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CENTRO DE EDUCAÇÃO SUPERIOR DE BRASÍLIA INSTITUTO DE EDUCAÇÃO SUPERIOR DE BRASÍLIA CURSO DE CIÊNCIAS JURÍDICAS PROF. PAULO EMÍLIO IESB - DIREITO PENAL I – AULA X FATO TÍPICO • CONDUTA • NEXO CAUSAL • RESULTADO • TIPICIDADE III – TIPO E TIPICIDADE A) Evolução da concepção de tipo. 1. Sistema tripartido: tipo como indício de antijuridicidade. O conceito de tipo (Tatbestand) surgiu na doutrina alemã em fins do século XVIII. Contudo, foi Beling que, em 1906, deu melhor elaboração ao conceito moderno do tipo. Segundo este autor, o tipo penal é a descrição abstrata dos elementos do fato relativos à conduta incriminada. Nessa concepção, o tipo penal é uma descrição neutra que não supõe qualquer valoração (positiva ou negativa) do fato. Por conseguinte, tipicidade e antijuridicidade constituem categorias sistemáticas autônomas, mesmo porque o fato, mesmo típico, pode não ser antijurídico, sempre e quando praticado sob o amparo de uma causa de justificação. Assim, por exemplo, quem mata em legítima defesa (causa justificadora), realiza uma conduta típica, mas conforme o direito (lícita e jurídica, portanto). O tipo, portanto, é apenas um indício (ratio cognoscendi) da antijuridicidade (ilicitude). Tal formulação se mostrou insatisfatória, à vista de comumente o legislador, ao descrever ações típicas, recorre a elementos subjetivos (assim, por exemplo, o art. 309 do CP, em que se exige do agente o fim de promover a entrada ou permanência em território nacional), e, ainda, elementos normativos (conceitos de ‘funcionário público’, ‘coisa alheia’, ‘fraudulentamente’, ‘sem justa causa’, etc.), supondo quase sempre uma valoração ética, cultural, jurídica, social, cultura, etc, de sorte que o tipo penal não está livre de juízos de valor. 2. Sistema bipartido: a teoria dos elementos negativos do tipo. A teoria dos elementos negativos do tipo, cuja formulação inicial deve-se a Merkel, e definitivamente elaborada por Baumbarten, proclamava que todo fato típico é sempre um fato antijurídico. Segundo essa teoria, o tipo penal já contém toda matéria proibida e antijurídica, compondo-se, por isso, de duas partes: a) uma parte positiva (tipo positivo), que corresponde à completa realização dos elementos objetivos, subjetivos e normativos do tipo (tipo no sentido tradicional), e b) uma parte negativa (tipo negativo), que corresponde à ausência de causas de justificação. Ou seja, na formulação do tipo penal já estaria implícita a ausência de causas de justificação, de modo que, por exemplo, a na norma do art. 121 do CP “matar alguém”, estaria subentendido “salvo em legítima defesa, em estado de necessidade, etc.” 3. Teoria finalista Na concepção finalista, há de se divisar o tipo objetivo, consistente na análise dos elementos de ordem objetiva (e mesmo os normativos) veiculados no tipo penal e o tipo subjetivo que se faz a partir da análise dos elementos volitivos (dolo, através da vontade livre e consciente do agente ou culpa, nos casos previstos em lei), bem como os elementos subjetivos do tipo (finalidade especial de agir do agente). B) Conceito de tipo Dentre os modernos conceitos de tipo traçados em doutrina, preferimos o adotado por Roberto Bittencourt1, assim formulado: “Tipo é o conjunto de elementos do fato punível descritos na lei penal. O tipo exerce uma função limitadora e individualizadora das condutas humanas penalmente relevantes. É uma construção que surge da imaginação do legislador, que descreve as ações que considera, em tese, delitivas. 1 In ‘Tratado de Direto Penal’, op. cit., v. 1, p. 245 Tipo é um modelo abstrato que descreve um comportamento proibido. Cada tipo possui características e elementos próprios que os distinguem uns dos outros, tornando-os todos especiais, no sentido de serem inconfundíveis, inadmitindo-se a adequação de uma conduta que não lhes corresponda perfeitamente. Cada tipo desempenha uma função particular, e a ausência de um tipo não pode ser suprida por analogia ou interpretação extensiva”. É de se ver que, em face do princípio da reserva legal (art. 5º, XXXIX, CF), os tipos penais devem ser veiculados em leis materiais, uma vez que a descrição específica e detalhada do comportamento proibido tem função de garantia dos indivíduos, que não podem ser penalmente punidos fora das hipóteses típicas. C) Elementos do tipo. Na sua integralidade o tipo é composto dos seguintes elementos: núcleo (designado por um verbo – matar, ofender, constranger, subtrair, etc.); referências a certas qualidades exigidas, em alguns casos, para o sujeito ativo (ex. ‘funcionário público’, gestante, etc.); referências ao sujeito passivo (ex. alguém, recém-nascido, outrem, etc); objeto material (ex ‘coisa alheia móvel’, ‘documento’, etc) - que em alguns casos confunde-se com o sujeito passivo (ex. homicídio, o objeto material e o sujeito passivo são idênticos); referências ao tempo, lugar, ocasião, modo de execução, meios empregados e, em alguns casos, ao fim especial visado pelo agente. Assim, os elementos do tipo podem ser: a) Objetivos: referem-se ao aspecto material do fato. Existem concretamente no mundo dos fatos e só precisam ser descritos pela norma. São elementos objetivos: o objeto material do crime, o tempo, o lugar, o núcleo do tipo (verbo), os meios empregados, etc. b) Normativos: ao contrário dos descritivos, seu significado não se extrai de mera observação, sendo imprescindível um juízo de valoração jurídica, social, cultural, histórica, política, religiosa. Aparecem sob a forma de expressões: “sem justa causa”, “indevidamente”, “funcionário público”, “fraudulentamente”, etc. c) Subjetivos: segundo Wessels, “elementos subjetivos do tipo são os que pertencem ao campo psíquico-espiritual e ao mundo da representação do autor do fato”. Encontram-se nos chamados ‘delitos de intenção’, em que uma representação especial do resultado ou da finalidade deve ser acrescentada à ação típica. No elemento subjetivo do tipo, o legislador destaca uma parte do dolo e a insere expressamente no tipo penal. Essa parte é a finalidade especial, a qual pode estar ou não presente na intenção do autor. Quando o tipo penal descrever elemento subjetivo, será necessário que o agente, além de realizar o núcleo da conduta (verbo), tenha também a finalidade especial descrita explicitamente no tipo penal. Na extorsão mediante seqüestro (seqüestrar com o fim de obter resgate - art. 159, CP) não basta a mera vontade de seqüestrar, a lei exige que o agente tenha a finalidade de obter uma vantagem como condição do preço ou do resgate. Em contrapartida, há outro crime, o de seqüestro (art. 148, CP) em que não se exige nenhuma finalidade especial (elemento subjetivo), bastando a mera vontade de realizar o verbo para a integralização típica. Quando exigido o elemento subjetivo do tipo, a sua ausência importará em atipicidade da conduta, podendo, todavia, ser previsto em outro tipo penal subsidiário que não exija tal elemento. Assim, por exemplo, o art. 309 do CP tipifica a conduta de “usar estrangeiro, para entrar ou permanecer no território nacional, nome que não o é seu”. Tal crime somente ocorre se o uso do nome alheio pelo estrangeiro se der com a finalidade especial de entrada ou permanência no País. Outro exemplo, é o do crime de furto, previsto n o art. 155 do Código Penal, assim descrito “Subtrair, para si ou para outrem, coisa alheia móvel” onde a cláusula para si ou para outrem descreve elemento subjetivo do agente, consistente em finalidade de se assenhorar da coisa subtraída. Assim, se a conduta do agente revela que ele subtraiu a coisa alheia móvel com o propósito de devolve-la (furto de uso), não estará presente o referido elemento subjetivo, motivo pelo qual não haverá tipicidade da conduta com a descrição típica contida no art. 155, CP) TIPICIDADE Tipicidade é a subsunção, justaposição, enquadramento ou integral correspondência da conduta praticada no mundo real ao modelo descritivo constante da lei (tipo legal). Há autores que diferenciam a tipicidade da adequação típica. Segundo tais autores, a tipicidade seria o mero exame formal da correspondência da conduta praticada com a previsão típica e a adequação típica, por sua vez, exigiria a presença de vontade (dolo e culpa), para só então afirmar a adequação da conduta ao modelo legal. Tal concepção decorre da adoção do modelo finalista da conduta, mas, em termos práticos, não tem qualquer efeito, uma vez que somente se considera “conduta”, as ações que se realizaram com a presença da vontade (dolo ou culpa), como vimos na aula VII. Adequação típica de subordinação imediata: há perfeita correspondência da conduta praticada e o tipo legal. Ex: A dispara contra B e produz a sua morte. Adequação típica de subordinação mediata: não há a perfeita correspondência entre a conduta e o tipo, que só se perfaz através do recurso a outra norma que promova a extensão do tipo até alcançar a conduta. Ex. A querendo matar B, desfere 8 tiros contra ele, mas não acerta nenhum. Não há correspondência entre a conduta e o tipo de homicídio, mas pela extensão conferida pelo art. 14, II do CP, podemos concluir que houve tentativa de homicídio. Também nos casos de participação. O partícipe é aquele que de qualquer modo concorre para a prática de um crime, auxiliando, instigando, auxiliando, induzindo ou instigando o executor sem, no entanto, realizar o núcleo do tipo. Nesses casos, não há correspondência integral, que ocorre por meio de recurso ao art. 29, caput do CP. Tipo fundamental ou básico: é o que veicula a figura mais simples de uma espécie de crime. É o tipo que se localiza no caput de um artigo e contém os elementos essenciais do crime, sem os quais este desaparece (atipicidade absoluta) ou se transforma em outro (atipicidade relativa). Tipos derivados: são os que se formam a partir do tipo fundamental, mediante o destaque de circunstâncias que o agravam ou o atenuam. Se a agravação se constituir em novos limites abstratos de pena (ex. art. 121, parágrafo 2º - pena 12 a 30 anos), tem-se o tipo qualificado; se consistir em um aumento em determinada fração, como 1/3, 2/3, etc. ocorre causa de aumento de pena (ex. art. 155, parágrafo 1º, CP); no caso de atenuação, ocorre o tipo privilegiado (art. 121, parágrafo 1º, CP). Teoria da tipicidade conglobante: de acordo com essa teoria, o fato típico pressupõe que a conduta seja proibida pelo ordenamento jurídico como um todo, globalmente considerado. Assim, se qualquer outro ramo do Direito (cível, trabalhista, administrativo, etc) permitir o comportamento, a conduta será considerada atípica, ainda que prevista em tipo legal. Defendida por Zaffaroni e Piarangelli, a teoria não recebeu grande destaque entre nós, tendo pouca aplicação (ex. art. 258, CP). IV-TEORIA DO DOLO O dolo é um dos elementos do tipo penal 1. Conceito de dolo: é a vontade e a consciência de realizar os elementos constantes do tipo legal. De forma ampla, é a vontade manifestada pela pessoa humana de realizar a conduta. Para a ultrapassada teoria causalista, dolo significava vontade e consciência de realizar uma conduta antijurídica (dolus malus), de modo que compreendia necessariamente a consciência da ilicitude – este era o conceito de dolo normativo. Com a adoção da teoria finalista da ação, passou-se a adotar um conceito mais restrito de dolo (dolo natural), porque deslocando-o da culpabilidade para a tipicidade, destacou-o da consciência da ilicitude, adotando, em conseqüência um conceito natural (neutro) de dolo, razão pelo qual o conhecimento do caráter antijurídico (proibido) do comportamento continua a pertencer à culpabilidade. Por isso, Welzel escreve que o dolo “é só a vontade de ação orientada à realização do tipo do delito”, ou seja, é o querer realizar a ação tida como típica, independente da consciência da sua ilicitude. Concordamos com Capez, para quem “o dolo é formado apenas por consciência e vontade, sendo um fenômeno puramente psicológico, e pertencente à conduta, devendo ser analisado desde logo, quando da aferição do fato típico. A consciência da ilicitude é algo distinto, que integra a culpabilidade como seu requisito e somente será analisada em momento posterior (...) O dolo, portanto, segundo o nosso entendimento é o natural” Este é o entendimento esposado pelo nosso Código Penal. Ainda segundo tal entendimento, age com dolo o holandês que traga de seu país de origem pequena quantidade de maconha para uso pessoal, ainda que convencido (de boa-fé) de que tal seja permitido entre nós, à semelhança de seu país de origem. O que haveria aqui seria um erro de proibição, tratado no juízo (ou exame) da culpabilidade. Conseqüentemente, o dolo compreende um elemento volitivo (o querer o resultado) e um elemento cognitivo (ou intelectivo). Por isso que para agir dolosamente,o sujeito deve saber o que faz e conhecer os elementos que caracterizam sua ação como típica. Quer dizer, deve saber, no homicídio, por exemplo, que mata outra pessoa; no furto, que se apodera de coisa alheia móvel; Logo, não há dolo de homicídio se o autor supõe justificadamente, que abate um animal; não há furto, se imagina própria a coisa. Assim, temos as seguintes teorias do dolo: 2. Teorias do dolo a) Da vontade – o dolo é a vontade de realizar a conduta e produzir o resultado; b) Da representação – o dolo é a vontade de realizar a conduta, prevendo a possibilidade de o resultado ocorrer, sem, contudo, desejá-lo. Denomina-se teoria da representação, porque basta ao agente representar (prever) a possibilidade do resultado para que exista o dolo; c) Do consentimento (ou assentimento) – dolo é o assentimento do resultado, isto é, a previsão do resultado, com aceitação do risco de produzi-lo. Não basta, portanto somente representar; é preciso aceitar como indiferente a produção do resultado. Pela definição do nosso Código Penal, o crime será doloso “quando o agente quis o resultado ou assumiu o risco de produzi-lo” (art. 18, I). De tal disposição, vemos que o Código Penal Brasileiro adotou as teorias da vontade (no dolo direto) e a do assentimento (no dolo indireto). 3. Do dolo direto e do dolo indireto. Como já dito, nosso Código Penal considera dolosas as condutas quando o agente quis o resultado ou assumiu o risco de produzi-lo (art. 18, I). Essa previsão equipara o dolo direto e o eventual. a) Dolo direto ou determinado - é a vontade de realizar a conduta e produzir o resultado (teoria da vontade). Na conceituação de José Frederico Marques, “Diz-se direto o dolo quando o resultado no mundo exterior corresponde perfeitamente à intenção e à vontade do agente”. b) Dolo indireto ou indeterminado – o agente não que diretamente o resultado, mas aceita a possibilidade de produzi-lo (dolo eventual), ou não se importa de produzir este ou aquele resultado (dolo alternativo). Nelson Hungria define o estado de espírito que revela o dolo eventual: “seja como for, dê no que der, em qualquer caso não deixo de agir”. Divide-se em duas subespécies, o dolo alternativo e o eventual. O dolo alternativo pode ser exemplificado no caso da namorada ciumenta que, ao presenciar seu namorado conversando com outra mulher, joga em sua direção uma granada, intentando feri-los ou matá-los. A namorada não quer produzir ‘o’ resultado, mas sim um dos resultados. No dolo eventual, o agente, em dúvida quanto a um dos elementos do tipo, arrisca-se em concretizá-lo. Exemplo é o do agente que, a fim de testar a sua sorte, se empreende a praticar roleta-russa, apontando revólver munido de um só cartucho contra os transeuntes. Assume, dessa forma, o risco do disparo e a conseqüente morte do transeunte. Há outras classificações como: o dolo de dano (vontade de produzir uma lesão ao bem jurídico) e dolo de perigo (vontade de expô-lo a perigo); dolo genérico (vontade de realizar a conduta sem uma finalidade especial. Ocorre nos tipos em que não há elemento subjetivo do tipo) e dolo específico (vontade de praticar a conduta descrita no tipo penal com alguma finalidade específica). Tais classificações, todavia, restaram superadas, no acertado dizer do Professor Paulo Queiroz (op. cit., p. 191) 4. Dolo eventual e culpa consciente. Delimitar o dolo eventual da culpa consciente – disse Welzel – é um dos problemas mais difíceis e discutidos do direito penal. Paulo Queiroz (op. cit., p. 192) coloca que diferentemente da culpa consciente, no dolo eventual o agente, ainda que só eventualmente, aceita o resultado, isto é, aceita a sua produção; na culpa consciente, porém, há mera previsão, sem que com isso se aceite o resultado. No dolo eventual, o agente se porta como a fórmula: “seja como for, dê no der, em qualquer caso não deixo de agir”. Na culpa consciente, há erro de cálculo, enquanto no dolo eventual há uma dúvida. Existe, portanto, entre a culpa consciente e dolo eventual, um traço comum: a previsão do resultado antijurídico, mas enquanto no dolo eventual o agente presta anuência ao advento desse resultado, preferindo arriscar a produzi-lo ao invés de renunciar à ação, na culpa consciente, ao contrário, o agente repele, embora inconsideradamente, a hipótese de superveniência do resultado, e empreende a ação na esperança ou persuasão de que este não ocorrerá, pois “assumir o risco é alguma coisa mais que ter consciência de correr o risco: é consentir previamente no resultado, caso venha este, realmente a ocorrer”. Exemplifica, por fim, com o caso de A que, portador do vírus HIV, mantém relações sexuais com B, sua parceira, sem adotar, todavia, qualquer precaução, motivo pelo qual B contrai o vírus (e a doença), responderá A, a título de dolo eventual; se porém, usa preservativo e, ainda assim, ocorre a contaminação, em razão do seu rompimento, haverá culpa consciente. Dito de outra forma: no dolo eventual, o agente assume o risco e assume o seu possível resultado; na culpa consciente, ao invés, o agente assume o risco, mas não assume o resultado, acreditando (e desejando) que não virá. A jurisprudência pátria tem sido reticente em aceitar, na maior parte das vezes, o dolo eventual nos crimes de trânsito, isto porque o dolo eventual não decorre da simples previsão da possibilidade de ocorrência do resultado, comum nos crimes de trânsito, mas da própria aceitação da possibilidade de tal risco se apresentar. Sobre o tópico, Guilherme Nucci2 leciona: “É tênue a linha divisória entre a culpa consciente e o dolo eventual. Em ambos, o agente prevê a ocorrência do resultado, mas somente no dolo o agente admite a possibilidade do evento acontecer. Na culpa consciente, ele acredita sinceramente que conseguirá evitar o resultado, ainda que o tenha previsto. Muitos ainda acreditam que,no contexto do trânsito, prevalece a culpa consciente, pois o agente não acredita que irá causar um mal tão grave. A solução, realmente, não é fácil, dependendo, em nosso ponto de vista, do caso concreto e das circunstâncias que envolvem o crime. É inviável buscar solver o problema com a prova concreta do que se passou na mente do agente, algo utópico na maior parte dos delitos ocorridos no trânsito”. Na jurisprudência, da mesma forma, reconhece- se certa dificuldade em concluir pela presença do dolo eventual pela mera verificação de condutas como alta velocidade, ou mesmo 2 NUCCI, Guilherme. Manual..., p. 214-215 embriaguez voluntária ou culposa do agente, à vista de que, na maior parte dos casos, não se terá um elemento seguro que aponte aquele estado anímico do agente – aceitação do risco - a fazer presente o dolo eventual. Neste sentido, cabe conferir o julgamento do RESP 705416/SC pelo STJ. TEORIA DA CULPA. Culpa é o elemento normativo da conduta. È assim denominado porque a sua verificação exige um juízo prévio de valor. Como podemos perceber, o legislador penal não cuida de definir a culpa nos tipos penais, limitando-se a dizer: Se o crime é culposo, pena (...). No artigo 18, II, CP, o legislador refere-se à negligência, imprudência ou imperícia como identificadores da culpa. Com isso, para a adequação típica será necessário mais do que a simples correspondência entre conduta e descrição típica. Torna-se imprescindível que se faça um juízo de valor sobre a conduta do agente no caso concreto, comparando-a com a que um homem de prudência média teria na mesma situação. A culpa decorre, portanto, da comparação que se faz entre o comportamento concreto e aquele que uma pessoa de prudência normal, mediana, teria na mesma situação. A conduta normal é aquela ditada pelo senso comum. Assim, se a conduta do agente afastar-se da conduta normal, haverá a quebra do dever objetivo de cuidado e, conseqüentemente, a culpa. Se um sujeito conduz bêbado um veículo, basta proceder-se a um juízo de valor de acordo com o senso comum para se saber que esta não é uma conduta normal. Por isso, a doutrina não destoa a afirmar que o tipo culposo é sempre um tipo penal aberto, porque a conduta culposa não é descrita, carecendo, portanto, de um juízo de valor sobre a conduta para defini-la culposa ou não. Os doutrinadores têm, ao longo do tempo, encontrado dificuldades para conceituar, com precisão, a culpa em sentido estrito. Com base no enunciado do art. 18, II do Código Penal (diz-se culposo o crime quando o agente deu causa ao resultado, por imprudência, negligência ou imperícia), pode-se dizer que “culposa é a conduta voluntária que produz resultado ilícito, não desejado, mas previsível e excepcionalmente previsto, que podia, com a devida atenção, ser evitado”3 ELEMENTOS (REQUISITOS) DA CULPA. Desse conceito de culpa, colhemos a necessidade da reunião dos seguintes elementos: a) conduta voluntária; b) inobservância de dever de cuidado; c) resultado lesivo indesejado; d) previsibilidade objetiva e e) tipicidade específica; A) Conduta voluntária – Como antes estudado, somente a ações ou omissões voluntárias podem ter repercussão no Direito Penal. Assim, também as condutas de crimes culposos terão a vontade (voluntas) como seu elemento 3 Mirabete, Júlio Fabrini. “Manual de Direito Penal”, op. cit., v. 1, p. 137. motivador, com a distinção de que, aqui, a conduta não se destina à produção do resultado lesivo previsto no tipo legal de um crime (assim fosse teríamos um crime doloso). Diz-se que, nos crimes culposos, a finalidade buscada pelo agente na sua conduta tinha uma finalidade lícita, mas produz resultado ilícito por força de imprudência, negligência ou imperícia. B) Inobservância do dever objetivo de cuidado: quebra do dever de cuidado imposto a todos (exige-se que as pessoas ajam com prudência em suas ações cotidianas). Manifesta-se por meio de três modalidades de culpa (Art. 18, II, CP), quais sejam: B.1) Imprudência: é a ação desprovida de cuidado necessário. “A imprudência tem forma ativa. Trata-se de um agir sem a cautela necessária. É forma militante e positiva da culpa, consistente no atuar o agente com precipitação, com insensatez ou inconsideração, já por não atentar para a lição dos fatos ordinários, já por não preservar no que a razão indica”4. Ex. trafegar na contramão, dirigir em alta velocidade, etc. 4 E. Magalhães Noronha, “Direito Penal”, v. 1, p. 141 B.2) Negligência – é a culpa na sua forma omissiva, consistente na falta de medida de cuidado por parte do agente. Implica, pois, na abstenção de um cuidado que era devido pelo agente. Não se confunde com o crime omissivo porque aqui o sujeito age omitindo-se de um cuidado objetivamente imposto a todos (o que também o distingue do crime omissivo impróprio). Ex. deixar de reparar os pneus em péssimo estado de conservação; deixar arma ao alcance de crianças. B.3) Imperícia – é a demonstração de inaptidão técnica em profissão, arte ou atividade. Consiste na incapacidade, na falta de conhecimento ou habilidade para o exercício de determinado mister. Ex. médico que age de forma imperita (errada) durante cirurgia ao realizar incisões que desatendam às normas procedimentais e, por isso, causar uma hemorragia. Consigne-se que a doutrina tem entendido que a negligência é o gênero que abrange as espécies imprudência e imperícia, uma vez que tanto uma quanto outra têm por base a inobservância do dever de cuidado e, logo, a negligência (omissão) de um dever objetivo que cabia ao agente. C) Resultado naturalístico indesejado - Os crimes culposos são sempre crimes materiais, pois dependem da ocorrência de resultado para sua verificação, não havendo crimes culposos de mera conduta (Não haverá fato culposos sem resultado) D) Previsibilidade objetiva é a possibilidade de qualquer pessoa dotada de prudência mediana prever a possibilidade do resultado. Busca-se, assim, estabelecer a conduta que seria adotada no caso pelo homem médio, ou seja, a conduta que seria esperada, ordinariamente da maioria das pessoas naquela mesma circunstância. É elemento da culpa. Contudo, como adverte Mirabete5, se não se interpretar o critério da previsibilidade informadora da culpa com certa flexibilidade, o resultado lesivo sempre seria atribuído ao causador. Diz-se então que estão fora da previsibilidade objetiva de um homem razoável, não sendo culposo o ato quando o resultado só teria sido evitado por uma pessoa extremamente prudente. Exemplo discutível ocorre no caso de um agente que sabe estar em uma região acometida por uma epidemia. Dias antes de seu retorno à cidade de origem, o agente percebe estar acometido por sintomas daquela mesma doença (de grande poder de difusão), mas mesmo assim não procura qualquer médico e entra em avião comercial na viagem de retorno, contaminando, assim, todos os demais passageiros do vôo. Reflita acerca da presença de previsibilidade objetiva e da prática ou não do crime previsto no art. 267, parágrafo 2º do CP. 5 Mirabete, Júlio Fabrini. “Manual de Direito Penal”, op. cit., v. 1, p. 144 E) Tipicidade específica – Pelo que dispõe o artigo 18, parágrafo único do Código Penal, o crime somente poderá ser praticado na modalidade culposa quando o tipo penal faça expressa referência a tal modalidade. Assim, é certo que não existem os crimes de dano culposo (art. 163, CP), aborto culposo (art 124, 125 e 126, CP), por falta de previsão legal das referidas modalidades, mas há os tipos penais culposos para os crimes de homicídio (art 121, § 3º) lesões corporais (art 129, § 6º), dentre outros. PRETERDOLO: CRIMES QUALIFICADOS PELO RESULTADO Temos ainda que verificar os crimes preterdoloso ou preterintencionais, que são aqueles qualificados pelo resultado. Diz-se preterdoloso (praeter dolo, isto é, além do dolo do agente), quando, em um mesmo tipo penal, conjuga-se dolo e culpa, havendo dolo na conduta antecedente e culpa no resultado conseqüente (dolo no antecedente, culpa no conseqüente). Assim, por exemplo, é caso do artigo 129, § 3º (lesão corporal seguida de morte), em que se pune a lesão corporal a título de dolo e a morte a título de culpa, desde que “as circunstâncias evidenciem que o agente não quis o resultado, nem assumiu o risco de produzi-lo”, ou seja, o agente quis, simplesmente, causar lesão, vindo, porém, a matar a vítima. Nesses casos (preterdolo), o resultado vai além da intenção do agente. Deve-se colocar que se houver dolo quanto ao resultado (direito ou indireto), o agente responderá pelo tipo doloso (homicídio doloso). O Código Penal é claro em determinar que “pelo resultado que agrava especialmente a pena, só responde o agente que o houver causado ao menos culposamente” (art. 19, CP). Assim, deve o agente agir, ao menos com culpa na produção do resultado. Alguns autores têm defendido a inconstitucionalidade dos crimes agravados pelo resultado, em face à alegada contrariedade ao princípio da proporcionalidade que decorreria da desproporção entre a punição prevista para as formas qualificadas pelo resultado e as modalidades culposas dos mesmos crimes. Assim, por exemplo, o crime de lesão corporal seguida de morte (Art 129, § 3º, CP) é punido com pena de reclusão de 4 a 12 anos, conquanto o homicídio culposo, por sua vez, é apenado com detenção de 1 a 3 anos. Questionam tais autores que, se o resultado é o mesmo (morte, por exemplo), e foram causados, em última instância, por culpa do agente, não se pode permitir que sejam apenados de forma tão desproporcionais. Não há, contudo, qualquer manifestação jurisprudencial, entre nós, que apóie a tese. ESPÉCIES DE CULPA. A doutrina classifica a culpa em: - culpa inconsciente: que é aquela em que o agente não tem previsão da possível ocorrência do resultado. - culpa consciente: aquela em que o agente tem a previsão do resultado, mas não o aceita, ou seja, não acredita em sua realização. Alude-se ainda a culpa imprópria, sendo a que decorre da presença de qualquer das descriminantes putativas, decorrentes da existência de erro de tipo inescusável quanto à presença de causa excludente de ilicitude (causa de justificação), prevista no art. 20, parágrafo 1º do Código Penal. • Não há, em direito penal, distinção quanto à sanção cominada abstratamente entre os graus de culpa (grave, leve ou levíssima). Também não há, no Direito Penal, a compensação de culpas, de modo a se excluir a pena de quem age com culpa em face à conduta culposa da vítima. Ex.: motorista que trafega em alta velocidade e vem a colher ciclista que atravessa a rodovia de forma imprudente (o que haverá, aqui, é a fixação da pena com menor rigor, em face das circunstâncias judiciais do art. 59 do CP)