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UNIVERSIDADE CATÓLICA DOM BOSCO PROF ME DELMIRO PORTO TEORIA GERAL DO DIR CIVIL (DIREITO CIVIL I) MANUAL ESQUEMÁTICO DELMIRO PORTO, ESPECIALISTA EM DIREITO CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. MESTRE EM DESENVOLVIMENTO LOCAL, COM PESQUISA EM “FAMÍLIA COMO BASE E MATRIZ SOCIAL”. Revisado em julho de 2012 TEORIA GERAL DO DIREITO CIVIL (Esquemas de aula) IDÉIAS INICIAIS Direito Civil Conceito: ramo do direito privado no qual preponderam as normas reguladoras das atividades dos particulares entre si, com base na igualdade jurídica e na autodeterminação da pessoa (autonomia privada). Equilíbrio jurídico + autonomia da vontade = relação jurídica horizontalizada. (Comentários ao conceito que tem base em Venosa e Karl Larenz, este citado por Venosa). Fontes do direito civil - lei: CF/88 + CC/02 + leis extravagantes É a principal fonte. O Código Civil é considerado uma lei geral, pois atinge abstratamente um número indeterminado de pessoas e de situações. Quanto à força obrigatória, Venosa explica que a lei é cogente ou dispositiva. (Comentar e diferenciar com base no CC/2002). -doutrina: é a produção de conhecimento jurídico pelos operadores do direito, ou seja, trata-se do parecer técnico dos mestres. 2 -jurisprudência: no direito antigo era a sabedoria dos prudentes, os sábios do direito. Para nós, modernamente, são as decisões reiteradas dos tribunais, num mesmo sentido, em relação a uma determinada matéria. -costume: surge da prática reiterada de uma conduta pela sociedade, ao ponto de se tornar em instituto com força obrigatória. Bastante mitigado é o seu valor hoje, para o direito civil, mas não deixa de ser uma fonte. O direito consuetudinário ainda corrobora, por exemplo, na execução dos contratos. Diante da lacuna contratual, às vezes o costume é fundamental. Exemplificar... Nem todo uso é costume. O costume é um uso que se torna juridicamente exigível. Aproveitando, podemos dizer que nem todo uso é costume, como nem toda decisão é jurisprudência. É a reiteração que gera a força normativa. Os costumes podem ser: . secundum legem – na verdade deixa de ser aplicado como direito costumeiro, pois já se fez em lei. .praeter legem – é aquele costume utilizado para suprir a lacuna da lei. O operador do direito supre a omissão da lei se utilizando do costume de determinada região (dificilmente o costume é amplo quanto a lei). .contra legem- é o costume que se sobrepõe à lei, substituindo-a, de forma que a lei entra em desuso. -analogia: “trata-se de um processo de raciocínio lógico pelo qual o juiz estende um preceito legal a casos não diretamente compreendidos na descrição legal. O 3 juiz pesquisa a vontade da lei, para transportá-la aos casos que a letra do texto não havia compreendido” – Venosa. Vemos que só é aplicável se há lacuna na lei, e se trata de um processo de comparação, de verificação de semelhança. -eqüidade: consiste em abrandar o rigor com que se apresenta uma norma ao incidir em caso concreto. Não é exatamente uma fonte do direito. Ver exemplo dos Arts. 928 e 944. -princípios gerais de direito: expressos ou implícitos, são pontos maduros, pacíficos, dos quais deve o juiz se servir ante a omissão da lei (Art. 4º da LICC). Alguns desses princípios: as exceções devem ser interpretadas restritivamente; é vedado o enriquecimento sem causa. Histórico do Código Civil (traçar breve histórico) - ius civile – abarcava o direito privado e o direito público. - direito romano em Portugal. − Ordenações Filipinas. - era das grandes codificações: Código francês (1804) inspira o direito ocidental. Código Alemão (BGB – 1896); Suíço: 1907; Italiano: 1865; Português: 1867. -Código Civil brasileiro de 1916. 4 -Código Civil brasileiro de 2002. -Código de 1916 X Código de 2002 (algumas comparações essenciais) Código Civil: - estrutura formal: parte geral + 5 livros -princípios: .da autonomia da vontade .da constitucionalização do direito civil .da eticidade .da socialidade .da operabilidade (Recomendar artigo sobre os novos princípios – jusnavigandi – de André Soares Hentz) LEI DE INTRODUÇÃO ÀS NORMAS DO DIREITO BRASILEIRO (Decreto- Lei nº 4.657/42) Definição: não é uma norma preliminar ao Código Civil, mas norma preliminar à totalidade do ordenamento jurídico. 5 Comentários: - trata-se de um conjunto de normas sobre normas (Wilson de Campos Batalha); - são normas de sobredireito: ultrapassa o âmbito do direito civil, preparando o intérprete para o direito privado e para o direito público; − porque ao longo dos anos esteve situada junto ao Código Civil, e era chamada de LICC? Conteúdo: - regula a eficácia e a vigência das normas (Arts. 1º e 2º); as normas, feitas para os homens, também, como eles, nascem, produzem e morrem. Em regra a norma nasce para durar, e subsiste enquanto tiver utilidade social. nascem com a promulgação, mas só entram em vigor com a publicidade (ver Art. 3º da LICC – exigibilidade erga omnes). Como leciona Maria Helena: a promulgação indica o início da existência, mas a obrigatoriedade surge com a publicidade. todavia, a publicidade sem a obrigatoriedade imediata é a regra – Art. 1º e § 1º da LICC. Se o prazo de espera entre a publicidade e a obrigatoriedade for outro, que a lei indique expressamente. Se não houver nenhum prazo, que também indique. o prazo de espera (que é a regra) entre a publicação e a obrigatoriedade, resulta no fenômeno denominado vacatio legis. 6 a vacatio é estabelecida em um ordenamento com base em dois critérios: o progressivo e o único. No primeiro a lei se torna obrigatória (em vigor) em prazos diferentes, conforme a região do país. No segundo, simultaneamente, mesmo prazo para toda a sociedade. contagem do prazo de vacância: inclui-se o primeiro e o último dia no período, vigorando a lei no dia seguinte ao término do prazo (Art. 8º, § 1º, da Lei Complementar nº 95/98). se no curso da vacatio ocorrer modificação ao texto legal, enseja nova publicação e recomeço, portanto, da vacatio (Art. 1º, § 3º, LICC). Art. 1º, § 4º: correção a texto de lei em vigor = lei nova. qual a duração da lei? Regra: pelo princípio da continuidade, a norma tem vigência por tempo indefinido, até que outra a modifique ou revogue (Art. 2º). A vigência temporal é exceção, portanto, e ocorre em casos de: leis orçamentárias – 1 ano; lei que concede favor fiscal; lei que disciplina situação passageira, de crise econômica, calamidade, revolução, guerra. se uma norma perde sua obrigatoriedade, diz-se que foi revogada. A revogação pode ser expressa ou tácita (Art. 2º, § 1º). a revogação poder ser, ainda, total (ab-rogação) ou parcial (derrogação). Qual o método ideal? Exemplificar... O que é o fenômeno jurídico da repristinação? Admitimos em nossa sistemática? 7 - só admite o erro de fato (Art. 3º): o que é? Ilustrar... - o que é erro de direito? Ilustrar... - trata do conflito de normas no tempo (Art. 6º) e no espaço (Arts. 7º a 19). No último caso estamos diante de normas de direito internacional privado (que é um ramo do direito público interno); a norma nova regula apenas os fatos que surgirem a partir de sua vigência ou tem efeito retroativo? Art. 6º da LICC traz a regra. Havendo interesse público, o legislador pode utilizar-se de normas transitórias (disposições transitórias – ex.: Arts. 2.028 e s., CC). quanto à aplicação da norma no espaço, seguimos o princípio da territorialidadetemperada ou territorialidade moderada (Art. 7º e seus parágrafos). Citar exemplo do Art. 5º, XXXI, CF. - traz critérios de interpretação (Art. 5º); Miguel Reale: interpretação é momento de intersubjetividade, entre o aplicador da norma e o autor desta (o legislador). 8 funções da interpretação: aplicar as normas às relações jurídicas que lhe deram origem + estender a norma às relações sociais posteriores à sua criação (à criação da norma) + ponderar a aplicação da norma, para que atinja a função social para a qual foi criada (valores que pretende garantir) – Art. 5º. métodos de interpretação (hermenêutica): gramatical (sentido literal) + lógico (sentido e alcance da norma – raciocínios lógicos) + sistemático (a norma no contexto do sistema em que está inserida) + histórico (processo legislativo, discussão do projeto) + sociológico ou teleológico (adapta a norma às situações posteriores à sua criação). os métodos não são aplicados isoladamente, mas combinados, com exclusão de um ou de outro, conforme a viabilidade, recomendam Maria Helena e Venosa. - cuida da integração de normas, prevendo a eventualidade de lacunas (Art. 4º); o juiz não pode deixar de dizer o direito sob o pretexto de lacuna na lei (principal fonte do direito): analogia + costumes + princípios gerais de direito (alguns exemplos: Art. 3º da LICC, Art. 112 do CC, Art. 884 do CC -vedado o enriquecimento ilícito-, a todo direito corresponde uma ação que o assegura (Art. 75 do CC/1916), quem pode o mais pode o menos, a boa-fé se presume, função social do contrato (Art. 421 do CC), função social da propriedade (Art. 1.228, § 1º, do CC), da vedação do abuso de direito (Art. 187 do CC), ninguém pode transmitir mais direitos do que possui, é vedada a alegação da própria torpeza, da dignidade da pessoa humana (Art. 1º, III, CF), o contrato deve ser interpretado em favor do devedor etc. 9 DAS PESSOAS (A partir daqui, se o artigo é citado sem indicação da lei a que pertence, entenda- se que se trata do Código Civil). As pessoas são sujeitos de direitos e obrigações, e figuram nos pólos da relação jurídica. A pessoa, em sentido técnico, pode ser natural ou jurídica, daí a doutrina tradicional: é o ente físico ou coletivo suscetível de direitos e obrigações (Maria Helena). PESSOA NATURAL Conceito: pessoa natural é o ser humano. Questão: tecnicamente é correto dizer pessoa física? Personalidade jurídica e capacidade: aptidão genérica para adquirir direitos e contrair obrigações. Toda pessoa natural a possui, desde que exista (Art. 2º, CC), e ela coincide com a capacidade jurídica ou de direito (Art. 1º). Costuma-se assinalar que a capacidade é a medida da personalidade (Gonçalves), caso em que está a referir-se à capacidade jurídica ou de direito, que é a capacidade de aquisição. Ilustrando: A aptidão da capacidade surge da personalidade. Só se pode falar daquela se houver a presença desta. Se a pessoa nasce com vida adquire a personalidade, se adquire a personalidade, tem capacidade jurídica ou de direito. 10 A lei possui um sistema de proteção ao nascituro, embora este não tenha personalidade... (ilustrar) Questão: a capacidade jurídica possui limitação? Para a pessoa natural ela é sempre ilimitada. Veremos que em relação à pessoa jurídica é diferente... A capacidade de exercício ou de fato, o que é? É a aptidão de exercer, por si mesmo, os atos da vida civil. Nem toda pessoa natural a possui. Pessoa jurídica nunca a possui! (Isso veremos mais à frente) Nem toda pessoa natural possui capacidade de fato ou de exercício, posto que essa capacidade exige, para segurança jurídica do indivíduo e da sociedade, discernimento, clareza, prudência e certeza, enfim, exige vontade, juridicamente falando (manifestação volitiva juridicamente relevante). Alguns possuem apenas em parte essa capacidade (são os relativamente incapazes); outros nada possuem (são os absolutamente incapazes). A capacidade é a regra, a incapacidade a exceção. Logo, a capacidade, presume- se, enquanto a incapacidade, prova-se. Incapacidade absoluta O Art. 3º lista os absolutamente incapazes, também denominados, na doutrina, de impúberes. Possuem proibição total de agirem por si, e caso o façam seus atos são nulos absolutamente (Art. 166, I). 11 Como os tais possuem capacidade de direito, a lei cria mecanismo para que sejam exercidos seus direitos e obrigações: é o instituto da representação (Art. 1.634, V e Arts. 115 a 120). Comentários às hipóteses legais- Art. 3º ... Incapacidade relativa O Art. 4º traz as hipóteses de incapacidade relativa. Os relativamente incapazes (chamados púberes), agem por si (em parte), acompanhados por seus representantes, que neste caso não dizemos que os representam, mas que os assistem. É o instituto da assistência (Art. 1.634, V). A falta da assistência gera ato relativamente nulo (anulável) – Art. 171, I. Excepcionalmente os relativamente incapazes têm capacidade de fato ou de exercício: aceitar mandato (Art. 666), fazer testamento (Art. 1.860, parágrafo único), casar-se (Art. 1.517), ser testemunha (Art. 228, I), celebrar contrato de trabalho e outros atos excepcionados pela lei. Comentários às hipóteses legais - Art. 4º ... 12 Na falta dos pais, outros exercem a proteção sobre os incapazes, são os tutores (para os menores) e os curadores (para os maiores). Capacidade X Legitimidade A capacidade é genérica, a legitimação específica. A capacidade diz respeito aos negócios jurídicos em geral, mas a legitimidade diz respeito a determinado negócio. Ex.: Maria e João querem se casar, mas não podem, pois são irmãos por adoção (Art. 1.521). Eles não têm legitimação, portanto, podendo se casar com outras pessoas, pois capacidade eles têm. Se João e Maria fossem incapazes para o casamento, não poderiam se casar nem entre si nem com outras pessoas. Questão: intervalo lúcido, o que é? É admitido em nosso sistema? Observações importantes e questionamentos: - o rol contido nos artigos 3º e 4º são de natureza taxativa; - que se entende pela expressão legal maiores de 16 ? (Art. 4º, I); - o surdo-mudo não se encaixa expressamente nos Arts. 3º e 4º, mas Maria Helena entende que se enquadraria no inc. III do Art. 3º, entre os que não podem exprimir a vontade, ou no inc. III do Art. 4º (excepcionais), conforme o grau de discernimento constatado em laudo pericial, pois as técnicas modernas de educação podem levar o surdo-mudo a ser apenas relativamente incapaz, e não absolutamente; 13 - os ausentes constavam do CC/1916 como absolutamente incapazes. A melhor técnica entende que os tais têm proteção legal, mas não seria o caso de chamá-los incapazes, pois não o são; - analfabetismo, idade avançada e cegueira seriam causas de incapacidade? - pródigo: é um relativamente incapaz, vimos no inc. IV do Art. 4º, mas essa incapacidade é apenas para a gerência extraordinária (contratar, fazer pacto antenupcial (que prevê a regulação de bens no casamento), contrato de convivência (que prevê a regulação de bens na união estável). Para os atos civis cotidianos, com administração de monta insignificante, como comprar a comida, a bebida e o vestuário, o pródigo é capaz; - silvícola: constava do CC/1916 como relativamente incapaz. Hoje a capacidade dos índios da selva (integrados ou semi-integrados à civilização da maioria) deve ser tratada exclusivamente pelo Estatuto do Índio, Lei nº 6.001/73 (ver parágrafoúnico do Art. 4º). Logo, não se deve, com base no Código Civil, determinar a capacidade, que poderá ser plena, relativa ou nenhuma; - condenação criminal, enseja incapacidade? Não enseja, embora o condenado perca, eventualmente, certos direitos, como o poder familiar, a habilitação para dirigir, a credencial de médico, engenheiro, advogado etc; − capacidade plena = capacidade de direito ou jurídica + capacidade de fato ou de exercício. Ter capacidade de direito implica em ter capacidade de exercício? Ter capacidade de exercício implica em ter capacidade de direito? 14 - para aquisição da personalidade jurídica (personalidade aqui é um conceito jurídico, não da psicologia!): a) basta o nascimento com vida? b) exige-se forma humana (como na Espanha)? c) exige-se que a vida seja viável (como na França e na Holanda)? d) basta a concepção (como na Argentina)? e) é necessário o registro? f) o que é a Declaração de Nascido Vivo – DNV? - a lei põe a salvo os direitos do nascituro (Art. 2º, segunda parte). São exemplos dessa proteção ao nascituro: presunção legal de paternidade (Art. 1.597), alimentos (Art. 1.694 e s.) e curatela (Art. 1.779) e direito sucessório (Art. 1.798). Questão: o concepto in vitro tem a mesma proteção do nascituro (concepto in vivo, natural)? Cessassão da incapacidade A incapacidade cessa quando cessa sua causa, seja a causa a menoridade, a enfermidade, a toxicomania, a prodigalidade etc. Pode ocorrer da causa ser permanente, por se tratar de um mal incurável. A Lei nº 6.015/73, Art. 104, manda que se averbem as sentenças que puserem fim à interdição. Nesta afirmação está contida a hipótese de incapacidade por menoridade? 15 Comentar... No caso da menoridade, cessa a incapacidade com a maioridade, que se dá aos 18 anos (Art. 5º). No Código de 1916 esse limite etário era de 21 anos. Quando a causa da incapacidade é a menoridade, é possível, excepcionalmente, que cesse antes dos 18 anos. Essa aquisição antecipada da capacidade de exercício, antes da maioridade, denomina-se emancipação. É possível, portanto, que pessoa menor seja capaz. Observe que o fenômeno jurídico da emancipação não torna a pessoa maior de idade, mas a faz capaz. Dizemos assim, embora Gonçalves afirme que a emancipação é a antecipação da maioridade. Entendemos que não, que não há antecipação da maioridade, mas da capacidade. São 3 as espécies de emancipação: a) voluntária (Art. 5º, parágrafo único, I, primeira parte): emancipação dos filhos pelo pais; b) judicial (Art. 5º, parágrafo único, I, segunda parte): emancipação dos tutelados; c) legal (Art. 5º, parágrafo único, II a V): emancipação de pessoas que se encontram em situações jurídicas ali determinadas. Observe-se, todavia, que em qualquer caso exige-se o requisito de 16 anos como idade mínima! Aliás, esta é a regra. Qual a exceção? A exceção: ocorre emancipação legal do nubente que se casa com menos de 16 anos, sob alvará judicial, em exceção legalmente prevista (Art. 1.520). 16 Questões: No caso de pessoas que se emancipam com o casamento, se tais pessoas se descasam antes de completar 18 anos, voltariam a ser incapazes? E no caso do emancipado por força de assunção de cargo público efetivo, se vier a deixar o cargo, enquanto menor? Para Venosa, neste segundo caso haveria retorno à situação de incapaz. Gonçalves e Silvio Rodrigues: a emancipação é irrevogável em qualquer hipótese. Também entendemos assim. Individualização da pessoa natural Se os objetos são identificados dentro de suas coletividades, quanto mais o homem, figura essencial das relações jurídicas (o direito está para o homem). A correta individualização da pessoa é uma questão de interesse do Estado e da sociedade, e está associada ao princípio da segurança jurídica. A pessoa natural se individualiza, se identifica, dentro do grupo social, com base em três critérios principais: a) nome; b) estado (que pode ser individual, familiar ou político); c) domicílio. Nome Josserand, citado por Gonçalves: o nome é uma etiqueta colocada sobre cada um de nós. Entendemos por nome o nome completo da pessoa, que se forma pelo prenome + sobrenome. Não costumamos, porém, nas relações cotidianas, perguntar o prenome, mas o nome, quando desejamos apenas o prenome. A diferenciação, na 17 prática, assim se faz: quando se pergunta o nome, se é numa conversa informal, responde-se apenas o prenome. Se a conversa é formal, perante autoridade, no cartório ou preenchendo um simples cadastro comercial, respondemos o nome completo. Aspectos do nome O nome apresenta dois aspectos distintos: o público e o privado. Público: o Estado tem interesse na perfeita individualização das pessoas, por questões de segurança, no sentido mais amplo possível, que vai desde a identificação criminal até a cobrança correta do tributo. Privado: é direito da personalidade (eis sua natureza jurídica), imprescritível e inalienável, como será visto mais à frente (direitos da personalidade). Partes do nome Nome = prenome + sobrenome (Art. 16). O sobrenome também é conhecido como apelido de família, nome de família ou patronímico. O prenome pode ser simples (João, Maria) ou composto (José Maria, José Marco Antonio). O prenome é escolhido pelos pais, ou pelos representantes legais, no caso da criança nascer com os pais pré-mortos (é possível: pai morto e mãe morta no parto. Há também defuntas que dão à luz). A escolha está limitada a não poder escolher nome que exponha seu portador ao ridículo. O sobrenome indica a genealogia da pessoa, sua origem familiar. Este não é escolhido pelos pais, mas transmitido, necessariamente, pelos pais. 18 Agnome é partícula distintiva, que poderá aparecer para distinguir pessoas familiares com o mesmo nome: José da Silva Junior; João José da Silva Neto; José da Silva Sobrinho; Manoel da Silva Filho; Arthur Souza Primo. Princípio da imutabilidade do nome Esta a regra que vigora, da imutabilidade do nome, seja pelo interesse que o Estado tem nessa estabilidade, ou mesmo pelo aspecto personalíssimo desse direito. Não se muda o nome, eis a regra. As exceções? Excepcionalmente, será admitido alterar o prenome, nos casos de: a) exposição do portador ao ridículo (Art. 55, parágrafo único, LRP, na redação original); b) evidente erro gráfico (Art. 58, parágrafo único, LRP, na redação original); As hipóteses “a” e “b” são aplicáveis? Sim, inclusive por haver permanecido o procedimento para instrumentalização desses dispositivos (Arts. 109 e 110 da mesma Lei). E o princípio da dignidade da pessoa (Art. 1º, III, CF), seria fundamento? c) substituição por apelidos públicos notórios (Art. 58, LRP, modificado pela Lei nº 9.708/98). A jurisprudência já admitia o acréscimo, como no nome de Lula, mas agora é possível a substituição: ao invés de Edson Arantes, por exemplo, Pelé Arantes. 19 d) substituição para proteção em caso de haver colaborado com a Justiça Criminal (Art. 58, parágrafo único, LRP, modificado pela Lei nº 9.807/99); e) adoção de pessoa menor de idade (Art. 1.627); f) a jurisprudência admite a tradução de nomes estrangeiros, com vistas a facilitar o aculturamento, a adaptação da pessoa; g) quando o nome estrangeiro expuser o seu portador ao ridículo – há um atleta suíço, cujo nome se pronuncia Sergay... (Lei nº 6.815/80 – situação do estrangeiro no Brasil). Mudanças excepcionais no sobrenome são possíveis, como nos casos de: a)adoção de pessoa menor (Art. 1.627); b) STJ já decidiu: “o nome pode ser modificado desde que motivadamente justificado”. Lembro, novamente, do princípio maior, o da dignidade da pessoa. STJ deferiu caso em que o sujeito fora abandonado, desde tenra idade, pelo pai, e era conhecido pelo sobrenome de sua mãe. Com justiça ele se livrou do sobrenome do pai, realizando seu desejo; c) casamento (Art. 1.565, § 1º); d) separação e divórcio (Arts. 1.571 e s.); e) reconhecimento de filho (Art. 1.609); f) união estável (Art. 57, § 2º, LRP, por analogia); (Comentar o dispositivo que é muito anterior à união estável, e se refere, em verdade, ao concubinato). g) transexualismo, com mudança cirúrgica de sexo (doutrina e jurisprudência – e o Art. 1º, III, CF? ); h) filiação socioafetiva (doutrina). 20 Havendo estudado o nome, vejamos o estado, que é o outro critério de individualização da pessoa. Estado civil O estado civil pode ser: individual, familiar ou político. Estado civil individual É o modo de ser da pessoa, diz Gonçalves, quanto à idade, sexo, cor, altura, peso, cor dos cabelos, saúde, escolaridade, enfim, fala de caracteres físicos e intelectuais (é o indivíduo frente ao espelho). Estado civil familiar Fala do indivíduo em relação à família em sentido amplo (conceito predileto de Josserand): grau de parentesco (pai, filho, irmão), em face do casamento (solteiro, casado, separado judicialmente, em união estável, divorciado, viúvo). Estado civil político Diz do indivíduo em relação aos aspectos políticos, à cidadania: nacional (nato ou naturalizado) ou estrangeiro. Observação: é de tal importância o estado familiar, que costumeiramente quando se quer fazer referência a ele dizemos apenas estado civil, quando tecnicamente seria o correto estado civil familiar, pois o estado civil pode ser, como visto, individual, familiar ou político. Domicílio Para completar o tema individualização da pessoa natural, veremos o estudo do domicílio. Em tópico próprio falaremos do domicílio da pessoa jurídica. 21 Conceito: é a sede jurídica da pessoa natural, o lugar em que a pessoa centraliza suas relações jurídicas. No Art. 70 temos que o domicílio da pessoa natural é o lugar onde ela estabelece a sua residência com ânimo definitivo. Considerando o disposto nos Arts. 70 + 74, temos que: domicílio = residência (lugar físico, elemento objetivo) + animus (desejo de fixação, de permanência, que é o elemento subjetivo). (Comentar o conceito...) Domicílio X residência X habitação ou morada (Fora da técnica jurídica são tomados como sinônimos, no entanto domicílio é a sede jurídica da pessoa; residência é elemento de domicílio, um estado de fato; habitação é relação de fato inferior a residência: estada em hotel, casa de veraneio etc). É possível, portanto, ter várias residências, habitações, mas domicílio único. Como é possível, também, ter vários domicílios (próxima idéia). Princípio da pluralidade de domicílios Além de domicílio com sentido geral (Art. 70), o novo Código apresenta: a) domicílio profissional ou funcional (Art. 72), que pode ser único ou múltiplo (parágrafo único do Art. 72). Trata-se de domicílio específico para as relações jurídicas voltadas para o exercício da profissão (interpretação literal da norma é suficiente); b) domicílio ocasional – Gonçalves (Art. 73), para o caso de pessoas que não têm paradeiro, convencionando a lei que será o lugar em que forem encontradas; 22 c) domicílio especial (Art. 78), que se divide em: do contrato, que é aquele escolhido pelas partes para o cumprimento do contrato; e de eleição, escolhido para eventual propositura de ação para solver litígios entre as partes contratantes. Orlando Gomes fala, ainda, de domicílio aparente, que seria aquele que, embora não fosse domicílio propriamente, por falta do elemento subjetivo, transparecesse, a terceiros, a qualidade de domicílio. Entendo que o parágrafo único do Art. 74 a ele se refere. Classificação Seguindo excelente classificação de Gonçalves, temos, portanto: O domicílio pode ser: a) voluntário; b) necessário ou legal. O voluntário, por sua vez, subdivide-se em: a) geral; b) especial. Em regra o domicílio decorre da vontade, mas o necessário ou legal é aquele imposto, por conveniência, pelo Estado. Têm domicílio necessário: - o militar da ativa; - o incapaz; - o marítimo; - o preso; - o servidor público. Perde-se o domicílio? 23 Perde-se pela sua mudança voluntária, ou por assumir a pessoa uma condição jurídica para a qual o Estado declina domicílio necessário. Exemplos da segunda hipótese: João se torna incapaz; Maria foi condenada a pena restritiva de liberdade etc. DIREITOS DA PERSONALIDADE O que são? São direitos subjetivos indisponíveis, entranhavelmente ligados à personalidade, que guarnecem a dignidade da pessoa humana. Dizem respeito ao homem, ao ser humano, mas excepcionalmente poderão pertencer à pessoa jurídica (Art. 52 - ver posteriormente). Origem e importância Referidos direitos ganham importância na proporção direta da civilização humana. O Cristianismo, que ensina, sobretudo, o amor ao próximo como a si mesmo, teve e tem importância fundamental no desenvolvimento desses valores que engrandecem a alma, promovendo o ser humano. A escola de direito natural também tem papel relevante no crescimento dos direitos personalíssimos (intuitu personae). Dentre os documentos mais importantes, Gonçalves lembra da Declaração dos Direitos do Homem, de 1789 (a francesa) e a Declaração pós-guerra, de 1948, das Nações Unidas. No Brasil, sua primeira fonte foi a jurisprudência. A CF/88 foi a grande norma ensejadora da necessidade de se positivar a matéria: Art. 5º, inc. X – anunciou a inviolabilidade da intimidade, da privacidade, da honra e da imagem, com a correlata garantia de indenização por dano material ou moral. 24 Com essa provocação, o Novo Código, pela primeira vez, traz a matéria, em capítulo próprio, Arts. 11 a 21. A matéria ainda é tratada timidamente, sem o desembaraço ideal, mas, na opinião de Miguel Reale, foi proposital apresentar poucas normas dotadas de rigor e clareza, cujos objetivos permitirão os naturais desenvolvimentos da doutrina e da jurisprudência. Espécies: a) inatos: que surgem com o surgimento da personalidade – direito à vida, à integridade física, à honra, à imagem, a alimentos. Aliás, podem preceder o início da personalidade, em homenagem à proteção do concepto; b) adquiridos: conquistados no exercício da personalidade – direito ao nome, ao apelido, à obra literária. Fundamento Vemos como direitos fundamentados no princípio constitucional da dignidade da pessoa (CF, Art. 1º, inc. III). Certamente nenhum outro princípio pode servir de base, com tanta propriedade, quanto este, o princípio dos princípios constitucionais. Para o Cristianismo, o fundamento desses direitos repousa no fato de a criatura humana ser imagem e semelhança de Deus. Rol exemplificativo Não existe a pretensão, por parte da lei ou da doutrina, de listar exaustivamente esses direitos, mas, à guisa de exemplos, temos os direitos à (ao): a) vida (ou melhor, ao respeito à vida); 25 b) liberdade; c) alimentos; d) honra; e) nome; f) apelido notório; g) boa fama; h) imagem; i) próprio corpo (vivo e morto); j) intimidade; k) privacidade; l) planejamento familiar; m) poder familiar; n) liberdade de pensamento;o) liberdade de culto; p) criação científica, literária e artística. Para Rubens Limongi França, esses direitos podem ser classificados em 3 categorias: a) integridade física (vida, liberdade, alimentos, próprio corpo); b) integridade intelectual (liberdade de expressão, de culto, de criação artística); c) integridade moral (honra, nome, imagem, apelido). Quais seus caracteres? a) indisponibilidade – acreditamos ser o principal atributo, do qual decorrem os demais. Indisponíveis por serem direitos fora do comércio (Silvio Rodrigues), que, por sua própria natureza, são indestacáveis da persona. Como posso dispor de minha honra, de meu nome, de minha liberdade, de minha vida? Essa indisponibilidade, modernamente, tem-se entendido ser relativa, ou seja, excepcionalmente, admite-se a disposição do direito à imagem, à criação 26 intelectual, como a doação de órgãos (sempre gratuita) para fins altruísticos e terapêuticos (Maria Helena + Gonçalves + Venosa). Questão: que significa não podendo o seu exercício sofrer limitação voluntária (Art. 11, parte final)? Outra questão: que significa sem prejuízo de outras sanções previstas em lei (Art. 12, parte final)? STJ: Os direitos personalíssimos, em caso de ofensa, podem ser reclamados pelos sucessores do ofendido, pois o direito de ação, neste caso, ganha natureza patrimonial. Qual a inteligência desse texto jurisprudencial (o que significa)? b) intransmissibilidade e irrenunciabilidade (Art. 11) – decorrem da indisponibilidade, como dito acima. Nem posso transmitir (alienar) nem renunciar (abrir mão da titularidade desses direitos), posto que são indestacáveis da pessoa. Falar dos alimentos... Questão: comente o Art. 1.707, 1ª parte. c) absolutos. O que significa, são direitos absolutos, que se sobrepõem a quaisquer outros? Fala, na verdade, da oponibilidade erga omnes (são direitos que correspondem ao dever de abstenção - obrigação de não fazer, a todos imposto); 27 d) ilimitados – a lei (Arts. 11 a 21) e a doutrina apresentam rol aberto, meramente exemplificativo. Existem na amplitude necessária para proteção integral da pessoa, frente a todas as circunstâncias da vida. Além dos já listados, Gonçalves lembra: direito ao meio ambiente ecológico, velhice digna, segredo profissional. De minha parte, acrescento: - direito a conhecer a origem biológica; - direito à paternidade e à filiação socioafetivas; - direito ao estado civil familiar; − direito a amar e a ser feliz. Questão: como posso exercer esse direito: em família matrimonializada? Em união estável? Em união homoafetiva? Em família monoparental? Solitariamente? Outra: pode-se exigir a prestação de afeto (a exemplo do pai que não exerceu a função paterna, poderia dele se exigir reparação)? e) imprescritibilidade – não perecem pelo não uso (grosso modo, prescrição é fenômeno jurídico que consiste no perecimento do direito em razão de dois fatores: não utilização + decurso do tempo). A pretensão indenizatória, porém, prescreve (Art. 206, § 3º, inc. V); f) impenhorabilidade – por serem indisponíveis, indestacáveis da pessoa. Excepcionalmente poderá ser objeto de penhora os reflexos patrimoniais, 28 naquelas hipóteses em que a pessoa dispõe de uma obra literária ou de sua imagem (fins comerciais); g) vitaliciedade – seguindo a lição de Gonçalves, este seria o último atributo ressaltável: referidos direitos duram por toda a vida, ou seja, enquanto dura a personalidade jurídica da pessoa natural. Questão: esses direitos podem ultrapassar os limites da existência da personalidade jurídica da pessoa natural? Hipóteses legais CC/02 - direitos da personalidade – rol aberto: a) disposição do próprio corpo (Arts. 13 e 14); Questão: é possível a redução de mama para fins estéticos? Outra: enxertos e próteses fazem parte do corpo? Lei nº 9.434, de 4 de fevereiro de 1997: transplante (parágrafo único do Art. 13). Princípio do consenso afirmativo – não pode ser implícita a vontade de doar órgãos. b) não constrangimento a tratamento médico de risco (Art. 15) – o médico deve informar ao paciente acerca dos riscos e tratá-lo com sua anuência. Questão: se o enfermo for incapaz? Aqui também está o direito ao próprio corpo. Questão: esse direito autoriza o suicídio e a autolesão? Questão: autoriza a eutanásia? 29 Questão: autoriza o aborto? Questão: É possível a cirurgia estética, de mama (aumentar/diminuir), de nariz etc? Questão: esse direito autoriza alguém a resistir (se negar) a um transplante de órgão ou transfusão de sangue, em iminente risco de morte? (TJ/SP, STJ, Doutrina); c) ao nome e ao pseudônimo (Arts. 16 a 19); Um dos efeitos da sentença que reconhece o vínculo de filiação (na ação investigatória de paternidade) é o direito ao nome do pai. d) proteção à imagem e à palavra (Art. 20); Imagem: representação da figura humana, pela pintura, escultura, fotografia, película (filme). Palavra: escrita ou falada. e) à privacidade (Art. 21); Questões: aqui está ínsito o direito à intimidade? São sinônimos? QUESTÕES DE REVISÃO E FIXAÇÃO: 1. Norma promulgada é norma em vigor? 30 2. Nem todo uso é costume nem toda decisão é jurisprudência. Comente. 3. Cite 3 princípios gerais de direito. 4. Que se entende pela expressão legal maiores de 16 (Art. 4º, I)? 5. Analfabetismo, idade avançada e cegueira seriam causas de incapacidade? 6. Condenação criminal, enseja incapacidade? 7. Liste 5 atributos de seu estado civil individual. 8. Se você lesse uma matéria em revista não especializada, onde dissesse que os direitos da personalidade são tradicionais no direito brasileiro, que comentário técnico-jurídico você faria? 9. Que significa a expressão legal: não podendo o seu exercício sofrer limitação voluntária (Art. 11, parte final)? 31 10. No programa radiofônico matutos em festa, o apresentador do programa noticiou que seriam transplantados os órgãos do falecido João, uma vez que este morrera solitário (sem família) e nunca fora contra a doação de órgãos. 11.Que é o instituto da comoriência? Qual sua importância para o direito? 12.O que é repristinação? É admitida em nosso sistema? 13. O que é a Declaração de Nascido Vivo – DNV? 14. O que é intervalo lúcido? Admitimos? AUSÊNCIA O que é? É o instituto que protege o ausente. Considera-se ausente a pessoa que abandonou seu domicílio, não deixou procurador disposto e com poderes suficientes para representá-la e não se tem notícia de seu paradeiro. Previsão legal No Código de 1916, o ausente era listado como absolutamente incapaz (era essa a visão porque há pessoas que desaparecem por perturbação mental) e a ausência constava do Livro de Família. 32 No Novo Código, o ausente não é considerado incapaz (melhor posição) e a ausência é tratada na Parte Geral (Arts. 22 e s.). Faces da ausência (por Silvio Rodrigues) O instituto é de natureza protetiva, sendo que numa primeira fase, inicial, a proteção é voltada para o ausente, numa expectativa de que este reapareça. Na segunda fase, todavia, a proteção muda de foco, voltando-se para os herdeiros. Legitimação para requerer (Art. 22) Qualquer interessado ou o MP requer a declaração de ausência, judicialmente. O juiz a declara e nomeia curador ao ausente. Classificação da ausência Vemos duas espécies de ausências, embora não tenhamos encontrado essa diferenciação na doutrina. São elas: ausência própria (pessoa desaparece sem deixar procurador - Art.22) e ausência imprópria (pessoa desaparece, deixando procurador, mas este não tem disposição ou não tem poderes suficientes para representá-lo – Art. 23). Podem ser curadores (Art. 25) a)cônjuge; b)pais; c)descendentes (os mais próximos preferem aos mais distantes). Importante observação de Gonçalves: também o companheiro, com a mesma prioridade conferida ao cônjuge. Não havendo nenhum desses, o juiz dará curador ad hoc (Art. 25, § 3º). 33 Fases da curadoria do ausente (por Gonçalves) 1ª fase – curadoria do ausente: visa à proteção do ausente, preservando-lhe o patrimônio, na expectativa de sua reaparição (Arts. 22 a 25). 2ª fase – sucessão provisória: à medida que diminui a possibilidade do reaparecimento, cresce a presunção da morte; daí o legislador passar a visar à proteção dos sucessores (Arts. 26 a 36). 3ª fase – sucessão definitiva: presunção da morte real, produzindo, portanto, todos os efeitos pertinentes à extinção da pessoa natural (com o fim de sua personalidade jurídica). Procedimento para arrecadação dos bens do ausente Há procedimento especial de jurisdição voluntária: CPC, Arts. 1.159 e s. Questão: os bens sob curatela podem ser desapropriados? Legitimação para requerer a sucessão provisória (Art. 27) a)cônjuge (ou companheiro, lembra Gonçalves); b)os herdeiros presumidos; c)pessoas que tenham aquisição de direito condicionada à morte do ausente; d)credor. Sucessão provisória e caução Decorrido 1 ano (ausência própria) ou 3 anos (ausência imprópria), a contar da arrecadação, será aberta a sucessão provisória. Como nessa fase a proteção ainda é voltada para o ausente, observe o Art. 28: a sentença que abre essa sucessão precária só transita em julgado em 6 meses, quando, então, concluído o inventário, dar-se-á a partilha. 34 Os sucessores prestarão caução (garantia) – Art. 30, salvo os descendentes, ascendentes e o cônjuge (Art. 30, § 2º). Questão: se o sucessor não puder caucionar, ainda assim entrará na posse? Questão: os herdeiros provisórios podem alienar os bens? (Ver Art. 31) Os sucessores provisórios representam o ausente, ativa e passivamente (Art. 32). Eventuais demandas contra o ausente refletirão contra os tais sucessores, assim como os sucessores provisórios poderão demandar em nome do ausente, enfim, eventuais contratos em andamento (fase de execução, cumprimento do contrato) serão discutidos pelos sucessores provisórios. Efeitos da posse provisória (Art. 33) a)descendentes, ascendentes e cônjuge fazem seus todos os frutos e rendimentos, ainda que o ausente reapareça e demonstre ter sido vítima de força maior; b)demais sucessores devem poupar metade desses frutos e rendimentos, que serão devolvidos caso o ausente reapareça e demonstre ter sido vítima de força maior. Notícia de morte real (Art. 35) Se durante a posse provisória houver notícia da morte, cessará a sucessão provisória, e a sucessão será considerada aberta a contar da data da morte. Cessa a sucessão provisória (Art. 1.167, CPC) 35 a)reaparição do ausente; b)com a notícia da certeza da morte; c)com a abertura da sucessão definitiva (10 anos de sucessão provisória ou 5 anos desde o desaparecimento, se o ausente conta já 80 anos). Levantamento da caução Com a sucessão definitiva (Art. 37), os sucessores que prestaram caução poderão levantá-la. Reaparição do ausente Se, após a abertura da sucessão definitiva, reaparecer o ausente, nos 10 anos seguintes, receberá os bens na situação em que se encontrar, com direito aos bens que tenham ocupado o lugar dos originários (sub-rogados) – Art. 39. Diz o mesmo dispositivo, que se eventual herdeiro comparecer no mesmo período, também sucederá com base no estado do acervo. Presunção de morte real A morte presumida só se dá com a sentença que declara aberta a sucessão definitiva (Art. 37), como se vê da parte final do Art. 6º. Logo, no caso do cônjuge, só será considerado viúvo a partir dessa sucessão definitiva. Ocorre, lembra Gonçalves, que é possível promover o divórcio, após 2 anos de separação de fato (Art. 1.580, § 2º), sendo o ausente citado por edital (matéria a ser detalhada no direito de família). Ou seja, o cônjuge pode aguardar a sucessão definitiva, quando a morte presumida produzirá o fim da pessoa natural (e as conseqüências jurídicas daí decorrentes), ou (para não esperar tanto tempo), poderá promover o divórcio. 36 Uma vantagem visível na promoção do divórcio, além do ganho de tempo, é que se o ausente reaparecer, não haverá necessidade em discutir sobre a validade do casamento mais recente, que não é tratada por nossa lei. Questões: a) a declaração de ausência ocorre em que momento: no início do procedimento (quando o juízo tem notícia da ausência), com a abertura da sucessão provisória ou com a abertura da sucessão definitiva? b) a sucessão provisória se abre após 1 ano, a contar de que termo: do desaparecimento da pessoa, da conclusão da arrecadação ou do primeiro edital publicado? c) em que momento temos a morte presumida? d) em que momento o cônjuge será considerado viúvo? e) em que momento a sucessão definitiva se torna realmente definitiva (para Silvio Rodrigues a sucessão definitiva - Art. 37 - é quase definitiva)? f) para entrar na sucessão provisória é necessário caucionar (dar garantia)? g) no caso do credor, que habilita seu crédito, precisa caucionar para receber? 37 h) com a notícia da morte real, durante a sucessão provisória, que faz o juiz: declara aberta a sucessão definitiva, seguindo o rito da morte presumida com declaração de ausência, ou encerra o procedimento especial? i) à luz do Art. 30, § 2º, o companheiro precisa prestar garantia para entrar na sucessão provisória? EXTINÇÃO DA PESSOA NATURAL Vimos que a existência jurídica da pessoa natural tem início com a vida. Todo ser humano é pessoa natural, e esta personalidade inaugura-se no instante mesmo do nascimento. Se respirar uma única vez, a pessoa natural surge e se extingue, mas, como se vê, ainda assim houve pessoa natural, cuja personalidade raiou com a vida e se apagou com a morte. Formas de extinção da personalidade O Art. 6º anuncia que a personalidade finda com a morte (paralisação da atividade cerebral, circulatória e respiratória). A morte a tudo põe fim, exceto ao amor e à alma, que são eternos. A morte aqui referida é a morte real, que se prova pelo atestado de óbito ou pela sentença declaratória de morte presumida, com ou sem declaração de ausência. Em verdade existem duas espécies doutrinárias de morte: a real e a civil. A real pode ser: real propriamente (atestado de óbito) ou presumida (sentença). A presumida pode ser com ou sem declaração de ausência. Veja os quadrinhos: - a morte se classifica em: 38 a) real; b) civil. -a morte real pode ser: a) real propriamente (corpo – atestado de óbito); b) presumida (sem o corpo – ficção jurídica). -a morte presumida pode ser: a) com declaração de ausência (Art. 6º, 2ª parte); b) sem declaração de ausência (novidade do CC/02 – Art. 7º). Quanto à morte civil, em oposição à morte real, era uma ficção jurídica, criada para se referir à pessoa que era aniquilada em todos os seus direitos civis e às pessoas que abraçavam a carreira religiosa. Havia na Idade Média, mas não hoje, posto que é instituto absolutamente incompatível com o Estado democrático de direito. Comentar hipóteses de morte presumida, sem declaração de ausência (Art. 7º, I e II). No caso de morte presumida com ausência judicialmentedeclarada, temos que só há presunção da morte após 10 anos da abertura da sucessão provisória (Art. 26), quando a lei autoriza a sucessão definitiva (Art. 37). 39 Por fim, registre-se que as sentenças que declaram a morte presumida, com ou sem declaração de ausência, devem ser inscritas no registro público (Art. 9º, IV). Morte comoriente (Art. 8º) A comoriência consiste na ficção legal de que houve o passamento simultâneo de pessoas, por não ser possível precisar o momento em que cada uma finou. Fala-se em comoriência ainda que as mortes não tenham ocorrido no mesmo lugar (João em Brasília e Maria em Porto Velho). Sem base científica, alguns sistemas adotaram outros critérios para resolver a questão: a mulher morre primeiro; o mais velho antes dos mais novos; as crianças antes dos adultos etc. Qual a aplicação do instituto da comoriência? Lembra Gonçalves que o instituto só tem serventia se a dúvida quanto ao momento da morte diz respeito a pessoas que têm, entre si, relações jurídicas que impliquem em eventual transferência de bens entre os tais. Claro, pois no exato instante em que se está lendo este texto, milhares de pessoas estão morrendo, e não há a menor necessidade de examinar quem pré-morreu ou pós-morreu a quem. O instituto ganha importância, portanto, nessas tragédias em que padecem pessoas de mesma família e até famílias inteiras: queda de aeronave, desabamento do Shopping Osasco, veículo na ribanceira etc Comentar: exemplificar com a hipótese de marido e mulher comorientes, sem descendentes nem ascendentes... 40 Questões para revisão e fixação - debate: 1. Nosso sistema, ao positivar os direitos da personalidade, o fez de forma exaustiva (numerus clausus)? 2. A morte, que põe fim à personalidade civil da pessoa natural, extingue os direitos da personalidade? 3. Qual o princípio constitucional que opera como principal fundamento jurídico dos direitos da personalidade? 4. Se você lesse na coluna social de um jornal a expressão Maria Bonita renunciou aos alimentos ao separar-se de José Lampião, que comentário técnico- jurídico você faria? 5. Defina a expressão estado civil. 6. Quais os elementos de domicílio? 7. José da Paz, militar da ativa do Exército Brasileiro, encontra-se servindo em Campo Grande-MS. Maria Beira-Sol, sua esposa, cumpre pena restritiva de liberdade no Presídio de Segurança Máxima de Catanduvas-PR. O casal tem 3 filhos, Aldo, Alba e Elbo: Aldo tem 17, Alba 18 e Elbo 19, embora este último 41 seja incapaz (está interditado e o Sr José, seu pai, é seu curador). Classifique doutrinariamente o domicílio dessas pessoas: José, Maria e seus filhos. 8. Que significa a expressão legal contida no Art. 4º, “maiores de dezesseis”? 9. Quem tem capacidade de direito, tem também capacidade de fato (ou de exercício)? 10.Diferencie estado civil individual, familiar e político. 11. Quais os elementos de domicílio? Eles estão presentes no domicílio necessário ou legal? 12. Quais as espécies doutrinárias de morte, presentes em nossa sistemática, hábeis, portanto, a extinguir a personalidade da pessoa natural? 13. Distinga normas cogentes e normas dispositivas. 42 14. O nome pode ser mudado? 15. O que é analogia? 16. O que é costume? O costume contra legem é favorável (benéfico) ao sistema jurídico? 17.Diferencie emancipação legal, voluntária e judicial. 18.Que requisito é comum às diversas modalidades (questão anterior) de emancipação? 19. Maria casou-se aos 16 anos, vindo a descasar-se aos 17. Supondo que seu casamento tenha produzido efeitos (casamento válido), no período entre o seu descasamento e sua maioridade, Maria seria capaz, relativamente incapaz ou absolutamente incapaz? 20. A capacidade a que se está referindo a questão anterior é a capacidade de fato ou de direito? 43 PESSOAS JURÍDICAS Idéias introdutórias As pessoas jurídicas são uma criação humana, artificiais, portanto, por conveniência da sociedade (facilitar a consecução de certos fins). Imitam a pessoa natural, seja no tocante à capacidade, ou ao fato de nascerem (ao se constituírem), produzirem (participando do tráfico jurídico) e morrerem (ao se extinguirem). As disposições legais, de ordem geral, estão nos Arts. 40 e s. Por fim, uma mensagem: o direito existe para as pessoas naturais, e para as pessoas jurídicas, por causa das pessoas naturais (observe que a pessoa jurídica, portanto, é instrumento). Conceito (por Gonçalves) Às vezes chamada de pessoa moral (Suíça e França), pessoas coletivas (Portugal), ente de existência ideal (Argentina), mas, aqui, na Alemanha, na Espanha e na Itália chamamos pessoa jurídica, que é entidade a que a lei confere personalidade, capacitando-a a ser sujeito de direitos e obrigações. Maria Helena traz este conceito: é a unidade de pessoas naturais ou de patrimônios, que visa à consecução de certos fins, reconhecida pela ordem jurídica como sujeito de direitos e obrigações. 44 Questão: a personalidade da pessoa jurídica se confunde com a das pessoas naturais empreendedoras? (Interpretar o Art. 50, a contrario sensu). Natureza jurídica Várias escolas apareceram para explicar o que significa a pessoa jurídica para o direito. Segundo Gonçalves essas escolas podem ser divididas em dois grupos: os que trazem a teoria da ficção e os da teoria da realidade. Teóricos da ficção A pessoa jurídica é uma ficção jurídica, pois só a pessoa natural pode se arvorar em sujeito de uma relação jurídica. Ou seja, a pessoa jurídica não tem existência real, mas é mero conceito intelectual. Essas teorias não têm aceitação hoje e a maior crítica que receberam é que o Estado seria uma ficção, e, logo, todo o ordenamento jurídico colocado por ele também seria fictício, o direito dito por ele (jurisdição) seria uma ficção. Teóricos da realidade São várias as teorias que pertencem a essa escola: a) da realidade objetiva ou orgânica: é uma realidade sociológica (independe, portanto, do poder de criação do Estado); 45 b) da realidade jurídica ou institucionalista: também dá ênfase à origem sociológica, acrescentando que têm destinação certa a um serviço ou ofício, e por isso adquiriram personalidade; c) da realidade técnica: aqui estão Colin e Capitant. A personificação é atribuída a agremiações às quais a lei reconhece vontade e finalidades. É acusada de ser positivista, mas é a que melhor explica o fenômeno em que uma agremiação adquire personalidade jurídica distinta da de seus membros. Aqui está ancorada a sistemática brasileira (Arts. 45, 51, 54, 61, 69). Requisitos Gostamos da organização que Gonçalves dá ao identificar os requisitos. São quatro: a) vontade humana; b) elaboração do ato constitutivo; c) registro do ato constitutivo; d) liceidade do objeto. Comentando um a um: a) vontade humana: vontade humana criadora, diz Gonçalves. Esta se materializa no ato constitutivo, que deve ser escrito, e reflete a affectio societatis (intenção comum); Há a convergência de duas ou mais vontades, e é exemplo de negócio jurídico plurilateral (as vontades não se convergem uma em direção à outra, mas convergem para o objeto). b) elaboração do ato constitutivo: sempre escrito, é exigência legal. Nas associações, é o estatuto (Art. 54), nas sociedades, o contrato social (Art. 981), e nas fundações, a escritura pública ou testamento (Art. 62). Comprova a affectio societatis, a vontade de empreender conjuntamente;46 c) registro do ato constitutivo: perante o órgão competente (veremos caso a caso); d) liceidade do objeto: seja no modelo criado para a especulação econômica, seja no modelo criado para a promoção social, importa que seja lícito o objetivo; A pessoa jurídica não pode funcionar como uma máscara para a atividade fraudulenta de pessoas naturais. É um organismo criado para o bem. Objetivos ilícitos levam à dissolução compulsória da pessoa jurídica (Arts. 51 e 69). Na verdade a ação estatal, criadora desses entes, age de duas formas: ora preventiva ora repressivamente. Preventivamente: impede que se forme com objeto ilícito (Art. 46, I, Art. 54, I e Art. 62, caput e parágrafo único – os fins). Repressivamente: dissolução compulsória (Arts. 51 e 69). Início da personalidade Tem início a personalidade com a existência legal (antes é mera sociedade de fato, marginal), que se dá com o registro no órgão competente (Art. 45). A pessoa natural adquire personalidade com o nascimento (não com o registro), mas a pessoa jurídica, esse ente abstrato, fruto do engenho humano, adquire personalidade com o registro (este é o seu nascimento). Se é pública surge com uma norma. Capacidade jurídica X capacidade de exercício X pessoa jurídica 47 Embora haja alguma confusão na doutrina1, a pessoa jurídica possui uma única capacidade, a jurídica (ou de direito, ou de aquisição). Jamais possuirá capacidade plena, pois não é hábil a conjugar a capacidade jurídica à capacidade de exercício (ou de fato). Age sempre representada pelo órgão indicado no ato constitutivo (diretoria, assembléia geral, conselho deliberativo). Maria Helena explica que ao se referir à representação, não dizer que seja pela pessoa natural, mas pelo órgão da pessoa jurídica (naturalmente esse órgão é formado por pessoas naturais). Questão: a capacidade jurídica (ou de aquisição) é ilimitada na pessoa natural. E para a pessoa jurídica? (Venosa abona nossa resposta). Questão: essa capacidade está voltada unicamente para a questão patrimonial? Classificação da pessoa jurídica 1) quanto à nacionalidade: a) nacional; b) estrangeira (mais limitada que a nacional – princípio da soberania, Art. 170, I, CF – autorização do poder executivo). 1 Gonçalves, com base em Pontes de Miranda (“o pai de todos”), e Venosa. Entendem que a representação dos incapazes difere ontologicamente (estruturalmente) da representação das pessoas jurídicas, onde não seria exatamente uma representação, mas “presentação” apenas. Venosa ilustra: o diretor manifesta a vontade da assembléia geral, que pode não coincidir com a sua vontade própria. Pergunto, porém: quando eu represento o incapaz, não estou, também, sendo “a voz dele em minha boca”? Em tese, eu não estou exprimindo a vontade do incapaz? Logo, entendo que a pessoa jurídica seria representada, sim, por não possuir capacidade de exercício (ou de fato). 48 2) quanto à estrutura interna: a) corporação; b) fundação. A corporação reúne pessoas. Há o patrimônio inerente à consecução de seus objetivos, mas o conteúdo está na união das pessoas, na união de suas forças e potencialidades. As corporações, por sua vez, subdividem-se em: a1) sociedades e a2) associações. As sociedades, por sua vez, subdividem-se em: a2.1) simples e a2.2) empresárias. Essas sociedades eram classificadas, no sistema anterior, em civis (hoje simples) e comerciais (hoje empresárias). A fundação reúne patrimônio, este é o seu conteúdo. Idealizado por uma pessoa, inter vivos (por escritura pública) ou causa mortis (por testamento), onde esse patrimônio é destinado a uma finalidade social, sem lucro. 3) quanto à função: a) de direito público; b) de direito privado. As de direito público podem ser de: a1) direito público interno – Art. 41 ou a2) de direito público externo – países estrangeiros, organismos internacionais (ONU, OEA, MERCOSUL, UNESCO) Santa Sé etc (Art. 42). Como explica Gonçalves, as pessoas jurídicas de direito privado são as corporações (associações ou sociedades) e as fundações. Questão: de que natureza são as agências reguladoras? Outra: e as fundações públicas? 49 Outra: partidos políticos, sindicatos e organizações religiosas? Pessoas jurídicas de direito privado – as diversas estruturas a) associações; b) sociedades; c) fundações. Não aprofundaremos as organizações religiosas, nem os partidos políticos. Os partidos políticos possuem legislação específica, na seara do direito eleitoral (público). São entidades de direito privado, que recebem apenas subsidiariamente a aplicação da lei civil (Art. 44, § 3º). Quanto às organizações religiosas, são formadas livremente (Art. 44, § 1º), em atenção ao direito constitucional de liberdade de culto (Art. 5º, inc. VI). Assim como os partidos políticos, são associações especiais. Comentários às espécies a) associações; Pessoas que se reúnem, para fins não lucrativos (fins não econômicos, diz a lei – Art. 53). O parágrafo único do Art. 53 diz: não há, entre os associados, direitos e obrigações recíprocos. Essas agremiações têm finalidade altruística, científica, cultural, beneficente (promoção social), religiosa, educativa, política, esportiva e culturais. Não visam lucro, traço distintivo das sociedades (finalidade econômica). Sob pena de nulidade, o estatuto deverá conter os requisitos mínimos do Art. 54. A exclusão de associado só é admissível em havendo justa causa, assegurado o direito à ampla defesa (Art. 57). 50 Por outro lado, querendo demitir-se, é livre o associado, por garantia constitucional (ninguém poderá ser compelido a associar-se ou a permanecer associado - Art. 5º, inc. XX). Têm existência legal a partir do registro no Cartório de Registro Civil das Pessoas Jurídicas (Arts. 114 e s, LRP). Comentar o Art. 114, II, LRP: sociedades civis, religiosas... O registro serve de prova e é elemento constitutivo, proporcionando personalidade jurídica à pessoa jurídica. Questão: essa personalidade limita-se ao campo patrimonial? A associação pode sofrer dissolução (fim de sua personalidade, como a morte para a pessoa natural): - voluntariamente, por deliberação de seus membros; - compulsoriamente, por haver se tornado inconveniente ou nociva para a sociedade (por ato do poder público), como se verá mais avante. RT, 786/163: traz caso de dissolução compulsória de agremiação formada por torcedores. Finalidade da agremiação: incentivar o time. Prática: incentivava a violência, difundindo o pânico e o terror. Questão: com a dissolução, qual o destino do patrimônio? (ver Art. 61). b) sociedades; É matéria típica da disciplina Direito Empresarial. Portanto, apenas lampejos por agora... Havendo sido revogada a Parte Geral do Código Comercial, toda sociedade passa a ser classificada como civil. A sociedade que chamávamos comercial é agora a empresária, e a que chamávamos civil é agora a simples. 51 Traço essencial de distinção das associações é que a busca do lucro está nas sociedades. Por meio do contrato social (Art. 981), os sócios se obrigam reciprocamente, contribuindo com bens e serviços e rateando, entre si, os resultados. As sociedades simples são formadas por pessoas que atuam numa mesma área técnica: medicina, advocacia, odontologia, engenharia, professores. As sociedades empresárias desempenham atividade própria de empresa, e assumem as categorias de sociedade em nome coletivo, sociedade em comandita simples, sociedade em comandita por ações, sociedade limitada,sociedade anônima ou por ações. Exemplo de sociedade empresária: as grandes construtoras. c) fundações; Não reúnem pessoas, mas bens (patrimônio), que são aplicados, sem finalidade lucrativa, a uma finalidade essencialmente social, por vontade de seu instituidor. Essa finalidade social seria dentre as indicadas no parágrafo único do Art. 62: religiosa, moral, cultural ou de assistência. Decorre de ato inter vivos ou causa mortis, ou seja, por escritura pública ou por testamento, respectivamente (Art. 62). Adiante-se que a fundação pode ser pública ou privada. Esta última é regida pelo Código Civil. A pública, pelo direito administrativo (direito público), onde estão as normas específicas. Logo, não são estudadas aqui (pessoas de direito privado). Formação da fundação Segundo lição de Gonçalves, a fundação (sem adjetivo, entenda-se de direito privado) forma-se em 4 fases: 1ª fase: ato de dotação ou de instituição (Art. 62); Questão: se bens deixados em testamento, para certa finalidade, não forem suficientes para dotarem o patrimônio da fundação desejada pelo falecido? 52 2ª fase: elaboração do estatuto (Art. 65); Questão: se o estatuto não for elaborado pelo próprio instituidor nem por pessoa por ele designada, o MP poderá fazê-lo? 3ª fase: aprovação do estatuto: pelo MP estadual da localidade (autoridade competente – Art. 65, parte final). Papel do MP: verificar se a ordem pública está sendo respeitada (liceidade do objeto – Art. 115 da LRP), assim como a vontade do instituidor e a quantidade de bens (se é suficiente). O MP poderá indicar modificações ou denegar aprovação. Se interessados eventualmente discordarem, poderão acionar o juiz (Art. 65, parte final). Se é o MP quem elabora o estatuto, a aprovação ficará por conta do juiz (CPC, Art. 1.202). No CPC, Arts. 1.199 e s. temos: da organização e da fiscalização das fundações. 4ª fase: registro (LRP, Art. 114, I). Faz-se no Registro Civil das Pessoas Jurídicas. Questões: -quem fiscaliza as fundações? -se estiverem em território federal? -se a atividade da fundação se estender a mais de um estado-membro da federação? Corporação X fundação - A grande diferença, portanto, está em que uma reúne pessoas, a outra, patrimônio. - As corporações surgiram em Roma, as fundações na Idade Média. 53 - As corporações podem visar ao lucro (sociedades) ou não (associações). A fundação não visa ao lucro. - As corporações são voltadas para o seu interior, ou seja, os esforços conjugados buscam atender, em plano imediato, os interesses de seus agremiados. As fundações têm objetivos externos. Voltadas para fora, em atenção à vontade de quem as instituiu. - As corporações nascem de contrato social (sociedades simples e sociedades empresárias) ou do estatuto (associações), enquanto as fundações surgem de escritura pública ou testamento. - As corporações são negócios jurídicos plurilaterais, enquanto as fundações são unilaterais. − As corporações surgem inter vivos, mas as fundações nascem inter vivos ou causa mortis. − Sociedade de fato Sociedade de fato ou sociedade irregular é aquela que, tendo existência fática, inexiste para o direito (é fato extrajurídico), por não haver se constituído por meio do registro competente. A personalidade jurídica da pessoa jurídica surge com o registro, logo... Com o registro, surge a personalidade, o que resulta em distinção patrimonial pessoa natural/pessoa jurídica, e assim, autonomamente, a pessoa jurídica se torna sujeito de direitos e obrigações na órbita civil. A sociedade irregular, ao revés, não tem esse perfil, por faltar-lhe a personalidade. 54 Questão (com base em Caio Mário): se uma sociedade de fato se regulariza perante a lei, a personalidade que adquire é fenômeno retroativo ao momento do início de suas atividades? Art. 990: os sócios respondem solidária e ilimitadamente pelas obrigações sociais. O que se observa dos Arts. 998 e 990 é que a lei atribui pesos diversos à responsabilidade dos sócios na sociedade irregular: - responsabilidade subsidiária aos sócios em geral; - responsabilidade direta ao que contratar, representando a sociedade de fato. Questões: -que significa responsabilidade subsidiária? -que significa responsabilidade direta? Confundem-se, na verdade, os patrimônios, de forma que eventuais credores alcançam ambos os patrimônios como se fora um só. Como ao Estado não interessa a sociedade irregular (insegurança jurídica, prejuízo fiscal), apresenta normas que sancionam o seu funcionamento. Ex.: os sócios, entre si e com terceiros, só podem provar a existência da sociedade por escrito, mas terceiros (credores, por exemplo) podem provar por qualquer meio lícito (Art. 987). Questões: − pode ser demandada em juízo? -pode demandar em juízo? 55 -se possível, quem a representaria, já que não há ato constitutivo indicando quem a representa? -na hipótese de demandar em juízo, o demandado poderia alegar a irregularidade dessa sociedade para se furtar ao cumprimento da obrigação (lembrar do princípio que veda o enriquecimento ilícito)? -pode contratar a compra e venda de um imóvel, registrando a escritura exigida por lei? Ademais, em disciplina autônoma essas sociedades serão estudadas com mais vagar (direito de empresa). Aqui, apenas a teoria introdutória (ufa!). Domicílio da pessoa jurídica Qual o domicílio da pessoa jurídica em geral? Qual o domicílio da pessoa jurídica de direito público interno, como, por exemplo, o Município de Campo Grande ou o Estado de Mato Grosso do Sul? Entes despersonalizados Há situações em que se tem reunião de pessoas e/ou de bens, sem haver affectio societatis, mas esta reunião, que não resultou da vontade, se deu em razão de um ato ou de um fenômeno jurídico. Nesse caso, não temos pessoa jurídica (personalidade), nem mesmo de fato (despersonalizada), mas entes aos quais chamamos despersonalizados (sem serem sociedades de fato). 56 Os tais entes despersonalizados, ou entes com personificação anômala (como prefere Venosa), têm, por força de lei, capacidade para demandar e sofrer demandas. São eles: a) massa falida; b) herança jacente; c) herança vacante; d) condomínio; e) espólio. Embora Gonçalves cite a família, entendemos que não seria o caso, pois neste grupo social, base da sociedade, cada membro, em per si, age enquanto sujeito de direitos e obrigações, não sendo o caso de agirem conjuntamente (Venosa, Orlando Gomes). Na lição de Gonçalves, a sociedade de fato está listada entre os entes despersonalizados. Embora seja um ente despersonalizado, por não existir para o direito, entendemos que não deve ser contada nessa classificação, pois aqui estão aqueles entes que existem, sim, para o direito, mas para os quais não existiu a affectio societatis. Origem A agremiação surge de um ato ou fenômeno jurídico: a) de uma sentença, no caso da herança vacante, da massa falida; no caso do condomínio, o contrato de aquisição conjunta de um bem, gera o ente coletivo despersonalizado; b) de um fenômeno jurídico (abertura da sucessão), no caso da herança jacente e do espólio. Em todos esses casos há um ponto em comum: os entes despersonalizados não resultaram da vontade das pessoas que o formam, mas essas pessoas estão ligadas por um objetivo em comum. Vejamos: 57Os herdeiros, no espólio, formam um condomínio que não desejaram formar – Art. 1.791 (não há affectio societatis), mas há um interesse comum a todos eles: a herança. Outro exemplo: também os credores da massa falida (olhando do ângulo dos credores); e a reunião de bens (do ângulo da massa falida). Desconsideração da pessoa jurídica Palavras introdutórias Como visto, exceto na sociedade irregular ou de fato, a pessoa jurídica tem personalidade distinta da de seus membros, o que distingue, portanto, os patrimônios daquela e destes. Esse fenômeno jurídico, que foi idealizado para a segurança jurídica dos membros, que estariam imunes aos imprevistos que acometessem a pessoa jurídica, é, todavia, por vezes, um instrumento para fraudar credores, cometer ilícitos. Nas palavras de Gonçalves, a pessoa jurídica é utilizada como uma “capa” ou “véu” para proteger negócios escusos. Conceito Consiste no afastamento temporário da personalidade da pessoa jurídica, eliminando a distinção patrimonial entre a pessoa jurídica e seus membros, com vistas a alcançar o patrimônio destes (bens particulares dos sócios). Origem Direito anglo-americano, onde recebeu o nome de disregard doctrine. Também França, Itália e Alemanha. No Brasil, o precursor dessa teoria é Rubens Requião, ainda nos anos 60. A jurisprudência deu lastro prático à teoria, pois não havia legislação. A primeira norma a disciplinar o instituto foi o CDC (Lei nº 8.078/90), Art. 28. 58 Também a Lei nº 9.605/98 (meio ambiente) traz positivado o instituto, prevendo a desconsideração da pessoa jurídica sempre que sua personalidade for obstáculo ao ressarcimento de prejuízos causados à qualidade do meio ambiente (Art. 4º). No CC é o Art. 50, pela primeira vez, a rechaçar o uso indevido da pessoa jurídica. Aplicação Será aplicável sempre que houver fraude e má-fé, provocando prejuízo de terceiros. A lei (Art. 50) diz: abuso da personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio de finalidade, ou pela confusão patrimonial. Para a doutrina de Marlon Tomazette, citada por Gonçalves, a confusão patrimonial seria o indício suficiente do abuso da pessoa jurídica. Hipóteses de confusão patrimonial (indícios de expedientes fraudulentos, abusivos) Pela contabilidade ou pelo movimento bancário constata-se que a sociedade paga dívidas dos sócios, ou os sócios recebem créditos que pertencem à pessoa jurídica, ou, ainda, a pessoa jurídica recebe crédito dos sócios. Outra hipótese: bens da sociedade em nome dos sócios e vice-versa. Assim, num processo de execução em que o credor não encontra bens, estando presente a promiscuidade patrimonial (indício de abuso), nos próprios autos a parte requer ao juiz que desconsidere a pessoa jurídica, requerendo a penhora direta dos bens do sócio ou dos bens da sociedade. Legitimação para requerer Pessoa interessada (interesse jurídico) ou o MP (apenas quando lhe couber intervir) – Art. 50. Desconsideração X despersonalização 59 Questões: A desconsideração acarreta a dissolução da pessoa jurídica? A lei tem preferência pela desconsideração ou pela despersonalização, considerando os princípios da função social da lei e da conservação dos negócios jurídicos? Questão: desconsideração inversa, o que é? É admitida em nossa sistemática? Caracteriza a desconsideração inversa quando ocorre o afastamento da personalidade da pessoa jurídica para alcançar esta (a pessoa jurídica), que será responsabilizada pela obrigação do sócio (pessoa natural). É hipótese excepcional (normalmente ocorre o contrário: afastar a personalidade para alcançar a pessoa natural), mas admitida em nossa sistemática (afastar a personalidade para alcançar a pessoa jurídica). Exemplo trazido por Gonçalves: cônjuge, pressentindo o fim da sociedade conjugal, registra bens em nome da pessoa jurídica sob seu controle, com vistas a desviar esse bem da futura partilha. Só com o afastamento da autonomia patrimonial da pessoa jurídica, portanto, será possível alcançá-la, para responsabilizá-la. Questionário de revisão e fixação 1. Gonçalves lista 4 requisitos para a existência da pessoa jurídica. Quais são? 60 2. A Associação Bebê Feliz, formada por médicos, foi instituída com a finalidade de amparar mulheres grávidas, pobres, com vistas, especialmente, à proteção do nascituro. Em investigação recente, ficou provado que a referida Associação não faz outra coisa senão praticar o aborto em mulheres pobres. Você, como operador do direito, sugere a desconsideração ou a despersonalização da Associação Bebê Feliz? 3. Se inicialmente essa Associação tivesse existência apenas de fato, vindo a regularizar-se em janeiro de 2003, a aquisição de personalidade jurídica seria retroativa ao momento do início de sua existência fática? 4. Qual o domicílio da Associação Bebê Feliz? 5. A Associação Bebê Feliz tem direito da personalidade? 6. Nosso sistema admite o instituto denominado desconsideração inversa? Responsabilidade civil das pessoas jurídicas Palavras introdutórias 61 É matéria que tem sede própria dentro do nosso curso (direito das obrigações), e, naturalmente, essa sede não se encontra no Direito Civil I. Todavia, eis aqui algumas linhas, à guisa de iniciação teórica. O que é responsabilidade civil? O termo responsabilidade vem do verbo latino respondere, no sentido de alguém ser garantidor, diz Maria Helena. A mesma autora conceitua: É a aplicação de medidas que obriguem uma pessoa a reparar dano moral ou patrimonial causado a terceiros, em razão de ato por ela mesmo praticado, por pessoa por quem ela responde, por alguma coisa a ela pertencente ou de simples imposição legal. Tentando simplificar: É o fenômeno jurídico que obriga o causador do dano a repará-lo. Chama-se responsabilidade civil, por existirem outras modalidades de responsabilidade: penal e administrativa. (Breves comentários distintivos) Pressupostos Ainda com base em Maria Helena, são pressupostos da responsabilidade civil: a) ação ou omissão; b) culpa (dolo + culpa strictu sensu); c) dano (moral ou patrimonial); 62 d) nexo causal (entre ação e dano). (Breves comentários aos pressupostos) Espécies A responsabilidade civil pode ser: a) contratual; b) extracontratual. A primeira resulta de descumprimento de obrigação (Art. 389), de natureza patrimonial, caso em que a responsabilidade da pessoa jurídica se equipara à da pessoa natural, seja a pessoa jurídica de direito público ou privado. Ex: obriga-se a construir um imóvel. A responsabilidade extracontratual é a que resulta da prática de um ato ilícito ou por abuso de direito (Arts. 186 e 187, combinados com Art. 927). No caso de pessoa jurídica, vale lembrar, ainda, os Arts. 932, III e 933. Essas normas dos Arts. 186 e 187 trazem o dever genérico de não lesar outrem; obrigação de não lesar. Se há lesão (ilícito, fonte de obrigação), surge a obrigação (de reparar o dano), conforme Arts. 927, 932, III e 933 (referindo-se especialmente à pessoa jurídica). Essa responsabilidade civil extracontratual (aquiliana), em regra exige o elemento culpa. Se é necessária a prova da culpabilidade, estamos diante da responsabilidade chamada subjetiva (teoria clássica). 63 Há, porém, hipóteses legalmente previstas, em que se dispensa a demonstração da culpa, bastando a ação ou omissão, o dano e o nexo causal (entre ação e lesão). Daí estamos dianteda chamada responsabilidade civil objetiva. Em se tratando de pessoa jurídica, a responsabilidade extracontratual será sempre objetiva (Gonçalves). Lecionam o oposto: Silvio Rodrigues e Maria Helena, para os quais é necessário diferenciar. A responsabilidade seria objetiva apenas para as sociedades (finalidade econômica). Responsabilidade da pessoa jurídica de direito público Como já dito, é objetiva a responsabilidade civil extracontratual da pessoa jurídica. Ressalte-se, todavia, que o fundamento legal, no caso da pessoa jurídica de direito público, é o Art. 43, que, por sua vez, tem por base o § 6º do Art. 37 da CF. Questão: A Administração Pública responde ainda que seu agente aja com dolo ou culpa? Ilustrando a questão: João, motorista da ambulância municipal, costuma, em situações desautorizadas, atravessar semáforos fechados e a fazer outras manobras arriscadas. Caso venha a atropelar um pedestre, será a Prefeitura responsabilizada? Ressalte-se, também, que em se tratando de pessoa jurídica de direito público, a regra é a responsabilização objetiva, apenas nas lesões causadas por ação. Em se tratando de omissão, há divergências, cujo debate não cabe aqui. 64 Para Gonçalves, a responsabilidade seria sempre objetiva, mesmo ante lesão por omissão. Nesse sentido há decisões do STF. Bandeira de Mello acena para a responsabilidade estatal na modalidade subjetiva, se a lesão decorre de omissão. Exemplos de omissão: criança ferida no intervalo das aulas, em escola pública; veículo furtado nas redondezas de uma feira livre. No caso de erro judiciário (prisão ilegal, por exemplo), o Estado responde objetivamente. Extinção da pessoa jurídica A pessoa jurídica, tal qual a natural, nasce (com o ato constitutivo), se desenvolve (participa do mundo jurídico) e morre (com a sua dissolução). Assim, com o registro do ato constitutivo, tem início a personalidade da pessoa jurídica (Art. 45). E o fim, como se dá? A pessoa jurídica pode sofrer dissolução: - voluntariamente, por deliberação de seus membros; - compulsoriamente, por haver se tornado inconveniente ou nociva para a sociedade (por ato do poder público). A extinção voluntária da personalidade da pessoa jurídica é chamada de convencional. Ou seja, a vontade humana, criadora da pessoa jurídica, também é hábil a extingüi-la. No caso da sociedade, o Art. 1.033 prevê várias hipóteses. No caso da associação, por deliberação, na forma de seu estatuto. 65 Se a pessoa jurídica é uma fundação, e esta foi instituída por prazo determinado, com o termo final se extinguirá a fundação. A extinção compulsória, por sua vez, apresenta as seguintes modalidades doutrinárias: a) legal; b) administrativa; c) judicial. A extinção diz-se legal quando decorre de força da lei: Arts. 1.028, II; houver decretação da falência (lei específica); morte de todos os sócios (Art. 1.028); desaparecimento do capital, nas sociedades*. *o desaparecimento do capital não é causa de extinção da categoria associação, pois não tem o lucro por objeto. Diz que a causa é administrativa quando a pessoa jurídica depende de autorização da Administração Pública (federal, estadual e/ou municipal), e esta autorização é cassada (Art. 1.033, V e Art. 69, 1ª parte, c.c. Art. 1.125). A extinção compulsória é chamada judicial quando decorre de sentença. O MP ou pessoa com legítimo interesse jurídico provoca a instância jurisdicional, por haver previsão de extinção no ato que instituiu, e essa previsão não está sendo respeitada (caso em que pessoa interessada ingressaria em juízo) e em todas aquelas hipóteses de extinção administrativa ou, até mesmo, legal (sentença declaratória de falência). Dissolução e liquidação são um fenômeno único? A liquidação refere-se ao patrimônio (só diz respeito apenas a sociedades, portanto), e consiste em pagar as dívidas e partilhar o remanescente entre os sócios. 66 A dissolução é a cassação do ato constitutivo e, muitas vezes, não coincide com a liquidação. O Art. 51, leciona Gonçalves, veio prever o que o STF já vinha decidindo: mesmo dissolvida ou já cassada a autorização para funcionar, a pessoa jurídica subsistirá até que se conclua a liquidação. Acrescenta o § 3º: encerrada a liquidação, promover-se-á o cancelamento da inscrição da pessoa jurídica. Direito da personalidade da pessoa jurídica Os direitos da personalidade são inerentes especialmente à pessoa natural. Modernamente, todavia, admite-se a aplicação dessa proteção também à personalidade da pessoa jurídica. A própria lei, porém, prevê que o alcance dessa proteção é limitado, ao conferir no Art. 52: Aplica-se às pessoas jurídicas, no que couber, a proteção dos direitos da personalidade. A expressão no que couber é a clara limitação. Ou seja, os direitos da personalidade existem para a pessoa natural, mas, eventualmente, poder-se-á atribuir essa proteção (caráter extensivo e subsidiário) à pessoa jurídica. Observe-se, não importa a categoria (a lei não restringe): sociedade, associação, fundação, seja o ente de direito público ou de direito privado. Entendemos que são aplicáveis, portanto, à proteção ao nome e à honra objetiva. Questão: qual o princípio fundamental desse direito da personalidade? Seria, por extensão, o princípio da dignidade da pessoa humana? 67 Obs.: enquanto a extrapatrimonialidade é a marca dos direitos da personalidade no caso da pessoa natural, em se tratando de pessoa jurídica ocorre exatamente o oposto. Questionário de revisão e fixação 1. Toda responsabilização civil exige o elemento culpa? 2. O que é responsabilidade civil extracontratual? Como pode se classificar? 3. Se João foi absolvido penalmente no acidente que causou culposamente quando dirigia pela Prefeitura de Pratinha-MG, poderá, ainda assim, responder civil e administrativamente? 4. Na questão anterior, quem responde pelos danos causados ao particular? 5. Caso a Prefeitura responda, poderá cobrar João e, caso possível, em que modalidade de responsabilidade civil? 68 BENS Idéias introdutórias No Direito Civil I estudamos 3 grandes temas: a pessoa natural, a pessoa jurídica e os bens. Isso significa metade da Teoria Geral do direito civil, pois a outra parte é o estudo do negócio jurídico, na matéria denominada Direito Civil II. As pessoas, naturais e jurídicas, são os sujeitos da relação jurídica, por serem sujeitos de direito. Os bens são o objeto dessa relação. Em sentido filosófico bem é tudo que seja hábil a satisfazer uma necessidade humana. Juridicamente é possível falar que coisas e bens são expressões sinônimas. Nem sempre, entretanto, coincidem as expressões. Há bens que não são coisas, alerta Clóvis Beviláqua: honra, liberdade, nome, vida. Também Gonçalves e Moreira Alves entendem que coisa é o gênero a que pertencem os bens. Logo, bem é espécie de coisa. CC/1916: não distinguia coisa e bem. CC/2002: prefere o termo bens - Arts. 79 e s. Há bens que juridicamente não são assim considerados. Filosoficamente, sim, mas não no universo jurídico: como o ar atmosférico, a luz solar, a água dos mares, a luz estelar, a luz lunar etc. Isso por existirem em grande abundância (perde o valor econômico) e não poderem ser apreendidos pelo homem. São denominadas coisas comuns. Mesmo que existam em imensidão, se o homem apreender, dominando-os, ganha o caráter de bem jurídico. Exemplos: oxigênio engarrafado, água engarrafada,água armazenada, tratada e fornecida pelo Poder público. 69 Conceito Agora já é possível aproveitar o conceito de Gonçalves: São coisas materiais, concretas, úteis aos homens e de expressão econômica, suscetíveis de apropriação, bem como as de existência imaterial economicamente apreciáveis. Podemos, portanto, destacar 3 requisitos: a) utilidade; b) valor econômico; c) apropriável pelo homem. As coisas sem dono são denominadas res nullius, porque nunca foram apropriadas. Aquelas que foram apropriadas, mas seus senhores delas renunciaram, denominam-se res derelicta. Patrimônio É o conjunto de todos os bens, aí incluídas as obrigações, entende a maioria. Costuma-se dizer que patrimônio é o conjunto de todas as relações jurídicas, de valor econômico, de uma pessoa. Para Enneccerus, jurista alemão, não englobaria o patrimônio passivo (as obrigações), mas, para a maioria, o patrimônio forma uma universalidade de direito (teoria clássica): Gonçalves, Venosa, Caio Mário, Clóvis Beviláqua, Francisco Amaral. Observação: quando se diz patrimônio moral, não se está referindo a patrimônio em sentido próprio, denotativo, mas figurado apenas. Não é uma expressão técnica, portanto. Diz-se patrimônio moral para se referir aos atributos elevados do caráter de uma pessoa. Recomenda-se que todo professor tenha um bom patrimônio moral. 70 Classificação: importância É muito importante para a ciência jurídica a classificação dos bens. Ver-se-á, no correr dos estudos, que um bem pode ser objeto de penhor (por ser móvel), mas que outro só pode ser objeto de hipoteca (por ser imóvel). O comodato trata de bens infungíveis, enquanto o mútuo, de bens fungíveis. Um bem corpóreo pode ser objeto de doação ou de compra e venda, mas se é incorpóreo será feita a cessão gratuita ou onerosa. A classificação do bem implica, portanto, na sua disciplina jurídica. Um bem particular pode ser objeto de usucapião, mas não um bem público. Classificação São vários os critérios: qualidades físicas ou jurídicas, relações que guardam entre si, titularidade do domínio etc. As classificações, por outro lado, não são estanques. Ou seja, um bem pode pertencer a várias classificações: uma mesa da UCDB é um bem corpóreo, infungível, móvel, indivisível, inconsumível, singular, principal e particular, por exemplo. Vamos, aqui, combinar as classificações do CC/2002 com algumas outras doutrinárias, trabalhando as seguintes: a) corpóreos e incorpóreos; b) imóveis e móveis; c) fungíveis e infungíveis; d) consumíveis e inconsumíveis; e) divisíveis e indivisíveis; f) singulares e coletivos; 71 g) principais e acessórios; h) públicos e particulares; i) bens fora do comércio. Corpóreos: que têm existência física, concreta – como o livro, o carro e a casa. Incorpóreos: são abstratos – como o direito autoral, o crédito, a sucessão aberta, o software (Lei nº 9.609/98 - programa de computador), o know-how (Lei nº 9.279/96 - conhecimento técnico em matéria de indústria e comércio). Modernamente nosso sistema considera corpóreos os seguintes bens: gases, energias, vapor. Propriedade X domínio O primeiro termo abrange o segundo, ou seja, propriedade é mais amplo. Eu posso dizer que sou proprietário de direitos autorais, mas não posso afirmar que tenho domínio de direitos autorais. Observe que propriedade se refere tanto a bens corpóreos quanto incorpóreos. Domínio, porém, só para corpóreos. As classificações que seguem são dadas, à luz do CC/2002 (Arts. 79 e s.), pelo critério dos bens considerados em si mesmos: Imóveis: também denominados bens de raiz, consoante lição de Clóvis Beviláqua, são aqueles bens que se não podem transportar, sem destruição, de um para outro lugar. Por interesse da sociedade e em razão do avanço da ciência tecnológica, o conceito de Beviláqua deve ser enriquecido com outras noções. Os Arts. 79 a 81 nos dão a idéia atual, mostrando-nos que os imóveis estão assim subdivididos: a) imóveis por natureza: o solo, sua superfície, subsolo e espaço aéreo (ver Arts. 1.229 e 1230); 72 O princípio da função social da propriedade provoca os mandamentos dos citados dispositivos. b) imóveis por acessão natural: são aqueles acrescidos ao solo por força da própria natureza. Acessão tem o significado de acrescer, de aumentar, é a justaposição de uma coisa a outra. São as pedras, as fontes e os cursos de água, superficiais ou subterrâneos, que corram naturalmente, diz Gonçalves. Também o são as árvores produzidas naturalmente e os frutos pendentes dessas árvores. c) imóveis por acessão artificial ou industrial: são as plantações e construções acrescidas ao solo por força humana. Assim, a semente ao solo lançada, as árvores e as lavouras plantadas e as construções, assim como os frutos pendentes daquelas plantações. Deve haver o caráter de permanência, ou seja, a construção provisória, de um barraco para alojar os peões de uma obra, as barracas do acampamento, a estrutura dos parques de diversões, o pavilhão improvisado para uma feira ou exposição, as arquibancadas armadas para o desfile de 7 de setembro ou para o carnaval e os circos, que são construções passageiras, não são imóveis. Questão: em se tratando de casa pré-moldada, que permita sua locomoção sem destruição, seria imóvel ou móvel? Por outro lado, o Art. 81 considera imóveis as edificações que, separadas do solo, conservem a sua unidade ao serem removidas para outro local. Moderna tecnologia possibilita que casas pré-moldadas se transportem de um local para outro. Essa criação é de grande importância para países sujeitos a catástrofes. 73 Questão: João transporta uma casa pré-moldada para venda (ele é fabricante). Durante esse transporte, a tal casa é móvel ou imóvel? Ela pode ser objeto de furto? O mesmo dispositivo classifica como imóvel o material provisoriamente retirado de um prédio, para na mesma construção ser reempregado. Questão: mármore, ouro, bronze e prata foram destacados de uma famosa igreja de Ouro Preto para serem polidos e reempregados no mesmo templo. Esse material poderia ser oferecido em hipoteca, considerando que esse tipo de garantia só recai sobre imóveis (Art. 1.473)? d) imóveis por força de lei: direitos reais sobre imóveis e ações correspondentes, assim como o direito à sucessão aberta (Art. 80). Também chamados de imóveis por determinação legal, para efeitos legais e por disposição legal. Observe que são bens incorpóreos, que, em si mesmos, não são móveis nem imóveis, mas, por conveniência da sociedade (segurança jurídica) o legislador labora em ficção, chamando-os imóveis e, portanto, submetendo-os à disciplina jurídica dos bens imóveis. No caso da sucessão aberta, ainda que só existam bens móveis e incorpóreos, será classificada como bem imóvel (é a ficção jurídica em favor da sociedade). Sobre essa explanação, ver Art. 1.806. Navios e aeronaves são bens móveis, mas, para fins de hipoteca são classificados como imóveis (Art. 1.473, incs. VI e VII). 74 Móveis: os Arts. 82 a 84 tratam dos bens móveis, que, no Art. 82, tem definição: são móveis os bens suscetíveis de movimento próprio, ou de remoção por força alheia, sem alteração da substância ou da destinação econômico-social. O dispositivo fala dos móveis por natureza, mas há outros móveis. Vejamos: a) móveis por natureza: são removíveis, sem prejuízo de sua substância, por força alheia ou por movimento próprio. Os primeirossão os móveis propriamente ditos: livros, carteiras, moedas, veículos automotores, barcos etc. Os segundos são os semoventes, ou seja, os animais (se locomovem por si mesmos). Os gases, engarrafados ou canalizados, são bens móveis. b) móveis por força de lei: no Art. 83, também por conveniência social, a ficção jurídica – energias com valor econômico + direitos reais sobre móveis e ações correspondentes + direitos pessoais de caráter patrimonial e respectivas ações. Assim, referidos direitos recebem a disciplina de coisas móveis, logo, independem de outorga uxória ou marital, dispensam registro por escritura pública e podem ser renunciados sem formalidades legais. c) móveis por antecipação: é uma classificação doutrinária, e fala daqueles bens incorporados ao solo, mas previamente destinados à produção de móveis. Assim, o bosque plantado por uma Fábrica de móveis, com a finalidade de retirar dali a madeira (matéria prima) para a marcenaria, é bem móvel por antecipação. Gonçalves acrescenta que o imóvel em ruínas, vendido especialmente para ser demolido, é um bem móvel por antecipação. Fungíveis: no Art. 85 temos que são os móveis que podem ser substituídos por outros da mesma espécie, qualidade e quantidade. 75 Que é fungibilidade? É o resultado da comparação entre duas coisas, que se considerem equivalentes (Gonçalves). É uma qualidade de bens móveis. A aplicação prática é que as coisas fungíveis são objeto de mútuo: o tomador do empréstimo devolve coisa de mesma equivalência (espécie, qualidade e quantidade) e com isso cumpre sua obrigação. Questões: 1. Um selo é bem fungível? 2. O selo olho de boi da coleção de João? 3. E um carro? E um carro destinado ao desmanche? 4. Um boi? E um boi destinado ao corte? 5. A moeda? E a primeira nota de 1 dólar, em poder de certo colecionador? Infungíveis: há previsão legal? Opõem-se aos fungíveis. São infungíveis os móveis especiais e extraordinários e os bens imóveis. Esses podem ser objeto de comodato, não de mútuo, pois precisam, sob pena de responsabilização civil, ser restituídos os próprios bens. 76 Consumíveis: o Art. 86 declara que são os móveis cujo uso importa destruição imediata da própria substância, assim como os bens móveis destinados à alienação. Temos, portanto, consumíveis por natureza e consumíveis por força de lei. Exemplos dos primeiros: arroz, feijão, bebidas e materiais descartáveis (comuns nas profissões da Saúde). Exemplos dos consumíveis por força de lei: livros expostos na livraria, para venda; mercadorias móveis expostas para venda: relógios, óculos, veículos automotores. Inconsumíveis: há previsão legal? Uma garrafa de bebida é bem consumível e fungível. Mas, se pertence a uma coleção, é infungível e inconsumível. Logo, se ela se quebrar durante uma exposição, não será reparado o dano com outra garrafa de bebida, mas haverá indenização como forma de reparação. Essa mesma garrafa, se for exposta para venda, num leilão, durante essa praça é bem infungível, mas consumível por força de lei (Art. 86, parte final). Divisíveis: são os que se podem fracionar sem alteração na sua substância, diminuição considerável de valor, ou prejuízo do uso a que se destinam (Art. 87). Exs.: terrenos em geral, alimentos, bebidas, materiais de construção, como pedras, areia, cimento, pregos, cabos etc. Embora seja natural se referir assim às coisas corpóreas, coisas incorpóreas também têm sido consideradas divisíveis e indivisíveis, por força de lei. 77 Logo, existem obrigações divisíveis e indivisíveis e a sucessão aberta, por exemplo, é coisa indivisível. Da mesma forma que nas classificações anteriores, embora a lei não tenha se referido expressamente à indivisibilidade, é claro que ela está presente. São indivisíveis os que não atendem ao Art. 87 (interpretação contrario sensu): relógio, veículo automotor, motocicleta, avião, livro, computador etc. Consoante Art. 88, os bens indivisíveis podem assim sê-lo: a) por natureza: livro, carro, boi, casa, relógio, quadro, um brilhante; b) por força de lei (ou por determinação legal): a sucessão aberta (Art. 1.791), um lote urbano que apresente a medida mínima ou um lote rural que se apresente no módulo mínimo permitido; c) por vontade das partes: as partes convencionam que um bem ou uma prestação, embora seja naturalmente divisível, torne-se indivisível. Há interessante aplicação prática dessa classificação: se um bem é indivisível não posso dispor de apenas uma parte específica, mas necessariamente se dispuser formarei um condomínio (não há partes específicas, mas partes ideais). Ainda nesse caso, para que haja disposição de sua parte, será necessária anuência do outro condômino. Outro exemplo: se um terreno é indivisível, não posso desmembrá-lo, criando duas escrituras públicas. E mais outro: se possuímos em condomínio um bem indivisível, qualquer de nós poderá propor ação possessória, em defesa desse bem, sem que se forme um litisconsórcio na defesa do bem. Bens singulares: são aqueles que, embora reunidos, mantêm a independência dos demais (Art. 89). 78 Exs.: bois, cavalos, peixes, peças de automóvel na prateleira do comércio, livros, papel. Os bens singulares formam uma universalidade de fato quando têm destinação unitária e pertencem a uma mesma pessoa. Exs.(aproveitando os exemplos acima de bens singulares): rebanhos (de bois, cavalos), cardumes, estoque de peças, biblioteca, resma. Essas universalidades de fato são bens coletivos. São, também, bens coletivos as universalidades de direito, como uma sucessão aberta, ou um conjunto de relações jurídicas de uma pessoa qualquer. Principais: são os que têm existência própria, autônoma: o carro, o livro, a mesa. Acessórios: são aqueles cuja existência pressupõe a existência do principal. O Art. 90 define ambos e fala de uma classificação pelo critério da reciprocidade (bens reciprocamente considerados). Há um princípio geral de direito segundo o qual o acessório segue o principal. Isto significa, por exemplo, que a natureza do acessório será a mesma do principal e que, portanto, o regime jurídico do acessório será a mesma disciplina do principal. Logo: quem compra a casa tem direito, também, aos lustres, às torneiras, aos boxes de banheiro etc. O dono da árvore é, também, dono do fruto pendente. Prescrevendo a obrigação principal, prescreve a acessória. Se o contrato principal é nulo, o acessório (um contrato de fiança numa locação) também o é. Os acessórios se dividem em: a) produtos: são as utilidades que, retiradas da coisa principal, causam, a esta, uma diminuição – carvão é produto da mina de carvão; pedra é produto da pedreira; diamante é produto de mina preciosa, assim como o ouro. 79 À medida que os produtos são retirados, o principal não se renova, sofrendo empobrecimento. b) frutos: são acessórios produzidos e que, uma vez retirados não causam diminuição à coisa principal, pois ela se renova, mantendo suas forças. Os frutos podem ser naturais, industriais e civis. Exs.: Naturais: que se renovam por força da natureza - frutos das árvores, vegetais e crias de animais. Industriais: se renovam com o engenho humano – produção das fábricas. Civis: rendimentos que surgem em razão de as coisas principais serem utilizadas por pessoas que não sejam seus proprietários – juros (capital emprestado, aplicado) e aluguéis (coisa locadas). c) pertenças: são bens acessórios que, não constituindo parte integrante da coisa principal,se destinam, de modo duradouro, ao uso, serviço ou aformoseamento do bem principal (Art. 93). Exs.: equipagem de som dos carros; tratores e animais empregados nos serviços de uma fazenda; decoração de uma residência: quadros, cortinas, mobiliários em geral. Questão: as pertenças, por serem espécie de acessórios, seguem o bem principal? Art. 94: as pertenças são acessórios que, por não serem partes integrantes das coisas principais, não seguem essa disciplina geral dos acessórios. Logo, não acompanham as coisas principais. Questão: as rodas especiais, de liga leve, de um carro, são acessórios ou pertenças? 80 d) benfeitorias: são melhoramentos realizados no bem principal. A piscina na casa; o muro na casa; uma coluna de sustentação no prédio; o jardim na casa; a substituição do telhado (que estava prestes a cair ou apenas para melhorar a temperatura ambiente). Classificam-se, desde Roma, em (Art. 96): Necessárias (§ 3º): sem as quais o bem principal haveria perecido ou se deteriorado – coluna no prédio; troca do telhado em ruínas; extinção de uma hipoteca; pagamento de impostos, prevenindo o confisco. Úteis (§ 2º): aquelas que aumentam a utilidade do bem – muros; via de acesso; troca da iluminação; uma garagem; um banheiro a mais. Voluptuárias (§ 1º): que acrescentam deleite, prazer, recreio – churrasqueira; piscina; sauna; jardins. As benfeitorias são importantes no estudo dos efeitos da posse, e só são consideradas tais se forem feitas por mãos do homem. Se ocorrerem naturalmente, serão acréscimos que recebem disciplina diferenciada (Art. 97 c.c Art. 1.248). Públicos: a partir do Art. 98, temos os bens classificados em públicos, pelo critério do domínio, do titular do bem. Todos os demais bens são particulares, classificação que se faz por exclusão, diz Gonçalves, como se vê da parte final desse dispositivo. Assim, são bens públicos todos aqueles pertencentes às pessoas jurídicas de direito público interno, ou seja, os bens pertencentes à União, aos Estados, aos Municípios, ao Distrito Federal, aos (eventuais) Territórios, às autarquias (inclusive associações públicas) e às demais entidades de caráter público (como as fundações públicas) – Art. 98 c.c. Art. 41. 81 Existem 3 categorias de bens públicos (Art. 99): Bens de uso comum do povo, tais como rios, mares, estradas, ruas e praças. Estes são utilizados por qualquer do povo, sem formalidades específicas. As estradas exigem regramentos específicos (normas de trânsito) e pode até ocorrer, modernamente, cobrança de pedágios, mas tal não desfigura a referida classificação (ver Art. 103). Bens de uso especial, como edifícios ou terrenos destinados a serviço ou estabelecimento da Administração Pública. São dessa categoria o paço municipal, as bibliotecas, os museus, as escolas, terrenos para estacionamento junto aos referidos estabelecimentos etc. Penso que deveriam se chamar bens de uso especial do povo, pois vejo essa nomenclatura subentendida na lei (ver incs. I e II do Art. 99), embora Gonçalves escreva que tais bens sejam de uso apenas do Poder Público. Observe que em todos os exemplos acima, inclusive o paço municipal, estadual e o do Planalto, são de uso do povo, sim, que para acessá-los devem cumprir com regramentos específicos: observação de horários, agendamento, trajes (forenses, para o fórum, por exemplo), volume de voz (num hospital) etc. Bens dominicais, consoante inciso III, do Art. 99, são aqueles que constituem o patrimônio das pessoas jurídicas de direito público. São bens, portanto, que não são de uso do povo (nem de uso comum nem de uso especial), mas pertencem aos tais entes como instrumentos para o cumprimento do interesse coletivo. O Poder Público age como proprietário desses bens, que são fazendas, estradas de ferro, terras devolutas etc. Esses bens podem ser alienados (Art. 101), enquanto os de uso do povo não podem (Art. 100). 82 São bens, diz Gonçalves, que não possuem uma afetação, não estão afetados a uma finalidade pública, mas, em tese, são bens do domínio privado do Estado (parágrafo único, Art. 99). Dizemos em tese, porque referidos bens dificilmente podem ser tratados à luz do Código Civil, tendo havido uma série de normas públicas para o seu disciplinamento. Por fim, os bens públicos são inusucapíveis (Art. 102), mas esta regra não alcança os bens dominicais, pois esses são, em regra, alienáveis. Bens fora do comércio : comércio, aqui, no sentido de comércio jurídico, circulação jurídica do bem: compra e venda, troca, doação etc. Fora do comércio, portanto, estão aqueles bens que não são, propriamente, bens, no sentido jurídico (ar atmosférico, luz solar, oceano) e os bens públicos inalienáveis. Outros, ainda, que por vontade humana, tornam-se inalienáveis (bem de família convencional e outros bens gravados com cláusula de inalienabilidade). No tocante à classificação dos bens, é importante perceber, portanto, que não basta conhecer a natureza propriamente das coisas, mas convém entender a disciplina jurídica fornecida pelo sistema. Questões de revisão e fixação João - Posse - Bens. Plantação especialmente para extração de madeira de sua fábrica de móveis. Coloca cadeiras e mesas para venda. 1% dos móveis fabricados estão aplicados no uso de sua empresa. Asfaltou o acesso à sede da fábrica, pois tornara-se impossível escoar a produção. Plantou arbustos decorativos nas laterais 83 do caminho de chegada à fábrica. Há um trator empregado especialmente no serviço da marcenaria ( transporte de água). classifique: - plantação - móveis para venda - móveis instalados na empresa - produção de móveis - asfalto - arbustos ornamentais - arbustos plantados - trator - água - prédio da fábrica - alugou algumas cadeiras: que é o aluguel? -a rodovia da qual está próxima a fábrica BOM PROVEITO, MOCIDADE! 84