas adicionais, uma célula herda materiais do ovo que a determinam, em um estágio precoce, como progenitora da linhagem germinativa. As sondagens genéticas identificam os conjuntos de genes responsáveis por estas e por etapas mais tardias do desenvolvimento, incluindo, por exemplo, os genes de morte celular que controlam a apoptose de um subconjunto específico de células como parte do programa normal de desenvolvi- mento. Os genes heterocrônicos que governam a duração dos eventos no desenvolvimento também foram identificados, embora, em geral, ainda tenhamos pouco entendimento sobre o controle tem- poral do desenvolvimento. Existem boas evidências, entretanto, de que o ritmo do desenvolvimento não é ajustado pela con tagem das divisões celulares. DROSOPHILA E A GENÉTICA MOLECULAR DA FORMAÇÃO DE PADRÕES: A GÊNESE DO PLANO CORPORAL A mosca Drosophila melanogaster (Figura 22-24), mais do que qualquer outro organismo, transformou o nosso conhecimento de como os genes governam a formação de padrões do corpo. A anatomia da Drosophila é mais complexa do que a de C. elegans, superando em Figura 22-24 Drosophila melanogas- ter. Vista dorsal de uma mosca normal adulta. (A) Fotografia. (B) Desenho ilustrativo. (Fotografia cortesia de E. B. Lewis.) (A) (B) Antena Olho Tórax Cabeça Haltere Asa Pata Abdome Alberts_22.indd 1328Alberts_22.indd 1328 29.07.09 16:49:1929.07.09 16:49:19 1330 Alberts, Johnson, Lewis, Raff, Roberts & Walter segmentares cha madas de parassegmentos, metade de um segmento não relacionado aos segmentos definidos tradicionalmente (ver Figura 22-27). A Drosophila inicia o seu desenvolvimento como um sincício O ovo de Drosophila mede em torno de 0,5 mm de comprimento e 0,15 mm de diâmetro, com uma polaridade claramente definida. Assim como os ovos de outros insetos, mas ao contrário dos vertebrados, ele começa o seu desenvolvimento de uma maneira incomum: uma série de divisões nucleares, sem divisão celular, cria um sincício. As divisões nucleares iniciais são sincrônicas e extremamente rápidas, ocorrendo a cada oito minutos. As primei- ras nove divisões geram uma nuvem de núcleos, a maioria dos quais migra do meio do ovo em direção à superfície, onde eles formam uma monocamada chamada de blastoderma sin- cicial. Após outras quatro rodadas de divisões nucleares, as membranas plasmáticas crescem em direção ao interior a partir da superfície do ovo para incluir cada núcleo, convertendo as- sim o blastoderma sincicial em um blastoderma celu lar, consistindo em aproximadamente Figura 22-26 A origem dos segmen- tos corporais de Drosophila durante o desenvolvimento embrionário. Os embriões são mostrados em vista lateral nas ilustrações (A-C) e nas mi- crografias eletrônicas por varredura correspondentes (D-F). (A e D) Em duas horas, o embrião está no estágio de blastoderme sincicial (ver Figura 22-28) e nenhum segmento é visível, apesar de um mapa de destinação celular poder ser desenhado, mostrando as futuras regiões segmentares (coloridas em A). (B e E) Em cinco a oito horas, o embrião está no estágio de banda germi nativa estendida: a gastrulação ocorreu, a seg- mentação começou a tornar-se visível, e o eixo seg mentado do corpo aumentou em comprimento, curvando-se para trás na extremidade caudal, de maneira a encaixar-se na casca do ovo. (C e F) Em 10 horas, o eixo do corpo contraiu-se e tor nou-se linear novamente, e todos os segmentos estão claramente definidos. As estruturas da ca beça, visíveis exter- namente neste estágio, irão se dobrar no interior da larva, para emergir no- vamente somente quando a larva entrar na fase de formação da pupa e tornar-se um adulto. (D e E, cortesia de F. R. Turner e A. P. Mahowald, Dev. Biol. 50:95-108, 1976; F, de J. P. Petschek, N. Perrimon, e A. P. Mahowald, Dev. Biol. 119:175-189, 1987. Ambas com permissão da Aca- demic Press.) (D) (E) (F) (A) (B) (C) Partes da cabeça Tórax Abdome 0,5 mm 2 horas 5 a 8 horas 10 horas Figura 22-27 Os segmentos da larva de Drosophila e suas correspondências com regiões do blastoderma. As par- tes do em brião que se organizam em segmentos estão mos tradas em cores. As duas extremidades do em brião, som- breadas em cinza, não são segmenta das e se dobram para o interior do corpo para formar as estruturas internas da ca- beça e do in testino. (As futuras estrutu- ras externas segmen tadas da cabeça do adulto também são tempo rariamente internalizadas na larva.) A segmentação na Drosophila pode ser descrita tan- to em termos de segmentos como de parasseg mentos: a relação é mostrada na parte central da figura. Os parasseg- mentos frequentemente correspondem de maneira mais simples aos pa drões de expressão gênica. O número exato de segmentos abdominais é passível de debate: oito estão claramente definidos, e um está presente de maneira vestigial na larva, mas ausente no adulto. Mn Mx La T1 T2 T3 A1 A2 A3 A4 A5 A6 A7 A8 A9/10 1413121110987654321 Embrião Parassegmentos SegmentosInt 0 PARTES DA CABEÇA TÓRAX ABDOME Larva recém-eclodida Internalizados na larva Alberts_22.indd 1330Alberts_22.indd 1330 29.07.09 16:49:2029.07.09 16:49:20 Biologia Molecular da Célula 1331 6 mil células separadas (Figura 22-28). Cerca de 15 dos núcleos que formam a extremidade posterior final do ovo são segregados em células alguns ciclos antes; estas células polares são os precursores da linhagem germinativa (células germinativas primordiais) que darão origem aos ovos ou ao esperma. Até o estágio de blastoderma celular, o desenvolvimento depende muito – embora não exclusivamente – dos estoques de mRNA e de proteína maternos que foram acumulados no ovo, antes da fertilização. A frenética taxa de replicação do DNA e de divisões nuclea- res, evidentemente, oferece poucas oportunidades para a transcrição. Após a formação das células, as divisões celulares continuam em uma maneira mais convencional, sem sincronia e em uma taxa mais lenta, e a taxa de transcrição aumenta bastante. A gastrulação começa um pouco antes de a formação das células estar completa, quando partes da camada de células que forma o exterior do embrião começam a dobrar-se para o interior a fim de for- mar o intestino, a musculatura e os tecidos internos associados. Um pouco mais tarde e em outra região do embrião, um conjunto separado de células move-se da superfície do epitélio para o interior a fim de formar o sistema nervoso central. Por marcação e rastreamento das células durante esses vários movimentos, pode-se desenhar um mapa de destinações para a monocamada de células da superfície do blastoderma (Figura 22-29). Assim que a gastrulação esteja quase completa, uma série de endentações e de protu- berâncias aparece na superfície do embrião, marcando a subdivisão do corpo em segmen- tos ao longo do seu eixo ântero-posterior (ver Figura 22-26). Em seguida, emerge uma larva totalmente segmentada, pronta para começar a comer e a crescer. Dentro do corpo da larva, pequenos grupos de células permanecem aparentemente indiferenciados, formando estru- turas chamadas de discos imaginais. Estes grupos irão crescer tanto quanto a larva e, no final, darão origem à maioria das estruturas do corpo adulto, como veremos mais tarde. Uma extremidade para a cabeça e uma extremidade para a cauda, um lado ventral (barriga) e um lado dorsal (costas), um intestino, um sistema nervoso, uma série de seg mentos corporais – estas são as características da estrutura corporal básica que a Droso phila compartilha com (A) Ovo fertilizado Diversos núcleos em um sincício Os núcleos migram para a periferia, e as membranas celulares começam a se formar (B) Células somáticas Células polares (células germinativas primordiais) Figura 22-28 Desenvolvimento do ovo de Drosophila, da fertilização ao estágio de blastoderma celular. (A) Desenhos esquemá ticos. (B) Visão de superfície – uma fotografia de secção ótica de núcleos do blastoderma sofren do mitose na transição do estágio de blastoder ma sincicial para blas- toderma celular. A actina está corada em verde, os cromossomos, em la ranja. (A, segundo H. A. Schneiderman, in In sect Development [P. A. Lawrence, ed.], p. 3-34. Oxford, UK: Blackwell, 1976; B, cortesia de William Sullivan.) ANTERIOR POSTERIOR DORSAL VENTRAL Sistema nervoso e cabeça Corpo segmentado Cauda Membrana extra-embrionária Epiderme dorsal Sistema nervoso e epiderme ventral Porção posterior do tubo digestivo Mesoderme Porção anterior do tubo digestivoVISTA LATERAL CORTE TRANSVERSAL CENTRAL Figura 22-29 Mapa de destinação de um embrião de Drosophila no estágio de blas toderma celular. O embrião é apresentado em uma visão lateral e em uma secção transversal, mostrando a relação entre a subdivisão dorso-ventral nos principais tipos de tecidos futuros e o padrão ântero-posterior dos futuros segmen tos. Uma linha grossa circunda a região que formará as estruturas segmentares. Durante a gas trulação, as células ao longo da linha média ven tral se invaginam para formar a mesoder- me, en quanto as células destinadas a formar o intestino se invaginam pró- ximas a cada uma das extremidades do embrião. (Conforme V. Hartens tein, G. M. Technau, e J. A. Campos-Ortega, Wilhelm Roux’ Arch. Dev. Biol. 194:213- 216, 1985. Com permissão de Elsevier.) Alberts_22.indd 1331Alberts_22.indd 1331 29.07.09 16:49:2029.07.09 16:49:20 1332 Alberts, Johnson, Lewis, Raff, Roberts & Walter muitos outros animais, incluindo os humanos. Começaremos nos so relato dos mecanismos de desenvolvimento da Drosophila considerando como esta estrutura corporal é produzida. As sondagens genéticas definem os grupos de genes necessários aos aspectos específicos da formação dos padrões iniciais Pela realização de uma série de sondagens genéticas com base na mutagênese por satura ção (discutido no Capítulo 8), tem sido possível acumular uma coleção de mutantes de Drosophi- la que parecem incluir alterações em uma grande proporção dos genes que afetam o desen- volvimento. Mutações independentes no mesmo gene podem ser distinguidas de mutações em genes separados por um teste de complementação (ver Painel 8-1, p. 555), levando a um catálogo de genes classificados de acordo com os seus fenótipos mutantes. Nesse catálogo, um grupo de genes com fenótipos mutantes muito semelhantes frequentemente codificará um conjunto de proteínas que trabalham juntas para realizar uma função. Algumas vezes as funções no desenvolvimento reveladas pelos fenótipos mutantes são aquelas que poderíamos esperar; outras vezes são uma surpresa. Uma sondagem genética em larga escala focando o desenvolvimento inicial da Drosophila revelou que os genes-chave formam um conjunto relativamente pequeno de classes funcionais definidas por seus fenó- tipos mutantes. Alguns – os genes de polaridade do ovo (Figura 22-30) – são necessários para Figura 22-30 Domínios dos sistemas anterior, posterior e terminal dos ge- nes de polaridade do ovo. O diagrama superior mos tra os destinos das dife- rentes regiões do ovo/embrião inicial e indicam (em branco) as partes que fa- lham em desenvolver-se se os sistemas anterior, posterior ou terminal estão defectivos. A fileira do meio mostra esquematicamente o aparecimento de uma larva normal e de larvas mutantes que são defectivas em um gene do sis- tema anterior (p. ex., Bicoid), do sistema posterior (p. ex., Nanos) ou do sistema terminal (p. ex., Torso). A fileira de baixo dos desenhos mostra a aparência das larvas nas quais nenhum ou somente um dos três sistemas gênicos está funcional. As legendas abaixo de cada larva especificam quais sistemas estão in tactos (A P T para a larva normal, – P T para a larva onde o sistema anterior é defectivo, mas os sistemas posterior e terminal estão intactos, e assim por diante). A inativação de um sistema gê- nico particu lar causa a perda do conjun- to correspondente de estruturas do cor- po; as partes do corpo que se formam correspondem aos sistemas gênicos que permanecem funcionais. Note que as larvas com um defeito no sistema anterior ain da podem formar estruturas terminais na sua extremi dade anterior, mas estas são de um tipo normal mente encontrado na extremidade posterior do corpo e não na cabeça. (Ligeira- mente modificada de D. St. Johnston e C. Nuss lein-Volhard, Cell 68:201-219, 1992. Com permissão de Elsevier.) Intestino e extremi- dade da cabeça Partes da cabeça Tórax Abdome Intestino e extre- midade posterior ANTERIOR POSTERIOR TERMINAL Normal Bicoid Nanos A P T _ P T A _ T A P _ A ____ _ _ _ P T__ Torso Alberts_22.indd 1332Alberts_22.indd 1332 29.07.09 16:49:2129.07.09 16:49:21 Biologia Molecular da Célula 1333 definir os eixos ântero-posterior e dorso-ventral do embrião e marcar as duas extremidades para destinos especiais por meio de mecanismos envolvendo interações entre o oócito e as células vizinhas no ovário. Outros, os genes gap, são necessários em regiões amplas e espe- cíficas ao longo do eixo ântero-posterior de um embrião inicial para permitir o seu desen- volvimento apropriado. Uma terceira categoria, os genes pair-rule, são necessários, mais sur- preendentemente, para o desenvolvimento de segmentos alternados do corpo. Uma quarta categoria, os genes de polaridade dos segmentos, é responsável pela organi zação do padrão ântero-posterior de cada segmento individual. A descoberta desses quatro sistemas de genes, e a subsequente análise de suas funções (um trabalho ainda em andamento), foi uma famosa epopeia da genética do desenvolvi- mento. Ela teve um impacto revolucionário em toda a biologia do desenvolvimento ao apontar o caminho em direção a uma explicação sistemática e abrangente do controle genéti co do desenvolvimento embrionário. Nesta seção, resumiremos as conclusões re- lacionadas às fases iniciais do desenvolvimento da Drosophila, pois elas são específicas de insetos; abordaremos em maior extensão as partes do processo que ilustram princípios gerais. As interações do oócito com seu ambiente definem os eixos do embrião: a função dosgenes de polaridade do ovo Surpreendentemente, as etapas mais iniciais do desenvolvimento animal estão entre as mais variáveis, mesmo dentro de um mesmo filo. Uma rã, uma galinha e um mamífero, por exem- plo, mesmo que desenvolvam-se de maneiras semelhantes mais tarde, produzem óvulos que diferem radicalmente em tamanho e em estrutura e começam o seu desenvolvimento com sequências diferentes de divisões celulares e eventos de especialização celular. O estilo de desenvolvimento inicial que descrevemos para C. elegans é típico de mui- tas classes de animais. Por outro lado, o desenvolvimento inicial de Drosophila representa uma variação extrema. Os eixos principais do futuro corpo do inseto são definidos antes da fertilização por uma complexa troca de sinais entre o ovo não-fertilizado, ou oócito, e as células foliculares que o circundam no ovário (Figura 22-31). Então, na fase sincicial após a fertilização, uma quantidade excepcional de formação de padrões ocorre no conjunto de núcleos que se dividem rapidamente, antes da primeira divisão do ovo em células separa- das. Aqui, não há necessidade das formas comuns de comunicação célula-célula envol- vendo comunicação transmembrana; as regiões vizinhas do embrião inicial de Dro sophila podem comunicar-se por meio de proteínas de regulação e de moléculas de mRNA que se difundem ou que são ativamente transportadas através do citoplasma da célula gigante multinucleada. Nos estágios anteriores à fertilização, o eixo ântero-posterior do futuro embrião se torna definido por três sistemas de moléculas que criam pontos de referência no oócito (Figura 22-32). Seguindo-se a fertilização, cada ponto de referência serve como um farol, fornecendo um sinal na forma de um gradiente de morfógenos, que organiza o processo de desenvolvimento na sua vizinhança. Dois desses sinais são gerados a partir de depósitos loca lizados de moléculas de mRNA específicas. A futura extremidade an terior do embrião contém uma grande concentração de mRNA para a proteína de regulação gênica chama- da de Bicoid; este mRNA é traduzido para produzir a proteína Bicoid, a qual se difunde Figura 22-31 Um oócito de Drosophila no seu folículo. O oócito é derivado de uma célu la germinativa que se divide quatro vezes para originar uma família de 16 células que permane cem em comunicação umas com as outras atra vés de pontes citoplasmáticas (cin- za). Um mem bro do grupo da família torna-se o oócito, en quanto as outras células se tornam células auxi liares, que produzem muitos dos componen tes necessários pelo oócito e os transpor- tam para dentro dele através das pontes citoplasmáticas. As células foliculares que circundam parcialmente o oócito possuem uma ancestralidade separada. Como indicado, elas são as fontes dos sinais ter minal e ventral de polarização do ovo. Célula auxiliar Célula folicular Oócito Células foliculares fornecendo sinais ventraisCélulas foliculares fornecendo sinais terminais Alberts_22.indd 1333Alberts_22.indd 1333 29.07.09 16:49:2129.07.09 16:49:21 1334 Alberts, Johnson, Lewis, Raff, Roberts & Walter a partir de sua fonte para formar um gradiente de concentração com o seu máximo na extremidade anterior do ovo. A futura extremidade posterior do embrião contém uma alta concentração de mRNA para um regulador da tradu ção chamado de Nanos, o qual forma um gradiente posterior da mesma maneira. O terceiro sinal é gerado simetricamente em ambas as extre midades do ovo, pela ativação local de um receptor tirosina-cina se trans- membrana chamado de Torso. O receptor ativado exerce os seus efeitos em uma amplitu- de pequena, marcando os locais das estruturas terminais especializadas que irão formar as extremidades da cabeça e da cauda da futura larva e, também, definindo os rudimentos do futuro intestino. Os três conjuntos de genes responsáveis por esses determinantes lo- calizados são referidos como os conjuntos ante rior, posterior e terminal dos genes de polaridade do ovo. Um quarto ponto de referência define o eixo dorso-ventral (ver Figura 22-32): uma pro- teína que é produzida pelas células foliculares abaixo da futura região ventral do em brião leva à ativação localizada de outro receptor transmembrana, chamado de Toll, na membra- na do oócito. Os genes necessários a essa função são chamados de genes dorso-ventrais de polaridade do ovo. Todos os genes de polaridade do ovo, nessas quatro classes, são genes de efeito mater- no: é o genoma da mãe, não o genoma do zigoto, que é crítico. Assim, uma mosca cujos cro- mossomos são mutantes em ambas as cópias do gene Bicoid, mas que nasceu de uma mãe que possui uma cópia normal de Bicoid, desenvolve-se de maneira perfeitamente normal, sem nenhum defeito no padrão da cabeça. Entretanto, se aquela mosca-filha é uma fêmea, nenhum mRNA funcional de Bicoid pode ser depositado na porção anterior dos seus pró- prios ovos, e todos irão desenvolver-se em embriões sem cabeça, indepen dentemente do genótipo do pai. Cada um dos quatro sinais de polaridade do ovo – fornecidos por Bicoid, Nanos, Torso e Toll – exerce seus efeitos pela regulação (direta ou indireta) da expressão de genes nos nú- cleos do blastoderma. O uso destas moléculas particulares para organizar o ovo não é uma característica geral do desenvolvimento inicial dos animais – na verdade, somente a Droso- phila e os insetos intimamente relacionados possuem um gene Bicoid. Toll foi aqui cooptado para a formação do padrão dorso-ventral; a sua função mais antiga e universal é a resposta imune inata, como discutido no Capítulo 24. Apesar disso, o sistema de polaridade do ovo apresenta algumas características alta- mente conservadas. Por exemplo, a localização do mRNA de Nanos em uma extremidade do ovo está ligada e é dependente da localização dos determinantes da célula germinati va na- quele local, assim como em C. elegans. Mais adiante durante o desenvolvimento, enquanto o genoma do zigoto começa a atuar sob a influência do sistema de polaridade do ovo, mais semelhanças com outras espécies animais tornam-se aparentes. Utilizaremos o sistema dor- so-ventral para ilustrar este ponto. Os genes de sinalização dorso-ventrais criam um gradiente de uma proteína nuclear de regulação gênica A ativação localizada do receptor Toll no lado ventral do ovo controla a distribuição da Dorsal, uma proteína de regulação gênica que se encontra dentro do ovo. A proteína Dor- sal pertence à mesma família da proteína de regulação gênica NF�B de vertebrados (dis- cutida no Capítulo 15). A sua atividade regulada por Toll, assim como a de NF�B, depen de Figura 22-32 A organização dos qua- tro sis temas de gradiente de polarida- de do ovo. Os receptores Toll e Torso são distribuídos por toda a membrana; o colorido nos diagramas à direita indica o local em que eles se tornam ati- vados pelos ligantes extracelulares. SISTEMA DORSO-VENTRALSISTEMA TERMINALSISTEMA ANTERIORSISTEMA POSTERIOR Receptores transmembrana (Toll)Receptores transmembrana (Torso)mRNA localizado (Bicoid ) mRNA localizado (Nanos ) Determinam • Ectoderme vs. mesoderme vs. endoderme • Estruturas terminais Determinam • Células germinativas vs. células somáticas • Cabeça vs. cauda • Segmentos corporais Alberts_22.indd 1334Alberts_22.indd 1334 29.07.09 16:49:2129.07.09 16:49:21 Biologia Molecular da Célula 1335 da sua translocação a partir do citoplasma, onde ela é mantida em uma forma inativa, para o núcleo, onde regula a expressão gênica. No ovo recém-posto, ambos, o mRNA de Dorsal (detectado por hibridização in situ) e a proteína que ele codifica (detectada com anticor- pos), são distribuídos uniformemente no citoplasma. Após os núcleos terem migra do para a superfície do embrião a fim de formar o blastoderma, entretanto, ocorre uma redistribuição extraordinária da proteína Dorsal: dorsalmente, a proteína permanece no citoplasma, mas ventralmente ela se concentra no núcleo, com um gradiente suave de localização nuclear entre estes dois extremos (Figura 22-33). O sinal transmitido pela proteína Toll controla a redistribuição de Dorsal por uma via de sinalização que é essen cialmente a mesma via de- pendente de Toll envolvida na imunidade inata. Uma vez no interior do núcleo, a proteína Dorsal ativa ou inibe a expressão de diferen- tes conjuntos de genes, dependendo da sua concentração. A expressão de cada gene res- ponsivo depende do seu DNA regulador – especificamente, do número e da afinidade dos sítios de ligação que este DNA contém para Dorsal e para outras proteínas reguladoras. Dessa maneira, o DNA regulador é capaz de interpretar o sinal posicional fornecido pelo gradiente da proteína Dorsal, de maneira a definir uma série de territórios dorso-ventrais – faixas distintas de células posicionadas no comprimento do embrião (Figura 22-34A). Mais ventralmente – onde está a maior concentração da proteína Dorsal – ela ativa, por exemplo, a expressão do gene chamado de Twist, que é específico para o mesoderma (Fi- gura 22-35). Mais dorsalmente, onde a concentração da proteí na Dorsal é menor, as cé- lulas ativam o gene Decapentaplegic (Dpp). E, em uma região intermediária, onde a con- centração da proteína Dorsal é alta o suficiente para reprimir Dpp, mas muito baixa para ativar Twist; as células ativam outro conjunto de genes, incluindo um denominado Short gastrulation (Sog). 100 �m Figura 22-33 O gradiente de concen- tração da proteína Dorsal nos núcleos do blasto derma, revelado por anti- corpos. Dorsalmen te, a proteína está presente no citoplasma e au sente nos núcleos; ventralmente, ela está ausen te no citoplasma e concentrada nos nú- cleos. (De S. Roth, D. Stein e C. Nusslein- Volhard, Cell 59:1189-1202, 1989. Com permissão de Elsevier.) Figura 22-34 Gradientes de morfó- genos determinando os padrões do eixo dorso-ventral do embrião. (A) O gradiente da pro teína Dorsal define três amplos territórios de expressão gênica, marcados aqui pela expressão de três genes representativos – Dpp, Sog e Twist. (B) Um pouco mais tarde, as células expressan do Dpp e Sog se- cretam, respectivamente, as pro teínas de sinalização Dpp (um membro da famí lia TGFβ) e Sog (um antagonista de Dpp). Es tas duas proteínas difundem-se e interagem uma com a outra (e com certos outros fatores) para determinar um gradiente de atividade de Dpp que guia um processo mais detalhado de formação de padrões. Membrana vitelínica (envoltório do oócito) Dpp transcrito Sog transcrito Twist transcrito Gradiente da proteína Dorsal intranuclear Transcrição dos genes zigóticos, regulada pela proteína Dorsal (A) As proteínas Dpp e Sog secretadas formam um gradiente dorsal de morfógenos Os territórios dorso-ventrais são especificados (B) Proteína Sog Proteína Dpp Tecido extra-embrionário Epiderme dorsal Ectoderme neurogênica Mesoderme Alberts_22.indd 1335Alberts_22.indd 1335 29.07.09 16:49:2229.07.09 16:49:22 1336 Alberts, Johnson, Lewis, Raff, Roberts & Walter Dpp e Sog produzem um gradiente de morfógenos secundário para refinar o padrão da parte dorsal do embrião Os produtos dos genes regulados diretamente pela proteína Dorsal geram sinais locais que definem subdivisões mais finas do eixo dorso-ventral. Estes sinais atuam após a celulariza- ção e assumem a forma de moléculas de sinalização extracelular convencionais. Em particu- lar, Dpp codifica para a proteína secretada Dpp, a qual forma um gradiente de morfó genos na parte dorsal do embrião. O gene Sog, enquanto isso, codifica para outra proteína secreta- da que é produzida na ectoderme neurogênica e atua como um antagonista de Dpp. Os gra- dientes de difusão oposta dessas duas proteínas criam um gradiente acentuado de ativida de de Dpp. Os níveis mais altos de atividade de Dpp, em combinação com certos outros fato res, induzem o desenvolvimento do tecido mais dorsal de todos – a membrana extra-embrio- nária; os níveis intermediários induzem o desenvolvimento da ectoderme dorsal, e os níveis muito baixos permitem o desenvolvimento da ectoderme neurogênica (Figura 22-34B). O eixo dorso-ventral dos insetos corresponde ao eixo ventro- dorsal dos vertebrados A Dpp é um membro da superfamília TGF� das moléculas de sinalização que também é importante nos vertebrados; a Sog é um homólogo da proteína chordin dos vertebrados. É surpreendente que um homólogo da Dpp, BMP4, e a chordin atuem juntos nos vertebra dos da mesma maneira que Dpp e Sog em Drosophila. Essas duas proteínas controlam o padrão dorso-ventral da ectoderme, com altos níveis de chordin definindo a região que é neuro- gênica, e altos níveis de atividade de BMP4 definindo a região que não é. Isto, combinado a outros paralelos moleculares, sugere que esta parte da estrutura corporal foi conservada entre os insetos e os vertebrados. Entretanto, o eixo está invertido, de manei ra que a parte dorsal na mosca corresponde à parte ventral no vertebrado (Figura 22-36). Em algum ponto da história evolutiva, parece que o ancestral de uma dessas classes de animais optou por viver a vida de cabeça para baixo. Três classes de genes de segmentação refinam o padrão materno ântero-posterior e subdividem o embrião Após os gradientes iniciais de Bicoid e de Nanos serem criados para definir o eixo ântero-pos- terior, os genes de segmentação refinam o padrão. As mutações em qualquer um dos genes de segmentação alteram o número de segmentos ou sua organização interna básica, sem afetar a polaridade global do embrião. Os genes de segmentação são expressos por subcon- juntos de células no embrião, de maneira que seus produtos são os primeiros com ponentes do genoma próprio do embrião, que não os do genoma materno, a contribuir para o desen- Figura 22-35 A origem da mesoder- me a partir de células que expressam Twist. Os embriões foram fixados em estágios sucessivos, cortados transver- salmente e corados com um anticorpo contra a proteína Twist, uma proteína de regulação gênica da família bHLH. As células que expressam Twist movem-se para o interior do embrião para formar a mesoderme. (De M. Leptin, J. Casal, B. Grunewald e R. Reuter, Deve lopment Suppl. 23-31, 1992. Com permissão de The Company of Biologists.) Figura 22-36 O plano corporal de verte brados como uma inversão dorso-ventral do plano corporal de in- setos. O mecanismo de determinação dos padrões dorso-ventrais em um em- brião vertebrado é discutido em mais detalhes posteriormente neste capítulo. Note a correspondência com re lação ao sistema circulatório, ao intestino e ao sistema nervoso. Em insetos, o sistema circulatório é representado por um coração tubular e um vaso sanguíneo dorsal principal, que bombeia sangue para os espaços dos tecidos por meio de um conjunto de aberturas e recebe o sangue de volta dos tecidos por meio de outro conjunto. Em contraste com os vertebrados, não há um sistema de vasos capilares para conter o sangue enquanto ele é percolado através dos tecidos. En tretanto, o desenvolvimento do coração depen de de genes homólo- gos nos vertebrados e nos insetos, re- forçando a relação entre os dois pla nos corporais. (Segundo E. L. Ferguson, Curr. Opin. Genet. Dev. 6:424-431, 1996. Com permissão de Elsevier.) DORSAL VENTRALINSETO VERTEBRADO ÂnusSistema circulatório Sistema circulatório Sistema nervoso central Intestino Boca Ânus Boca Sistema nervoso central Intestino Alberts_22.indd 1336Alberts_22.indd 1336 29.07.09 16:49:2229.07.09 16:49:22 Biologia Molecular da Célula 1337 volvimento embrionário. Eles são chamados de genes de efeito zigótico, para distingui-los dos genes iniciais de efeito materno. Os genes de segmentação distribuem-se em três grupos, de acordo com seus fenóti pos mutantes (Figura 22-37). É conveniente considerar estes três grupos como se suas ações ocorressem em sequência, apesar de, na realidade, suas funções se sobreporem. Primeiro, atuam em um conjunto de pelo menos seis genes gap, cujos produtos definem subdivisões não refina das do embrião. As mutações em um gene gap eliminam um ou mais grupos de segmentos adjacentes, e as mutações em genes gap distintos causam defeitos diferentes, po- rém par cialmente sobrepostos. Em um mutante Kruppel, por exemplo, a larva não apresenta oito segmentos, de T1 a A5. Os próximos genes de segmentação a atuarem são um conjunto de oito genes pair- rule. As mutações nestes genes causam uma série de deleções afetando segmentos alter nados, deixando o embrião com somente a metade dos segmentos normais. Enquanto todos os mutantes pair-rule apresentam esta periodicidade de dois segmentos, eles diferem na po- sição precisa das deleções relativas aos limites segmentais ou parassegmentais. O mutante pair-rule Even-skipped (Eve), por exemplo, discutido no Capítulo 7, não apresenta todos os parassegmentos de números ímpares; o mutante pair-rule Fushi-tarazu (Ftz) não possui to- dos os parassegmentos de números pares, e o mutante pair-rule Hairy não apresenta uma série de regiões que são semelhantes em largura, mas que não têm relação com as unidades parassegmentais. Finalmente, existem pelo menos 10 genes de polaridade segmentar. As mutações nesses genes produzem larvas com um número normal de segmentos, mas com uma par- te de cada segmento deletada e substituída por uma duplicação especular de todo ou de parte do segmento restante. Em mutantes Gooseberry, por exemplo, a metade posterior de cada segmento (ou seja, a metade anterior de cada parassegmento) é substituída por uma imagem aproximadamente especular de metade do segmento adjacente anterior (ver Figura 22-37). Veremos mais tarde que, em paralelo com o processo de segmentação, um conjunto adicional de genes, os genes seletores homeóticos, serve para definir e preservar as dife renças entre um segmento e o próximo. Os fenótipos dos vários mutantes de segmentação sugerem que os genes de segmenta- ção formam um sistema coordenado que subdivide o embrião progressivamente em domí- nios cada vez menores ao longo do eixo ântero-posterior, distinguido por padrões diferen- tes de expressão gênica. A genética molecular tem ajudado a revelar como este sistema fun- ciona. A expressão localizada dos genes de segmentação é regulada por uma hierarquia de sinais posicionais Cerca de três quartos dos genes de segmentação, incluindo todos os genes gap e os genes pair-rule, codificam para proteínas de regulação gênica. As suas ações sobre outros genes Figura 22-37 Exemplos de fenótipos de mutações afetando os três tipos de genes de segmentação. Em cada caso, as áreas som breadas em verde na larva normal (esquerda) es tão ausentes no mutante ou foram substituídas por du- plicações especulares das regiões não afe tadas. (Modificada de C. Nusslein- Volhard e E. Wies chaus, Nature 287:795- 801, 1980. Com permissão de Macmillan Publishers Ltd.) GENE GAP (Krüppel) GENE PAIR-RULE (Even-skipped) GENE DE POLARIDADE SEGMENTAR (Gooseberry) Alberts_22.indd 1337Alberts_22.indd 1337 29.07.09 16:49:2229.07.09 16:49:22 1338 Alberts, Johnson, Lewis, Raff, Roberts & Walter podem ser observadas pela comparação da expressão gênica nos em briões normais e nos mutantes. Pelo uso de sondas apropriadas para a detecção dos trans critos gênicos ou de seus produtos proteicos, é possível, efetivamente, obter representa ções instantâneas de ge- nes sendo ativados e inativados nos padrões em alteração. Repe tindo o processo em mu- tantes que não possuam um gene de segmentação particular, pode-se começar a dissecar a lógica de todo o sistema de controle gênico. Os produtos dos genes de polaridade do ovo fornecem sinais globais de posição no em- brião inicial. Eles induzem a expressão de genes gap particulares em regiões particula res. Os produtos dos genes gap fornecem um segundo conjunto de sinais posicionais que atuam mais localmente para regular detalhes mais precisos da formação de padrões, pela expressão de outros genes, incluindo os genes pair-rule (Figura 22-38). Os genes pair-rule, por sua vez, colaboram uns com os outros e com os genes gap para construir um padrão periódico de ex- pressão dos genes de polaridade segmentar, e os genes de polaridade segmentar colaboram uns com os outros para definir o padrão interno de cada segmen to individual. A estratégia, dessa forma, é uma indução sequencial (ver Figura 22-16). No final do processo, os gradien- tes globais produzidos pelos genes de polaridade do ovo desencadearam a criação de um padrão mais refinado por meio de uma hierarquia de controles posicionais sequenciais, pro- gressivamente mais locais. Como os sinais posici onais globais que iniciaram o processo não necessitam especificar diretamente os deta lhes finos, os núcleos celulares individuais não precisam ser controlados com precisão extrema por pequenas diferenças na concentração destes sinais. Ao contrário, em cada etapa na sequência, novos sinais começam a atuar, pro- duzindo diferenças substanciais e localiza das de concentração para definir novos detalhes. A indução sequencial é uma estratégia sólida. Ela trabalha de maneira segura para produzir embriões de moscas que apresentem todos o mesmo padrão, apesar da imprecisão essencial dos sistemas de controle biológicos e da variação de condições, como a temperatura, em que a mosca se desenvolve. Figura 22-38 A hierarquia reguladora dos genes de polaridade do ovo, gap, seg mentar e seletores homeóticos. As fotografias mostram o padrão de ex- pressão de exemplos representativos de genes em cada ca tegoria, revelados pela coloração com anticor pos contra produtos proteicos. Os genes sele tores homeóticos, discutidos abaixo, definem as últimas diferenças entre um seg- mento e o pró ximo. (Fotografias a partir do topo (i) de W. Driever e C. Nuss lein- Volhard, Cell 54:83-104, 1988. Com per- missão de Elsevier; (ii) cortesia de Jim Langeland, Steve Paddock, Sean Carroll e Howard Hughes Medical Institute; (iii) de P. A. Lawrence, The Making of a Fly. Oxford, UK: Blackwell, 1992; (iv) de C. Hama, Z. ali e T.B. Kornberg, Genes Dev. 4:1079-1093, 1990. Com permissão de Cold Spring Harbor Laboratory Press; (v) cortesia de William McGinnis, adaptada de D. Kosman et al., Science 305:846, 2004. Com permissão de AAAS.) Genes de polaridade do ovo Bicoid ANTERIOR Genes gap Krüppel e Hunchback Genes pair-rule Eve e Ftz Genes de polaridade segmentar Engrailed Genes seletores homeóticos POSTERIOR Alberts_22.indd 1338Alberts_22.indd 1338 29.07.09 16:49:2329.07.09 16:49:23 Biologia Molecular da Célula 1339 A natureza modular do DNA regulador permite que os genes possuam múltiplas funções controladas independentemente O elaborado processo de formação de padrões recém-descrito depende de longos trechos de sequências de DNA não-codificante que controlam a expressão de cada um dos genes envolvidos. Essas regiões reguladoras ligam múltiplas cópias das proteínas de regu lação gê- nica produzidas pelos genes formadores de padrões expressos anteriormente. Assim como um mecanismo lógico de entrada e de saída, um gene individual é ativado e inativado de acordo com uma combinação particular de proteínas ligadas a suas regiões reguladoras em cada estágio do desenvolvimento. No Capítulo 7, descrevemos um gene de segmenta ção em particular – o gene pair-rule Even-skipped (Eve) – e discutimos como a decisão de transcrever o gene é feita de acordo com todas essas informações (ver Figura 7-55). Este exemplo pode ser mais elaborado para ilustrar alguns princípios importantes da formação dos padrões do desenvolvimento. As faixas individuais da expressão de Eve dependem de módulos reguladores separa dos no DNA regulador de Eve. Assim, um módulo regulador é responsável pela expressão de Eve nas faixas 1 + 5, outro na faixa 2, outro nas faixas 3 + 7 e ainda outro nas faixas 4 + 6 (Figura 22-39). Cada módulo regulador define um conjunto dife rente de requisitos para a expressão gênica de acordo com a concentração dos produtos dos genes de polaridade do ovo e dos genes gap. Dessa forma, o DNA regulador de Eve serve para traduzir o padrão complexo e não-repetitivo das proteínas de polaridade do ovo e gap em um padrão periódico de expres- são de um gene pair-rule. A organização modular do DNA regulador de Eve recém-descrito é típica da regula ção gênica de animais multicelulares e de plantas, e tem profundas implicações. Por meio da junção das sequências dos módulos que respondem a diferentes combinações de proteínas reguladoras, é possível gerar quase qualquer padrão de expressão gênica com base em qua- se qualquer outro. A presença dos módulos, além disso, permite ao DNA regulador definir padrões de expressão gênica que não são simplesmente complexos, mas cujas partes são independentemente ajustáveis. Uma alteração em um destes módulos reguladores pode al- terar uma parte do padrão de expressão, sem afetar o resto e sem necessitar de alterações nas proteínas reguladoras que levariam a repercussões na expres são de outros genes no geno- ma. Como descrito no Capítulo 7, é este DNA regulador que contém a chave para a organiza- ção complexa de plantas e de animais multicelulares, e suas propriedades tornam possível a adaptabilidade independente de cada parte da estru tura do corpo de um organismo no curso da evolução. A maioria dos genes de segmentação também desempenha funções importantes em outros momentos e locais no desenvolvimento da Drosophila. O gene Eve, por exemplo, é expresso em subconjuntos de neurônios, em células precursoras musculares e em vários Figura 22-39 Organização modular do DNA regulador do gene Eve. No experi mento mostrado, fragmentos clonados do DNA regulador foram ligados ao repórter LacZ (um gene bacteriano). Os embriões transgêni- cos contendo estas construções foram então coradas por hibridização in situ para revelar o padrão de expressão de LacZ (azul/preto) e con tracorado com um anticorpo anti-Eve (laranja) para mostrar as posições das faixas de expres são normais de Eve. Diferentes segmentos do DNA regulador de Eve (ocre) controlam a expressão gênica em regiões que cor respondem a diferentes partes do padrão de expressão normal de Eve. Dois segmentos em tandem con- trolam a expressão em um padrão que é a soma dos pa drões gerados por cada um deles individualmen te. Os módulos reguladores separados são res ponsáveis por diferentes momentos da expres são gênica, assim como diferentes localiza- ções: o painel mais à esquerda mostra a ação de um módulo que começa a agir mais tarde do que os outros ilustrados e controla a expressão em um subcon- junto de neurônios. (De M. Fujioka et al., Development 126:2527-538, 1999. Com permissão de The Com pany of Biologists.) Codificação Subconjunto de neurônios Faixas 4 e 6 Faixa 1 Faixa 5 Faixas 3 e 7 Faixa 2 3.000 pares de nucleotídeos mRNA Eve Precursores musculares Faixas 1 e 5 Alberts_22.indd 1339Alberts_22.indd 1339 29.07.09 16:49:2429.07.09 16:49:24 1340 Alberts, Johnson, Lewis, Raff, Roberts & Walter outros locais sob o controle de estimuladores adicionais (ver Figura 22-39). Pela adição de novos módulos a este DNA regulador, qualquer gene pode ser cooptado durante a evo- lução para novos propósitos em novos locais do corpo, sem detrimento de suas outras funções. Os genes de polaridade do ovo, os genes gap e os genes pair-rule criam um padrão transiente que é relembrado por outros genes Dentro das primeiras horas após a fertilização, os genes gap e os genes pair-rule são ativados. Seus produtos de mRNA aparecem primeiramente em padrões que somente se aproximam da situação final; então, em um curto período – por meio de uma série de ajustes interativos – a indefinida distribuição inicial dos produtos gênicos transforma-se em um sistema regular e nitidamente definido de faixas (Figura 22-40). Contudo, esse sistema por si só é instável e transiente. Enquanto o embrião avança pela gastru lação e além, o padrão regular segmentar dos produtos gênicos gap e pair-rule desintegram-se. As suas ações, entretanto, produziram um conjunto permanente de marcações – valores posicionais – nas células do blastoderma. Estas marcas posicionais estão gravadas na ativação persistente de certos genes de polarida- de segmentar e dos genes seletores homeóticos, os quais servem para manter a organização segmentar da larva e do adulto. O gene Engrailed de polaridade segmentar fornece um bom exemplo. Os seus transcritos de mRNA são vistos no blastoderma celular em uma série de 14 faixas, cada uma com apro ximadamente uma célula de largura, correspondendo às porções mais anteriores dos futu ros parassegmentos (Figura 22-41). Os genes de polaridade segmentar são expressos em padrões que se repetem de um parassegmento para o próximo, e as suas faixas de expressão aparecem em uma relação fixa com as faixas de expressão dos genes pair-rule que os auxiliam na sua ativação. En- tretanto, a produção deste padrão em cada parassegmento depende de interações entre os próprios genes de polaridade segmentar. Essas interações ocorrem em etapas quando o blastoderma já se tornou totalmente dividido em células separadas, de maneira que a sinali zação célula-célula normal tem que entrar em ação. Um grande subconjunto de ge- nes de pola ridade segmentar codifica para componentes de duas vias de transdução de si- nais, a via Wnt e a via Hedgehog, incluindo as proteínas sinalizadoras secretadas Wingless 2,7 horas após a fertilização 3,5 horas após a fertilização Figura 22-40 A formação das faixas de Ftz e de Eve no blastoderma de Drosophila. Ftz e Eve são ambos genes pair-rule. Os seus pa drões de expressão (mostrados em marrom para Ftz e em cinza para Eve) são inicialmente pouco definidos, mas rapidamente transfor- mam-se em fai xas nitidamente delinea- das. (De P. A. Lawrence, The Making of a Fly. Oxford, UK: Blackwell, 1992.) Embrião de 5 horas 100 �m 100 �m Embrião de 10 horas Adulto 500 �m Figura 22-41 O padrão de expressão de Engrailed, um gene de polaridade segmen tar. O padrão de Engrailed é mostrado em um embrião de cinco horas (no estágio de banda germinativa estendida), em um embrião de 10 horas e no adulto (cujas asas foram removidas nesta preparação). O padrão é revelado por um anticorpo (marrom) contra a proteína Engrailed (para os embriões de 5 e 10 horas) ou (para o adul to) pela construção de uma linhagem de Droso phila contendo as sequên- cias controladoras do gene Engrailed acopladas à sequência codificante do repórter LacZ, cujo produto é detectado his toquimicamente por meio de um produto azul da reação que ele catalisa. Note que o padrão de Engrailed, uma vez estabelecido, é preservado por toda a vida do animal. (De C. Hama, Z. Ali e T. B. Kornberg, Genes Dev. 4:1079-1093. Com permissão de Cold Spring Harbor Laboratory Press.) Alberts_22.indd 1340Alberts_22.indd 1340 29.07.09 16:49:2429.07.09 16:49:24 Biologia Molecular da Célula 1341 (um membro da família Wnt) e Hedgehog. Estas são expressas em diferentes bandas de células que servem como centros de sinalização em cada parassegmento e atuam na ma- nutenção e no refino da expressão de outros genes de polaridade segmentar. Além disso, embora a sua expressão inicial seja determinada pelos genes pair-rule, as duas proteínas sinalizadoras regulam uma a expressão da outra em uma via mutuamente sustentada e continuam a auxiliar o desencadea mento da expressão de genes, como o Engrailed, preci- samente em seus locais corretos. O padrão de expressão de Engrailed persistirá por toda a vida, muito depois de os si- nais que organizaram a sua produção terem desaparecido (ver Figura 22-41). Este exem plo ilustra não somente a subdivisão progressiva do embrião por meio de sinais cada vez mais precisamente localizados, mas também a transição entre os eventos de sinalização tempo- rários do desenvolvimento inicial e a posterior manutenção estável das informações do de- senvolvimento. Além de regular os genes de polaridade segmentar, os produtos dos genes pair-rule co- laboram com os produtos dos genes gap para induzir a ativação precisamente localiza da de um conjunto adicional de marcações espaciais – os genes seletores homeóticos. São os genes seletores homeóticos que distinguem permanentemente um parassegmento de outro. Na próxima seção, examinaremos esses genes seletores em detalhe e discutiremos as suas funções na memória celular. Resumo A mosca Drosophila tem sido o principal organismo, modelo para o estudo da genética do desen- volvimento animal. Assim como outros insetos, ela começa o seu desenvolvimen to com uma série de divisões nucleares, gerando um sincício, e grande parte da formação dos padrões iniciais ocorre nesta célula única gigante e multinucleada. O pa drão se origina das assimetrias no ovo, organiza- das tanto por depósitos localizados de mRNA dentro do ovo como por sinais das células folicula- res ao redor dele. As informa ções posicionais no embrião multinucleado são fornecidas por quatro gradientes intra celulares produzidos pelos produtos de quatro grupos de genes de efeito materno chama dos de genes de polaridade do ovo. Eles controlam quatro distinções fundamentais para a estrutura corporal dos animais: dorsal versus ventral, endoderme versus mesoderme e ectoderme, células germinativas versus células somáticas e cabeça versus parte posterior. Os genes de polaridade do ovo operam pela produção de distribuições graduadas de proteí- nas de regulação gênica no ovo e no embrião inicial. Os gradientes ao longo do eixo ântero-pos- terior iniciam a expressão ordenada dos genes gap, dos genes pair-rule, dos genes de polari dade segmentar e dos genes seletores homeóticos. Estes, por meio de uma hierarquia de interações, tor- nam-se expressos em algumas regiões do embrião e não em outras, subdi vidindo progressivamen- te o blastoderma em uma série regular de unidades modulares repetidas chamadas de segmentos. Os padrões complexos de expressão gênica refletem a organização modular do DNA regulador, com estimuladores separados para cada gene individual responsável por partes separadas do seu padrão de expressão. Os genes de polaridade segmentar começam a agir próximo ao final do processo de segmenta- ção, logo após o sincício ter se dividido em células separadas, e controlam a formação de padrões internos de cada segmento por sinalizações célula-célula por meio das vias de Wnt (Wingless) e Hedgehog. Isto leva a uma ativação localizada e persistente de genes como Engrailed, dando às células um registro da sua localização ântero-posterior dentro do segmento. Enquanto isso, um novo gradiente de si nalização célula-célula também é gerado ao longo do eixo dorso-ventral, com o membro da família TGF� Decapentaplegic (Dpp) e seu antagonista, Short gastrulation, atuando como morfógenos. Este gradiente auxilia a refinar a escolha das várias características das células em diferentes níveis dorso-ventrais. Sabe-se também que as proteínas homó logas controlam a for- mação de padrões do eixo ventro-dorsal nos vertebrados. GENES SELETORES HOMEÓTICOS E A FORMAÇÃO DE PADRÕES DO EIXO ÂNTEROPOSTERIOR À medida que o desenvolvimento progride, o corpo torna-se cada vez mais complexo. Em toda esta complexidade crescente existe, entretanto, uma característica simplificado- ra que coloca o entendimento de todo o processo de desenvolvimento a nosso alcance. Alberts_22.indd 1341Alberts_22.indd 1341 29.07.09 16:49:2529.07.09 16:49:25 1342 Alberts, Johnson, Lewis, Raff, Roberts & Walter Repetidamen te, em cada espécie e em cada nível de organização, as estruturas complexas são feitas pela repetição de alguns temas básicos, com variações. Assim, um número limita- do de tipos celulares básicos diferenciados, como as células musculares ou os fibroblastos, ressurge com varia ções individuais sutis em diferentes locais. Esses tipos celulares estão or- ganizados em uma variedade limitada de tipos de tecidos, como os músculos ou os tendões, os quais novamente estão repetidos com variações sutis em diferentes regiões do corpo. A partir de vários tecidos, órgãos como os dentes ou os dedos são produzidos – molares e inci- sivos, indicadores e pole gares e dedos dos pés – alguns tipos básicos de estrutura, repetidos com variações. Em qualquer lugar em que encontremos este fenômeno de repetição modulada, pode- mos dividir o problema dos biólogos do desenvolvimento em duas questões: qual é o meca- nismo básico de construção comum a todos os objetos de uma dada classe, e como este me- canismo é modificado para originar as variações observadas? O embrião usa uma estratégia combinatória para gerar a sua complexidade, e podemos usar a estratégia com binatória para entendê-la. Os segmentos do corpo do inseto fornecem um exemplo muito claro. Já havíamos es- boçado a maneira pela qual os rudimentos de um único segmento típico são construí dos. Precisamos agora considerar como um segmento é induzido a ser diferente de outro. O código Hox especifica diferenças ântero-posteriores O primeiro vestígio de uma resposta genética para a questão de como cada segmento adquire a sua identidade individual surgiu há mais de 80 anos, com a descoberta da pri- meira de várias mutações na Drosophila que causavam perturbações bizarras na organi- zação da mosca adulta. No mutante Antennapedia, por exemplo, as pernas origi nam-se a partir da cabeça, no lugar das antenas (Figura 22-42), enquanto no mutante Bithorax, porções de um par de asas extras aparecem onde normalmente deveriam estar estruturas muito menores chamadas de halteres. Essas mutações transformam partes do corpo em estruturas apropriadas para outras posições e são chamadas de homeóticas. Um conjunto inteiro de genes seletores homeóticos determina o caráter ântero-posterior dos segmen- tos da mosca. Os genes deste conjunto – oito deles na mosca – são relacionados uns com os outros como membros de uma família multigênica e pertencem a um ou a outro de dois agrupa- mentos gênicos conhecidos como complexo Bithorax e complexo Antennapedia. Os genes no complexo Bithorax controlam as diferenças entre os segmentos abdominais e torácicos do corpo, e aqueles do complexo Antennapedia controlam as diferenças entre os segmen- tos torácicos e os da cabeça. As comparações com outras espécies mostram que os mesmos genes estão presentes em essencialmente todos os animais, incluindo os humanos. Estas comparações também revelam que os complexos Antennapedia e Bithorax são as duas me- tades de uma única entidade, chamada de complexo Hox, que se tornou dividi da no curso da evolução da mosca e cujos membros operam de uma maneira coordenada para exercer o seu controle sobre o padrão cabeça-cauda do corpo. Os genes seletores homeóticos codificam proteínas de ligação ao DNA que interagem com outras proteínas de regulação gênica À primeira vista, cada gene seletor homeótico normalmente é expresso somente naquelas regiões que se desenvolvem de modo anormal quando o gene está mutado ou ausente. Os produtos desses genes podem, então, ser vistos como marcas de endereço molecular per- tencentes às células de cada parassegmento: eles são a encarnação física do valor posici- onal da célula. Se as marcas de endereçamento estiverem alteradas, o parassegmento com- porta-se como se estivesse localizado em outro lugar, e a deleção de todo o complexo resulta em uma larva cujos segmentos do corpo são todos semelhantes (Figura 22-43). Um primeiro problema, portanto, é entender como os produtos dos genes seletores ho- meóticos atuam na maquinaria básica de formação de padrões segmentares para dar a cada segmento sua individualidade. Os produtos dos genes seletores homeóticos são pro teínas de regulação gênica, todas relacionadas umas às outras por possuírem um homeodomínio de ligação ao DNA altamente conservado (de 60 aminoácidos), discutido no Capítulo 7. O segmento correspondente na sequência de DNA é chamado de homeo box, do qual, pela abreviatura, o complexo Hox ganhou seu nome. Figura 22-42 Mutação homeótica. A mosca mostrada aqui é um mutante Antennape dia. As suas antenas estão convertidas em estru turas de pernas por uma mutação na região re guladora do gene Antennapedia que o induz a ser expresso na cabeça. Compare com a mosca nor mal mostrada na Figura 21-24. (Cortesia de Mat thew Scott.) Alberts_22.indd 1342Alberts_22.indd 1342 29.07.09 16:49:2529.07.09 16:49:25 Biologia Molecular da Célula 1343 Se os produtos dos genes seletores homeóticos são semelhantes nas suas regiões de li- gação ao DNA, como eles exercem efeitos diferentes de modo a fazer um parassegmento distinto do seguinte? A resposta parece estar, em grande parte, nas partes das proteínas que não se ligam diretamente ao DNA, mas interagem com outras proteínas nos comple xos de ligação ao DNA. Os diferentes parceiros nestes complexos atuam junto com as proteínas se- letoras homeóticas para determinar quais os sítios de ligação ao DNA serão reco nhecidos e se o efeito na transcrição naqueles sítios será de ativação ou repressão. Dessa maneira, os produtos dos genes seletores homeóticos combinam-se a outras proteínas de regulação gênica e modulam suas ações de maneira a dar a cada parassegmento os seus aspectos ca- racterísticos. Os genes seletores homeóticos são expressos sequencialmente de acordo com a sua ordem no complexo Hox Para entender como o complexo Hox fornece valores posicionais às células, também preci- samos considerar como a expressão dos próprios genes Hox é regulada. As sequências codi- ficantes dos oito genes seletores homeóticos nos complexos Antennapedia e Bithorax es tão distribuídas em meio a uma quantidade muito maior – um total de aproximadamente 650 mil pares de nucleotídeos – de DNA regulador. Este DNA inclui sítios de ligação aos produtos dos genes de polaridade do ovo e dos genes de segmentação. O DNA regulador no complexo Hox atua como um intérprete dos múltiplos itens de informações posicionais fornecidos por todas estas proteínas de regulação gênica. Em resposta, é transcrito um conjunto parti cular de genes seletores homeóticos, apropriado para aquela localização. No padrão de controle existe uma notável regularidade. A sequência na qual os genes estão ordenados ao longo do cromossomo, em ambos os complexos Antennapedia e Bitho- rax, corresponde quase exatamente à ordem na qual eles são expressos ao longo do eixo do corpo (Figura 22-44). Isso sugere que os genes são ativados em série por algum processo graduado – em duração ou em intensidade – ao longo do eixo do corpo e cuja ação se espa- lha gradualmente ao longo do cromossomo. De modo geral, o mais “pos terior” dos genes expressos em uma célula é o que domina, direcionando para uma diminuição da expressão dos genes “anteriores” previamente ativados e ditando a característi ca do segmento. Os me- canismos de regulação gênica subjacentes a esses fenômenos ain da não são compreendidos, mas as suas consequências são profundas. Veremos que a organização serial da expressão gênica no complexo Hox é uma característica fundamen tal que tem sido altamente conser- vada no curso da evolução. Figura 22-43 O efeito da deleção da maio ria dos genes do complexo Bi- thorax. (A) Uma larva normal de Drosophila mostrada sob iluminação em campo escuro; (B) a larva mutan te com grande parte do complexo Bithorax deletada. No mutante, todos os parassegmentos posteriores a P5 têm a aparência de P5. (De G. Struhl, Nature 293:36-41, 1981. Com permissão de Macmillan Publishers Ltd.) (A) (B) 100 �m Dfd Scr Deformed Sex combs reduced Antennapedia P2 Ultrabithorax Abdominal A Abdominal B Antp Ubx AbdA AbdB Cromossomo 3 Complexo Antennapedia Complexo Bithorax Labial Proboscipedia Pb Lab Lab Dfd Scr Antp Ubx AbdA AbdB Figura 22-44 Os padrões de expressão comparados às localizações cromossô- micas dos genes do complexo Hox. O diagrama mostra a se quência dos genes em cada uma das duas subdivisões dos com plexos cromossômicos. Esta sequência corresponde, com poucas ex- ceções, à sequência espacial na qual os genes são expressos, conforme mostra- do na fotografia de um embrião no es- tágio de banda germinativa estendida, cerca de cinco horas após a fertilização. O embrião foi corado por hibridização in situ com diferentes sondas marcadas com cores distintas para detectar os produtos de mRNAs de diferentes ge- nes Hox. (Fotografia cortesia de William McGinnis, adaptada de D. Kosman et al., Science 305:846, 2004. Com permissão de AAAS.) Alberts_22.indd 1343Alberts_22.indd 1343 29.07.09 16:49:2529.07.09 16:49:25 1344 Alberts, Johnson, Lewis, Raff, Roberts & Walter Existem centenas de outros genes contendo homeobox no genoma da mosca – e de ou- tras espécies animais – mas a maioria está dispersa e não agrupada em complexos como o complexo Hox. Eles desempenham muitas funções diferentes na regulação gênica, mas uma proporção substancial apresenta funções afins às dos genes Hox: eles controlam as varia ções de um tema básico do desenvolvimento. As diferentes classes de neurônios, por exemplo, diferenciam-se frequentemente umas das outras pela expressão de genes específicos dessa grande superfamília. O complexo Hox carrega um registro permanente das informações posicionais O padrão espacial de expressão dos genes no complexo Hox é formado por sinais que atuam no início do desenvolvimento, mas as consequências são duradouras. Embora o padrão de expressão sofra ajustes complexos enquanto o desenvolvimento progride, o complexo Hox se comporta, em cada célula, como um registro permanente da posição ântero- posterior que a célula ocupou no embrião inicial. Assim, as células de cada segmento estão equipadas com uma memória de longa duração da sua localização ao longo do eixo ântero-posterior do corpo – em outras palavras, com um valor posicional ântero-posterior. Como veremos na próxima seção, esta memória impressa no complexo Hox controla a identi dade específica dos segmentos não somente nos segmentos larvais, mas também nas estruturas da mosca adulta, que são geradas em um estágio muito mais tardio em relação aos discos imaginais larvais e a outros abrigos de células imaginais precursoras na larva. O mecanismo molecular da memória celular para esta informação posicional conta com dois tipos de informações reguladoras. Uma é originada dos próprios genes seletores home óticos: muitas das proteínas Hox autoativam a transcrição de seus próprios genes. Ou- tra informação crucial é originada em dois grandes conjuntos complementares de proteínas que controlam a estrutura da cromatina, chamados de grupo Polycomb e grupo Trithorax. Se estes reguladores estão defeituosos, o padrão de expressão dos genes seletores homeóti- cos é, no primeiro mo mento, formado de maneira correta, mas não é corretamente mantido conforme o embrião se desenvolve. Os dois conjuntos de reguladores atuam de maneiras opostas. As proteínas do grupo Trithorax são necessárias para manter a transcrição dos genes Hox nas células em que a transcrição já foi ativada. Em contraste, as proteínas do grupo Polycomb formam comple- xos estáveis que se ligam à cromatina do complexo Hox e mantêm o estado reprimido nas células em que os genes Hox não foram ativados no seu momento crítico (Figura 22-45). A memó ria do desenvolvimento envolve modificações covalentes específicas nas histonas dos nucleossomos nas adjacências dos genes Hox, induzindo a uma mudança de estado da cromatina que pode ser perpetuada de uma geração de células para a próxima, conforme discutido nos Capítulos 4 e 7. O eixo ântero-posterior é controlado pelos genes seletores Hox também nos vertebrados Os homólogos dos genes seletores homeóticos de Drosophila são encontrados em quase todas as espécies animais estudadas, dos cnidários (hidras) e nematoides até os moluscos e mamíferos. Notavelmente, esses genes frequentemente são agrupados em complexos semelhantes ao complexo Hox de insetos. No camun dongo, existem quatro desses com- plexos – chamados de complexos HoxA, HoxB, HoxC e HoxD – cada um em um cromos- somo diferente. Os genes indivi duais em cada complexo podem ser reconhecidos pe las suas sequências correspondentes de membros específicos do conjunto de genes de Dro- sophila. Na realidade, os genes Hox de mamíferos podem funcionar na Droso phila como substitutos parciais dos genes Hox correspondentes de Drosophila. Parece que cada um dos quatro complexos Hox de mamíferos é, grosseiramente falando, o equivalente a um complexo completo de inse tos (ou seja, o complexo Antennapedia mais o complexo Bitho- rax) (Figura 22-46). A ordenação dos genes dentro de cada complexo Hox dos vertebrados é essencialmente a mesma do com plexo Hox de insetos, sugerindo que todos os quatro complexos dos verte- brados se originaram por dupli cações de um único complexo primordial e que pre servaram Alberts_22.indd 1344Alberts_22.indd 1344 29.07.09 16:49:2729.07.09 16:49:27 Biologia Molecular da Célula 1345 sua organização básica. Mais surpreenden temente, quando os padrões de expressão dos ge- nes Hox são examinados no embrião de vertebrados por hibridização in situ, percebe-se que os membros de cada complexo são expressos em uma série cabeça -cauda ao longo do eixo do corpo, assim como em Droso phila (Figura 22-47). O padrão é mais claramente observa- do no tubo neural, mas também é visível em outros tecidos, especialmente na mesoder me. Com exceções menores, essa ordenação anatômica corresponde à ordenação cromos sômica dos genes em cada complexo, e os genes correspondentes nos quatro diferentes complexos Hox possuem domínios ântero-posteriores de expressão quase idênticos. Os domínios de expressão gênica definem um sistema detalhado de correspondên- cias entre as regiões do corpo dos insetos e as regiões do corpo dos vertebrados (ver Figura 22-46). Os parassegmentos da mosca correspondem a uma série de segmentos semelhan- temente marcados na porção anterior do embrião de vertebrado. Estes segmentos estão mais claramente demarcados no cérebro posterior (ver Figuras 22-46 e 22-47), onde são chamados de rombômeros. Nos tecidos laterais ao cérebro posterior, a segmentação é vis- ta em uma série de arcos branquiais, proeminentes em todos os embriões de vertebrados – os precursores dos sistemas de brânquias em peixes e dos maxilares e das estruturas do pescoço em mamíferos; cada par de rombômeros no cérebro posterior corresponde a um arco branquial. No cérebro posterior, como na Drosophila, os limites dos domínios de expressão de muitos dos genes Hox estão alinhados com os limites dos segmentos ana- tômicos. Os produtos dos genes Hox de mamíferos parecem especificar valores posicionais que controlam o padrão ântero-posterior de partes do cérebro posterior, do pescoço e do tron- co (assim como outras partes do corpo). Assim como em Drosophila, quando um gene Hox posterior é artificialmente expresso em uma região anterior, ele faz com que o tecido an- terior apresente características do tecido posterior. No entanto, a perda de um gene Hox posterior permite que o tecido posterior, onde ele normalmente seria expresso, adote uma característica anterior (Figura 22-48). As transformações observadas nos mutantes Hox de camundon gos frequentemente são incompletas, talvez devido à redundância entre os genes nos qua tro agrupamentos de genes Hox. Contudo, parece claro que a mosca e o ca- mundongo usam essencialmente a mesma maquinaria molecular para originar caracterís- ticas individuais para as regiões sucessivas ao longo de pelo menos uma parte do seu eixo ântero-posterior. Figura 22-45 A ação dos genes do grupo Polycomb. (A) Fotografia de um embrião mu tante defeituoso para o gene Extra sex combs (Esc) e derivado de uma mãe que também não apre sentava este gene. O gene pertence ao grupo Polycomb. Essencialmente todos os seg- mentos foram transformados asseme- lhando-se ao seg mento abdominal mais posterior (compare com a Figura 22-43). No mutante, o padrão de ex pressão dos genes seletores homeóticos, que inicial- mente é bastante normal, torna-se tão ins tável que logo todos os genes estão ativados ao longo do eixo do corpo. (B) O padrão normal de ligação da proteína Polycomb aos cromosso mos gigantes da Drosophila, visualizado com um anticorpo contra Polycomb. A proteína está liga da ao complexo Antennapedia (ANT-C), ao com plexo Bithorax (BX-C) e a cerca de 60 outros locais. (A, de G. Struhl, Nature 293:36-41, 1981. Com permissão de Macmillan Publishers Ltd.; B, cortesia de B. Zink e R. Paro, Trends Genet. 6:416-421, 1990. Com permissão de Else vier.) 100 �m (A) (B) ANT-C BX-C Alberts_22.indd 1345Alberts_22.indd 1345 29.07.09 16:49:2729.07.09 16:49:27 1346 Alberts, Johnson, Lewis, Raff, Roberts & Walter Figura 22-46 O complexo Hox de um in- seto e os complexos Hox de um mamífe ro comparados e relacionados às regiões do corpo. Os genes dos complexos Antenna- pedia e Bithorax de Drosophila são mostra- dos em sua ordem cromossômica na linha de cima; os genes correspondentes dos quatro complexos Hox de mamíferos estão mostrados abaixo, tam bém na sua ordem cromossômica. Os domínios de expressão gênica na mosca e no mamífero estão in- dicados em uma forma simplificada pe las cores nos desenhos dos animais acima e abai xo. Entretanto, os detalhes dos padrões depen dem do estágio do desenvolvimento e variam um pouco de um complexo Hox de mamífero para outro. Também, em mui- tos casos, os genes mostrados aqui como expressos em um domí nio anterior tam- bém são expressos mais poste riormente, sobrepondo-se aos domínios dos genes Hox mais posteriores (ver, por exemplo, Figu- ra 22-47). Acredita-se que os complexos tenham evo luído como segue: primeiro, em algum ancestral comum de vermes, moscas e vertebrados, um único gene seletor ho- meótico primordial sofreu duplicações re- petidas para formar uma série destes genes em tandem – o complexo Hox an cestral. Na sublinhagem da Drosophila, este com plexo único dividiu-se nos complexos separa dos Antennapedia e Bithorax. Enquanto isso, na linhagem que originou os mamíferos, todo o com plexo foi duplicado repetidamente para originar os quatro complexos Hox. O paralelismo não é perfeito porque, aparen- temente, alguns genes in dividuais foram duplicados, outros perdidos, e, ainda, outros cooptados para diferentes propó sitos (ge- nes em parênteses na linha de cima) des de que os complexos divergiram. (Com base no diagrama cortesia de William McGinnis.) HoxB2 HoxB4 Vista dorsal Vista dorsalVista lateral Vista lateral Figura 22-47 Domínios de expressão dos genes Hox em um camundongo. As fotografias mostram embriões inteiros exibindo os domínios de expressão de dois genes do complexo HoxB (coloração azul). Estes domínios podem ser revelados por hibridização in situ ou, como nestes exemplos, pela construção de camundongos transgênicos contendo a sequência controladora de um gene Hox acoplado a um gene repórter LacZ, cujo produto é detectado histoquimicamente. Cada gene é expresso em uma longa extensão de tecido com um limite anterior nitidamente definido. Quanto mais inicial for a posição do gene no seu complexo cromossômico, mais anterior será o limite anatômico de sua expressão. As- sim, com poucas exceções, os domínios anatômicos dos sucessivos genes formam um conjunto agrupado, ordenado de acordo com a ordem dos genes no complexo cromossômico (Cortesia de Robb Krumlauf.) Lab Hox1 Hox2 Hox3 Hox4 Hox5 Hox6 (central) Hox7 (posterior) Pb Dfd Scr (Ftz) Antp Ubx AbdA AbdB A1 A2 A3 A4 A5 A7 A9 A10 A11 A13A6 B1 B2 B3 B4 B5 B7 B13B8 B9B6 C4 C5 C8 C9 C10 C11 C12 A13C6 D1 D3 D4 D13D8 D9 D10 D11 D12 Complexo Hox de Drosophila Complexo Hox ancestral Complexo Hox de mamíferos HoxA HoxB HoxC HoxD Cérebro posterior Medula espinal Mesoderme Anterior Posterior Anterior Posterior Bcd, Zen Alberts_22.indd 1346Alberts_22.indd 1346 29.07.09 16:49:2729.07.09 16:49:27 Biologia Molecular da Célula 1347 Resumo A complexidade do corpo do adulto é formada pela repetição modulada de alguns tipos básicos de estrutura. Assim, sobreposto ao padrão de expressão gênica que se repete em cada segmento, exis- te um padrão serial de expressão de genes seletores homeóticos que confere a cada segmento uma identidade diferente. Os genes seletores homeó ticos codificam proteínas de ligação ao DNA da famí- lia dos homeodomínios. Eles estão organizados no genoma da Drosophila em dois agrupamentos, chamados de complexos Antennapedia e Bithorax, considerados como as duas partes de um único complexo Hox primordial que se dividiu durante a evolução da mosca. Em cada complexo, os genes estão arranjados em uma sequência que corresponde a sua sequência de expressão ao longo do eixo do corpo. A expressão gênica de Hox é iniciada no embrião. Ela é mantida, subsequentemente, pela ação de proteínas de ligação ao DNA dos grupos Polycomb e Trithorax, os quais marcam a cromatina do complexo Hox com um registro hereditário do seu estado embrionário de ativação. Os complexos Hox homólogos aos da Drosophila são encon trados em praticamente todos os tipos de animais que têm sido examinados, dos cnidários aos humanos, e parecem desempenhar uma função evolutivamente conservada na formação dos padrões do eixo ântero-posterior do corpo. Os mamíferos possuem quatro complexos Hox, cada um apresentando uma relação semelhante entre o arranjo serial dos genes no cromossomo e seus padrões seriais de expressão ao longo do eixo do corpo. ORGANOGÊNESE E A FORMAÇÃO DOS PADRÕES DOS ÓRGÃOS ACESSÓRIOS Vimos que os segmentos de uma larva de inseto são variações de um mesmo tema básico, com os genes de segmentação definindo o módulo repetitivo básico, e os genes seletores homeóticos dando a cada segmento a sua característica individual. O mesmo aplica-se aos principais órgãos acessórios do corpo do inseto adulto – pernas, asas, antenas, estruturas da boca e genitália externa: eles também são variações de um tema básico comum. Em um nível mais refinado de detalhes, encontraremos a mesma maravilhosa simplificação: os ór gãos acessórios – e muitas outras partes do corpo – consistem em subestruturas que são elas próprias variações de um pequeno número de temas básicos evolutivamente con- servados. Nesta seção, seguimos o curso do desenvolvimento da Drosophila até o seu final, es- treitando o foco em cada etapa para examinar um exemplo das muitas estruturas relacio- nadas que estão se desenvolvendo paralelamente. Enquanto avançamos, indicaremos para- lelos com estruturas de vertebrados que se desenvolvem de maneira semelhante, usando Figura 22-48 Controle da formação do padrão ântero-posterior pelos genes Hox no camundongo. (A, B) Um camundongo normal possui cerca de 65 vértebras, diferindo em suas estruturas de acordo com a sua posição ao longo do eixo do corpo: 7 cervicais (pescoço), 13 torácicas (com costelas), 6 lombares (marcadas pelos asteriscos amarelos em [B]), 4 sacrais (marcadas pelos asteriscos vermelhos em [B]), e cerca de 35 cau- dais (cauda). (A) mostra a visão lateral; (B) mostra a visão dorsal; para maior clareza, as costelas foram removidas em cada figura. (C) O gene HoxA10 nor- malmente é expresso na região lombar (junto com seus parálogos HoxC10 e HoxD10); aqui ele foi expresso artificial- mente no tecido vertebral em desen- volvimento ao longo do eixo do corpo. Como resultado, as vértebras cervicais e torácicas foram todas convertidas a um caráter lombar. (D) Ao contrário, quando HoxA10 é suprimido, assim como HoxC10 e HoxD10, as vértebras que normalmente teriam caráter lom- bar e sacral apresentam caráter torácico. (A e C, de M. Carapuço et al., Genes Dev. 19:2116-2121, 2005. Com permissão de Cold Spring Harbor Laboratory Press; B e D, de D. M. Wellik e M. R. Capecchi, Science 301:363-367, 2003. Com permis- são de AAAS.) (A) (B) (C) (D) 13a costela 13a costela Lombar Sacral Alberts_22.indd 1347Alberts_22.indd 1347 29.07.09 16:49:2829.07.09 16:49:28 1348 Alberts, Johnson, Lewis, Raff, Roberts & Walter não somente as mesmas estratégias gerais, mas muitos dos mesmos mecanismos molecu- lares específicos. Para evitar a interrupção da narrativa mais tarde, precisamos primeiro ex- plicar brevemente alguns métodos experimentais fundamentais, necessários para enfrentar um problema especial que surge quando tentamos descobrir como os genes controlam os es tágios mais tardios do desenvolvimento. As mutações somáticas condicionais e induzidas tornam possível analisar funções gênicas tardias no desenvolvimento Como anteriormente enfatizado, o mesmo gene pode ser usado repetidamente em muitas situações distintas – em diferentes regiões do corpo e em diferentes momentos. Com fre- quência, as mutações de perda de função alteram o desenvolvimento tão seriamente que o embrião ou a larva morre, privando-nos da oportunidade de observar como a mutação afetaria os pro cessos seguintes. Uma maneira de contornar esse problema é estudar as mutações condicionais. Se ti- vermos, por exemplo, uma mutação sensível à temperatura no gene de interesse, podemos manter o animal durante o desenvolvimento inicial em uma temperatura baixa, em que o produto gênico funciona normalmente, e, então, desabilitar o produto gênico quando dese- jado, pela elevação da temperatura, a fim de descobrir as funções mais tardias. Outros métodos envolvem a modificação do DNA em subconjuntos de células em está- gios mais tardios de desenvolvimento – um tipo de cirurgia genética de células individuais que permite que os grupos mutantes de células de um genótipo específico sejam gerados em um determinado momento do desenvolvimento. Este notável feito pode ser obtido por re- combinação somática induzida, e o organismo resultante é chamado de mosaico genético. Por meio dos mosaicos genéticos, podemos não apenas contornar o problema da letalidade quando a função de um gene é perturbada no organismo como um todo, mas também po- demos explorar as funções do gene na comunicação célula-célula, pela justaposição de cé- lulas mutantes e não-mutantes. Podemos testar, por exemplo, se a célula utiliza seu próprio produto gênico para a sinalização a células vizinhas, ou se ela recebe sinais destas outras células, ou nenhuma dessas alternativas. E, pela indução de alterações genéticas em mo- mentos diferentes, podemos determinar precisamente quando um gene atua para produzir um efeito particular. Uma versão corrente desta técnica para indução de recombinação somática utiliza mos- cas transgênicas que tenham sido desenvolvidas para conter dois tipos de elementos gené- ticos derivados de leveduras: o gene FLP recombinase sítio-específico e a sequência-alvo FLP recombinase (FRT, FLP recombinase target). Tipicamente, o animal é homozigoto para uma inserção da sequência FRT próxima ao centrômero em um braço do cromossomo es- colhido, enquanto uma construção consistindo no gene Flp sob o controle de um promotor de choque térmi co é inserida em algum outro lugar do genoma. Se este embrião, ou larva transgênica, é submetido a um choque térmico (ou seja, exposto à alta temperatura por al- guns minutos), a expressão de Flp é induzida, e esta enzima catalisa permutações e recom- binações entre os cromossomos maternos e paternos no sítio FRT. Se o choque térmico é ajustado para ser suficientemente suave, este evento ocorrerá em somente uma ou poucas células, distribuídas ao acaso. Como explicado na Figura 22-49, se o animal também é hete- rozigoto para o gene de interesse em uma região cromossômica permutada, o processo pode resultar em um par de células-filhas que são homozigotas; uma recebendo duas cópias do alelo materno do gene, a outra recebendo duas cópias do alelo paterno. Cada uma dessas células-filhas irá normalmente crescer e dividir-se para dar origem a pequenas regiões clo- nais de progênie homozigota. A ocorrência de permutação pode ser detectada se o animal é escolhido para ser tam- bém heterozigoto para uma mutação em um gene marcador que esteja no mesmo braço do cromossomo do gene de interesse e, dessa forma, sofre permutação juntamente a ele. As- sim, os clones de células mutantes homozigotas claramente identificados podem ser criados conforme a necessidade. Tanto FLP como FRT, ou os pares de elementos de recombinação análogos Cre e Lox, podem ser usados tam bém em outras configurações para ativar ou ina- tivar a expressão de um gene (ver Figura 5-79). Com estas técnicas, pode-se descobrir o que acontece, por exemplo, quando as células são induzidas a produzir uma molécula-sinal par- ticular em um local anormal, ou quando são privadas de um receptor particular. Em vez de usar um promotor de choque térmico para direcionar a expressão da FLP re combinase, pode-se usar uma cópia da sequência reguladora de um gene no genoma Alberts_22.indd 1348Alberts_22.indd 1348 29.07.09 16:49:2929.07.09 16:49:29 Biologia Molecular da Célula 1349 normal da mosca que seja expresso em algum momento e local interessantes. O evento de recombinação será então desencadeado, e as células mutantes serão criadas somente nos locais onde aquele gene normalmente é expresso. Uma variante dessa técnica usa empres- tada a maquinaria de regulação transcricional da levedura, em vez da maquinaria de re- combinação genética, para ativar ou inativar de maneira reversível um gene determinado da mosca, de acordo com o padrão normal de expressão de algum outro gene escolhido da mosca (Figura 22-50). Assim, pela ativação ou inativação de funções gênicas em momentos e em locais espe- cíficos, os biólogos do desenvolvimento podem começar a decifrar o sistema de sinais espe- cificados geneticamente e as respostas que controlam a formação dos padrões de qualquer órgão do corpo. As partes do corpo da mosca adulta desenvolvem-se a partir dos discos imaginais As estruturas externas da mosca adulta são formadas em grande parte de rudimentos cha- mados de discos imaginais – grupos de células que são deixadas de lado, aparentemente indiferenciadas, em cada segmento da larva. Os discos são bolsas de epitélio, de forma se- melhante a balões enrugados e achatados, e contíguas à epiderme (a camada superficial) da larva. Existem 19 discos, arranjados como nove pares em cada lado da larva mais um disco na linha média (Figura 22-51). Eles crescem e desenvolvem seu padrão interno enquanto a larva cresce, até que, finalmente, na metamorfose, viram pelo avesso (colocam a porção interna no lado exterior), estendem-se e diferenciam-se abertamente para formar a camada epidérmica do adulto. Os olhos e as antenas desenvolvem-se a partir de um par de discos, as asas e parte do tórax a partir de outro, o primeiro par de patas de outro, e assim por diante. Figura 22-49 Criação de células mu- tantes pela recombinação somática induzida. Os diagramas seguem a destinação de um único par de cromos- somos homólogos, um do pai (som- breado), o outro da mãe (não-sombrea- do). Estes cromossomos possuem um elemento Frt (ver de) inserido próximo aos seus centrômeros e contêm um lócus para o gene de interesse – gene X – mais adiante ao longo do mesmo braço do cromossomo. O cromossomo paterno (neste exemplo) carrega o alelo selvagem do gene X (retângulo delimitado em vermelho), enquanto o cromossomo materno carrega um alelo mu tante recessivo (retângulo vermelho). A recom binação pela troca de DNA en- tre os cromosso mos materno e paterno, catalisada pela FLP recom binase, pode dar origem a um par de células–filhas, uma contendo duas cópias do tipo selvagem do gene X, a outra contendo duas cópias mutantes. Para auxiliar a identificação das células onde a re- combinação ocorreu, os cromossomos mater no e paterno podem ser escolhi- dos para portar diferentes marcadores genéticos (não-mostrado), capazes de gerar um produto visível, e posiciona- dos no cromossomo de maneira que a recombinação envolvendo o lócus mar- cador – resultando em uma alteração visível na aparên cia das células – possa ser considerada como um sinal seguro de que o gene X também sofreu recom- binação. REPLICAÇÃO CROMOSSÔMICA FLP CATALISA A PERMUTAÇÃO MITÓTICA E A RECOMBINAÇÃO A CÉLULA SE DIVIDE Célula homozigota para o gene mutante X Célula homozigota para o gene normal X A proliferação clonal gera regiões homozigotas na asa UM SINAL INDUTOR ATIVA O PROMOTOR DO GENE Flp mRNA Gene Flp FLP recombinase Célula da mosca heterozigota para o gene mutante X e homozigota para Frt (alvo da FLP recombinase) Cromossomo materno Cromossomo paterno Gene mutante X Frt Alberts_22.indd 1349Alberts_22.indd 1349 29.07.09 16:49:2929.07.09 16:49:29 1350 Alberts, Johnson, Lewis, Raff, Roberts & Walter Figura 22-50 A técnica Gal4/Uas para o controle da expressão gênica alterada em Drosophila. O método permite que se possa direcionar a expressão de um gene G escolhido nos locais e nos momentos onde um outro gene H de Drosophila normal- mente é expresso. (A) Um animal transgênico é criado com duas construções separadas inseridas no seu genoma. Um inserto consiste em uma sequência reguladora específica de leveduras, chamada de elemento Uas (de upstream activating sequence), acoplada a uma cópia da sequência codificante do gene G. O outro inserto contém a sequência codificante do gene de levedura Gal4, cujo produto é uma proteína de regulação gênica específica de levedura que se liga ao elemento Uas; este inserto Gal4 é colocado próximo à região reguladora do gene H e é controlado por ela. Onde quer que o gene H seja expresso normalmente, a proteína Gal4 também é produzida e induz a transcrição do gene G. (B) Embora se possa alcançar o mesmo resultado pela ligação de uma cópia da sequência reguladora H diretamente na sequência codificante G, a metodologia de Gal4/Uas possibilita uma estratégia que é mais eficiente em um plano maior. Duas “bibliotecas” separadas de moscas transgênicas são construídas; uma contendo insertos Gal4 controlados por uma variedade de sequências reguladoras de diferentes genes A, B, C, etc., a ou- tra contendo insertos Uas controlando uma variedade de sequências codificantes X, Y, Z, etc. Pelo cruzamento das moscas de uma biblioteca com moscas da outra, qualquer sequência codificante desejada pode ser funcionalmente acoplada a qualquer sequência reguladora desejada. Para gerar a biblioteca de moscas com inserções Gal4 em locais úteis, as moscas são primeira- mente produzidas com inserções Gal4 em localizações aleatórias do seu genoma. Estas moscas são então cruzadas com moscas contendo um elemento Uas ligado a um gene repórter com um produto facilmente detectável. A expressão do gene repórter re- vela se Gal4 foi inserido em um local que torna a sua expressão controlada por um estimulador interes sante; as moscas mostran- do padrões repórter interessantes são mantidas e estudadas. Esta técnica é chamada de técnica de armadilha de estimuladores, pois fornece uma maneira de caçar e caracterizar sequências reguladoras interessantes no genoma. Gal4 Gal4 Gal4 gene XUas gene YUas gene ZUas X (B)(A) Qualquer combinação escolhida das sequências reguladoras (A, B, C, etc.) com as sequências codificantes (X, Y, Z, etc.) Gene Gal4 Gene G Proteína G Sinais que ativam a expressão normal do gene H Sequência reguladora do gene H Expressão de Gal4 Expressão do gene G Proteína Gal4 Elemento Uas A B C Lábio Clypeo- labrum Pró-tórax dorsal Olho + antena Pata Asa + tórax dorsal Haltere Genitais Figura 22-51 Os discos imaginais na larva de Drosophila e as estruturas do adulto que eles originam. (Segundo J. W. Fris trom et al., in Problems in Biol- ogy: RNA in Deve lopment [E. W. Hanley, ed.], p. 382. Salt Lake City: University of Utah Press, 1969.) Alberts_22.indd 1350Alberts_22.indd 1350 29.07.09 16:49:2929.07.09 16:49:29 Biologia Molecular da Célula 1351 Os genes seletores homeóticos são essenciais para a memória da informação posicional nas células dos discos imaginais As células de um disco imaginal se parecem com qualquer outra, mas os experimentos de transplantes mostram que elas são de fato já determinadas regionalmente e não são equi- valentes. Se um disco imaginal é transplantado na posição de outro na larva, e a larva desen- volve-se até a metamorfose, o disco enxertado diferencia-se autonomamente em uma estru- tura apropriada para a sua posição original: um disco de asa origina estruturas da asa, um disco de halteres, estruturas de halteres, independentemente do seu novo local. Isso mostra que as células dos discos imaginais são controladas pela memória da sua posição original. Por um procedimento de transplante serial mais complexo, que deixa as células do disco imaginal proliferarem por um período mais extenso antes da diferenciação, pode-se mos trar que esta memória celular é estavelmente herdada (com raros lapsos) por um número inde- finidamente grande de gerações celulares. Os genes seletores homeóticos são componentes essenciais do mecanismo de memó- ria. Se, em qualquer estágio do longo período que leva à diferenciação na metamorfose, ambas as cópias de um gene seletor homeótico forem eliminadas pela recombi nação so- mática induzida, a partir de um clone de células do disco imaginal que normalmente iriam expressar aquele gene, aquelas células irão diferenciar-se em estruturas incorretas, como se pertencessem a um segmento diferente do corpo. Essas e outras observações indicam que a memória de informação posicional de cada célula depende de uma atividade continuada dos genes seletores homeóticos. Essa memória, além disso, é expressa em uma forma celular autônoma – cada célula parecendo manter o seu estado individualmente, depen dendo da sua própria história e de seu próprio genoma. Genes reguladores específicos definem as células que formarão um órgão acessório Precisamos agora examinar como um órgão acessório desenvolve o seu padrão interno. To- maremos a asa do inseto como exemplo. O processo começa com os mecanismos iniciais de formação de padrões que já discu- timos. Os sistemas ântero-posterior e dorso-ventral de sinalizações no embrião inicial, em essência, delimitam uma grade ortogonal, no blastoderma, na forma de limites de expres- são gênica segmentares dorso-ventrais e ântero-posteriores, periodicamente espaçados. Em certos pontos da interseção desses limites, a combinação de genes expressos é tal que induz um agrupamento de células à via de formação dos discos imaginais. Em termos moleculares, isso corresponde à ativação da expressão dos genes regulado- res definidores dos discos imaginais. Na maioria dos discos, o gene Distal-less é ativado. Ele codifica para uma proteína de regulação gênica que é essencial ao crescimento sustentado necessário para criar um órgão acessório alongado, como uma pata ou uma antena, com um eixo próximo-distal. Na ausência desse gene, tais órgãos acessórios não se formam, e quando ele é expresso artificialmente em locais anormais, podem ser produzidos órgãos acessórios em locais incorretos. O Distal-less é expresso em uma for ma semelhante nos membros em desenvolvimento e em outros órgãos acessórios da maio ria das espécies de invertebrados e de vertebrados que já foram examinadas (Figura 22-52). Para o disco do olho, outro gene, o Figura 22-52 Expressão de Dis tal-less em patas em desenvolvimento e em órgãos acessórios relacionados de vá- rias espécies. (A) Uma larva de ouriço- do-mar. (B) Uma larva de mariposa. (A, de G. Panganiban et al., Proc. Natl. Acad. Sci. U. S. A. 94:5162– 5166, 1997. Com permissão da National Academy of Sciences; B, de G. Panganiban, L. Nagy e S.B. Carrol, Curr. Biol. 4:671-675, 1994. Com permissão de Elsevier.) (B)(A) 0,1 mm 0,1 mm Alberts_22.indd 1351Alberts_22.indd 1351 29.07.09 16:49:2929.07.09 16:49:29 1352 Alberts, Johnson, Lewis, Raff, Roberts & Walter Eyeless (juntamente com dois genes correlatos), desempenha uma função correspondente; ele também possui homólogos com funções homólogas – os genes Pax6 que direcionam o desenvolvimento do olho em ou tras espécies, como discutido no Capítulo 7. O disco da asa de insetos é dividido em compartimentos Desde o princípio, o agrupamento de células formando o disco imaginal apresenta os rudi- mentos de um padrão interno, herdado no início do processo de formação de padrões. Por exem plo, as células na metade posterior do rudimento do disco da asa (e da maioria dos ou- tros rudimentos dos discos imaginais) expressam o gene Engrailed de polaridade segmentar, enquanto aquelas na metade anterior não. As assimetrias iniciais são a base para uma subse- quente formação de padrões mais detalhada, assim como no ovo e no embrião inicial. Os setores do disco da asa definidos pelas diferenças iniciais de expressão gênica corres- pondem a partes específicas da futura asa. A região posterior expressando Engrailed formará a metade posterior da asa, e a região que não expressa Engrailed formará a meta de anterior. Enquanto isso, a parte dorsal do disco da asa expressa um gene chamado de Apterous, en- quanto a metade ventral não. Na metamorfose, o disco dobra-se ao longo da linha que sepa- ra esses domínios para originar uma asa cuja camada dorsal de células é derivada da região que expressa Apterous e cuja camada ventral é derivada da região que não expressa Apterous. A margem da asa, onde estas duas camadas epiteliais estão unidas, corresponde aos limites do domínio de expressão de Apterous no disco (Figura 22-53). As células do disco, tendo ativado a expressão dos genes que as marcam como ante- riores ou posteriores, dorsais ou ventrais, retêm esta especificação enquanto o disco cres ce e se desenvolve. Como as células são sensíveis a essas diferenças e seletivas na sua escolha dos vizinhos, são formados limites nitidamente definidos entre os quatro conjun tos re- sultantes de células, sem mistura nas interfaces. Os quatro quadrantes corresponden tes do disco são chamados de compartimentos, pois não existe troca de células entre eles (Figura 22-54). Figura 22-53 Domínios de expressão gênica no disco imaginal da asa, de- finindo os quadrantes da futura asa. A lâmina da asa deriva-se do domínio oval voltado para a direita e é dividida em quatro quadrantes pela expressão de Apterous e de Engrailed, como mostrado. Expressão de Engrailed Expressão de Apterous Limite ântero- -posterior Quadrantes na futura lâmina da asa Limite dorso-ventral Anterior Posterior Dorsal Ventral Clone (A) Compartimento anterior Compartimento posterior (B) Clone na asa Veia central da asa Asa mostrando os compartimentos anterior e posterior Limite do compartimento Um clone de crescimento rápido respeita os limites entre os compartimentos anterior e posterior 500 �m Figura 22-54 Compartimentos na asa do adulto. (A) As formas dos clones marcados na asa de Drosophila revelam a existência de limites entre os compartimentos. A borda de cada clone mar- cado é reta em suas porções limítrofes. Quando um clone marcado foi geneticamente alterado de modo que crescesse mais rapidamente do que o resto da asa, sendo portanto muito grande, ele respeita o limite entre os compartimentos da mesma maneira (desenho à direita). Note que o limi- te do compartimento não coincide com a veia central da asa. (B) O padrão de expressão do gene Engrailed na asa, revelado pela mesma técnica usada na mosca adulta mos trada na Figura 22-41. O limite do compartimento coincide com o limite da expressão do gene Engrailed. (A, segundo F. H. C. Crick e P. A. Lawrence, Science 189:340-347, 1975. Com permissão de AAAS; B, cortesia de Chihiro Hama e Tom Kornberg.) Alberts_22.indd 1352Alberts_22.indd 1352 29.07.09 16:49:3029.07.09 16:49:30 Biologia Molecular da Célula 1353 Quatro vias de sinalização da mesma família combinam-se para formar o padrão dos discos da asa: Wingless, Hedgehog, Dpp e Notch Ao longo dos limites dos compartimentos – o limite ântero-posterior definido por Engrai led e o limite dorso-ventral definido por Apterous – células em diferentes estados con frontam-se umas com as outras e interagem para criar bandas estreitas de células espe cializadas. Estas células limítrofes produzem novos sinais para organizar o subsequente crescimento e a for- mação de padrões mais detalhados do órgão acessório. As células no compartimento posterior da asa expressam a proteína de sinalização Hed- gehog, mas não respondem a ela. As células no compartimento anterior podem res ponder a Hedgehog. Uma vez que Hedgehog atua somente a uma curta distância, a via de recepção de sinais é ativada somente na estreita banda de células imediatamente anterior ao limite do compartimento, onde as células anteriores e posteriores estão justapostas. Estas células limítrofes respondem com a ativação da expressão de outra molécula sinalizadora, Dpp – a mesma proteína que encontramos previamente, na formação de padrões dorso-ventrais no embrião inicial (Figura 22-55). A Dpp atua no seu novo contexto em grande parte da mesma maneira que antes: ela difunde os seus efeitos para o exterior a partir das células limítrofes (por difusão, via citonemas, ou por meio de transferência célula-célula por exocitose e en- doxitose), produzindo um gradiente de morfógenos para controlar o subsequente padrão detalhado de crescimento e de expressão gênica. Ocorrem eventos análogos no limite do compartimento dorso-ventral (ver Figura 22-55). Aqui, na futura margem da asa, uma comunicação de curta distância mediada pela via de Notch cria uma banda de células limítrofes que produzem outro morfógeno, a proteína Win- gless – o mesmo fator de sinalização, pertencendo à família Wnt, que atuou inicial mente na formação do padrão ântero-posterior de cada segmento embrionário. Os gradi entes de Dpp e de Wingless, juntamente com os outros sinais e assimetrias de expressão gênica que discutimos, combinam-se para conduzir a expressão de outros genes em localizações preci- samente definidas dentro de cada compartimento. O tamanho de cada compartimento é regulado por interações entre as suas células Um dos mais misteriosos e pouco conhecidos aspectos do desenvolvimento animal é o con- trole do seu crescimento: por que cada parte do corpo cresce em um tamanho precisamen- Figura 22-55 Sinais morfogenéticos cria dos nos limites dos comparti- mentos no disco imaginal da asa. (A) Criação da região de sinalização Dpp no limite do compartimento ântero- -posterior por meio de uma interação mediada por Hedgehog entre as células anterio res e posteriores. De maneira análoga, uma inte ração mediada por Notch entre as células dor sais e ventrais cria uma região de sinalização Wingless (Wnt) ao longo do limite dorso-ven tral. (B) Os padrões de expressão observados de Dpp e de Wingless. Embora pareça claro que Dpp e Wingless atuem como morfógenos, ainda não está claro como eles se espalham a partir da sua fonte. Além disso, as célu las no disco imaginal são vistas emitindo longos citonemas, que podem lhes possibilitar a detecção de sinais a distância. Assim, a célula receptora pode enviar seus sensores para a fonte do sinal, em vez de o sinal mover-se para a célula receptora. (B, fo- tografias cortesia de Sean Carrol e Scott Weatherbee, de S. J. Day e P. A. Law- rence, Development 127:2977– 2987, 2000. Com permissão de The Company of Biologists.) Dpp Wingless (B) Dpp Compartimento anterior (A) Compartimento posterior A expressão de Engrailed define o compartimento posterior A Hedgehog no compartimento posterior envia sinais de curto alcance para as células no compartimento anterior Células anteriores no limite entre os compartimentos expressam Dpp, um sinalizador de longo alcance 100 �m Alberts_22.indd 1353Alberts_22.indd 1353 29.07.09 16:49:3029.07.09 16:49:30 1354 Alberts, Johnson, Lewis, Raff, Roberts & Walter te definido? Esse problema é exemplificado de maneira marcante pelos discos imaginais de Drosophila. Por recombinação somática induzida, pode-se, por exemplo, criar um peque- no conjunto clonal de células que proliferam mais rapidamente do que as demais células no órgão em desenvolvimento. O clone pode crescer e ocupar quase a totalidade do com- partimento no qual ele está e, ainda assim, não ultrapassa o limite do comparti mento. Es- pantosamente, o seu crescimento rápido não apresenta quase nenhum efeito no tamanho final do compartimento, em sua forma ou mesmo nos detalhes do seu padrão interno (ver Figura 22-54). De alguma maneira, as células dentro do compartimento inte ragem umas com as outras determinando quando o seu crescimento deve parar, e cada com partimento comporta-se como uma unidade reguladora neste aspecto. Uma primeira questão é se o tamanho do compartimento é regulado de maneira a con- ter um número determinado de células. Mutações nos componentes da maquinaria de con- trole do ciclo celular podem ser usadas para acelerar ou retardar a taxa de divisão celular, sem alterar a taxa de crescimento celular ou tecidual. Isso resulta em números anormais de pequenas células, ou o contrário, mas o tamanho – ou seja, a área – do com partimento prati- camente não é alterado. Assim, o mecanismo regulador parece depender de sinais que indi- cam a distância física entre uma parte do compartimento e a outra, e das respostas celulares que, de alguma forma, leem esses sinais de maneira a interromper o crescimento somente quando o espaçamento entre estas partes atingiu seu valor apropriado. Este tipo de regulação do crescimento é demonstrado de forma notável na regeneração intercalar que ocorre quando partes separadas de um disco imaginal de Drosophila ou de uma pata em crescimento de barata são cirurgicamente enxertadas jun tas. Após o enxerto, as células na vizinhança da junção proliferam e completam as partes do padrão que deve- riam normalmente ficar entre elas, continuando o seu crescimento até que seja restaurado o espaçamento normal entre os pontos de referência (Figura 22-56). Os mecanismos que realizam isso permanecem um mistério, mas parece provável que sejam seme lhantes aos mecanismos que regulam o crescimento durante o desenvolvimento normal. Qual mecanismo garante que cada pequeno pedaço do padrão dentro de um compar- timento cresça até o seu tamanho apropriado, apesar dos distúrbios locais na taxa de cres- cimento ou das condições iniciais? Os gradientes de morfógenos (de Dpp e Wingless, p. ex.) criam um padrão pela impo sição de características diferentes nas células em diferentes po- sições. Seria possível que as células em cada região possam, de alguma maneira, perceber o quão próximo está o espa çamento do padrão – o quão acentuado é o gradiente de alterações nas características da célula – e continuem o seu crescimento até que o tecido esteja espa- lhado até seu grau correto? Essa ideia foi testada com a criação de clones de células do disco imaginal da asa em que os componentes subsequentes da via de sinalização Dpp estão expressos de maneira alterada, de forma a induzir um nível de ativação maior ou menor que o observado nas célu- las adjacentes. Do ponto de vista das células, as condições nos limites do clone mutante são equivalentes àquelas produzidas por um gradiente bastante acentuado de Dpp. O resultado é que as células nestas adjacências são estimuladas a se dividir em taxas aumentadas. Ao contrário, se o nível de sinalização de Dpp for tornado uniforme em uma região mediana do disco da asa em desenvolvimento, onde ele normalmente seria bastante acentuado, as divisões celulares são inibidas. Isso parece indicar que o gradiente do morfógeno realmente controla a taxa de proliferação. Contudo, se isso for verdadeiro, como as células percebem este gradiente? A resposta não é conhecida, mas existem fortes evidências de que este mecanismo de- pende de sinais gerados nas junções célula-célula, onde células com diferentes graus de ati- vação da via do morfógeno fazem contato. Como discutido no Capítulo 19, mutações nos componentes juncionais, como as proteínas estruturais Discs-large (Dlg), ou no membro da 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 1 2 3 8 9 10 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 Intercalação Figura 22-56 Regeneração interca- lar. Quando porções não-correspon- dentes de uma pata em crescimento de barata são enxertadas jun tas, um novo tecido (verde) é intercalado (por prolife- ração celular) para preencher a lacuna entre os padrões das estruturas da pata, restaurando o seg mento da pata a seu tamanho e padrão normais. Alberts_22.indd 1354Alberts_22.indd 1354 29.07.09 16:49:3029.07.09 16:49:30 Biologia Molecular da Célula 1355 superfamília das caderinas, Fat, podem levar a falhas dramáticas no controle do crescimen- to, permitindo que o disco da asa cresça muito além do seu tamanho normal apropriado. No caso da proteína Fat, um conjunto de outras moléculas, incluindo proteínas-cinase chama- das de Hippo e Warts, foi identificado como componente da via de sinalização que liga Fat na membrana celular, até o controle da expressão gênica, no núcleo. Os produtos dos genes- -alvo incluem a ciclina E, reguladora do ciclo celular, e um inibidor da apoptose, assim como o microRNA Bantam, que parece ser parte essencial do mecanismo de controle do cresci- mento. Apesar destes fatos animadores, os mecanismos que controlam o tamanho de um órgão ainda são um mistério. Se pudermos descobrir como eles funcionam em Drosophila, poderemos ter alguma ideia de como ocorre o controle do tamanho dos órgãos em verte- brados, em nossa perplexidade acerca desta questão fundamental é ainda mais profunda. Para outros aspectos do desenvolvimento de órgãos, como discutiremos agora, as moscas e os vertebrados são inesperadamente similares em nível molecular, sugerindo que os seus mecanismos de controle do crescimento também possam ser similares. Os padrões dos membros dos vertebrados são formados por mecanismos similares Os membros dos vertebrados parecem muito diferentes dos membros dos insetos. A asa do inseto, por exemplo, consiste principalmente em duas camadas de epitélio de um pa drão elaborado, com pouco tecido entre elas. Em contraste, um membro de um vertebrado con- siste em um sistema elaboradamente padronizado de músculos, ossos e tecidos conectivos dentro de uma cobertura de epider me fina e estrutura de forma muito mais simples. Além disso, a evidência evolutiva sugere que o último ancestral comum entre os insetos e os verte- brados talvez não apresentasse pernas, nem braços, nem asas e nem nadadeiras, e que estes vários órgãos acessórios evoluíram independentemente no homem. E, ainda, quando exa- minamos os mecanismos moleculares que controlam o desenvolvimento dos membros dos vertebrados, encontramos um número surpreendente de similari dades com os membros dos insetos. Já mencionamos algumas dessas semelhanças, mas existem muitas outras: qua- se todas as moléculas que mencionamos na asa da mosca têm contrapartes nos membros dos vertebrados, embora estes sejam expressos em diferentes relações espaciais. Os paralelismos têm sido mais cuidadosamente estudados no embrião de galinha. Como vimos anteriormente, cada perna ou asa de uma galinha origina-se de um broto de mem bro em forma de língua, consistindo em uma massa de células de tecido conectivo embrio nário, chamadas de células mesenquimais, encapsuladas em um envoltório de epitélio. Nessa es- trutura, encontra-se a expressão de homólogos de quase todos os genes que men cionamos em nossa explicação sobre a formação dos padrões de asa da Drosophila, in cluindo Distal- less, Wingless, Notch, Engrailed, Dpp e Hedgehog, desempenhando principalmente funções que parecem mais ou menos com as suas funções no disco imaginal da asa da Drosophila (Figura 22-57). Os genes Hox, igualmente, fazem um aparecimento nos mem bros de insetos e de verte- brados. No órgão acessório dos insetos, os compartimentos anterior e posterior são distin- guidos pela expres são de diferentes genes do complexo Hox – um resultado do padrão de ANTERIOR POSTERIOR DORSAL VENTRALPROXIMAL DISTAL En1 (homólogo de Engrailed) Wnt7a (homólogo de Wingless) Lmx1 (homólogo de Apterous) Bmp2 (homólogo de Dpp) (B) (A) 500 �m Crista apical ectodérmica, expressa Notch e secreta FGF4 e FGF8 Mesênquima posterior, secreta Sonic hedgehog Figura 22-57 Moléculas que con- trolam a formação de padrões em um broto de membro de um verte- brado. (A) Um broto de asa de um embrião de galinha após quatro dias de incubação. A micrografia eletrônica de varredura mostra uma visão dorsal, com somi tos (os segmentos do tronco do embrião) visí veis à esquerda. Na margem distal do broto do membro, uma crista engrossada pode ser vista – a crista apical ectodérmica. (B) Padrões de ex pressão de proteínas-chave de sinalização e fa tores de regulação gê- nica no broto de membro de galinha. Os padrões estão representados es- quematicamente em dois planos imagi- nários de secção do broto do membro, um (ho rizontal) para mostrar o sistema dorso-ventral e o outro (vertical) para mostrar os sistemas ântero-posterior e próximo-distal. Sonic hed gehog, Bmp2 e Lmx1 são expressos no núcleo meso- dérmico do broto do membro; as outras moléculas no diagrama são expressas na sua co bertura epitelial. Quase todas as moléculas mos tradas possuem ho- mólogos que estão envolvi dos na for- mação dos padrões do disco da asa de Drosophila. (A, cortesia de Paul Martin.) Alberts_22.indd 1355Alberts_22.indd 1355 29.07.09 16:49:3029.07.09 16:49:30 1356 Alberts, Johnson, Lewis, Raff, Roberts & Walter expressão serial desses genes ao longo do eixo ântero-posterior do corpo como um todo. No membro do vertebrado, genes de dois dos complexos Hox de vertebrados (HoxA e HoxD) são ex pressos em um padrão regular, segundo as regras comuns de ex pressão serial dos genes nesses complexos. Eles auxiliam, em con junto com outros fatores, tais como as proteínas Tbx mencionadas anteriormente (ver Figura 22-9), na regulação das diferenças de compor- tamento celular ao longo do eixo próximo-distal do membro. De acordo com uma hipótese, essas semelhanças moleculares entre os membros em desenvolvimento em diferentes filos refletem a descendência de um ancestral comum que, apesar de não ser dotado de membros, possuía órgãos acessórios de algum tipo, produ zidos a partir de princípios semelhantes – antenas, talvez, ou partes protuberantes da boca para apanhar a comida. Os órgãos acessórios semelhantes a membros modernos, das asas e das patas de uma mosca, até os braços e as pernas de um humano, teriam evoluído pela ativação de genes para a formação de órgãos acessórios em novos locais do corpo, como um resulta- do de mudanças na regulação gênica. A expressão localizada de classes específicas de proteínas de regulação gênica prenuncia a diferenciação celular Voltamos agora à linha do desenvolvimento do disco imaginal da Drosophila, e a seguire mos até a sua etapa final, na qual as células se tornam definitivamente diferenciadas. Estreitando o foco ainda mais, tomamos como exemplo a diferenciação de somente um tipo de estrutura pequena que surge no disco imaginal do epitélio: a cerda sensorial. As cerdas que cobrem a superfície do corpo de um inseto são órgãos sensoriais em mi- niaturas. Algumas respondem a estímulos químicos, outras a estímulos mecânicos, mas to- das são construídas de maneira similar. A estrutura é vista em sua maior simplicida de nas cerdas mecanossensoriais. Cada uma dessas cerdas consiste em quatro células: uma célula seta, uma célula soquete, uma célula bainha neuronal e um neurônio (Figura 22-58). O mo- vimento da seta da cerda excita o neurônio, o qual envia um sinal para o sistema nervoso central. As células da cerda da mosca adulta derivam do disco imaginal do epitélio, e todas as quatro células são netas ou bisnetas (ver Figura 22-58) de uma única célula-mãe sensorial que se torna distinta das células epidérmicas prospectivas vizinhas durante o último instar larval (Figura 22-59). (Um quinto descendente morre ou, em alguns tecidos, torna-se uma célula da glia.) Para explicarmos o padrão de diferenciação da cerda, devemos explicar pri- meiro como a gênese das células-mãe sensoriais é controlada e como os cinco descendentes de cada uma dessas células tornam-se diferentes uns dos outros. Dois genes, chamados de Achaete e Scute, são cruciais na iniciação da formação das cer das no disco imaginal do epitélio. Esses genes desempenham funções similares e com- plementares e codificam para proteínas de regulação gênica intimamente relacionadas da classe básica hélice-alça-hélice (discutido no Capítulo 7). Como resultado dos mecanismos Célula soquete Célula-mãe sensorial Célula seta Célula bainha Neurônio Célula morta Cerda mecanossensorial Figura 22-58 A estrutura básica da cerda mecanossensorial. A linhagem das quatro cé lulas da cerda – todas descendentes de uma única célula-mãe sensorial – é mostrada à esquerda. 100 �m Figura 22-59 Células-mãe sensoriais no disco imaginal da asa. As células- -mãe sensoriais (aqui em azul) são facilmente reveladas nesta linhagem especial de Drosophila, a qual contém um gene repórter LacZ artificial que, por acaso, foi inserido no genoma próximo a uma região con troladora que o induz a ser expresso seletiva mente nas célu- las-mãe sensoriais. A coloração púrpura mostra o padrão de expressão do gene Scute; isto prenuncia a produção das células-mãe sen soriais e é enfraquecido ao longo do desen volvimento sucessivo dessas células. (De P. Cu bas et al., Genes Dev. 5:996-1008, 1991. Com permissão de Cold Spring Harbor laboratory Press.) Alberts_22.indd 1356Alberts_22.indd 1356 29.07.09 16:49:3029.07.09 16:49:30 Biologia Molecular da Célula 1357 de for mação dos padrões do disco dos tipos que já discutimos, o Achaete e o Scute são ex- pressos no disco imaginal dentro das regiões em que as cerdas vão se formar. As mutações que eliminam a expressão desses genes em alguns dos locais comuns bloqueiam o desenvol- vimento das cerdas somente naqueles locais, e as mutações que causam a expressão em lo- cais adicionais anormais induzem as cerdas a desenvolverem-se lá. Contudo, a expressão de Achaete e de Scute é transitória, e somente algumas das células que inicialmente ex pressam os genes chegam a se tornar células-mãe sensoriais; as outras se tornam epiderme comum. O estado que é especificado pela expressão de Achaete e de Scute é chamado de pró-neural, e Achaete e Scute são chamados de genes pró-neurais. As células pró -neurais são induzidas a seguir a via neurossensorial da diferenciação, mas, como veremos, quais delas irão real- mente fazê-lo depende de interações competitivas entre elas. A inibição lateral produz a distinção das células-mãe sensoriais nos agrupamentos pró-neurais As células que expressam genes pró-neurais ocorrem em grupos no disco imaginal epite- lial – um pequeno e isolado agrupamento de menos de 30 células para uma grande cerda isolada, e um amplo e contínuo conjunto de centenas ou de milhares de células para um campo de pequenas cerdas. No primeiro caso, somente um membro do agrupamento torna- se uma célula-mãe sensorial; no segundo caso, muitas células distribuídas por toda a região pró-neural o fazem. Em ambos os casos, cada célula-mãe sensorial é circunda da por células que inativam a expressão dos genes pró-neurais e são condenadas a diferenciarem-se como epiderme. Os experimentos com mosaicos genéticos mostram que isso se deve ao fato de que uma célula que se torna comprometida com a via de diferenciação da célula-mãe sensorial envia um sinal para as suas vizinhas não faze rem a mesma coisa: ela exerce uma inibição late- ral. Se uma célula que normalmente se tornaria uma célula-mãe sensorial for geneticamente incapacitada de fazê-lo, uma célula pró-neural adjacente, libertada da inibição lateral, irá se tornar uma célula-mãe sensorial em seu lugar. A inibição lateral é mediada pela via de sinalização de Notch. Todas as células no agru- pamento inicialmente expressam o receptor transmembrana Notch e o seu ligante trans- membrana Delta. Em qualquer lugar que Delta ativar Notch, um sinal inibidor é enviado para a célula que expressa Notch; consequentemente, todas as células no agrupa mento ini- cialmente inibem umas às outras. Entretanto, acredita-se que o recebimento do sinal em uma dada célula diminua não somente a tendência daquela célula de se especializar como uma célula-mãe sensorial, mas também a sua habilidade de resposta por meio da liberação do sinal Delta. Isso cria uma situação competitiva, da qual uma única célula em cada peque- na região – a futura célula-mãe sensorial – emerge como ven cedora, remetendo um forte sinal inibidor para os seus vizinhos imediatos, mas não recebendo nenhum sinal deste tipo em troca (Figura 22-60). As consequências de uma falha desse mecanismo regulador estão mostradas na Figura 22-61. A inibição lateral direciona a progênie da célula-mãe sensorial a diferentes destinações finais O mesmo mecanismo de inibição lateral dependente de Notch opera repetidamente na formação das cerdas – não somente para forçar as vizinhas das células-mãe sensoriais a seguirem uma via diferente e se tornarem epidérmicas, mas também, mais tardiamente, para produzir filhas, netas e finalmente bisnetas da célula-mãe sensorial que expressem diferentes ge nes, de maneira a formar os distintos componentes da cerda. Em cada está- gio, a inibição lateral medeia uma interação competitiva que força células adjacentes a se compor tarem de maneiras contrastantes. Usando uma mutação Notch sensível à tempe- ratura, é possível desativar a sinalização Notch após a célula-mãe sensorial ter se diferen- ciado, mas antes de ela ter se dividido. A progênie então se distingue de maneira similar, originan do um agrupamento de neurônios no lugar dos quatro tipos distintos de células de uma cerda. Como muitas outras competições, aquelas mediadas pela inibição lateral frequen- temente são fraudulentas: uma célula já inicia com uma vantagem que garante que ela será a vencedora. No desenvolvimento dos diferentes tipos celulares das cerdas sensoriais, uma tendência forte inicial é fornecida por uma assimetria em cada uma das divisões celulares da célula-mãe sensorial e de sua progênie. Uma proteína chamada de Numb (juntamente com Alberts_22.indd 1357Alberts_22.indd 1357 29.07.09 16:49:3129.07.09 16:49:31 1358 Alberts, Johnson, Lewis, Raff, Roberts & Walter outras proteínas) torna-se localizada em uma extremidade da célula em divisão, de maneira que uma filha herda a proteína Numb e a outra não (Figura 22-62). Numb bloqueia a ativida- de de Notch. Assim, a célula contendo Numb é imune aos sinais inibidores das suas vizinhas, enquanto a sua irmã permanece sensível. Uma vez que ambas as células inicialmente expres- sam Delta, o ligante de Notch, a célula que herdou Numb progride para tornar-se neural e direciona a sua irmã a um destino não-neural. A polaridade planar das divisões assimétricas é controlada pela sinalização via receptor Frizzled Para o mecanismo de Numb operar, deve haver uma maquinaria na célula em divisão para segregar o determinante para um lado da célula antes da divisão. Além disso, assim que a célula entra em mitose, o fuso mitótico deve estar alinhado com essa assimetria de modo que o determinante seja alocado para somente uma célula-filha, e não compartilhado com ambas as filhas no momento da divisão celular. No caso anterior, a célula-mãe sensorial, na sua primeira divisão, divide-se regularmente para originar uma célula anterior que herda Numb e uma célula posterior que não herda. Conforme discutido no Capítulo 19, este tipo Figura 22-60 Inibição lateral. (A) O meca nismo básico da inibição lateral competitiva mediada por Notch, ilus- trada com somente duas células inte- ragindo. Neste diagrama, a ausência de cor nas proteínas ou nas linhas efetoras indi ca inatividade. (B) O resultado do mesmo pro cesso operando em um conjunto maior de célu las. Inicialmente, todas as células no conjunto são equi- valentes, expressando tanto o receptor transmembrana Notch como o seu ligante transmembrana Delta. Cada célula tem a tendência a se especializar (como uma célula-mãe sensorial), e cada uma emite um sinal inibidor para os seus vizinhos para desencorajá-los a também se es pecializarem nessa via. Isso cria uma situação competitiva. Assim que uma célula individual ga nha alguma vantagem na competição, esta vanta gem se torna aumentada. A célula vencedora, conforme se torna mais comprometida a se dife renciar como uma célula-mãe sensorial, também ini be as suas vizinhas de maneira mais forte. Por outro lado, uma vez que essas vizinhas perdem a sua capacidade de se diferenciarem como células-mãe sensoriais, elas também perdem a capa- cidade de inibir outras células de fazer o mesmo. A inibição late ral, assim, induz as células adjacentes a seguirem desti- nos diferentes. Embora se acredite que a interação normalmente seja depen- dente de con tatos célula-célula, a futura célula-mãe sensorial pode ser capaz de emitir um sinal inibidor para as células que estão a uma distância maior que o diâmetro de uma célula – por exemplo, por meio da emissão de longas protru- sões para alcançá-las. Figura 22-61 O resultado da inativação da inibição lateral durante a di- ferenciação das células-mãe sensoriais. A fotografia mostra uma parte do tórax de uma mosca contendo uma região mutante na qual o gene neurogê- nico Delta foi parcialmente inativado. A redução da inibição lateral indu ziu quase a totalidade das células na porção mutante (no centro da figura) a se desenvolverem como células-mãe sensoriais, produzindo um grande excesso de cerdas sensoriais nesta região. As regiões de células mutantes portando mutações mais extremas na via Notch, causando perda total da inibição lateral, não formam cerdas visíveis, pois toda a progênie das células-mãe sensoriais se desenvolvem como neurônios ou células da glia, em vez de se diversificarem para formar tanto neurônios como as partes externas da estru- tura da cerda. (Cortesia de P. Heitzler e P. Simpson, Cell 64:1083-1093, 1991. Com permissão de Elsevier.) Especialização celular Especialização celular Notch Delta Notch Delta Especialização celular Especialização celular Notch ativo Notch inativo Competição – uma célula vence Cada célula tende a inibir sua vizinha A célula com Delta ativado se especializa e inibe suas vizinhas de se especializarem também(A) (B) 200 �m Alberts_22.indd 1358Alberts_22.indd 1358 29.07.09 16:49:3129.07.09 16:49:31 Biologia Molecular da Célula 1359 de polaridade no plano do epitélio é chamado de polaridade planar (distinta, em contraste, da polaridade ápico-basal, em que a assimetria celular é perpendicular ao plano do epité- lio). Esta polaridade se manifesta na orienta ção das cerdas que uniformemente apontam para trás, dando à mosca a aparência de quem está sempre contra o vento (Figura 22-63). A polaridade planar na divisão inicial da célula-mãe sensorial é controlada por uma via de sinalização similar àquela que controla as divisões assimétricas no nematoide (ver Figura 22-21), dependente do receptor Frizzled. As proteínas Frizzled foram discutidas no Capítulo 15 como receptores para as proteínas Wnt, mas no controle da polaridade planar – nas mos- cas e provavelmente nos vertebrados também – esta via funciona de uma manei ra especial: o mecanismo intracelular de substituição exerce seus efeitos principais no citoesqueleto de actina, e não na expressão gênica. A proteína intracelular Dishevel led, abaixo de Frizzled, é comum nos ramos de regulação gênica e na regulação da actina nas vias de sinalização. Os domínios separados da molécula Dishevelled são responsáveis pelas duas funções (Figura 22-64). Ambas, Frizzled e Dishevelled, obtiveram seus nomes da aparên cia “despenteada” das moscas em que a polaridade das cerdas é desorganizada (ver Figura 19-32). As divisões assimétricas de células-tronco geram neurônios adicionais no sistema nervoso central Os mecanismos que descrevemos para o controle da gênese dos neurônios das cerdas sen- soriais operam também, com variações, na gênese de praticamente todos os outros neu- rônios – não somente em insetos, mas também em outros filos. Assim, no siste ma nervoso embrionário, tanto nas moscas como nos vertebrados, os neurônios são gera dos em regiões de expressão de genes pró-neurais semelhantes a Achaete e a Scute. Os neurônios nascentes expressam Delta e inibem seus vizinhos imediatos, os quais expressam Notch, de se torna- rem comprometidos com a diferencia ção neuronal, ao mesmo tempo. Quando a sinalização por Notch é bloqueada, a inibição falha, e nas regiões pró-neurais os neurônios são gerados em grande excesso, ao custo das células não-neuronais (Figura 22-65). No sistema nervoso central, no entanto, um mecanismo adicional auxilia na geração do grande número de neurônios e células da glia necessário: uma classe especial de células se torna comprometida como precursores neurais, mas ao invés de se diferenciarem direta- mente como neurônios ou células da glia, estas células sofrem uma longa série de divisões assimétricas pela qual uma sucessão de neurônios e células da glia é adicionada à popu- lação. Este mecanismo é melhor compreendido em Drosophila, apesar de haver diversos indicativos de que algo similar ocorra na neurogênese dos vertebrados. No sistema nervoso central embrionário de Drosophila, os precursores de células ner- vosas, ou neuroblastos, diferenciam-se inicialmente a partir da ectoderme neurogênica por um mecanismo típico de inibição lateral que depende de Notch. Cada neuroblasto então se divide repetidamente de maneira assimétrica (Figura 22-66A). Em cada divisão, uma célula- Figura 22-62 Numb afeta a inibição lateral durante o desenvolvimento da cerda. Em cada divisão da progênie da célula-mãe sensorial, a proteína Numb é distribuída assimetricamente, originando células-filhas distintas. Note que algumas divisões celulares são orientadas de acordo com o fuso mitó- tico, no plano do epitélio, e outras são perpendiculares a ele; a localização de Numb é controlada por diferentes ma- neiras nestes tipos distintos de divisão, mas desempenha um papel crítico em cada um deles, decidindo o destino ce- lular. (Com base em dados de M. Gho, Y. Bellaiche e F. Schweisguth, Development 126:3573-3584, 1999. Com permissão de The Company of Biologists.) Bainha Localização assimétrica da proteína Numb a cada divisão Neurônio Seta Soquete Esta célula morre ou se torna célula da glia 300 �m Figura 22-63 A polaridade celular planar manifestada na polaridade das cerdas nas costas de uma mosca: todas as cerdas apontam para trás. (Mi- crografia eletrônica de varredura cortesia de S. Oldham e E. Hafen, de E. Spa- na e N. Perrimon, Trends Genet. 15:301-302, 1999. Com permissão de Elsevier.) Alberts_22.indd 1359Alberts_22.indd 1359 29.07.09 16:49:3229.07.09 16:49:32 1360 Alberts, Johnson, Lewis, Raff, Roberts & Walter filha se mantém como um neuroblasto, enquanto a outra, que é muito menor, torna-se espe- cializada em uma célula-mãe de gânglio (GMC, ganglion mother cell). A célula-mãe de gân- glio irá se dividir apenas uma vez, originando um par de neurônios, ou um neurônio e uma célula da glia, ou um par de células da glia. O neuroblasto se torna menor a cada divisão, conforme ele divide seu conteúdo entre as células-mãe de gânglio sucessivamente. Even- tualmente, em geral após 12 ciclos celulares, o processo para, talvez porque o neuroblasto se torne muito pequeno para passar pelo ponto de controle do tamanho celular no ciclo de divisão celular. Mais tarde, na larva, as divisões dos neuroblastos recomeçam, e agora são acompanhadas pelo crescimento celular, permitindo que o processo se mantenha indefini- damente, gerando um número muito maior de neurônios e células da glia que o necessário em uma mosca adulta. Os neuroblastos da larva são, portanto, células-tronco: enquanto eles mesmos não es- tão terminalmente diferenciados, comportam-se como uma fonte autorrenovável e poten- cialmente inesgotável de células terminalmente diferenciadas. No Capítulo 23, onde discu- timos as células-tronco em detalhes, veremos que as células-tronco não necessariamente precisam se dividir assimetricamente, mas que a divisão assimétrica é uma estratégia possí- vel, e que os neuroblastos das moscas proveem um bonito exemplo. Figura 22-64 O controle da polaridade celular pla nar. (A) Os dois ramos da via de sinali zação Wnt/Frizzled. O ramo principal, discutido no Capítulo 15, controla a expressão gênica através de �-catenina; o ramo de polaridade pla- nar contro la o citoesqueleto de actina através de GTPases Rho. Diferentes do- mínios da proteína Dishevelled são res- ponsáveis pelos dois efeitos. Ainda não está claro qual membro da família da pro teína sinalizadora Wnt é responsável pela ativa ção da função de polaridade planar de Frizzled na Drosophila. (B) De- senho das células mostran do a polari- dade planar. Em pelo menos alguns sis- temas, a polaridade celular planar está associada à localização assimétrica do próprio receptor Frizzled em um lado de cada célula. (Ver também Capítulo 19, Figura 19-32.) DIX PDZ DEP Wnt ou outro ligante Frizzled Proteína Dishevelled ativada Rho Cascata JNKCitoesqueleto de actina�-catenina GSK3�, Axina, APC TCF TRANSCRIÇÃO GÊNICA POLARIDADE CELULAR PLANAR (A) (B) Polaridade ápico-basal Polaridade celular planar Figura 22-65 Efeitos do bloqueio da sinali zação de Notch em um embrião de Xeno pus. No experimento mostra- do, um mRNA co dificando para uma forma truncada de Delta, o ligante de Notch, é injetado juntamente com o mRNA de LacZ, utilizado como mar- cador, em uma célula de um embrião no estágio de duas células. A proteína truncada Delta produzida a partir do mRNA bloqueia a sinalização por No tch nas células que descendem da célula que re cebeu a injeção. Estas células situam-se no lado esquerdo do embrião e são identificáveis porque contêm a proteína LacZ (coloração azul) e a pro- teína truncada Delta. O lado direito do embrião não é afetado e serve como controle. O em brião é fixado e corado em um estágio em que o sistema nervo- so ainda não tenha se enrolado para for- mar o tubo neuronal, mas ainda é mais ou menos como uma lâmina achatada de células – a placa neural – exposta na superfície do embrião. Os primeiros neurônios (corados em roxo na foto- grafia) já iniciaram a diferenciação em bandas alongadas (regiões pró-neurais) em cada lado da linha média. No lado controle (direito), elas são um sub- conjunto espalhado de população celular pró-neural. No lado com Notch bloqueado (esquerdo), praticamente todas as células nas regiões pró-neurais se diferencia ram em neurônios, criando uma banda den samente corada de neu- rônios sem células intermediárias. As in- jeções de mRNA codificando para Delta normal e funcional provocam um efeito oposto, reduzindo o número de células que se diferenciam como neurônios. (Fotografia de A. Chitnis et al., Nature 375:761-766, 1995. Com permissão de Mac millan Publishers Ltd.) Placa neural Superprodução de neurônios no lado injetado Injeção de mRNA truncado de Delta em uma célula no estágio de duas células Fixação e coloração dos neurônios no estágio de placa neural 0,2 mm Alberts_22.indd 1360Alberts_22.indd 1360 29.07.09 16:49:3229.07.09 16:49:32 Biologia Molecular da Célula 1361 As divisões assimétricas do neuroblasto segregam um inibidor da divisão celular em apenas uma das células-filhas As divisões dos neuroblastos são assimétricas em três aspectos: (1) fisicamente, onde uma célula-filha é menor do que a outra; (2) bioquimicamente, em fatores que controlam a di- ferenciação; e (3) bioquimicamente, em fatores que controlam a proliferação. Todas estas assimetrias devem ser coordenadas umas com as outras e com a orientação do fuso mitótico, para que o plano de clivagem divida a célula em partes corretas. Como isto é realizado? O neuroblasto tem uma assimetria ápico-basal que reflete a sua origem a partir da ec- toderme, que, como outros epitélios, tem polaridade ápico-basal bem–definida. Conforme vimos no Capítulo 19, a polaridade ápico-basal é controlada por um complexo de três pro- teínas – Par3 (também chamada de Bazooca em Drosophila), Par6 e aPKC (proteína-cinase C atípica, de atypical protein kinase C) – que se tornam localizadas no córtex na região apical da célula. Acredita-se que a localização do complexo Par3/Par6/aPKC seja a primeira fonte de assimetria no neuroblasto. Pelo recrutamento de outros componentes, alguns dos quais exercem o mecanismo de retroalimentação para manter a localização do complexo, o com- plexo coordena todo o processo de divisão desigual. O complexo Par3/Par6/aPKC define a orientação do fuso mitótico e a partição desigual da célula na citocinese por interações com proteínas adaptadoras denominadas Inscutea- ble e Partner of Inscuteable (Pins). Estas proteínas, por sua vez, recrutam a subunidade � de uma proteína G trimérica (discutido no Capítulo 15), que atua neste contexto como um mensageiro intracelular que guia a organização do citoesqueleto. Ao mesmo tempo, o complexo Par3/Par6/aPKC fosforila localmente um regulador da arquitetura intracelular, chamado de Lgl (de Lethal giant larvae), e dessa forma, faz com que outra proteína adaptadora, chamada de Miranda, torne-se mais concentrada no córtex no polo oposto da célula (basal) (Figura 22-66B). Miranda se liga a proteínas que controlam a diferenciação e a proliferação celular, localizando-as no mesmo polo. Quando o neuroblasto se divide, Miranda e seus ligantes são segregados na célula-mãe de gânglio. Uma das molé- culas direcionadas para a célula-mãe de gânglio é a proteína de regulação gênica chamada de Prospero, que direciona a diferenciação. Outra proteína é um repressor pós-transcricio- nal chamado de Brat (de Brain Tumor). Brat atua como um inibidor da proliferação, aparen- temente pela prevenção da produção da proteína promotora do crescimento Myc, famosa pelo seu papel no câncer (discutido no Capítulo 20). Em mutantes em que Brat é defecti- va, ou onde ela não está localizada corretamente, a célula-filha menor resultante de divisão assimétrica do neuroblasto frequentemente não é bem sucedida na sua diferenciação em célula-mãe de gânglio, crescendo e se dividindo como um neuroblasto. O resultado é um tumor cerebral – uma massa de neuroblastos que cresce exponencialmente e sem limites, até que a mosca morra. Se os tecidos dos vertebrados possuem células-tronco que se comportam de maneira similar aos neuroblastos das moscas é uma questão de grande interesse, especialmente em relação ao câncer. Figura 22-66 Neuroblastos e a divisão celular assimétrica no sistema nervoso central de um embrião de mosca. (A) Os neuroblastos se originam como célu- las especializadas de ectoderme. Eles se diferenciam pela inibição lateral e emer- gem da face basal (interna) da ectoder- me. Os neuroblastos sofrem então uma série de ciclos repetidos de divisões celulares, dividindo-se assimetricamen- te, originando séries de células-mãe de gânglios. Cada célula-mãe de gânglio se divide apenas uma vez para dar origem a um par de células-filhas diferenciadas (tipicamente um neurônio e uma célula da glia). (B) A distribuição assimétrica dos determinantes do destino celular em um neuroblasto isolado, conforme ele sofre mitose. Os cromossomos mitóticos estão corados em azul. O complexo Par3/Par6/aPKC, mostrado em azul pela marcação com anticorpos para aPKC, concentra-se no córtex api- cal, fazendo com que Miranda (verde), Brat (vermelho, sendo amarelo onde Mi- randa e Brat se sobrepõem) e Prospero (não-marcado) se localizam no córtex basal. Conforme as células se dividem, estas três últimas moléculas se tornam segregadas na célula-mãe de gânglio, forçando-a a se diferenciar e deixando o neuroblasto livre para regenerar sua assimetria e se dividir novamente da mesma maneira. (B, de C.Y. Lee et al. Dev. Cell 10:441-449, 2006. Com permis- são de Elsevier.) APICAL BASAL Ectoderme Neuroblastos Célula-mãe de gânglio(A) (B) Célula da gliaNeurônio Após mais 4 ciclos de divisão do neuroblasto Alberts_22.indd 1361Alberts_22.indd 1361 29.07.09 16:49:3329.07.09 16:49:33 1362 Alberts, Johnson, Lewis, Raff, Roberts & Walter A sinalização por Notch regula o padrão mais refinado dos tipos celulares diferenciados em diversos tipos de tecidos Cada célula-filha e uma célula-mãe de gânglio normal podem se tornar tanto um neurônio quanto uma célula da glia. A escolha final, assim como a escolha do destino celular para a progênie de uma célula-mãe sensorial no sistema nervoso periférico, é controlada pela via de sinalização Notch e por inibição lateral. O processo de inibição lateral mediado por Notch mostrou-se crucial para a diversificação celular e para a formação de padrões mais refinados em uma enorme variedade de tecidos diferentes. Na mosca, ele controla a produção não somente dos neurônios, mas também de muitos outros tipos celulares diferenciados – por exemplo, no músculo, no revestimento do intestino, no sistema excretor, na traqueia, no olho e em outros órgãos sensoriais. Nos vertebrados, os homólogos de Notch e seus ligantes são expressos em tecidos correspondentes e desem penham funções semelhantes: as mutações na via de Notch alteram o equilíbrio dos neurônios e das células não-neuronais no sistema nervoso central e dos diferentes tipos celulares espe cializados no revestimento do intestino, das células endócrinas e exócrinas no pâncreas e das células sensoriais e auxiliares em ór- gãos sensoriais como o ouvido, para citar apenas alguns exemplos. Em todos esses tecidos, é necessária uma mistura balanceada de diferentes tipos celu- lares. A sinalização por Notch fornece os meios para gerar a mistura, possibilitando que cé- lulas individuais expressem um conjunto de genes, direcionando seus vizinhos imedia tos a expressarem outro conjunto. Alguns genes reguladores chave definem um tipo celular; outros podem ativar o programa para a criação de um órgão inteiro Conforme mencionamos no início deste capítulo, existem alguns genes cujos produtos agem como disparadores para o desenvolvimento de um órgão específico, iniciando e co- ordenando todo o complexo programa de expressão gênica necessário para isso. Assim, por exemplo, quando o gene Eyeless é expresso artificialmente em um grupo de células no disco imaginal da pata, uma porção de células bem-organizadas de tecido ocular, com todos os seus tipos celulares corretamente arranjados, se desenvolverá na pata (ver Figura 22-2). De maneira similar, mas muito mais tarde, quando a célula faz a escolha final de um modo particular de diferenciação, como consequência das interações mediadas por Notch, ela deve seguir um complexo programa envolvendo a expressão de um conjunto inteiro de genes, e este programa de diferenciação é iniciado e coordenado por um con- junto muito menor de reguladores de nível superior. Estes reguladores são algumas vezes chamados de “proteínas reguladoras mestras” (mesmo que elas somente possam exercer seus efeitos específicos em combinação com os parceiros corretos, em uma célula que está adequada mente preparada). Um exemplo é a família MyoD/miogenina de proteínas de regulação gênica. Estas pro- teínas direcio nam as células para diferenciarem-se como músculos, expressando actinas e miosinas musculares específicas e todas as outras proteínas do citoesqueleto, metabólicas e de mem brana necessárias à célula muscular (ver Figura 7-75). As proteínas de regulação gênica que definem tipos particulares de células frequentemente pertencem (assim como MyoD e seus correlatos) à família básica hélice-alça-hélice, codificada por genes homólogos e, em alguns casos, aparentemente idênticos aos genes pró -neurais que já mencionamos. A sua expressão frequentemente é controlada pela via Notch por meio de complicados circui- tos de retroalimentação. A diferenciação celular terminal trouxe-nos ao final do nosso esboço de como os ge nes controlam a produção de uma mosca. Nossa narrativa foi necessariamente simplifica da. Um número muito maior de genes do que aquele aqui mencionado está envolvido em cada um dos processos do desenvolvimento que descrevemos. Os circuitos de retroa limentação, os mecanismos alternativos operando em paralelo, as redundâncias genéticas e outros fenô- menos complicam o quadro como um todo. Apesar disso, a mensagem prin cipal da genética do desenvolvimento é de uma simplicidade inesperada. Um número limitado de genes e de mecanismos, utilizados repetidamente em diferentes circunstâncias e combinações, é res- ponsável pelo controle das principais características do desenvolvimento de todos os ani- mais multicelulares. A seguir, abordaremos um aspecto essencial do desenvolvimento animal que até agora temos negligenciado: os movimentos celulares. Alberts_22.indd 1362Alberts_22.indd 1362 29.07.09 16:49:3329.07.09 16:49:33 Biologia Molecular da Célula 1363 Girino capaz de se alimentar 110 horas, 106 células 32 horas, 170.000 células 19 horas, 80.000 células Nêurula 10 horas, 30.000 células Gástrula 6 horas, 10.000 células Blástula 4 horas, 64 células ½ hora, 1 célula Óvulo fertilizado 1 mm Resumo As partes externas de uma mosca adulta desenvolvem-se a partir de estruturas epiteliais chamadas de discos imaginais. Cada disco imaginal está dividido em um pequeno número de domínios que expressam diferentes proteínas de regulação gênica como resultado de processos de formação de pa- drões embrionários iniciais. Estes domí nios são chamados de compartimentos, pois suas células não se misturam. Nos limites dos compartimentos, as células que expressam genes diferentes confrontam- se umas com as outras e interagem, induzindo a produção localizada de morfógenos que governam o crescimento adicional e a formação dos padrões internos de cada compartimento. Assim, no disco da asa, as células dorsais e ventrais interagem pelo mecanismo de sinalização Notch para criar uma fonte da proteína Wingless (Wnt) ao longo dos limites do com partimento dorso-ventral, enquanto as células anteriores e posteriores interagem por meio da sinalização de curto alcance Hedgehog para criar uma fonte da proteína Dpp (um membro da família TGF�) ao longo dos limites do compar- timento ântero-posterior. Todas estas moléculas de sinalização possuem homólogos que desempe- nham papéis se melhantes na formação de padrões dos membros em vertebrados. Cada compartimento de um disco imaginal, e cada subestrutura dentro dele, cresce até um tamanho precisamente previsível, mesmo em face de distúrbios aparentemente drásticos, como as mutações que alteram a taxa de divisão celular. Embora os gradi entes de morfógenos no disco claramente estejam envolvidos, os mecanismos reguladores críticos que controlam o tamanho dos órgãos não são entendidos. Dentro de cada compartimento, os gradientes de morfógenos controlam os locais de expressão de conjuntos adicionais de genes, definindo conjuntos de células que intera gem umas com as outras ainda mais uma vez para criarem os detalhes mais refinados dos padrões finais de diferenciação ce- lular. Assim, a expressão gênica pró-neural define os locais onde as cerdas sensoriais irão se formar, e as interações mediadas por Notch entre as células do agrupamento pró-neural, juntamente com as divisões celulares assimé tricas, forçam as células individuais das cerdas a seguirem caminhos distintos para a diferenciação terminal. No sistema nervoso central, neuroblastos se diferenciam da ectoderme por inibição lateral de uma maneira similar, sofrendo uma longa série de divisões assimétricas como células-tronco para originar neurônios e células da glia. Falhas na distribuição assimétrica de moléculas que controlam a diferenciação e a proliferação celular podem converter células-tronco de neuroblastos em células de tumorais. Acredita-se que muitos destes mecanismos também atuem em tecidos de vertebrados. MOVIMENTOS CELULARES E A DETERMINAÇÃO DA FORMA DO CORPO DOS VERTEBRADOS A maioria das células do corpo de um animal é móvel, e no embrião em desenvolvimento seus movimentos muitas vezes são extensos, dramáticos e surpreendentes. Mudanças controladas na expressão gênica criam arranjos ordenados de células em diferentes estados; movimen- tos celulares rearranjam esses blocos de construção celulares, colocando-os em seus devidos lugares. Os genes que as células expressam determinam como eles se movem; nesse sentido, o controle da expressão gênica é o fenômeno primordial. Contudo, os movimentos celulares também são cruciais, e maiores explicações não são necessárias se quisermos entender como é formada a arquitetura do corpo. Nesta seção, examinaremos esse tópico no contexto do de- senvolvimento de vertebrados. Tomaremos como nosso exemplo principal a rã Xenopus laevis (Figura 22-67), na qual os movimentos celulares têm sido bem estudados; embora também serão analisadas evidências da galinha, do peixe-zebra e do camundongo. Figura 22-67 Sinopse do desenvolvimento de Xenopus laevis a partir do óvulo recém-fertiliza- do até o girino capaz de se alimentar. A rã adulta é mostrada na fotografia superior. Os estágios de desenvolvimento são vistos lateralmente, com exceção dos embriões de 10 horas e 19 horas, os quais são vistos de baixo e de cima, respectivamente. Todos os estágios, exceto o de adulto, são mostrados na mesma escala. (Fotografia cortesia de Jonathan Slack; desenhos segundo P. D. Nieuwkoop e J. Faber, Normal Table of Xenopus laevis [Daudin]. Amsterdam: North-Holland, 1956.) Alberts_22.indd 1363Alberts_22.indd 1363 29.07.09 16:49:3329.07.09 16:49:33 1364 Alberts, Johnson, Lewis, Raff, Roberts & Walter A polaridade do embrião de anfíbios depende da polaridade do óvulo O óvulo de Xenopus é uma célula grande, um pouco maior que um milímetro de diâmetro (Figura 22-68A). A extremidade inferior de coloração clara do óvulo é chamada de polo ve- getal; a extremidade superior de coloração escura é chamada de polo animal. Os hemisférios vegetal e animal contêm diferentes seleções de moléculas de mRNA e outros componentes celulares, os quais são distribuídos a células separadas quando a célula-ovo começa a se dividir após a fertilização. Próximo ao polo vegetal, por exemplo, há um acúmulo de mRNAs que codificam a proteína de regulação gênica VegT (uma proteína de ligação ao DNA da fa- mília T-box) e proteínas sinalizadoras da superfamília TGF�, assim como alguns componen- tes proteicos já feitos da via de sinalização Wnt (Figura 22-68B). O resultado é que as células que herdam o citoplasma vegetal irão produzir sinais para a organização do comportamento de células adjacentes. Elas estão comprometidas a formar o intestino – o tecido mais interno do corpo; as células que herdam o citoplasma animal irão formar os tecidos externos. Assim, grosseiramente falando, o eixo animal-vegetal do óvulo corresponde à dimensão externa para a interna (ou da pele para o intestino) do futuro organismo. A fertilização inicia uma série de divisões e movimentos celulares que irão, no final, forçar as células vegetais e as células da região equatorial (mediana) do eixo animal-ve- getal para o interior. No decorrer desses movimentos complexos, os três principais eixos do corpo são estabelecidos: o ântero-posterior, da cabeça à cauda; o dorso-ventral, das costas à barriga; e o médio-lateral, da linha média para fora, em direção à esquerda ou à direita. A orientação desses eixos é determinada pelas assimetrias do embrião jovem. O óvulo não-fertilizado tem somente um eixo de assimetria – o animal-vegetal – mas a ferti- lização desencadeia um movimento intracelular que dá ao ovo uma assimetria