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IESB - PENAL I - 10ª aula TIPICIDADE

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CENTRO DE EDUCAÇÃO SUPERIOR DE 
BRASÍLIA 
INSTITUTO DE EDUCAÇÃO SUPERIOR DE 
BRASÍLIA 
CURSO DE CIÊNCIAS JURÍDICAS 
 
 
PROF. PAULO EMÍLIO 
 
IESB - DIREITO PENAL I – AULA X 
 
 
FATO TÍPICO 
• CONDUTA 
• NEXO CAUSAL 
• RESULTADO 
• TIPICIDADE 
 
III – TIPO E TIPICIDADE 
A) Evolução da concepção de tipo. 
1. Sistema tripartido: tipo como indício 
de antijuridicidade. 
O conceito de tipo (Tatbestand) surgiu na 
doutrina alemã em fins do século XVIII. 
Contudo, foi Beling que, em 1906, deu 
melhor elaboração ao conceito moderno do 
tipo. Segundo este autor, o tipo penal é a 
descrição abstrata dos elementos do fato 
relativos à conduta incriminada. 
Nessa concepção, o tipo penal é uma 
descrição neutra que não supõe qualquer 
valoração (positiva ou negativa) do fato. 
Por conseguinte, tipicidade e 
antijuridicidade constituem categorias 
sistemáticas autônomas, mesmo porque o 
fato, mesmo típico, pode não ser 
antijurídico, sempre e quando praticado sob o 
amparo de uma causa de justificação. Assim, 
por exemplo, quem mata em legítima defesa 
(causa justificadora), realiza uma conduta típica, 
mas conforme o direito (lícita e jurídica, 
portanto). O tipo, portanto, é apenas um indício 
(ratio cognoscendi) da antijuridicidade 
(ilicitude). 
Tal formulação se mostrou insatisfatória, à vista 
de comumente o legislador, ao descrever ações 
típicas, recorre a elementos subjetivos (assim, 
por exemplo, o art. 309 do CP, em que se exige 
do agente o fim de promover a entrada ou 
permanência em território nacional), e, ainda, 
elementos normativos (conceitos de 
‘funcionário público’, ‘coisa alheia’, 
‘fraudulentamente’, ‘sem justa causa’, etc.), 
supondo quase sempre uma valoração ética, 
cultural, jurídica, social, cultura, etc, de sorte 
que o tipo penal não está 
livre de juízos de valor. 
2. Sistema bipartido: a teoria dos elementos 
negativos do tipo. 
A teoria dos elementos negativos do tipo, cuja 
formulação inicial deve-se a Merkel, e 
definitivamente elaborada por Baumbarten, 
proclamava que todo fato típico é sempre um 
fato antijurídico. Segundo essa teoria, o tipo 
penal já contém toda matéria proibida e 
antijurídica, compondo-se, por isso, de duas 
partes: 
a) uma parte positiva (tipo positivo), que 
corresponde à completa realização dos 
elementos objetivos, subjetivos e normativos do 
tipo (tipo no sentido tradicional), e 
b) uma parte negativa (tipo negativo), que 
corresponde à ausência de causas de 
justificação. Ou seja, na formulação do tipo 
penal já estaria implícita a ausência de 
causas de justificação, de modo que, por 
exemplo, a na norma do art. 121 do CP 
“matar alguém”, estaria subentendido 
“salvo em legítima defesa, em estado de 
necessidade, etc.” 
 
3. Teoria finalista 
Na concepção finalista, há de se divisar o 
tipo objetivo, consistente na análise dos 
elementos de ordem objetiva (e mesmo os 
normativos) veiculados no tipo penal e o 
tipo subjetivo que se faz a partir da análise 
dos elementos volitivos (dolo, através da 
vontade livre e consciente do agente ou 
culpa, nos casos previstos em lei), bem 
como os elementos subjetivos do tipo 
(finalidade especial de agir do agente). 
 
B) Conceito de tipo 
Dentre os modernos conceitos de tipo 
traçados em doutrina, preferimos o adotado 
por Roberto Bittencourt1, assim formulado: 
“Tipo é o conjunto de elementos do fato 
punível descritos na lei penal. O tipo exerce 
uma função limitadora e individualizadora 
das condutas humanas penalmente 
relevantes. É uma construção que surge da 
imaginação do legislador, que descreve as 
ações que considera, em tese, delitivas. 
 
1
 In ‘Tratado de Direto Penal’, op. cit., v. 1, p. 245 
 
Tipo é um modelo abstrato que descreve um 
comportamento proibido. Cada tipo possui 
características e elementos próprios que os 
distinguem uns dos outros, tornando-os todos 
especiais, no sentido de serem inconfundíveis, 
inadmitindo-se a adequação de uma conduta 
que não lhes corresponda perfeitamente. Cada 
tipo desempenha uma função particular, e a 
ausência de um tipo não pode ser suprida por 
analogia ou interpretação extensiva”. 
É de se ver que, em face do princípio da reserva 
legal (art. 5º, XXXIX, CF), os tipos penais 
devem ser veiculados em leis materiais, uma 
vez que a descrição específica e detalhada do 
comportamento proibido tem função de garantia 
dos indivíduos, que não podem ser penalmente 
punidos fora das hipóteses típicas. 
 
C) Elementos do tipo. 
Na sua integralidade o tipo é composto dos 
seguintes elementos: núcleo (designado por um 
verbo – matar, ofender, constranger, subtrair, 
etc.); referências a certas qualidades exigidas, 
em alguns casos, para o sujeito ativo (ex. 
‘funcionário público’, gestante, etc.); referências 
ao sujeito passivo (ex. alguém, recém-nascido, 
outrem, etc); objeto material (ex ‘coisa alheia 
móvel’, ‘documento’, etc) - que em alguns casos 
confunde-se com o sujeito passivo (ex. 
homicídio, o objeto material e o sujeito passivo 
são idênticos); referências ao tempo, lugar, 
ocasião, modo de execução, meios empregados 
e, em alguns casos, ao fim especial visado pelo 
agente. 
Assim, os elementos do tipo podem ser: 
a) Objetivos: referem-se ao aspecto 
material do fato. Existem concretamente no 
mundo dos fatos e só precisam ser descritos 
pela norma. São elementos objetivos: o 
objeto material do crime, o tempo, o lugar, 
o núcleo do tipo (verbo), os meios 
empregados, etc. 
b) Normativos: ao contrário dos 
descritivos, seu significado não se extrai de 
mera observação, sendo imprescindível um 
juízo de valoração jurídica, social, cultural, 
histórica, política, religiosa. Aparecem sob 
a forma de expressões: “sem justa causa”, 
“indevidamente”, “funcionário público”, 
“fraudulentamente”, etc. 
c) Subjetivos: segundo Wessels, 
“elementos subjetivos do tipo são os que 
pertencem ao campo psíquico-espiritual e 
ao mundo da representação do autor do 
fato”. 
Encontram-se nos chamados ‘delitos de 
intenção’, em que uma representação 
especial do resultado ou da finalidade deve 
ser acrescentada à ação típica. No elemento 
subjetivo do tipo, o legislador destaca uma 
parte do dolo e a insere expressamente no 
tipo penal. Essa parte é a finalidade 
especial, a qual pode estar ou não presente 
na intenção do autor. Quando o tipo penal 
descrever elemento subjetivo, será 
necessário que o agente, além de realizar o 
núcleo da conduta (verbo), tenha também a 
finalidade especial descrita explicitamente 
no tipo penal. Na extorsão mediante 
seqüestro (seqüestrar com o fim de obter resgate 
- art. 159, CP) não basta a mera vontade de 
seqüestrar, a lei exige que o agente tenha a 
finalidade de obter uma vantagem como 
condição do preço ou do resgate. Em 
contrapartida, há outro crime, o de seqüestro 
(art. 148, CP) em que não se exige nenhuma 
finalidade especial (elemento subjetivo), 
bastando a mera vontade de realizar o verbo 
para a integralização típica. 
Quando exigido o elemento subjetivo do tipo, a 
sua ausência importará em atipicidade da 
conduta, podendo, todavia, ser previsto em 
outro tipo penal subsidiário que não exija tal 
elemento. Assim, por exemplo, o art. 309 do CP 
tipifica a conduta de “usar estrangeiro, para 
entrar ou permanecer no território nacional, 
nome que não o é seu”. 
Tal crime somente ocorre se o uso do nome 
alheio pelo estrangeiro se der com a finalidade 
especial de entrada ou permanência no País. 
Outro exemplo, é o do crime de furto, previsto n 
o art. 155 do Código Penal, assim descrito 
“Subtrair, para si ou para outrem, coisa alheia 
móvel” onde a cláusula para si ou para outrem 
descreve elemento subjetivo do agente, 
consistente em finalidade de se assenhorar da 
coisa subtraída. Assim, se a conduta do agente 
revela
que ele subtraiu a coisa alheia móvel com 
o propósito de devolve-la (furto de uso), não 
estará presente o referido elemento subjetivo, 
motivo pelo qual não haverá tipicidade da 
conduta com a descrição típica contida no art. 
155, CP) 
 
TIPICIDADE 
Tipicidade é a subsunção, justaposição, 
enquadramento ou integral correspondência 
da conduta praticada no mundo real ao 
modelo descritivo constante da lei (tipo 
legal). Há autores que diferenciam a 
tipicidade da adequação típica. Segundo tais 
autores, a tipicidade seria o mero exame 
formal da correspondência da conduta 
praticada com a previsão típica e a 
adequação típica, por sua vez, exigiria a 
presença de vontade (dolo e culpa), para só 
então afirmar a adequação da conduta ao 
modelo legal. Tal concepção decorre da 
adoção do modelo finalista da conduta, 
mas, em termos práticos, não tem qualquer 
efeito, uma vez que somente se considera 
“conduta”, as ações que se realizaram com 
a presença da vontade (dolo ou culpa), 
como vimos na aula VII. 
Adequação típica de subordinação 
imediata: há perfeita correspondência da 
conduta praticada e o tipo legal. Ex: A 
dispara contra B e produz a sua morte. 
Adequação típica de subordinação 
mediata: não há a perfeita correspondência 
entre a conduta e o tipo, que só se perfaz 
através do recurso a outra norma que 
promova a extensão do tipo até alcançar a 
conduta. Ex. A querendo matar B, desfere 8 
tiros contra ele, mas não acerta nenhum. 
Não há correspondência entre a conduta e o 
tipo de homicídio, mas pela extensão 
conferida pelo art. 14, II do CP, podemos 
concluir que houve tentativa de homicídio. 
Também nos casos de participação. O partícipe 
é aquele que de qualquer modo concorre para a 
prática de um crime, auxiliando, instigando, 
auxiliando, induzindo ou instigando o executor 
sem, no entanto, realizar o núcleo do tipo. 
Nesses casos, não há correspondência integral, 
que ocorre por meio de recurso ao art. 29, caput 
do CP. 
 
Tipo fundamental ou básico: é o que veicula a 
figura mais simples de uma espécie de crime. É 
o tipo que se localiza no caput de um artigo e 
contém os elementos essenciais do crime, sem 
os quais este desaparece (atipicidade absoluta) 
ou se transforma em outro (atipicidade relativa). 
Tipos derivados: são os que se formam a partir 
do tipo fundamental, mediante o destaque de 
circunstâncias que o agravam ou o atenuam. Se 
a agravação se constituir em novos limites 
abstratos de pena (ex. art. 121, parágrafo 2º - 
pena 12 a 30 anos), tem-se o tipo qualificado; se 
consistir em um aumento em determinada 
fração, como 1/3, 2/3, etc. ocorre causa de 
aumento de pena (ex. art. 155, parágrafo 1º, 
CP); no caso de atenuação, ocorre o tipo 
privilegiado (art. 121, parágrafo 1º, CP). 
Teoria da tipicidade conglobante: de acordo 
com essa teoria, o fato típico pressupõe que a 
conduta seja proibida pelo ordenamento jurídico 
como um todo, globalmente considerado. 
Assim, se qualquer outro ramo do Direito (cível, 
trabalhista, administrativo, etc) permitir o 
comportamento, a conduta será considerada 
atípica, ainda que prevista em tipo legal. 
Defendida por Zaffaroni e Piarangelli, a teoria 
não recebeu grande destaque entre nós, 
tendo pouca aplicação (ex. art. 258, CP). 
 
 
IV-TEORIA DO DOLO 
O dolo é um dos elementos do tipo penal 
1. Conceito de dolo: é a vontade e a 
consciência de realizar os elementos 
constantes do tipo legal. De forma ampla, 
é a vontade manifestada pela pessoa 
humana de realizar a conduta. 
Para a ultrapassada teoria causalista, dolo 
significava vontade e consciência de 
realizar uma conduta antijurídica (dolus 
malus), de modo que compreendia 
necessariamente a consciência da ilicitude – 
este era o conceito de dolo normativo. 
Com a adoção da teoria finalista da ação, 
passou-se a adotar um conceito mais 
restrito de dolo (dolo natural), porque 
deslocando-o da culpabilidade para a 
tipicidade, destacou-o da consciência da 
ilicitude, adotando, em conseqüência um 
conceito natural (neutro) de dolo, razão 
pelo qual o conhecimento do caráter 
antijurídico (proibido) do comportamento 
continua a pertencer à culpabilidade. Por 
isso, Welzel escreve que o dolo “é só a 
vontade de ação orientada à realização do 
tipo do delito”, ou seja, é o querer realizar a 
ação tida como típica, independente da 
consciência da sua ilicitude. 
Concordamos com Capez, para quem “o 
dolo é formado apenas por consciência e 
vontade, sendo um fenômeno puramente 
psicológico, e pertencente à conduta, 
devendo ser analisado desde logo, quando da 
aferição do fato típico. A consciência da 
ilicitude é algo distinto, que integra a 
culpabilidade como seu requisito e somente 
será analisada em momento posterior (...) O 
dolo, portanto, segundo o nosso entendimento é 
o natural” 
Este é o entendimento esposado pelo nosso 
Código Penal. Ainda segundo tal entendimento, 
age com dolo o holandês que traga de seu país 
de origem pequena quantidade de maconha para 
uso pessoal, ainda que convencido (de boa-fé) 
de que tal seja permitido entre nós, à 
semelhança de seu país de origem. O que 
haveria aqui seria um erro de proibição, tratado 
no juízo (ou exame) da culpabilidade. 
Conseqüentemente, o dolo compreende um 
elemento volitivo (o querer o resultado) e um 
elemento cognitivo (ou intelectivo). Por isso 
que para agir dolosamente,o sujeito deve saber o 
que faz e conhecer os elementos que 
caracterizam sua ação como típica. Quer dizer, 
deve saber, no homicídio, por exemplo, que 
mata outra pessoa; no furto, que se apodera de 
coisa alheia móvel; Logo, não há dolo de 
homicídio se o autor supõe justificadamente, 
que abate um animal; não há furto, se imagina 
própria a coisa. 
Assim, temos as seguintes teorias do dolo: 
2. Teorias do dolo 
a) Da vontade – o dolo é a vontade de realizar a 
conduta e produzir o resultado; 
b) Da representação – o dolo é a vontade de 
realizar a conduta, prevendo a possibilidade de 
o resultado ocorrer, sem, contudo, desejá-lo. 
Denomina-se teoria da representação, porque 
basta ao agente representar (prever) a 
possibilidade do resultado para que exista o 
dolo; 
c) Do consentimento (ou assentimento) – 
dolo é o assentimento do resultado, isto é, a 
previsão do resultado, com aceitação do 
risco de produzi-lo. Não basta, portanto 
somente representar; é preciso aceitar como 
indiferente a produção do resultado. 
Pela definição do nosso Código Penal, o 
crime será doloso “quando o agente quis o 
resultado ou assumiu o risco de produzi-lo” 
(art. 18, I). De tal disposição, vemos que o 
Código Penal Brasileiro adotou as teorias 
da vontade (no dolo direto) e a do 
assentimento (no dolo indireto). 
 
3. Do dolo direto e do dolo indireto. 
Como já dito, nosso Código Penal 
considera dolosas as condutas quando o 
agente quis o resultado ou assumiu o risco 
de produzi-lo (art. 18, I). Essa previsão 
equipara o dolo direto e o eventual. 
a) Dolo direto ou determinado - é a vontade 
de realizar a conduta e produzir o resultado 
(teoria da vontade). Na conceituação de 
José Frederico Marques, “Diz-se direto o 
dolo quando o resultado no mundo exterior 
corresponde perfeitamente à intenção e à 
vontade do agente”. 
b) Dolo indireto ou indeterminado – o 
agente não que diretamente o resultado, 
mas aceita a possibilidade de produzi-lo 
(dolo eventual), ou não se importa de 
produzir este ou aquele resultado (dolo 
alternativo). Nelson Hungria define o 
estado de espírito que revela o dolo eventual: 
“seja como for, dê no que der, em qualquer caso 
não deixo de agir”. Divide-se em duas 
subespécies, o dolo alternativo e o eventual. O 
dolo alternativo pode ser exemplificado no caso 
da namorada ciumenta que, ao presenciar seu 
namorado conversando com outra mulher, joga 
em sua direção uma granada, intentando feri-los
ou matá-los. A namorada não quer produzir ‘o’ 
resultado, mas sim um dos resultados. No dolo 
eventual, o agente, em dúvida quanto a um dos 
elementos do tipo, arrisca-se em concretizá-lo. 
Exemplo é o do agente que, a fim de testar a sua 
sorte, se empreende a praticar roleta-russa, 
apontando revólver munido de um só cartucho 
contra os transeuntes. Assume, dessa forma, o 
risco do disparo e a conseqüente morte do 
transeunte. 
Há outras classificações como: o dolo de dano 
(vontade de produzir uma lesão ao bem jurídico) 
e dolo de perigo (vontade de expô-lo a perigo); 
dolo genérico (vontade de realizar a conduta 
sem uma finalidade especial. Ocorre nos tipos 
em que não há elemento subjetivo do tipo) e 
dolo específico (vontade de praticar a conduta 
descrita no tipo penal com alguma finalidade 
específica). Tais classificações, todavia, 
restaram superadas, no acertado dizer do 
Professor Paulo Queiroz (op. cit., p. 191) 
 
4. Dolo eventual e culpa consciente. 
Delimitar o dolo eventual da culpa consciente – 
disse Welzel – é um dos problemas mais difíceis 
e discutidos do direito penal. 
Paulo Queiroz (op. cit., p. 192) coloca que 
diferentemente da culpa consciente, no dolo 
eventual o agente, ainda que só 
eventualmente, aceita o resultado, isto é, 
aceita a sua produção; na culpa consciente, 
porém, há mera previsão, sem que com isso 
se aceite o resultado. No dolo eventual, o 
agente se porta como a fórmula: “seja como 
for, dê no der, em qualquer caso não deixo 
de agir”. Na culpa consciente, há erro de 
cálculo, enquanto no dolo eventual há uma 
dúvida. Existe, portanto, entre a culpa 
consciente e dolo eventual, um traço 
comum: a previsão do resultado 
antijurídico, mas enquanto no dolo eventual 
o agente presta anuência ao advento desse 
resultado, preferindo arriscar a produzi-lo 
ao invés de renunciar à ação, na culpa 
consciente, ao contrário, o agente repele, 
embora inconsideradamente, a hipótese de 
superveniência do resultado, e empreende a 
ação na esperança ou persuasão de que este 
não ocorrerá, pois “assumir o risco é 
alguma coisa mais que ter consciência de 
correr o risco: é consentir previamente no 
resultado, caso venha este, realmente a 
ocorrer”. 
Exemplifica, por fim, com o caso de A que, 
portador do vírus HIV, mantém relações 
sexuais com B, sua parceira, sem adotar, 
todavia, qualquer precaução, motivo pelo 
qual B contrai o vírus (e a doença), 
responderá A, a título de dolo eventual; se 
porém, usa preservativo e, ainda assim, 
ocorre a contaminação, em razão do seu 
rompimento, haverá culpa consciente. 
Dito de outra forma: no dolo eventual, o 
agente assume o risco e assume o seu 
possível resultado; na culpa consciente, ao 
invés, o agente assume o risco, mas não assume 
o resultado, acreditando (e desejando) que não 
virá. 
A jurisprudência pátria tem sido reticente em 
aceitar, na maior parte das vezes, o dolo 
eventual nos crimes de trânsito, isto porque o 
dolo eventual não decorre da simples previsão 
da possibilidade de ocorrência do resultado, 
comum nos crimes de trânsito, mas da própria 
aceitação da possibilidade de tal risco se 
apresentar. Sobre o tópico, Guilherme Nucci2 
leciona: 
“É tênue a linha divisória entre a culpa 
consciente e o dolo eventual. Em ambos, o 
agente prevê a ocorrência do resultado, mas 
somente no dolo o agente admite a 
possibilidade do evento acontecer. Na culpa 
consciente, ele acredita sinceramente que 
conseguirá evitar o resultado, ainda que o 
tenha previsto. Muitos ainda acreditam que,no 
contexto do trânsito, prevalece a culpa 
consciente, pois o agente não acredita que irá 
causar um mal tão grave. A solução, realmente, 
não é fácil, dependendo, em nosso ponto de 
vista, do caso concreto e das circunstâncias que 
envolvem o crime. É inviável buscar solver o 
problema com a prova concreta do que se 
passou na mente do agente, algo utópico na 
maior parte dos delitos ocorridos no trânsito”. 
Na jurisprudência, da mesma forma, reconhece-
se certa dificuldade em concluir pela presença 
do dolo eventual pela mera verificação de 
condutas como alta velocidade, ou mesmo 
 
2
 NUCCI, Guilherme. Manual..., p. 214-215 
embriaguez voluntária ou culposa do 
agente, à vista de que, na maior parte dos 
casos, não se terá um elemento seguro que 
aponte aquele estado anímico do agente – 
aceitação do risco - a fazer presente o dolo 
eventual. Neste sentido, cabe conferir o 
julgamento do RESP 705416/SC pelo STJ. 
 
TEORIA DA CULPA. 
Culpa é o elemento normativo da conduta. 
È assim denominado porque a sua 
verificação exige um juízo prévio de valor. 
Como podemos perceber, o legislador penal 
não cuida de definir a culpa nos tipos 
penais, limitando-se a dizer: Se o crime é 
culposo, pena (...). 
No artigo 18, II, CP, o legislador refere-se à 
negligência, imprudência ou imperícia 
como identificadores da culpa. 
Com isso, para a adequação típica será 
necessário mais do que a simples 
correspondência entre conduta e descrição 
típica. Torna-se imprescindível que se faça 
um juízo de valor sobre a conduta do agente 
no caso concreto, comparando-a com a que 
um homem de prudência média teria na 
mesma situação. A culpa decorre, portanto, 
da comparação que se faz entre o 
comportamento concreto e aquele que uma 
pessoa de prudência normal, mediana, teria 
na mesma situação. 
A conduta normal é aquela ditada pelo 
senso comum. Assim, se a conduta do 
agente afastar-se da conduta normal, haverá 
a quebra do dever objetivo de cuidado e, 
conseqüentemente, a culpa. 
Se um sujeito conduz bêbado um veículo, basta 
proceder-se a um juízo de valor de acordo com 
o senso comum para se saber que esta não é 
uma conduta normal. 
Por isso, a doutrina não destoa a afirmar que o 
tipo culposo é sempre um tipo penal aberto, 
porque a conduta culposa não é descrita, 
carecendo, portanto, de um juízo de valor sobre 
a conduta para defini-la culposa ou não. 
Os doutrinadores têm, ao longo do tempo, 
encontrado dificuldades para conceituar, com 
precisão, a culpa em sentido estrito. 
Com base no enunciado do art. 18, II do Código 
Penal (diz-se culposo o crime quando o agente 
deu causa ao resultado, por imprudência, 
negligência ou imperícia), pode-se dizer que 
“culposa é a conduta voluntária que produz 
resultado ilícito, não desejado, mas previsível e 
excepcionalmente previsto, que podia, com a 
devida atenção, ser evitado”3 
 
ELEMENTOS (REQUISITOS) DA CULPA. 
Desse conceito de culpa, colhemos a 
necessidade da reunião dos seguintes elementos: 
a) conduta voluntária; b) inobservância de dever 
de cuidado; c) resultado lesivo indesejado; d) 
previsibilidade objetiva e e) tipicidade 
específica; 
A) Conduta voluntária – Como antes 
estudado, somente a ações ou omissões 
voluntárias podem ter repercussão no 
Direito Penal. Assim, também as 
condutas de crimes culposos terão a 
vontade (voluntas) como seu elemento 
 
3
 Mirabete, Júlio Fabrini. “Manual de Direito Penal”, op. 
cit., v. 1, p. 137. 
motivador, com a distinção de que, 
aqui, a conduta não se destina à 
produção do resultado lesivo 
previsto no tipo legal de um crime 
(assim fosse teríamos um crime 
doloso). Diz-se que, nos crimes 
culposos, a finalidade buscada pelo 
agente na sua conduta tinha uma 
finalidade lícita, mas produz 
resultado ilícito por força de 
imprudência, negligência ou 
imperícia. 
B) Inobservância do dever objetivo 
de cuidado: quebra do dever de 
cuidado imposto a todos (exige-se 
que as pessoas ajam com prudência 
em suas ações cotidianas). 
Manifesta-se por meio de três 
modalidades de culpa (Art. 18, II, 
CP), quais sejam: 
B.1) Imprudência: é a ação 
desprovida de cuidado necessário. 
“A imprudência tem forma ativa.
Trata-se de um agir sem a cautela 
necessária. É forma militante e 
positiva da culpa, consistente no 
atuar o agente com precipitação, 
com insensatez ou inconsideração, 
já por não atentar para a lição dos 
fatos ordinários, já por não 
preservar no que a razão indica”4. 
Ex. trafegar na contramão, dirigir 
em alta velocidade, etc. 
 
4
 E. Magalhães Noronha, “Direito Penal”, v. 1, p. 
141 
B.2) Negligência – é a culpa na sua 
forma omissiva, consistente na falta de 
medida de cuidado por parte do agente. 
Implica, pois, na abstenção de um 
cuidado que era devido pelo agente. Não 
se confunde com o crime omissivo 
porque aqui o sujeito age omitindo-se de 
um cuidado objetivamente imposto a 
todos (o que também o distingue do 
crime omissivo impróprio). Ex. deixar 
de reparar os pneus em péssimo estado 
de conservação; deixar arma ao alcance 
de crianças. 
B.3) Imperícia – é a demonstração de 
inaptidão técnica em profissão, arte ou 
atividade. Consiste na incapacidade, na 
falta de conhecimento ou habilidade para 
o exercício de determinado mister. Ex. 
médico que age de forma imperita 
(errada) durante cirurgia ao realizar 
incisões que desatendam às normas 
procedimentais e, por isso, causar uma 
hemorragia. 
 
Consigne-se que a doutrina tem entendido 
que a negligência é o gênero que abrange as 
espécies imprudência e imperícia, uma vez 
que tanto uma quanto outra têm por base a 
inobservância do dever de cuidado e, logo, a 
negligência (omissão) de um dever objetivo 
que cabia ao agente. 
C) Resultado naturalístico indesejado - Os 
crimes culposos são sempre crimes materiais, 
pois dependem da ocorrência de resultado para 
sua verificação, não havendo crimes culposos de 
mera conduta (Não haverá fato culposos 
sem resultado) 
D) Previsibilidade objetiva é a possibilidade 
de qualquer pessoa dotada de prudência 
mediana prever a possibilidade do 
resultado. Busca-se, assim, estabelecer a 
conduta que seria adotada no caso pelo 
homem médio, ou seja, a conduta que seria 
esperada, ordinariamente da maioria das 
pessoas naquela mesma circunstância. É 
elemento da culpa. Contudo, como adverte 
Mirabete5, se não se interpretar o critério da 
previsibilidade informadora da culpa com 
certa flexibilidade, o resultado lesivo 
sempre seria atribuído ao causador. Diz-se 
então que estão fora da previsibilidade 
objetiva de um homem razoável, não sendo 
culposo o ato quando o resultado só teria 
sido evitado por uma pessoa extremamente 
prudente. 
Exemplo discutível ocorre no caso de um 
agente que sabe estar em uma região 
acometida por uma epidemia. 
Dias antes de seu retorno à cidade de 
origem, o agente percebe estar acometido 
por sintomas daquela mesma doença (de 
grande poder de difusão), mas mesmo 
assim não procura qualquer médico e entra 
em avião comercial na viagem de retorno, 
contaminando, assim, todos os demais 
passageiros do vôo. Reflita acerca da 
presença de previsibilidade objetiva e da 
prática ou não do crime previsto no art. 
267, parágrafo 2º do CP. 
 
5
 Mirabete, Júlio Fabrini. “Manual de Direito Penal”, 
op. cit., v. 1, p. 144 
E) Tipicidade específica – Pelo que dispõe o 
artigo 18, parágrafo único do Código Penal, o 
crime somente poderá ser praticado na 
modalidade culposa quando o tipo penal faça 
expressa referência a tal modalidade. Assim, é 
certo que não existem os crimes de dano 
culposo (art. 163, CP), aborto culposo (art 124, 
125 e 126, CP), por falta de previsão legal das 
referidas modalidades, mas há os tipos penais 
culposos para os crimes de homicídio (art 121, § 
3º) lesões corporais (art 129, § 6º), dentre 
outros. 
 
PRETERDOLO: CRIMES 
QUALIFICADOS PELO RESULTADO 
Temos ainda que verificar os crimes 
preterdoloso ou preterintencionais, que são 
aqueles qualificados pelo resultado. 
Diz-se preterdoloso (praeter dolo, isto é, além 
do dolo do agente), quando, em um mesmo tipo 
penal, conjuga-se dolo e culpa, havendo dolo na 
conduta antecedente e culpa no resultado 
conseqüente (dolo no antecedente, culpa no 
conseqüente). 
Assim, por exemplo, é caso do artigo 129, § 3º 
(lesão corporal seguida de morte), em que se 
pune a lesão corporal a título de dolo e a morte a 
título de culpa, desde que “as circunstâncias 
evidenciem que o agente não quis o resultado, 
nem assumiu o risco de produzi-lo”, ou seja, o 
agente quis, simplesmente, causar lesão, vindo, 
porém, a matar a vítima. Nesses casos 
(preterdolo), o resultado vai além da intenção do 
agente. 
Deve-se colocar que se houver dolo quanto 
ao resultado (direito ou indireto), o agente 
responderá pelo tipo doloso (homicídio 
doloso). 
O Código Penal é claro em determinar que 
“pelo resultado que agrava especialmente a 
pena, só responde o agente que o houver 
causado ao menos culposamente” (art. 19, 
CP). Assim, deve o agente agir, ao menos 
com culpa na produção do resultado. 
Alguns autores têm defendido a 
inconstitucionalidade dos crimes agravados 
pelo resultado, em face à alegada 
contrariedade ao princípio da 
proporcionalidade que decorreria da 
desproporção entre a punição prevista para 
as formas qualificadas pelo resultado e as 
modalidades culposas dos mesmos crimes. 
Assim, por exemplo, o crime de lesão 
corporal seguida de morte (Art 129, § 3º, 
CP) é punido com pena de reclusão de 4 a 
12 anos, conquanto o homicídio culposo, 
por sua vez, é apenado com detenção de 1 a 
3 anos. 
Questionam tais autores que, se o resultado 
é o mesmo (morte, por exemplo), e foram 
causados, em última instância, por culpa do 
agente, não se pode permitir que sejam 
apenados de forma tão desproporcionais. 
Não há, contudo, qualquer manifestação 
jurisprudencial, entre nós, que apóie a tese. 
 
ESPÉCIES DE CULPA. 
A doutrina classifica a culpa em: 
- culpa inconsciente: que é aquela em que o 
agente não tem previsão da possível ocorrência 
do resultado. 
- culpa consciente: aquela em que o agente tem 
a previsão do resultado, mas não o aceita, ou 
seja, não acredita em sua realização. 
Alude-se ainda a culpa imprópria, sendo a que 
decorre da presença de qualquer das 
descriminantes putativas, decorrentes da 
existência de erro de tipo inescusável quanto à 
presença de causa excludente de ilicitude (causa 
de justificação), prevista no art. 20, parágrafo 1º 
do Código Penal. 
• Não há, em direito penal, distinção quanto à 
sanção cominada abstratamente entre os graus 
de culpa (grave, leve ou levíssima). 
Também não há, no Direito Penal, a 
compensação de culpas, de modo a se excluir a 
pena de quem age com culpa em face à conduta 
culposa da vítima. Ex.: motorista que trafega em 
alta velocidade e vem a colher ciclista que 
atravessa a rodovia de forma imprudente (o que 
haverá, aqui, é a fixação da pena com menor 
rigor, em face das circunstâncias judiciais do 
art. 59 do CP)

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