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Curso de Direito Tributário Brasileiro

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SACHA CALMON NAVARRO COÉLHO 
Professor de Direito Financeiro e Tributario da Faculdade de Direito da Universidade 
-ederal de Minas Gerais, nos cursos de graduacáo e pós-graduacao. Diretor do Departamento 
de Direito Tributario do Instituto dos Advogados do Brasil, Secáo de Minas Gerais. 
Presidente da Associacao Brasileira de Direito Tributario (ABRADT). Conselheiro Efetivo 
da Ordem dos Advogados do Brasil (MG). (Advogado. Ex-Juiz Federal.) 
CURSO DE DIREITO 
r 
TRIBUTARIO BRASILEIRO 
7 a edicáo 
revista e atualizada de acordó com o Código Civil de 2002 
E D I T O R A 
F O R E N S E 
Rio de Janeiro 
2004 
I a edicao- 1999 
2"edicao- 1999 
3 a e d i c á o - 1999 
4 a e d i c á o - 1999 
5a edicao - 2000 
6"edicao-2001 
6 a ed icáo-2001 
6a edicao - 2002 
6a edicao - 2002 
6a edicao - 2003 
7a edicáo - 2004 
© Copyright 
Sacha Calmon Navarro Coélho 
CIP-Brasil. Catalogacáo-na-fonte. 
Sindicato Nacional dos Editores de Livros, RJ. 
C62c 
Coélho, Sacha Calmon Navarro, 1940-
Curso de direito tributario brasileiro / Sacha |Calmon Navarro Coélho. - Rio de Janeiro: 
Forense, 2004. 
- 2a tiragem 
- 3a tiragem 
- 4a tiragem 
- 5a tiragem 
1. Direito tributario. 2. Brasil. [Código tributario nacional (1966)]. I. Título. 
98-1378. CPU 351.713(81) 
O titular cuja obra seja fraudulentamente reproduzida, divulgada ou de qualquer forma utilizada pode-
rá requerer a apreensao dos exemplares reproduzidos ou a suspensao da divulgacao, sem prejuízo da indeni-
zacáo cabível (art. 102 da Lei n° 9.610, de 19.02.1998). 
Quem vender, expuser á venda, ocultar, adquirir, distribuir, tiver em depósito ou utilizar obra ou fono-
grama reproduzidos com fraude, com a finalidade de vender, obter ganho, vantagem, proveito, lucro direto 
ou indireto, para si ou para outrem, será solidariamente responsável com o contrafator, nos termos dos artigos 
precedentes, respondendo como contrafatores o importador e o distribuidor em caso de reproducao no exte-
rior (art. 104 da Lei n° 9.610/98). 
A EDITORA FORENSE se responsabiliza pelos vicios do produto no que concerne á sua edicao, ai 
compreendidas a impressao e a apresentacao, a fim de possibilitar ao consumidor bem manuseá-lo e lé-lo. Os 
vicios relacionados á atualizacao da obra, aos conceitos doutrinários, ás concepcoes ideológicas e referencias 
indevidas sao de responsabilidade do autor e/ou atualizador. 
As reclamacoes devem ser feitas até noventa dias a partir da compra e venda com nota fiscal (interpre-
tacáo do art. 26 da Lei n° 8.078, de 11.09.1990). 
Reservados os direitos de propriedade desta edicáo pela 
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Endereco na Internet: http://www.forense.com.br- e-mail: forense@forense.com.br 
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Tel.: (0XX21) 2533-5537 - Fax: (0XX21) 2533-4752 
Impresso no Brasil 
Printed in Brazil 
DEDICATORIA 
Este livro é dedicado a todos os alunos dos cursos jurídicos e aos profissionais que lidam com o Direi-
to Tributario, em convivio permanente com o poder de tributar e a dor fiscal, sina inafastável das sociedades 
humanas, tao imperfeitas quanto limitadas, e, contudo, estimulantes dos sentimentos de justica e igualdade. 
ln memoriam 
A Aliomar Baleeiro e Amílcar Falcáo, meus conterráneos, que desbravaram o árido sertáo do Direito 
Tributario, a Rubens Gomes de Sousa e Gilberto de Ulhóa Canto, que o codificaram, e ao meu mestre, Geral-
do Ataliba, que o decodificou, em licoes plenas de sabedoria. Estáo todos mortos, mas espero encontrá-los 
qualquer dia desses. 
Sacha Calmon 
Incivile est, nisi lege prospecta, una aliqua partícula ejus proposita, judicare, vel responderé. 
"É contra o Direito julgar ou responder sem examinar o texto em conjunto, apenas considerando urna 
parte qualquer do mesmo." 
(Celso, Digesto, liv. 1, tít. 3 o , frag. 24) 
SUMARIO 
Abreviaturas e Siglas Usadas XI 
Obras do Autor XV 
A Obra XVII 
O Autor XIX 
Nota da Editora XXI 
Parte I 
A SOCIEDADE, O DIREITO, O ESTADO E O TRIBUTO 
Capítulo I - O Objeto do Direito 3 
Capítulo II - O Direito como Objeto 15 
Capítulo III - O Objeto do Direito Tributario e o Direito Tributario como Objeto 33 
Capítulo IV - O Estado e suas Funcoes 39 
Parte II 
O DIREITO TRIBUTARIO QUE ESTÁ NA CONSTITUICAO 
Capítulo I - O Direito Tributario da Constituicao 47 
Capítulo II - Os Principios Gerais do Sistema Tributario da Constituicao 67 
Capítulo III - A Lei Complementar como Agente Normativo Ordenador do Sistema Tributario e da 
Reparticao das Competencias Tributarias 99 
Capítulo IV - Outras Regras de Reparticao de Competencias Tributarias 127 
Capítulo V - Limitacoes ao Poder de Tributar - Temas Afins 165 
Capítulo VI - Principios Constitucionais em Materia Tributaria: Explícitos, Derivados e Conexos.. 193 
Capítulo VII - As Imunidades Genéricas 283 
Capítulo VIII - Os Impostes da Uniao, os Principios e Vedacoes que lhes sao Próprios 359 
Capítulo IX - Os Impostes dos Estados e do Distrito Federal - Dos Principios e Vedacoes que lhes 
sao Próprios 381 
Capítulo X - Os Impostes dos Municipios, Principios e Vedacoes que lhes sao Próprios 415 
Capítulo XI - A Reparticao das Receitas Tributarias 435 
Parte III 
O DIREITO TRIBUTARIO QUE ESTÁ NO CÓDIGO TRIBUTARIO NACIONAL 
E ÑAS LEIS COMPLEMENTARES SUBSEQÜENTES 
Capítulo I - O Código Tributario Nacional e o Sistema Tributario Nacional 441 
Capítulo II - O Conceito de Tributo 449 
X SACHA CALMON NAVARRO COÉLHO 
Capítulo III - As Especies Tributarias: os Impostos, as Taxas e as Contribuicoes 467 
Capítulo IV - A Competencia Tributaria 501 
Capítulo V - Os Impostes no CTN 509 
* Capítulo VI - Impostes Federáis 515 
Capitulo VII - Impostes Estaduais 549 
Capítulo VIII - Impostes Municipais 607 
Capítulo IX - As Taxas no CTN 639 
Capítulo X - As Contribuicoes de Melhoria no CTN 643 
Capítulo XI - Conccito, Vigencia, Interpretacao, Integracao e Aplicacao da Legislacao Tributaria.. 649 
Capítulo XII - A Obrigacáo Tributaria, Sujeitos Ativos e Passivos e a Responsabilidade Tributaria 
segundo o Código Tributario Nacional 691 
Capítulo XIII - A Constituicao do Crédito Tributario e a Disciplina do Lancamento segundo o 
CTN - Tipos de Lancamento 767 
Capítulo XIV - A Suspensáo da Exigibilidade do Crédito Tributario 799 
Capítulo XV - A Extincao do Crédito Tributario 815 
Capítulo XVI - A Exclusao do Crédito Tributario 867 
Capítulo XVII - Garantías e Privilegios - Administracao Tributaria - Certidoes Negativas 875 
Bibliografía 913 
índice Sistemático 921 
ABREVIATURAS E SIGLAS USADAS 
ABDF Associacao Brasileira de Direito Financeiro 
Ac. Acórdao 
Ac. un. Acórdao unánime 
ADIN Acao Direta de Inconstitucionalidade 
AFREMM Adicional de Frete para Renovacao da Marinha Mercante 
Ag. Agravo 
AGÍ Agravo de Instrumento 
AGRG Agravo Regimental 
a.m. ao mes 
AMAGIS Associacao dos Magistrados Mineiros 
AO ABGABENORDNUNG 
Bol. Boletim 
CAÁ Caixa de Assisténcia dos Advogados 
CAA/MG Caixa de Assisténcia dos Advogados de Minas Gerais 
CC Código Civil 
CDA Certidao de Divida Ativa 
CEE Comunidade Económica Européia 
CEPED Centro de Pesquisa para o Escudo do Direito 
CF Constituicao Federal 
CGT Confederacáo Geral do Trabalho 
COFINS Contribuicao para Financiamento da Seguridade Social 
CPA Conselho de Política Aduaneira 
CPC Código de Processo Civil 
CPMF Contribuicao Provisoria sobre Movimentacáo Financeira 
CSSL Contribuicao Social sobre o Lucro 
CTN Código Tributario Nacional 
CUT Central Única do Trabalhador 
CVN Comissao de Valores Mobiliarios 
DARF Documento de Arrecadacao de Receitas Federáis 
d.C. depois de Cristo 
Des. Desembargador 
DETRAN Departamento de Tránsito 
DF Distrito Federal 
DI Direito Internacional 
DJ Diario da Justica 
DJU Diario da Justica da Uniao 
DL Decreto-Leí 
E. Egregio 
EUA
Estados Unidos da América 
FARP Fundo das Agencias Regionais de Fomento 
XII 
FGTS 
FNT 
FOB 
FPE 
FPM 
GATT 
GET 
GUT 
h. i. 
IAA 
IBC 
IBDF 
ICM 
ICMS 
i.e. 
IE 
II 
INCRA 
INSS 
IOB 
IOF 
IPI 
IPMF 
IPSEMG 
IPTU 
IPVA 
IR 
IRS 
ISOF 
ISS 
ISQN 
ITBI 
ITCD 
ITR 
ITT 
IVAS 
IVC 
IVV 
IVVC 
j-
Jurisp. 
LC 
LEF 
MG 
Min. 
MS 
OAB 
OCDE 
OIT 
OMC 
SACHA CALMON NAVARRO COÉLHO 
Fundo de Garantía do Tempo de Servico 
Fundo Nacional de Telecomunicacoes 
Free on Board 
Fundo de Participacáo dos Estados 
Fundo de Participacáo dos Municipios 
General Agreement on Tariffs and Trade 
Grau de Eficiencia da Terra 
Grau de Utilizacáo da Terra 
hipótese de incidencia 
Instituto do Acucar e do Alcool 
Instituto Brasileiro do Café 
Instituto Brasileiro de Direito Financeiro 
Imposto sobre Circulacao de Mercadorias 
Imposto sobre Circulacao de Mercadorias e Servicos 
id est 
Imposto de Exportacáo 
Imposto de Importacao 
Instituto Nacional de Colonizacao e Reforma Agraria 
Instituto Nacional de Seguridade Social 
Informacoes Objetivas 
Imposto sobre Operacóes Financeiras 
Imposto sobre Produtos Industrializados 
Imposto sobre Movimentacao Financeira 
Instituto de Previdencia dos Servidores do Estado de Minas Gerais 
Imposto sobre a Propriedade Predial e Territorial Urbana 
Imposto sobre a Propriedade de Veículos Automotores 
Imposto sobre a Renda 
International Revenue Service 
Imposto sobre Operacóes Financeiras 
Imposto sobre Servico 
Imposto sobre Servicos de Qualquer Natureza 
Imposto sobre Transmissao de Bens Imóveis 
Imposto sobre Transmissao causa monis e Doacao de quaisquer Bens ou Direitos 
Imposto sobre Propriedade Territorial Rural 
Instituto de Técnica Tributaria 
Imposto sobre Valores Adicionáis 
Imposto sobre Vendas e Consignacóes 
Imposto de Vendas a Varejo 
Imposto de Vendas a Varejo de Combustíveis 
julgado 
Jurisprudencia 
Lei Complementar 
Lei das Execucoes Fiscais 
Minas Gerais 
Ministro 
Mandado de Seguranca 
Ordem dos Advogados do Brasil 
Organizacáo para a Cooperacáo e o Desenvolvimiento Económico da Comunidade Européia 
Organizacáo Internacional do Trabalho 
Organizacáo Mundial do Comercio 
CURSO DE DIREITO TRIBUTARIO BRASILEIRO XIII 
p. página 
PB Paraíba 
PE Pernambuco 
PIS Programa de Integracao Social 
pp. páginas 
PR Paraná 
RE Recurso Extraordinario 
Recdo. Recorrido 
Recte. Recorrente 
Reg. Registro 
Reí. Relator 
REO Recurso Ordinario 
Resp. Recurso Especial 
RIPI Regulamento do Imposto sobre Produtos Industrializados 
RIR Regulamento do Imposto de Renda 
RISTF Regimentó Interno do STF 
RMS Recurso em Mandado de Seguranca 
RN Rio Grande do Norte 
RT Revista dos Tribunais 
SENAC Servico Nacional de Aprendizagem Comercial 
SENAI Servico Nacional de Aprendizagem Industrial 
SERPRO Servico Federal de Processamento de Dados da Uniao 
SESC Servico Social do Comercio 
SESI Servico Social da Industria 
ss. seguintes 
STF Supremo Tribunal Federal 
STJ Superior Tribunal de Justica 
Sudam Superintendencia de Desenvolvimento da Amazonia 
Sudeco Superintendencia de Desenvolvimento do Centro-Oeste 
Sudene Superintendencia de Desenvolvimento do Nordeste 
SUS Sistema Único de Saúde 
t. Tomo 
T. Turma 
TFR Tribunal Federal de Recursos 
TIPI Tabela de Imposto sobre Produtos Industrializados 
TRF Tribunal Regional Federal 
TRU Taxa Rodoviária Única 
TVA Tax Valué Added 
UFMG Universidade Federal de Minas Gerais 
un. Unánime 
UPFMG Unidade Padráo Fiscal do Estado de Minas Gerais 
USA Estados Unidos da América 
v. ver 
VAF Valor Adicional Fiscal 
v.g. verbi grada 
vol. Volume 
OBRAS DO AUTOR 
Autoría 
Teoría Geral do Tributo e da Exoneracao Tributaria, Sao Paulo, Ed. Revista dos Tribunais, 1982. 
ICM- Competencia Exonerativa (Convenios de Estados - Imunidades, Isencoes, Reducoes e Diferimentos), 
Sao Paulo, Ed. Revista dos Tribunais, 1982. 
O Controle de Constitucionalidade das Leis e do Poder de Tributar na Constituicao de 1988, Belo Horizonte, 
Del Rey, 1992. 
Comentarios á Constituicao de 1988: Sistema Tributario, Rio de Janeiro, Forense, 1990. 
Teoría e Prática das Multas Tributarias, Rio de Janeiro, Forense, 1995. 
Depósitos e Liminares antes do Lancamento por Homologacao - Prescricao e Decadencia, Dialética, Sao 
Paulo, 2001. 
Co-autoria 
O Imposto sobre a Propriedade Predial e Territorial Urbana, Rio de Janeiro, Saraiva, 1982. 
A Imunidade Tributaria das Entidades Fechadas de Previdencia Privada, Sao Paulo, Resenha Tributaria, 
1984. 
Obrigacao Tributaria, Sao Paulo, Ed. Revista dos Tribunais, 1988. 
Sancoes Tributarias (Cuadernos Iberoamericanos de Estudios Fiscales, n° 9), Madrid, España, Editoriales 
de Derecho Reunidas, 1988. 
Interpretacao no Direito Tributario, Sao Paulo, Ed. Revista dos Tribunais, 1989. 
Allomar Baleeiro no Supremo Tribunal Federal, Rio de Janeiro, Forense, 1987. 
Direito Tributario Aplicado - Estudos e Pareceres, Belo Horizonte, Del Rey, 1997. 
Comentarios ao Código Tributario Nacional, Rio de Janeiro, Forense, 1997. 
Direito Tributario Contemporáneo, Sao Paulo, Ed. Revista dos Tribunais, 1997. 
Direito Tributario Atual: Pareceres, Rio de Janeiro, Forense, 1995. 
Norma Geral Anti-Simulacao - art. 116, Rio de Janeiro, Forense, 1993. 
Direito Tributario da Energía, Rio de Janeiro, Forense, 1993. 
Direito Tributario da Energía, Rio de Janeiro, Forense, 2003. 
A OBRA 
O presente curso de Direito Tributario tanto serve ao estudante que deseja realmente aprofundar os 
seus conhecimentos de Direito Tributario, quanto serve como tomo de consulta obrigatória aos profissionais 
do Direito, juízes, advogados, membros do Ministerio Público e funcionarios fiscais em geral. O livro se re-
parte em tres partes. Na Parte Constitucional, o autor estuda, artigo por artigo, o Direito Tributario que está na 
Constituicao. Na parte dedicada ao CTN, exaure, artigo por artigo, o Direito Tributario que habita o Código 
básico, bem como as leis complementares posteriores, sem descurar da análise estrutural de todos os impos-
tas de nosso sistema tributario. O conteúdo da obra está inteiramente atualizado. 
O autor faz preceder o estudo do Direito Tributario de duas digressoes. A primeira dedicada á filosofía 
do Direito, urna reflexao madura sobre o papel eos fins do Direito como técnica de convivio social e de plani-
ficacao de comportamentos. A segunda sobre o estudo da norma jurídica como categoria epistemológica da 
Ciencia do Direito, dotando o leitor de urna visao ampia e abrangente do fenómeno jurídico e de sua desco-
munal importancia. O mais interessante é, contudo, a interferencia desses estudos no próprio campo do Di-
reito Tributario, de urna maneira espontánea e visceral, causando até mesmo urna certa surpresa ao leitor. 
O AUTOR 
O Professor SACHA CALMON NAVARRO COÉLHO é autor de todos conhecido. Titular da cátedra 
de Direito Tributario da Faculdade de Direito da Universidade Federal de Minas Gerais, alia á experiencia e 
ao pendor intelectual do académico urna experiencia de vinte e oito anos no campo profissional. Com efeito, 
além de advogado militante, com clínica fiscal voltada a pareceres e a advocacia especializada em Belo Hori-
zonte, o autor já foi Procurador-Chefe da Procuradoria Fiscal do Estado de Minas Gerais e Juiz Federal no 
Rio de Janeiro e em Minas. Portanto, a obra reflete o autor e sua experiencia no EXECUTIVO, no 
JUDICIÁRIO e na ADVOCACIA. Como escritor, possui um cartel invejável. 
Teoría Geral do Tributo e da Exoneracáo Tributaria, Teoría e Prática das Multas Tributarias, o co-
nhecido Comentarios á Constituicao de 1988 - Sistema Tributario, já na 9a edicao. O livro que ora vem a 
lume completa a colecao de obras do autor, fruto de sua maturidade jurídica. Desde Ahornar Baleeiro, com o 
seu prestigiado curso, nao se via obra táo completa sobre o Direito Tributario brasileiro. 
NOTA
DA EDITORA 
O Professor SACHA CALMON pertence á linhagem dos autores de Direito Tributario ligados a nossa 
Editora. A obra que ora vem a lume, porém, traz urna característica singular, por duas razoes muito especiáis. 
Em primeiro lugar, o Direito Tributario é tratado juntamente com o DIREITO TODO, desde a Ciencia do Di-
reito até o Processo Civil, de modo que o leitor percebe com muita facilidade as interligacoes do que está sen-
do estudado com o sistema jurídico de nosso país. Em segundo lugar, o Curso está penetrado pelo espirito 
crítico, o que desencadeia no leitor, necessariamente, reflexoes oportunas sobre o conteúdo do DIREITO 
LEGISLADO, suas harmonías e incongruencias, o que, afínal, vivifica o fenómeno jurídico, este edificio em 
permanente construcao. 
A Editora sente-se sensibilizada por esta afinidade entre ela e o autor e espera que os seus habituáis lei-
tores se sintam satisfeitos com a obra que ora damos ao conhecimento geral, a bem de todos que lidam e, pois, 
estudam o Direito Tributario. 
Parte I 
A SOCIEDADE, O DIREITO, 
O ESTADO E O TRIBUTO 
Capítulo I 
O OBJETO DO DIREITO 
1.1. O Direito como técnica e como valor. 1.2. O Direito Tributario, técnica e valor. 1.3. 
Direito, Sociedade e Historia. 1.4. O Direito comoproduto social - Trabalho, Sociedade e Cul-
tura - A experiencia jurídica e a historia dos homens. \.5.A Moda, a Moral, a Religiao e o Di-
reito - Os sistemas normativos - Liberdade e repressao - Direito e Civilizacáo. 1.6. A 
inevitável ambigúidade dos sistemas normativos - A questao da justica - O Direito progressi-
vo. 1.7. O objeto do Direito - Critica a Carlos Cossio - A perenidade do objeto do Direito. 
1.1. O Direito como técnica e como valor 
O Direito é a mais eficaz técnica de organizacáo social e de planificacáo de compor-
tamentos humanos. 
Enquanto técnica, o Direito é neutro em relacáo aos valores. Mas só enquanto técnica. 
Onde quer que exista urna estrutura de poder, democrática ou autocrática, primitiva 
ou sofisticada, o Direito é utilizado para organizar a sociedade subjacente e determinar os 
comportamentos desejáveis. 
Os valores dos que empolgam o poder político sao utilizados para justificar as nor-
mas organizatórias e comportamentais do sistema jurídico, com ou sem o consentimento 
da sociedade. 
O Direito, portante, é datado históricamente e geográficamente situado, posto que 
universal, seja incipiente, seja complexo. 
Inexiste Direito atemporal, válido urbi et orbi. 
Braco normativo do poder político, o Direito-Sistema, entretanto, nao é impermeá-
vel as reivindicacoes da justica e da igualdade que se formam á sua volta e deixa-se pene-
trar, ao longo do devir histórico, por estes ideáis. Neste sentido, costuma-sc dizer que o 
Direito é a estrada, nao sem barreiras, por onde transitam os anseios e as determinacoes 
da justica e da igualdade. 
Sua importancia histórica é inelutável. 
A axiologia, cada vez mais, do passado evanescente até os nossos dias e rumando 
para o porvir, amolda o Direito á justica. E um movimento de baixo para cima e sempre 
mais rápido, á medida que a historia dos homens progride no tempo e no espaco. Tessitu-
ra complexa e delicada, envolvida ñas dobras do tempo, em constante mutacao. Freqüen-
temente atordoado pelo tecnicismo do Direito e o particularismo das normas, ou, ao 
revés, embevecido com os ideáis de justica, o jurista deixa de perceber a dimensao global 
4 SACHA CALMON NAVARRO COÉLHO 
e totalizante do fenómeno jurídico, vendo-o ora como técnica, ora como valor. Nem urna 
coisa nem outra, se separadas. As duas conjuntamente. É assim o Direito. É técnica e é 
valor. 
1.2. O Direito Tributario, técnica e valor 
No campo do Direito Tributario este dualismo ou este amalgama sempre esteve 
presente. 
Baleeiro, enfático, fazia-nos recordar que onde quer que se erguesse um poder polí-
tico, quase que como a sua sombra, aparecía o poder de tributar. 
Em tempos recuados e até bem pouco - há cerca de tres séculos apenas - o jus tribu-
tandi e o jus puniendi eram atributos do poder sem peias dos governantes. Muito poder e 
abuso e pouca justica. De lá para cá, o poder foi sendo limitado. Os principios impostes 
progressivamente pela axiologia do justo foram se incorporando aos sistemas jurídicos: 
capacidade contributiva, como fundamento para a tributacao; igualdade de todos perante 
a lei; a lei feita por representantes do povo como único veículo para instaurar a tributacao 
(legalidade); a descricao pormenorizada dos fatos tributáveis (tipicidade) para evitar o 
subjetivismo dos chefes fiscais e para garantir a certeza e a seguranca dos contribuintes; a 
proibicáo do confisco por meio da tributacao; a absoluta irretroatividade das leis fiscais e 
da jurisprudencia tributaria e assim por diante. 
1.3. Direito, Sociedade e Historia 
O Direito, portante, faz parte do estofo da historia, é historia. É, igualmente, um 
produto social. Robinson Crusoé, na sua ilha, sem Sexta-Feira, desnecessitaria do Direito 
por falta de intersubjetividade. Nao obstante, o Direito é cultura, na medida em que é pro-
duzido pela psique do homem e para os homens. Os deuses pairam ácima das leis. O Di-
reito nao tem nada de natural ou divino, nao provém da revelacao, embora possa proteger 
valores naturais caros ao homem, como a vida. Procede da consciéncia humana e realiza 
os valores que emergem do social buscando formalizacáo e efetividade. Neste sentido é 
um produto cultural, essencialmente cultural. 
Vejamos as coisas com mais vagar, juntando o fenómeno jurídico ao fenómeno hu-
mano na aventura da historia. 
1.4.0 Direito como produto social - Trabalho, Sociedade e Cultura - A experiencia 
jurídica e a historia dos homens 
A primeira coisa que o homem faz juntamente com os seus semelhantes é produzir 
para vivcr. Produzindo, convivem. O modo de conviver vai depender, entao, do modo 
como produzem. Nao sao, ou foram, as sociedades "cacadoras", diversas das sociedades 
"pastoras" no modo como se cstruturaram? 
Ao produzirem, para vivcr, os homens usam instrumentos, aplicam conhecimentos, 
inventam técnicas, agregam experiencias que, em última análise, dccidem sobre o tipo de 
5 
relacoes que haverao de manter entre si. O homem é, antes de tudo, um ser-dc-necessida-
des ou homo necessitudinis. Para satisfazer as suas neccssidades básicas, sempre presen-
tes, sempre prementes, tem que agir, isto c, írábalhar. Eis o homo faber. Dcstartc, para 
satisfazer as suas necessidades, o homem "trabalha" a natureza, humanizando-a. Catan-
do frutos, cacando, pescando, plantando, domesticando animáis, minerando ou transfor-
mando metáis, industrializando as materias-primas ou comerciando, o homo faber 
arranca da natureza sustento para a sobrevivencia com o "suor do rosto". Ao trabalhar, 
constrói a si próprio, sobrevive. A historia nada mais c do que a historia do homem e de 
seu fazer pelos tempos adentro. Seria impossível entendé-la, e as sociedades que sucessi-
vamente engendrou, sem referi-las fundamentalmente as relacoes de producao, que o 
modo de produzir dos homens em cada época e de cada lugar tornou plausíveis. As rela-
coes sociais, económicas e culturáis da sociedade primitiva, da sociedade grega, romana, 
árabe ou visigótica, da sociedade medieval, da sociedade capitalista, foram condiciona-
das por diferentes estruturas de producao. Ora, todas essas sociedades, como de resto to-
das as comunidades humanas, atuais e pretéritas, foram e sao articuladas jurídicamente. 
Fenómeno do mundo da cultura, o Direito está inegavelmente enraizado no social. 
Contudo, embora o discipline, paradoxalmente é um seu reflexo. Isto porque é radical-
mente instrumental. Mas o fenómeno jurídico nao se reduz ao puro instrumento normativo. 
Da vida em sociedade brota o Direito. Ex facto oritur jus. O "ser" e o "outro", con-
vivendo, realcam o social, e, por certo,
do fato social projetam-se interesses, carencias e 
aspiracóes a suscitar regulacáo. Daí valores. E sao eles que fecundam o Direito. Se o Di-
reito é dever-ser, é dever-ser de algo, já o disse Vilanova, o recifense, como a sublinhar 
que o axiológico nao paira no ar, desvinculado da concretitude da vida. Os valores nao 
sao entes etéreos ou colecao de imperativos moráis, imutáveis e intangíveis, tais quais cs-
séncias sacrossantas. Nao sao supra-humanos nem nos chegam ab extra. Projetam-se do 
homem-na-história, do homem concreto, de um estar-aí-no-mundo-com-os-outros. Das 
necessidades as aspiracóes e, daí, as normas. Assim, se o Direito está na norma, por certo 
brotou do espaco cultural de cada povo com as suas aspiracóes e os seus valores, epifenóme-
nos da experiencia social, nucleada á volta do processo de reproducáo da vida humana. 
Ocorre que os criterios e valores que informam históricamente a construcao das "le-
galidades vigentes" trazem a marca dos interesses concretos, até mesmo confutantes, que 
do fundo mais profundo da sociedade emergem á luz colimando "formalizacao" e "juri-
dicidade". Trata-se entáo de dar "forma", "eficacia" e "vigencia" a prescricóes que se re-
putam "certas" e "necessárias" á convivencia humana e á "ordem pública". Tudo isto é 
feito através de "instituicóes" que repassam para a ordem jurídica os conflitos de interes-
ses existentes no meio social. O Estado, assim como o Direito, sao instrumentos de com-
promisso. Por isso mesmo se diz que o Direito é um "fenómeno social", um fenómeno de 
"acomodacao". Há sempre urna relacao de coeréncia entre Sociedade e Direito. 
A cada sociedade corresponde urna estrutura jurídica. O Direito da velha Atenas 
nao serviría, é intuitivo, á moderna sociedade americana. Urna sociedade cuja estrutura 
de producao estivesse montada no trabalho escravo - o que ocorreu até bem pouco tempo 
- nao poderia sequer pensar em capitalismo e, conseqüentemente, em viabilizá-lo através 
de um Direito do Trabalho bascado no regime de salariado. Sem dúvida, o homem é 
6 SACHA CALMON NAVARRO COÉLHO 
quem elabora os sistemas sociais e o próprio Direito, e isto lhe é dado fazer porque é dota-
do de inteligencia, consciéncia e vontade. No mundo cultural, nada sucede a nao ser atra-
vés do psiquismo do homo sapiens. Mas, antes dele, há o homo faber e, antes deste, o 
homo necessitudinis. O espirito humano nao vive no vazio nem retira do éter juízos, idéias e 
planos. Ao organizar a sociedade e o Direito, o homem nao opera desvinculado da realidade. 
Quem pensa, e age, e constrói o mundo cultural, o mundo do Direito, é o homem, 
nao o "homem-em-si", mas o homem real, o homem concreto. O "eu", já o disse o jusfiló-
sofo,1 "é urna relacáo", "relacáo com o mundo exterior, com outros individuos. O Eu é 
como um sino: se houvesse o vacuo social em torno dele, nada se ouviria." E mais: "Cul-
tural na sociedade é, portante, sua própria organizacáo. A organizacáo é obra do homem 
cujo ser, cuja alma, cujo pensamento se expressam no conjunto de relacoes que dele fa-
zem um primitivo, um bárbaro, um grego, um romano, um medieval, um tipo da Renas-
cenca ou da sociedade industrial moderna ou um proprietário, um escravo, um servo ou 
um proletario." O pensamento humano e seus produtos culturáis sao desde sempre "pro-
dutos sociais". A capacidade de trabalhar por meio de conceitos nao só forneceu ao ho-
mem instrumentos eficientes de se resolverem problemas práticos, como transplantou a 
vida mental do plano sensorial para o mundo de símbolos, idéias e valores. 
A idéia de Direito liga-se á idéia de conduta e de organizacáo. O Direito valoriza, quali-
fica, atribuí conseqüéncias aos comportamentos em funcáo da utilidade social sugerida pelos 
valores da sociedade a que serve. Para o Direito - instrumento de organizacáo - a conduta é o 
momento de urna relacáo entre pessoas (relacáo intersubjetiva), e nao o momento da relacáo 
entre pessoa e divindade ou sua consciéncia, seu foro íntimo. Seu problema específico é esta-
belecer a legalidade fornecedora dos criterios através dos quais é possível as pessoas produzi-
rem, disporem e gozarem dos bens, dirimirem confutes sociais e interpessoais, inibirem 
acóes indesejáveis e punirem transgressóes. "A ordem jurídica é o sistema de legalidade do 
Estado, expresso no conjunto de normas existentes."2 
O Direito é urna testemunha dos tempos. A análise das "legalidades vigentes" per-
mite retratar as sociedades humanas em todos os seus planos e aspectos. 
Tudo quanto dissemos, bem o sabemos, nao é novo. Mas há algo que é preciso real-
car. Algo extremamente duro e dramático. A historia da humanidade, de um modo geral, 
tem sido desde sempre, da barbarie aos nossos dias, urna sucessáo incessante de traumas, 
desigualdades, confutes, destruicáo e morte. Por toda parte, em todo tempo, apesar de um 
continuo progresso no dominio das ciencias e das técnicas, dor, sangue e sofrimento, jun* 
tamente com um desejo ardente e sempre renovado de superar a precariedade da condi-
cao humana, tém sido a sina e a meta da humanidade. Esta luta entranha-se no próprio 
estofo da historia: luta de homens, de racas, de classes, de povos. Nao é só a humanidade 
que é partida. As sociedades e o homem também o sao. 
O Direito enquanto ordem positiva reflete, tem refletido, o que lhe vai pela base. Ele 
é a prova acabada da nossa imperfeicáo. Instrumento de disciplinacáo das coletividades, 
1 Lima, Hermes. Introducao á Ciencia do Direito, Rio de Janeiro/Sao Paulo, Freitas Bastos, 1962, pp. 15 e ss. 
2 Lima, Hermes. Ob. cit, p. 38. 
CURSO DE DIREITO TRIBUTARIO BRASILEIRO 7 
através daplanificacao previa dos comportamentos desejáveis, tanto tem servido a Agosti-
nho e a sua Civitas Dei quanto a Hitler e o seu Reich de mil anos com igual eficacia. 
Este seu caráter instrumental - técnica aperfeicoada que é de obtencáo de compor-
tamentos - tem levado os juristas, com desespero, a gritar que o Direito preexiste ao 
Estado, sua fonte, e que existe á margem e até mesmo contra a lei, seu veículo. E, por 
isso, "nem tudo que é legal justo é". Por certo, tiranías e injusticas do pretérito e do pre-
sente, a leste e a oeste, sustentam este grito. O Direito jamáis foi sinónimo de justica. A 
lei tem sido aqui e alhures, agora como antanho, mais um instrumento de reprimenda do 
que de libertacáo. As "ordens positivas" sao feitas pelos "donos do poder", pouco impor-
tando a ideología que professem. Tem sido necessário, pois, gritar a existencia de um Di-
reito natural, anterior e ácima do Estado. Só que este Direito nao é reconhecido pelos 
tribunais, nao regula o dia a dia dos homens, nem jamáis estancou a opressáo e o arbitrio. 
É e tem sido sempre, literalmente, um grito de revolta destituido de positividade. Quando 
muito, serve de padráo para dizer como o "D/ra'to-que-é" deveria ser. Temos a convic-
cáo de que a justica é algo que se coloca para lá das "legalidades vigentes".3 
A civitas máxima, reino da abundancia e da liberdade, noticiada pela escatologia 
crista e marxista, se algum dia vier a ocorrer sobre a face do planeta, nao ocorrerá ex lege. 
Apostar na civitas máxima é apostar naquilo que de melhor a humanidade pode oferecer. 
Todos aspiramos á justica. Todos ansiamos pela racionalidade na organizacáo da vida e 
das sociedades. Todos nos comovemos com a fé dos que créem no homem e no fim dos 
tempos. Seremos urna só humanidade, o lobo pastará com o cordeiro, e o Direito se con-
fundirá com a justica. Este ideal esteve na boca de todos os profetas e persiste seduzindo 
nossos espíritos. Contudo, nao será crendo ou filosofando que acrescentaremos graos de 
justica ao dia-a-dia das gentes. Esta só vira em funcáo da luta dos próprios interessados. 
Em suma, a justica nao vem nunca de quem aplica a lei, mas de quem a sofre. A solucáo 
está fora do Direito, por isso que está na historia, na praxis. Quanto mais se lute para
que 
mais livre, igualitaria e digna seja a "base da sociedade" - lá onde os homens produzem 
para viver -, mais justa ela será, e mais justo será o Direito. 
Lewis H. Morgan, 4 sociólogo, antropólogo e historiador norte-americano, depois 
de dedicar toda a sua vida ao estudo da sociedade e do progresso humano, tanto que inti-
tulou a sua obra-prima de Investigaqoes Sobre o Progresso Humano Desde o Estado Sel-
vagem Até a Civilizaqáo Através da Barbarie, á altura da página 497 do seu monumental 
livro, dá-nos o seu julgamento da historia e da civilizacáo: "Desde o advento da civiliza-
cáo, chegou a ser táo grande o aumento da riqueza, assumindo formas táo variadas, de 
aplicacáo táo extensa, e táo hábilmente administrada no interesse dos seus possuidores, 
que ela, a riqueza, transformou-se numa forca irredutível, oposta ao povo. A inteligencia 
humana vé-se impotente e desnorteada diante de sua própria criacáo. Contudo, chegará 
3 Nao obstante, os valores que se formam no tecido social "penetram" o Direito posto, influenciando na 
aplicacáo das normas, conferindo-lhes valencias novas. 
4 Morgan, Lewis H. La Sociedad Primitiva, trad. de Alfredo Palacios, México, Ediciones Pavlov, DF, 
1977. 
8 SACHA CALMON NAVARRO COÉLHO 
um tempo em que a razao humana será suficientemente forte para dominar a riqueza e fi-
xar as relacoes do Estado com a propriedade que ele protege e os limites aos direitos dos 
proprietários. Os interesses da sociedade sao absolutamente superiores aos interesses in-
dividuáis, e entre uns e outros deve estabelecer-se urna relacáo justa e harmónica. A sim-
ples caca á riqueza nao é finalidade, o destino da humanidade, a menos que o progresso 
deixe de ser a lei no futuro, como tem sido no passado. O tempo que transcorreu desde o 
inicio da civilizacao nao passa de urna fracáo ínfima da existencia passada da humanida-
de, urna fracao ínfima das épocas vindouras. A dissolucáo da sociedade ergue-se, diante 
de nos, como urna ameaca; é o fim de um período histórico - cuja única meta tem sido a 
propriedade da riqueza - porque esse período encerra os elementos de sua própria ruina. 
A democracia na administracáo, a fraternidade na sociedade, a igualdade de direitos e a 
instrucáo geral faráo despontar a próxima etapa superior da sociedade, para a qual ten-
dem constantemente a experiencia, a ciencia e o conhecimento. Será urna revivescéncia 
da liberdade, igualdade e fraternidade das antigás gens, mas sob urna forma superior." 
1.5. A Moda, a Moral, a Religiáo e o Direito - Os sistemas normativos - Liberdade e 
repressáo - Direito e Civilizacao 
Que esta divagacáo filosófica sobre as atmosferas jurídicas que envolvem o mundo 
nao obscurecam o objeto do Direito, na área do pragmático, como veremos daqui ao final 
do capítulo. Qual é, ao cabo, o objeto do Direito? 
E a organizacáo da sociedade e das condutas humanas. O Direito é a mais aperfei-
coada técnica de controle social, se considerarmos a Moda, a Religiáo e a Moral, que 
também sao sistemas normativos, indutores e inibidores de comportamentos humanos. 
Linhas atrás vimos o Direito na historia. Agora, cumpre compará-lo com outros sistemas 
normativos e mostrar como funciona e como se reparte para regrar a vida humana. Antes 
falemos de outros sistemas normativos. 
A Moda uniformiza modos de fazer, dizer, vestir, comportar-se, acendrando o senti-
mento grupal. Atua mediante o juízo de depreciacáo. Aquele que estiver fora dos padroes 
da Moda é malvisto, depreciado. Mas a Moda como técnica comportamental é frágil, 
apenas um ensaio de norma sobre como nos comportarmos. 
A Moral já é mais intensa de conteúdo e efetividade. A Moral, grave, nao é fútil 
como a Moda. E já sistema, possui principios, incorpora a experiencia vivida pelo grupo, 
convence mais, reprime mais. O típico da Moral é entrar no imo do homem, introjetar-se, 
atuar sobre a consciéncia, trabalhar a idéia do bem e do mal, elevar ou atormentar o espi-
rito. É, contudo, subjetivismo puro, relacáo do homem consigo mesmo, com a sua cons-
ciéncia (que nao nasceu com o homem, foi-lhe imposta pelo grupo onde nasceu e foi 
educado). Varia como a Moda, a Religiáo e o Direito no tempo e no espaco. 
O homem deve comportar-se como a Moral recomenda e sofrer quando transgride 
os seus ditames. Dostoievsky foi, talvez até mais do que Shakespeare - preocupado em 
expor as grandes paixoes: o amor, o ciúme, o poder, a inveja -, o escritor que mais apro-
fundou os dramas da consciéncia humana, em obras densas como Os irmáos Karamazov 
e Crime e castigo. Mas a sancao moral é interior. Preocupa-se com as intencoes e pune 
CURSO DE DIREITO TRIBUTARIO BRASILEIRO 9 
com o remorso. Suas cadeias sao as da alma. O seu grau de normatividade é extremamen-
te superior ao da Moda. 
As religioes trabalham - supondo sempre o livre-arbítrio - para obter comporta-
mentos desejáveis e coibir os indesejáveis, com um sistema de recompensas post mor-
tem. Se me comporto bem, ganho o céu; se me comporto mal, destino-me ao inferno, em-
bora exista a possibilidade de redencao no purgatorio ou entáo pela repeticáo de vidas. 
Descumprir os preceitos religiosos básicos significa condenar-me a sucessivas re-
encarnacóes ou nao perceber, ou demorar a perceber a beleza do Todo em seu eterno 
vir-a-ser. A Religiáo é normativa, por isso que predetermina os comportamentos que de-
seja ou rejeita. O "de onde venho", "para onde vou" e "como me situarei depois da mor-
te" - campo de eleicáo de toda metafísica - é o terreno onde fincam pés as religioes, 
fortes sistemas normativos, mormente no mundo da tradicáo judaico-cristá, ou seja, as ci-
vilizacoes do Oriente Medio e ocidentais. Ñas sociedades mais antigás, os sumos sacer-
dotes, quase sempre, como ocorreu inclusive com os papas, empolgaram o poder políti-
co. Estado e Religiáo viviam amalgamados. Os preceitos moráis estavam embutidos nos 
mandamentos da Religiáo, e esta, freqüentemente, continha códigos jurídicos. Os Dez 
Mandamentos, com o "nao matarás", "nao roubarás", "nao desejarás a mulher do próxi-
mo", já nao sao codificacáo jurídica? O "honrarás pai e máe" já denota a inducáo da mo-
ral utilitaria. Entre os humanos "prestantes" é preciso cuidar e venerar os velhos 
"imprestáveis". Onde falha o amor solidario reentra o dever moral. Confúcio fez da vene-
racáo aos idosos o pilar da moral chinesa clássica. Os historiadores do Direito ou os ar-
queólogos jurídicos dizem que em Roma houve um tempo em que nao se distinguia a Lex 
(Lei dos homens) da Fas (Lei divina). Sófocles, na peca teatral Antígona, a seu turno, 
mostra o confuto entre preceitos religiosos e normas jurídicas antinaturais. A separacáo 
entre a Igreja e o Estado (o Estado laico) é recente. É mais recente ainda a renuncia das 
igrejas em exercer o poder temporal. O catolicismo da Inquisicáo era poder político na 
real acepcáo do termo. E, até hoje, os aiatolás islámicos pensam governar em nome de 
Deus, aplicando os mandamentos do Coráo cm lugar dos códigos laicos. De qualquer 
modo, a Religiáo atua a partir de sancóes prometidas após a morte. 
O Direito é mais prático. A sancao dá-se aqui, agora. Tira-se a vida, a liberdade, os 
direitos, o dinheiro dos infratores que desobedeceram as suas prescricócs. O Direito tam-
pouco se preocupa com os dramas de consciéncia. As intencóes-em-si sao irrelevantes, 
pois o que lhe interessa, verdadeiramente, sao as condutas humanas, as prescritas e as 
proibidas. O Direito descreve condutas c prescreve os efeitos que délas podem advir. Faz 
isso o tempo todo, em todos os tempos. Planifica instituicóes e comportamentos huma-
nos, regendo o convivio social. Freud, com a sua notável intuicao em compreender o ho-
mem como id (o homem que busca prazer e satisfacáo a partir dos impulsos de sua 
estrutura biopsíquica) e como ego (o homem educado que concilia os impulsos com as 
conveniencias comportamentais que lhe foram introjetadas
pela educacáo familial, mo-
ral e religiosa - superegó), penetrou profundamente na alma humana, táo machucada pe-
los quereres do corpo e pelas proibicóes sociais, moráis e religiosas. Pode até ter 
desnudado a hipocrisia moral, iniciando a análise do inconsciente humano, e se apiedado 
do homem, colhido ñas malhas das organizacóes sociais repressoras, mas nao altcrou em 
nada o Direito, impassível na sua eterna missáo de plancjar e punir comportamentos. De 
10 SACHA CALMON NAVARRO COÉLHO 
resto, foi um discípulo de Freud, ademáis filósofo c sociólogo, quem mais aprofundou 
este antagonismo entre o homem-natural e o homem-social. Refiro-me a Marcusc e sua 
obra intitulada Eros e Civilizacao, onde demonstra que o processo civilizatório se faz as 
custas do sacrificio do homem, de todos os homens. Opóe o "principio do prazer" (em si 
bom) ao "principio da realidade" (em si necessário ao processo civilizatório). Civilizar é 
reprimir. Mas nao é só reprimir. Pode ser também espiritualizar, como veremos. Ora, o 
processo educativo, civilizatório do homem, como ser-social, é feito a partir do qué? Da 
Moda, da Moral, da Religiáo e do Direito, este a mais alta c eficaz técnica de planificacáo 
de comportamentos humanos. 
1.6. A inevitável ambigüidade dos sistemas normativos - A questáo da justica - O 
Direito progressivo 
Até aqui, além de afloraren! algumas esperancas humanas quanto á justica, á igual-
dade, á dignidade, a énfase mais intensa ficou na caracterizacáo das sociedades humanas 
como que submetidas a estruturas normativas, dotadas de regras coercitivas destinadas a 
conformar as nossas acóes aos padróes tidos por desejáveis. Ficou a impressáo de que a 
Moda, táo fútil; a Moral, táo importante; a Religiáo, sem dúvida essencial; e o Direito, 
absolutamente necessário, sao sistemas radicalmente repressivos. De fato sempre foram 
e ainda o seráo por muito tempo. Pode-se dizer, sem medo de errar, que a civilizacao é re-
pressora; no dia em que nao mais o for, teremos atingido a parúsia. 
É chegada a hora, entáo, de introduzir o tempo nesta questáo. Tirante a Moda, a Eti-
ca nos aperfeicoa, a Religiáo pode nos elevar a alma, e o Direito pode ser libertario antes 
que liberticida ou garantidor de privilegios. Tudo depende do tempo, do modo e do uso 
dos sistemas normativos, todos eles inevitavelmente instrumentáis. O Humanismo, 
como o concebeu Mounier, pode perfeitamente colocar todos estes sistemas normativos a 
servico dos valores caros e das aspiracóes legítimas dos seres humanos. E se houvesse 
tempo falaríamos da Estética, essa dimensáo quase divina do homem. A ambigüidade 
dos sistemas normativos, por mais paradoxal que pareca, tem sido constante ao longo da 
historia e nem poderia ter sido diferente. 
De um lado explicam o conteúdo prático, organizacional, que encerram. De outro 
lado revelam o homem e seu idealismo, sua saga em busca do justo, do bem e do belo 
(que a beleza também é reprimida ou "usada"). 
Por mais desalentador que nos pareca o fim do milenio, estamos melhor do que an-
tes, e tudo aponta para o alto. Seria imprudente nao ver que a Moral egoísta c utilitaria 
("nao fagas aos outros aquilo que nao queres que te facam") deixa pouco a pouco de se 
bascar no dever para se firmar no amor. Compte Sponville, autor do mais importante li-
vro sobre a Ética neste fim de século, faz-nos ver maravilhados que a Moral, ao invés de 
constranger, pode nos tornar felizcs, até mesmo sem religiáo. O seu livro se intitula O Pe-
queño Tratado das Grandes Virtudes, e o cerne da sua prédica escora-se em urna máxi-
ma, profunda e bela: "o que fazemos por dever nao fazemos por amor, e o que fazemos 
por amor nao fazemos por dever". O Amor é, entáo, a maior de todas as virtudes. Quanto 
á Religiáo, foi preciso esperar a tcologia do amor c do perdáo contra a da culpa e do casti-
CURSO DE DIREITO TRIBUTARIO BRASILEIRO 
go para entender o fenómeno religioso mais como alegría pessoal do que como estrutura im-
placável de poder normativo com base em ameacas. Teilhard de Chardin, que foi cientista e 
teólogo católico, jamáis negou que nos somos o elo final e pensante da evolucáo das especies 
e que nossos corpos e mentes resultam da primeira molécula surgida no planeta no dealbar da 
vida, depois de longo processo evolutivo. Nem por isso dcixou de ver, na evolucáo, urna for-
midável epopéia; viu o mais complexo surgindo do mais simples e o espirito resultando da 
carne num plano majestoso, cuja razáo humana, imersa em profunda vertigem, nao explica, 
mas a alma pressente: a caminhada da consciéncia para o ponto ómega, para Ele que, fora do 
tempo, funda o homem e a historia. Haverá um tempo em que igrejas e doutrinas moráis e re-
ligiosas seráo, talvez, desnecessárias, e o homem estará como o centro de todas as coisas sob 
a protecáo do Absoluto. E o que prometem todas as escatologias. 
Mas o que estará reservado ao Direito? Qualquer olhar que lancemos ao passado, já 
vimos, deixa-nos lívidos de pavor: penas infamantes, torturas, arbitrio, medo, angustia, 
as gales. Grandes sao as diferencas entre os direitos de antanho e os de hoje. A escravidáo 
e a desigualdade eram comuns. O tributo, castigo e opressáo, poder do governante. O 
processo, tosco; a justica, parcial; o sistema de provas, irracional. Até mesmo em Roma, 
sede primeira da ciencia jurídica, houve um tempo em que o credor podia lancar as máos 
sobre o devedor, reduzi-lo á escravidáo ou jogá-lo do alto da pedra terpéia para que mor-
resse á vista de todos. 
E verdade que, hoje em dia e por toda parte, injusticas sociais e leis injustas nos fazem 
descrer do homem. A condicáo feminina, para nao nos alongarmos noutras injusticas, mor-
mente no Oriente, em que pesem todos os avancos, é, ainda, profundamente discriminatoria, 
para dizer o mínimo. Os direitos das minorías, quando nao sao objeto de desprezo ou mofa, 
sequer sao reconhecidos. Racismo e miserias humanas parecem indiferentes ao Direito, que 
muita vez até os estimula. A África do Sul e o Sr. Mándela. E o que dizer dos direitos dos que 
nao conseguem ser heterossexuais? Tudo isto, no entanto, está em mutacáo. Como linhas 
tongamente convergentes destinadas a se unirem em algum ponto do futuro, Direito, Justica 
e Igualdade finalmente seráo um plexo pleno e inextrincável. 
Por isso os juristas, os operadores do Direito, que é ciencia e arte, devem ser pes-
soas de fé, cientes de sua missáo. Devemos servir aos valores humanos: liberdade, plura-
lismo, humanismo, a pessoa como centro de respeito (todas as pessoas), dignidade, igual-
dade, verdade e paz, ácima de povos, ragas, credos, religioes e patrias. A missáo do 
jurista, a par de conhecer o Direito, é introduzir nos sistemas jurídicos a axiologia do jus-
to e do igual em escala planetaria. Nao estaremos fazendo nada sublime, apenas urna ta-
refa quotidiana. E hora de encerrar esta parte citando dois grandes juristas, á guisa de 
síntese de tudo quanto foi dito sobre a ambigüidade do Direito, a um só tempo opressáo e 
caminho para a liberdade e a justica. 
"A Ciencia do Direito é a ciencia do Direito positivo. O conhecimento 
jurídico dirige-se a estas normas que possuem o caráter de normas jurídicas e 
conferem a determinados fatos o caráter de atos jurídicos." 5 
Kelsen, Hans. Teoría Pura do Direito, 4a ed., Portugal, Ed. Coimbra, vol. I, p. 7. 
12 SACHA CALMON NAVARRO COÉLHO 
A perspectiva ai é absolutamente positivista. O objeto da Ciencia do Direito é a nor-
ma jurídica (qualquer norma de qualquer sistema jurídico, legítimo ou nao em sua forma-
gao, justo ou nao em seu conteúdo). 
Expressivo, portante, o título do livro: Teoría Pura do Direito. 
Mas vimos que o Direito vem de envolta com a historia e as suas tormentas, numa 
busca obstinada de igualdade, seguranca e justica. 
"O Direito é, essencialmente, um esforgo humano no sentido de realizar 
o valor justiga. Essa dimensao ideal
existe na norma jurídica. Pois, a norma 
nao se reduz a urna mera forma de relacionar atos, com total indiferenga para o 
valor. Se a norma é dever-ser, é dever-ser de algo." 6 
1.7.0 objeto do Direito - Crítica a Carlos Cossio - A perenidade do objeto do Direito 
E chegada a hora de encarar de frente o objeto do Direito em bases científicas. 
Carlos Cossio disse que: 
"En la conducta en tanto que ética ya hemos dicho que ella se especifica 
como derecho tomando por principium divisionis la interferencia de las acci-
ones humanas: si consideramos la conducta em su interferencia subjetiva es-
tamos frente a la moral; si consideramos em su interferencia intersubjetiva 
estamos frente al Derecho. Es claro, pues, que el Derecho es conducta y que, 
por lo tanto, en el está, porque él es, la libertad metafísica, aunque fenomena-
lizada desde la particular estructura de la interferencia intersubjetiva de las 
acciones humanas. El Derecho es asi, plenaria vida humana considerada 
desde este ángulo particular."1 
Duas observagóes de vem ser feitas: 
A) a primeira é a de que Cossio diferencia o objeto do Direito e da Moral a partir da 
conduta humana (eis que dotado o homem de liberdade). Diferencia-os pelo dado da in-
terferencia das condutas ou das agoes humanas. Se há intrico, interagáo, interferencia, in-
tcrsubjetividade, há Direito. Se a conduta refletir-se ou for valorada só na consciéncia, 
temos a Moral; 
B) a segunda é a de que Cossio confunde o objeto do Direito com o objeto da Cien-
cia do Direito, ou seja, do Direito já agora como objeto do conhecimento e nao mais 
como técnica de planificagao de comportamentos humanos. Emmanucl Matta, s com 
acertó, diz que o Direito é previsáo de condutas e nao a conduta em si. 
6 Vilanova, Lourival. Sobre o Conceito de Direito, Recife, Imprensa Oficial, pp. 85-6. 
7 Cossio, Carlos. Teoría Egológica del Derecho. El Concepto de Libertad, 2a ed., Buenos Aires, Abclc-
do-Perrot, 1964, pp. 658-9. 
8 Matta, Emmanucl. Realismo da Teoría Pura do Direito: Tópicos Capitais do Pensamento Kclseniano, 
Belo Horizonte, Nova Alvorada Edicóes, 1964, p. 103. 
CURSO DE DIREITO TRIBUTARIO BRASILEIRO 13 
"... se o Direito fosse realmente conduta humana, bastaría a proibicáo do 
homicidio para que nao se praticasse nenhum homicidio." 
Adverte Henkel: 
"... o direito nao é meramente um plano ou proposta de comportamento, 
mas sim exigencia de determinadas condutas." 9 
De resto, nao se pode olvidar que: 
"... um direito desarmado, desprovido da possibilidade de dirigir e exe-
cutar atos de forca contra aqueles que nao cumprem suas prescricoes, só pode-
ria ser um direito simplesmente pensado ou projetado, ou melhor, um direito 
derrogado, ou seja, em todos esses casos, um nao direito." 1 0 
Acrescentamos que é necessário distinguir a existencia da norma e o seu atendi-
mento pelo destinatario. O objeto do Direito é organizar as instituicóes e planificar os 
comportamentos humanos mediante normas jurídicas. A questáo de a norma ser obede-
cida ou nao é outra questáo, corriqueira, normal, previsível. Por outro lado, o objeto do 
jurista nao é, em conseqüéncia, conhecer ou estudar a conduta humana, mas sim o Direito 
regrador dessa conduta. O objeto do jurista é o conhecimento das normas jurídicas. Di-
versa, aínda, é a questáo da valoracáo das normas e dos comportamentos envolvidos ten-
do em mira a sua aplicacáo. Esta é urna funcáo a cargo dos aplicadores do Direito, os 
juízes," que em nada interferc com a questáo ora em análise, ou seja, o objeto do Direito, 
que é regrar os comportamentos humanos. Nem mais, nem menos. Veja-se a historia. 
Alguém já viu sociedade ou governo, certo ou errado, totalitario ou democrático, sem or-
dem jurídica? O Direito-Sistema serve a todos os senhores e a todos os propósitos. 
Por outro lado, nao resta dúvida de que a liberdade do homem, a "liberdade metafí-
sica" a que se refere Cossio, impulsiona as condutas, só que o Direito as classifica e lhes 
atribuí as devidas conseqüéncias, segundo os padróes de cada época e de cada Estado, de 
acordó com os valores ou desvalores predominantes. O que nao varia é a técnica jurídica e a 
fundamental diferenca entre leis, normas e proposicoes jurídicas a respeito das normas. 
Henkel. Introducción a la Filosofía del Derecho, Madri, Taurus, 1968, pp. 152 e 160. 
Derecho, Desobediencia y Justicia, Valparaíso, Edeval, 1992, p. 113. 
O papel dos intérpretes e aplicadores do Direito no processo de aplicacáo das regras de Direito á vida ou 
as situacóes concretas -fato e norma - bem como a compreensáo que se possa deles ter é assunto fasci-
nante. Muita vez, ou melhor, freqüentcmente, o Direito segué mudando em razáo da sua própria aplica-
cáo. Isto, todavía, é Direito Positivo, eis que Direito Positivo nao c sinónimo nem de dogma nem de 
imutabilidade. 
Capítulo II 
O DIREITO COMO OBJETO 
2.1. O fenómeno jurídico como objeto de multivárias disciplinas - O Direito Positivo e a 
Ciencia do Direito. 2.2. As categorías do conhecimento jurídico. 2.3. Direito e linguagem -
Ordens e normas jurídicas. 2.4. As normas jurídicas e a teoría de Kelsen - Juizos ónticos e 
deónticos - Normas primarias e secundarias. 2.5. Normas jurídicas e proposicoes sobre nor-
mas jurídicas - Prescricoes jurídicas - O papel dos intérpretes. 2.6. Tipológica jurídica - Nor-
mas de organizacáo, de competencia, técnicas, de conduta ou comportamentais e 
sancionantes. 2.7. Tipos de normas encontradizas no Direito Tributario. 2.8. Distincao entre 
normas, leis e proposicoes jurídicas. 2.9. Existencia, validade e vigencia das leis - Aplicabili-
dade, incidencia e eficacia das normas jurídicas. 
2.1. O fenómeno jurídico como objeto de multivárias disciplinas - O Direito 
Positivo e a Ciencia do Direito 
Vimos de ver que o objeto do Direito, o seu objetivo, é a obtencáo de comportamen-
tos humanos e a construcao de instituicoes sociais. O Estado, v.g., é urna criacao jurídica, 
assim como urna sociedade anónima, ou urna letra de cambio, ou um tributo. 
Importa agora vislumbrá-lo como objeto do conhecimento humano (objeto-em-si). 
O Direito pode ser conhecido de diversas maneiras. Enquanto ente do mundo da cultura e 
fator de interacao grupal, envolvendo questóes relativas a sua eficacia social, é objeto da 
Sociología. A Sociología Jurídica, da qual nao se aparta a Arqueología Jurídica, é, hoje, 
•um alentado setor de estudos, ligando o Direito ás questóes da legitimidade política e ou-
tras mais. Existe a Filosofía do Direito, a buscar os fundamentos do fenómeno jurídico de 
máos dadas com a Historia do Direito, visualizando-o envolvido com o valor justica no 
tempo e no espaco e relatando as escolas e os pensadores que a ele se dedicaram. A Lógi-
ca Jurídica ocupa-se das proposicoes deónticas. A Lingüística Jurídica, ao lado da crítica 
da jurisprudencia, estudam o Direito de modo específico. Temos ainda a Pedagogía Jurí-
dica, com as técnicas de ensino e retransmissao das normas e das instituicoes dos siste-
mas jurídicos, destacando-se o Direito Comparado. 
Finalmente temos a Ciencia do Direito, cujo objeto é o próprio Direito Positivo. 
Será a Ciencia do Direito universal e atemporal? 
Universal é, pois inexistiu e inexiste sociedade politicamente organizada, mesmo 
as mais primitivas, que prescindisse do Direito como instrumento de organizacáo social. 
Contudo, diversos sao os Sistemas Jurídico-Positivos. Pouco importa. A Ciencia do Di-
16 SACHA CALMON NAVARRO COÉLHO 
rcito ocupa-sc, sempre, do Direito Positivo de cada época e de cada lugar. Variacao, pois, 
no tempo c no espago. Existiráo institutos comuns, lagos permanentes e diferengas, obvia-
mente. 
2.2. As categorías do conhecimento jurídico 
Para a holística jurídica, nada disso surpreende. A visáo global é descjável. A Axio-
logia ou a Ciencia dos Valores, a Ética, a Política, a Sociología Jurídica, a Filosofía
do 
Direito, a historia dos direitos dos povos, o Direito Comparado encarregar-se-áo de 
abranger o fenómeno jurídico em toda a sua imensidáo. A Ciencia do Direito importa, 
táo-somente, o Direito Positivo, os valores positivados, os principios e as normas que 
dele fazem parte. 
Aqui, o jurista é o sujeito que conhece (o sujeito cognoscente), e o Direito Positivo, 
o seu objeto (o "ser" a ser conhecido). É desse assunto que, doravante, vamos tratar, pois 
toda ciencia está obrigada a ter método e a delimitar o seu objeto, caso contrario nao fun-
cionará. O jurista, o cientista do Direito, está equipado de urnas tantas categorías invariá-
veis, sem as quais nao teria instrumental analítico e ordenador. Estamos nos referindo a 
nogóes universais tais como: sujeito de direito, poder, dever, daño, o lícito e o ilícito, 
competencia, norma, jurisdigao, sangao etc. Estas categorías de conexáo, contudo, nao 
sao apriorísticas. Formam a síntese jurídica a partir da praxis. Qualquer experiencia jurí-
dica projeta categorías de conexáo. Os juristas, ao sistematizá-las, constróem a Gnosiolo-
gía Jurídica (a teoría do conhecimento do Direito). 
2.3. Direito e linguagem - Ordens e normas jurídicas 
Para comegar, o Direito é feito de palavras: as palavras da lei, as palavras da senten-
ga. Legisladores, juristas e juízes fazem o Direito. Se o Direito é feito de palavras e se o 
Direito é o objeto do cientista do Direito (o que faz a ciencia do Direito), entáo podere-
mos chamar a linguagem do Direito de a linguagem-do-objeto. 
A linguagem humana, utilizamo-la para varios fins. Muito freqüentemente a usa-
mos para transmitir informagóes a respeito do mundo por meio de oracoes cuja fungáo é 
descrever um estado de coisas. Trata-se de um uso informativo. (As proposigóes descriti-
vas podem ser verdadeiras ou falsas). A linguagem, porém, como assinalado, comporta 
outros usos. Podemos com ela expressar emogóes ou provocá-las (uso expressivo), ou 
buscar informagóes (uso interrogativo). Em dados momentos o uso da linguagem con-
funde-se com a própria agáo. Quando, por exemplo, alguém diz "juro dizer a verdade" ou 
"batizo-te com o nomc de Joáo", esta pessoa está realizando as agóes de jurar e batizar 
(uso operativo, rcalizativo). Dcntre os usos da linguagem, o que mais interessa ao jurista 
é o diretivo. Ocorre quando a linguagem é utilizada para influir no comportamento de ou-
trem, induzindo-o a adotar determinados comportamentos intencionalmente prescritos. 
Como uso diretivo, agóes lingüísticas podem ocorrer: suplicar, sugerir, pedir, indi-
car, ordenar, impor etc. A oragao "nao faga isso" tanto pode expressar unía súplica quanto 
urna ordem. Importa, pois, assinalar os tragos comuns que apresentam os diversos casos 
CURSO DE DIREITO TRIBUTARIO BRASILEIRO 17 
do uso diretivo da linguagem. As oracoes diretivas, como dito, sao formuladas com a in-
tencáo de influir no comportamento alheio, pouco importando que para isso se lhes agre-
gue um premio ou um castigo, ou sejam postas com imperatividade ou tom de súplica. 
Distinguem-se das oracoes descritivas - assercoes - e de outros tipos de oracoes 
porque a seu respeito nao faz sentido predicar verdade ou falsidade. De urna diretiva se 
pode dizer que é justa ou nao, conveniente ou inconveniente, eficaz ou ineficaz, nunca 
que é falsa ou verdadeira. Isto porque os atributos de verdade ou falsidade implicam cote-
jar a assercáo sobre um fato com o fato mesmo. As oracoes diretivas, nao estando desti-
nadas a dar informagóes sobre a realidade, descomportam juízos de verdade. 
Que urna expressáo diretiva seja tal independe de estar vazada com o verbo no im-
perativo. Isto pode ocorrer e ocorre, com freqüéncia, mas nao é necessário. Pode-se, por 
outro lado, expressar urna oracáo diretiva pela utilizacáo dos chamados modais deónti-
cos: "obrigatório", "permitido", "proibido". Sem embargo, a inexistencia de tais palavras 
nao retira da oracáo diretiva este caráter. A utilizacáo dos operadores deónticos nao é 
condicáo suficiente e necessária á diretividade. 
Assinale-se, como já dito, que o uso diretivo da linguagem alberga dispares acoes e 
intencionalidades. A intencáo de mandar e urna oracáo mandamental em nada se parecem 
com a intencáo de suplicar e a própria súplica em forma de oracáo. Ambas as acoes, a de 
ordenar e a de suplicar, no entanto, sao acoes diretivas, por isso que visam a obter de ou-
trem um comportamento intencionalmente desejado. 
Ordenando ou rogando, prometendo recompensa ou punicáo, o uso diretivo da lin-
guagem está voltado para o outro. Destaquemos, contudo, as ordens, porque, entre as di-
retivas, as que mais se relacionam com as normas sao elas. As oracoes diretivas que 
expressam mandados, ordens, sao, freqüentemente e generalizadamente, chamadas de 
prescrigoes e se caracterizam pela superioridade do emissor em relacáo ao destinatario: 
superioridade moral, bélica, física ou jurídica. É o caso do assaltante em relacáo ao assal-
tado: "Abolsa ou a vida", ou do delegado em face do seu subordinado: "Recolha o preso 
ao xadrez". A diretiva, quando é urna prescricáo, nao deixa o emissor sujeito á vontade do 
destinatario no que tange á obtencáo do comportamento, como na súplica ou no pedido. 
Se o destinatario nao cumprir a prescricáo, seu ato será encarado como urna infragao. O 
emissor quer o que prescreve. Há que observar, no entanto, que urna coisa é a oracáo 
prescritiva, e outra, bem diversa, a norma. O assaltante que nos ordena a entrega do di-
nheiro á máo armada utiliza urna oragáo prescritiva para dar urna ordem, jamáis urna 
norma. Esta se nos apresenta á razáo como um modo institucionalizado de dirigir com-
portamentos. A norma nao deixa de ser norma pelo simples fato de ser desrespeitada. Ela 
é, preexiste e sobreexiste á acáo que preconiza. E um ser que se quer permanente como 
instrumento de regulacáo da conduta humana garantido por urna estrutura de poder 
(Estado). As normas nao se confundcm com as expressóes lingüísticas que as veiculam. 
E que, como entes lógicos, possuem vida autónoma. Ocorre, táo-somente, que as normas 
sao expressadas pelas formulacóes lingüisticas, através das quais é possível a comunica-
cáo entre os homens, estes protagonistas do enredo social. 
As normas, cuja funcáo é ordenar o social, sao viabilizadas pela linguagem, e, por 
isso, é lícito dizer que sao urna fungáo da linguagem ou que existem em razáo déla. Com 
efeito, as formulacóes lingüísticas contém a intencionalidade deóntica do agente prescri-
18 SACHA CALMON NAVARRO COÉLHO 
tor. Urna norma pode resultar de urna formulacáo lingüística ou de varias devidamente 
conjugadas, como se terá oportunidade de constatar. Alias, as ordens também sao postas 
por meio da linguagem, embora nao se confundam. A linguagem é o veículo através do 
qual as ordens sao dadas e as normas sao instituidas. Apenas isto. 
O Direito, enquanto técnica de disciplinacáo e controle social, apresenta-se forma-
lizado através da linguagem escrita ou oral (leis e costumes). A sociedade humana é o 
meio em que o Direito surge e desenvolve-se. "Em nossa especie, a sociedade nao é só de 
pessoas mas também de coisas produzidas pelo trabalho." A sociedade, di-lo Hermes 
Lima: "complexo de pessoas e coisas, exige necessariamente urna organizacáo que, ori-
entando a vida coletiva, discipline a atividade dos individuos e assegure distribuicao dos 
bens". 1 Cultural na sociedade é, portanto, a sua própria organizacáo, e essa organizacáo é 
socialmente posta e comunicada pela palavra escrita ou oral. E assim, sempre foi; para o 
primitivo, o bárbaro, o grego, o romano, o medieval, o tipo da Renascenca ou da socieda-
de industrial. 
Apesar da profunda diferenca entre urna oracao prescritiva e urna norma, os esfor-
cos mais difundidos tém consistido em assemelhá-la as prescrigoes. Para Austin,2 a nor-
ma jurídica seria urna ordem respaldada por ameagas.
Segundo a sua concepgáo, as 
normas jurídicas especificariam os destinatarios da ordem, o ato que deveria ser realiza-
do e a ocasiao propicia para tanto. Quanto á ameaga de causar daño ao destinatario, caso 
descumprisse a ordem, entendía que esta poderia constar tanto da própria norma prescri-
tiva do dever quanto de outra, especialmente punitiva. O elemento distintivo que identifi-
caría a norma jurídica, extremando-a de outros tipos de imperativos, residiría na 
autoridade do seu emissor. A especificidade estaría no fato de originar-se do soberano e 
destinar-se á sociedade civil. 
2.4. As normas jurídicas e a teoría de Kelsen - Juízos onticos e deónticos - Normas 
primarias e secundarias 
Hans Kelsen formula urna concepgáo parecida com a de Austin, mas contendo im-
portantes inovagóes e, pois, diferengas. No plano do sujeito cognoscente, Kelsen distin-
gue dois tipos de juízos lógicos: juízos onticos, que sao enunciados descritivos do ser, 
suscetíveis de verdade e falsidade; e juízos deónticos (de dever-ser), que sao descrigóes 
acerca de prescrigoes normativas e a respeito dos quais nao tem sentido predicar verdade 
ou falsidade. Os juízos de dever-ser serviriam, pois, para interpretar os atos cuja intengáo 
fosse a de dirigir a agáo de outra pessoa. Conseqüentemente, serviriam para descrever o 
Direito enquanto sistema de normas vocacionado para a disciplinagáo da conduta huma-
na. A fungao do jurista consistiría em descrever o seu objeto, a norma jurídica, através de 
juízos de dever-ser. 
1 Lima, Hermes. Ob. cit., pp. 8 e ss. Ver p. 5, retro. 
2 Austin, John. The Province of Jurispruáence Dctermined, New York, The Noonday Press, 1954. 
CURSO DE DIREITO TRIBUTARIO BRASILEIRO 19 
Ao descrever o Direito, todavía, Kelsen nega-se a ver, ñas prescrigoes normativas a 
que chama de normas, a expressao de urna vontade real e presente em sentido psicológi-
co. Argumenta com os costumes, onde nao é possível ver-se, sustentando-os, urna vonta-
de personalizada, e com as leis, que subsistem depois de mortos os seus autores. Diz, 
entáo, que a norma é urna ordem, mas urna "ordem despsicologizada". As normas ex-
pressariam, é certo, um ato-de-vontade, porém em sentido objetivo, enquanto a ordem se-
ria mera expressao subjetiva de quem a tivesse formulado; para ser válida, a norma 
precisaría ter sido formulada por quem estivesse autorizado a fazé-lo. 
Assim sendo, por suposto, toda norma extrairia a sua validade de outra norma que 
conteria o seu fundamento de validez, até se chegar a urna hipotética norma primeira, 
pressuposta, incriada, fundante de toda ordem jurídica, que por isso mesmo seria urna 
"estrutura escalonada de normas". Diferente, assim, da ordem do salteador que nos 
ameaga com um mal para obter-nos a bolsa, a norma jurídica decorreria de urna autori-
dade que nos ameagaria com danos preestabelecidos caso nao nos comportássemos, nos, 
os membros da comunidade, da maneira prescrita pelos interesses da ordem social. Kel-
sen dizia, nesta linha, que a Moral, também voltada para a obtengáo de comportamentos 
humanos desejáveis, fundava-se numa "técnica de motivagáo direta". As normas moráis 
indicariam diretamente o comportamento desejável: "deves obedecer a pai e máe; nao 
deves mentir". O Direito, ao contrario, empregaria urna "técnica indireta de motivagáo", 
porque a norma jurídica utilizar-se-ia de castigos para punir a conduta inversa da desejá-
vel: "matar alguém: pena de X\ 
Em verdade Kelsen minimizou, no particular, as chamadas normas técnicas que ge-
ram, desobedecidas, as nulidades, e o papel dos premios com que nao raras normas jurí-
dicas acenam para obter comportamentos, tendo sido obrigado, mais tarde, a ampliar de 
modo inaceitável o conceito de sangao para nele incluir o premio 3 e a nulidade. Em de-
corréncia dessa "técnica indireta de motivagáo", que desempenha papel fundamental na 
construgáo kelseniana, as normas jurídicas seriam de dois tipos: primarias e secundarias. 
Seriam primarias no sentido de fundamentáis, mais importantes, aquelas que prescrevem 
penas pelo emprego da forga. Seriam ditas normas as genuinamente jurídicas, integrantes 
reais de ordem jurídica. As secundarias seriam meras derivagoes lógicas das normas pri-
marias, e sua enunciacáo só teña sentido para urna melhor explicacáo do Direito. 
Kelsen utilizou-se de um operador lógico para extrair da norma que chamou de pri-
maria urna regra secundaria. De urna norma primaria com o seguinte enunciado: "matar: 
pena A", entendia possível extrair por derivagáo o enunciado da norma secundaria, que 
seria: "É proibido matar" ou "É obrigatório nao matar". Esse posicionamento kelseniano 
implica que somente de normas primarias estruturadas hipotéticamente é possível deri-
var normas secundarias, como veremos á frente. 
3 No campo do Direito Tributario e em épocas de forte intervencao ou dirigismo estatal, o espaco reserva-
do ás "premiáis" cresce consideravelmente e cada vez mais. Todo esforco para atrair investimentos ou 
incentivar exportacoes é feito com base em normas premiáis. 
20 SACHA CALMON NAVARRO COÉLHO 
Além de primarias e secundarias, as normas, segundo Kelsen, seriam categóricas 
ou hipotéticas (sempre o dualismo), dependendo de o ato previsto no mandamento estar 
ou nao condicionado a um evento preestabelecido. Dentro dessa ótica, seriam categóri-
cas as sentencas judiciais (normas particularizadas), e hipotéticas as leis (normas genéri-
cas). Em funcao dessa engenhosa construcáo, o mestre de Viena achava que o 
enderecamento das normas jurídicas primarias, por isso que continham a previsáo de atos 
coercitivos, era para juízes e funcionarios estatais, órgaos incumbidos de sua aplicacáo, 
délas. Sem embargo de se destinar aos órgáos do Estado, esse titular do monopolio da 
forca, a norma, por estar promulgada e, pois, por ser conhecida, funcionaría como ins-
trumento diretivo do comportamento humano. Do que acabamos de ver segue-se que 
urna norma cujo conteúdo nao fosse urna sancáo só seria possível se derivasse de urna 
norma primaria, esta portadora da sancáo. 
O fundamento normativo do sistema residiría ñas normas sancionantes, instituido-
ras de penas e privacóes, impostas pelas autoridades estatais aos agentes dos ilícitos (cuja 
definicáo mais coerente reside em ser o descumprimento de um dever legal). É que a nor-
ma primaria funcionaría dentro de um tal sistema ou teoría como premissa necessária. 
Nesse sentido, as normas primarias Kelsenianas seriam as "fontes", "os alicerces" da or-
dem jurídica inteira. Ademáis, as normas primarias teriam que possuir estrutura necessa-
riamente hipotética, de modo a permitir o exercício de derivacáo. A assertiva radica na 
própria índole da concepgáo dualista do mestre de Viena. 
O caráter de urna norma secundaria, destarte, seria um caráter de dever-ser, e seu 
conteúdo seria o de urna conduta oposta á que figurasse como condigno de aplicacáo da 
norma primaria. Para Kelsen, de urna conduta primaria prevendo que "se alguém mata a 
outrem, deve ser punido com prisáo" sobressairia a norma secundaria que proclamava 
proibido o ato de matar ou declarava devida a conduta de nao matar, com o sentido de que 
nao se deveria matar. 
Sem embargo, se observarmos qualquer sistema jurídico, encontraremos leis e cos-
tumes de onde é possível extrair enunciados normativos cujo conteúdo nao traduz atos de 
coercáo, nem tampouco derivam de entes normativos que prescrevem sancóes, como 
quer Kelsen. A maior parte dos dispositivos constitucionais, com efeito, nao estabelecem 
sangóes senáo que instituem poderes, competencias, principios, garantías e procedimen-
tos diversos. Em nivel infraconstitucional, é possível encontrar disposigóes de igual jaez. 
Nos códigos civis, v.g., deparamo-nos com regras sobre como contrair matrimonio, cele-
brar contratos ou fazer um testamento válido. Os digestos processuais estáo repletos de 
regras técnicas
de procedimento para juízes, partes, advogados e terceiros (as chamadas 
normas in procedendó). De notar, ainda, as enunciagóes que cunham conceitos, defini-
góes e atribuem qualidades as pessoas e instituigóes: quem é ou nao capaz, o que é ser co-
merciante, nogáo de estabelecimento comercial, conceito de tributo etc. 
A resposta de Kelsen as objegoes desse tipo consistiu em dizer que tais "normas" 
nao seriam "normas genuínas", mas enunciagóes do legislador e "partes" das normas ge-
nuínas. E, assim, pela técnica ou argumento da subsungáo, a maioria das regras que co-
mumente encontramos formando o sistema jurídico constituiriam "fragmentos" de 
« « ^ , 0 0 o . i t ¡ n i Í M t i n c t i t n i i r W n i : H P «anrñes A s normas teriam urna estrutura dual, logi-
CURSO DE DIREITO TRIBUTARIO BRASILEIRO 21 
camente falando: antecedente e conseqüente ou, noutra terminologia, hipótese e conse-
qüéncia. Para Kelsen, estas regras a que acabamos de nos referir, ou melhor, os 
enunciados que délas fosse possível extrair, seriam "partes" ou "componentes" dos ante-
cedentes das normas verdadeiramente jurídicas, as primarias, em cujo conseqüente deve-
ria figurar sempre urna sancáo. 
2.5. Normas jurídicas e proposicoes sobre normas jurídicas - Prescricóes jurídicas - O 
papel dos intérpretes 
Frise-se agora que Kelsen, embora no comeco de suas elucubracoes tenha entendi-
do a norma como "juízo hipotético", isso renegou expressamente na maturidade. Para ele 
a norma é prescricáo (que depende, em certas circunstancias, de urna condicáo para que 
incida). A norma pode, assim, ser hipotética, mas nao será jamáis um juízo hipotético 
como muitos pensam que é, referindo-se a Kelsen.4 O "juízo" é ato de sujeito ao conhecer 
o seu objeto. Se a norma jurídica é o objeto do conhecimento jurídico na gnosiología5 
kelseniana, o "juízo hipotético" que o cientista do Direito constrói ao descrevé-la só po-
derá ser urna "proposigáo" a respeito da norma, nunca a "norma-em-si""'. Há urna passa-
gem ñas Contribuicoes á Teoría Pura do Direito em que Kelsen 6 mostra-se 
extremamente enfático a esse respeito, ao rejeitar com incontida amargura ao Prof. Sto-
ne. Sobre o papel da Ciencia do Direito disse: 
"Assim como o caos das sensacóes só através do conhecimento ordena-
dor da ciencia se transforma em cosmos, isto é, em natureza como um sistema 
unitario, assim também a pluralidade das normas jurídicas gerais e individuáis 
postas pelos órgáos jurídicos, isto é, o material dado á ciencia do Direito, só 
através do conhecimento da ciencia jurídica se transforma num sistema unita-
rio isento de contradicóes, ou seja, numa ordem jurídica. Esta "producao", 
porém, tem um puro caráter teorético ou gnosiológico. Ela é algo completa-
mente diferente da producao de objetos pelo trabalho humano ou da producao 
do Direito pela autoridade jurídica." 7 (Grifos nossos.) 
A norma, pois, nao é a mesma coisa que a lei, entendida esta como a fórmula verbal 
de um legislador anónimo (costume) ou como fórmula escrita de um legislador institu-
4 Carvalho, Paulo de Barros. Teoría da Norma Tributaría, Sao Paulo, Lael, 1974, p. 31 - "De outro modo, 
entendemos que conquanto se deva verdadeiramente distinguir o enunciado legal, da sua descricao, em-
preendida pela ciencia do Direito, o ato de vontade que Kelsen designa de 'norma jurídica' é veiculado 
também por meio de juízos hipotéticos sendo lícito chamá-lo de proposicao já que esta palavra significa 
a expressao verbal de um juízo." 
5 Gnosiología (com i) = teoría do conhecimento, e nao gnoseologia = teoría do conhecimento da divinda-
de (vide Novo Dicionárío Aurelio e o Novissimo, de Laudelino Freiré). 
6 Kelsen, Hans. Contribuciones a la Teoría Pura del Derecho, pp. 58-9. 
1 ídem. Teoría Pura do Direito, pp. 111-113. 
22 SACHA CALMON NAVARRO COÉLHO 
cional (lei, estrito senso). A norma é a expressao objetiva de urna prescricáo formulada 
pelo legislador que nao se confunde com aquilo a que comumente chamamos de lei. Isto 
quer dizer que a norma, posto já se contenha ñas leis, délas é extraída pela deducao lógi-
ca, funcao do conhecimento. Kelsen reconheceu isto ao referir-se á necessidade de "co-
nhecer" antes a norma para poder "aplicá-la". A norma estaría "dentro" do sistema 
jurídico de envolta com as formulacóes escritas ou costumeiras do legislador, por isso 
que seria a expressao objetiva de um ato de vontade. Carecería, todavia, de ser apreendi-
da (porque a norma é, antes de tudo, sentido; pode até ter diferentes sentidos, diversas 
possibilidades de aplicacáo, nisto residindo o intenso e apaixonante dinamismo do Direi-
to como fenómeno de adaptacáo social). 
2.6. Tipología jurídica - Normas de organizacáo, de competencia, técnicas, de 
conduta ou comportamentais e sancionantes 
Urna classificacáo funcional das normas jurídicas, com a ressalva de que toda clas-
sificacao é precaria, comecaria por conferir-lhes, a todas, caráter prescritivo. Em seguida 
as dividiría em cinco grandes grupos, sendo que os dois últimos seriam interligados fun-
cionalmente: 
Normas organizatórias; 
Normas de competencia; 
Normas técnicas; 
Normas de conduta; 
Normas sancionantes. 
A tipologia aventada persegue o desejo de ser funcional, adequada á prática do Di-
reito. Busca escora teleológica. Efetivamente o que procuramos, ao 1er as leis e demais 
entes legislativos, é algo extremamente prático. Em real verdade, estamos procurando sa-
ber se alguém, pessoa ou órgáo, é competente para isso ou aquilo, ou como é ou deve ser a 
organizacáo das instituicoes, órgaos e pessoas. Quando nao é assim, estamos procurando 
saber como se deve proceder em certas circunstancias para realizar a ordem jurídica, ou 
perquirindo se existe algum dever a ser imputado a alguém, ou se deve ser aplicada a al-
guém determinada sancáo. Vale dizer, o Direito existe para instituir e organizar (normas 
organizatórias), atribuir competencias (normas de potestade), criar deveres (normas de 
conduta ou de dever), punir as transgressoes á ordem jurídica (normas sancionantes) e 
prescrever técnicas de realizacáo da ordem jurídica (normas técnicas ou processuais). 
As palavras das leis, prescritivas, atuam objetivando tais miras. É possível e razoá-
vel, portanto, operar a concrecáo do orbe positivo em normas de potestade, sancionató-
rias, de dever, técnicas e organizatórias. 
Normas Organizatórias - Instituindo os órgaos do Estado, as instituicoes e as pes-
soas. Desse tipo sao as normas que prescrevem como deve ser o Estado Federal ou as que 
declinam os requisitos que deve possuir o ato jurídico ou urna sociedade por cotas de res-
ponsabilidade limitada para serem válidos, ou aínda as que definem quais sao os pressu-
postos para um cidadáo ser elegível ou comerciante, ou, ainda, ser maior, senador, 
CURSO DE DIREITO TRIBUTARIO BRASILEIRO 23 
presidente da República ou prefeito municipal. Neste ámbito se encontram as normas di-
tas atributivas de qualidades e as de "reconhecimento", permitindo identificar se as ou-
tras normas pertencem ao "sistema". 
Normas de Competencia - Conferindo "potestades" aos sujeitos públicos e priva-
dos para produzir normas de comportamento, interpretá-las e aplicá-las voluntariamente, 
ex officio ou contenciosamente. Estabeleceriam como deveriam ser exercidas tais potes-
tades, sua extensáo e limites. Deste tipo sao as normas que outorgam competencia aos ór-
gaos dos Poderes Legislativo, Executivo e Judiciário para a producao de atos funcionáis 
legislativos, administrativos e jurisdicionais. De igual tipo as normas que investem os 
particulares de capacidade para praticar e para celebrar atos juridicos constitutivos (tes-
tar, votar, contratar etc.) 
Normas Técnicas - Prescrevendo como devem ser produzidos os atos adjetivos ne-
cessários á vida do Direito: como se deve votar, sentenciar, interpor um recurso extraor-
dinario, fazer um testamento válido,
celebrar contratos, contrair matrimonio, discutir e 
votar urna lei complementar da Constituicao. (Todas as normas processuais sao técnicas.) 
Normas de Conduta - Sao as normas que obrigam comportamentos, campo de elei-
cáo da lógica jurídica. Destinam-se as autoridades e aos particulares. Desse tipo sao as 
normas que estatuem comportamentos positivos e negativos, desde que ocorrentes certos 
pressupostos. Sao nucleares, no sentido de posicionar á sua volta o sistema jurídico. Se o 
Direito teleologicamente busca o controle do meio social, é claro que indica quais sao os 
comportamentos desejáveis. Indica-os, tornando-os obligatorios, como no caso do dever 
tributario. As leis prevéem a obrigatoriedade do seu cumprimento. Todavía, dita obriga-
toriedade comportamental pode nao ser expressa na lei. No caso do tributo, é. No caso do 
homicidio, nao. A lei expressa apenas urna punigáo, ou melhor, a previsáo de urna pena 
para o comportamento homicida. A norma que impóe o dever de nao matar é implícita no 
sistema e portanto inexpressa na lei (mais urna vez a diferenca entre norma e lei). As nor-
mas de conduta ora impóem comportamentos positivos (é obrigatório pagar imposto á 
Uniáo), ora estatuem condutas negativas (é obrigatório nao matar). Fácil deduzir que o 
caráter proibitivo é epifenómeno; se é obrigatório nao matar, matar é proibido. Se é obri-
gatório pagar tributos, nao pagá-los é proibido. O proibido e o obrigatório sao indefiní-
veis e podem ser deduzidos de um outro tipo de norma que a seguir veremos, a punitiva. 
Isto induzirá interessantes e esclarecedoras conclusóes a respeito das normas de conduta, 
mas nunca ao ponto de vé-las supérfluas, despiciendas ou desnecessárias. 
Normas Sancionantes ou Punitivas - Sao as normas que estatuem sancoes para cer-
tas condutas. Toda acáo nao punível é livre. Vale dizer, o que nao é punível pode ser prati-
cado facultativamente. Tanto faz, de um ponto de vista sancionante, praticar ou nao a 
acáo impunível. Ela nao é obligatoria nem proibida. Se fosse proibida, sua prática acarre-
tona urna punigáo. E se fosse obrigatória, a omissáo em praticá-la acarretaria, igualmen-
te, urna punigáo. Conseqüentemente, se urna agáo, ou melhor, um comportamento 
24 SACHA CALMON NAVARRO COÉLHO 
humano, é punível, é porque a sua prática é vedada; é porque nao praticá-lo é obrigatório. 
Nao praticar um comportamento tem dois sinais: positivo e negativo. Quando um com-
portamento é punível, é porque o seu contrario é obrigatório. Se se age quando o dever é 
urna omissáo (por exemplo: nao matar), a agáo de matar é que é a hipótese de punigáo. Se 
nao se age quando o dever é agir (por exemplo: pagar tributo), o comportamento consis-
tente em nao pagar - comportamento omissivo - é que é a hipótese de punigáo. 
Tanto as normas sancionantes quanto as de conduta exibem urna estrutura hipotéti-
ca. Isto é, possuem urna hipótese e urna conseqüéncia. Para atuar a conseqüéncia, é mis-
ter que ocorra o fato jurígeno delineado na hipótese da norma. Urna conseqüéncia 
jurídica "deve ser''' toda vez que ocorra a sua hipótese. 
2.7. Tipos de normas encontradizas no Direito Tributario 
No Direito Tributario encontramos normas organizatórias, construindo o Estado 
Federal, os órgaos da administracao fiscal, as prerrogativas e privilegios do crédito fis-
cal, a participacáo de urnas pessoas políticas no produto da arrecadacáo de outras etc. 
Encontramos normas de competencia para instituir os tributos ou proibir o seu exercício, 
realizar a funcáo fiscal, produzir atos administrativos, v.g. Encontramos, ainda, normas 
técnicas nos instruindo sobre como recolher tributos, como oferecer garantías, como 
apresentar defesas e embargos ás pretensóes fiscais e assim por diante. Deparamo-nos, 
no mais, com as normas de conduta que expressam as obrigacóes tributarias. O dever de 
pagar tributos decorre de leis que prescrevem dito dever desde que ocorrente o seu fato 
jurígeno no mundo fenoménico (a realizagáo do fato gerador antes abstratamente previs-
to na norma hipotética). Finalmente, sao encontradicas as normas sancionantes que pu-
nem o descumprimento das obrigagóes tributarias, e cuja hipótese de incidencia é, 
precisamente, o descumprimento da obrigagáo. 
2.8. Distincáo entre normas, leis e proposigoes jurídicas 
E possível distinguir a norma das leis ou dos costumes. O Direito Positivo é posto e 
vige a partir de fórmulas lingüísticas escritas e oráis. O objetivo dos "ordenamentos jurí-
dicos" é, sempre foi, o de controlar o meio social. Enquanto tal, possui urna linguagem 
especial, encontradiga ao nivel dos seus entes normativos: leis, costumes, sentengas, con-
tratos etc. Esta linguagem, quando é posta sob análise pelo cientista do Direito, recebe a 
denominagáo de "linguagem-do-objetó'', porque o objeto da Ciencia do Direito é o Direi-
to Positivo, com sua expressiva linguagem. Pois bem, ao estudar o Direito Positivo, é 
possível ao cientista concluir que, surgindo das inúmeras formulagóes verbais que ex-
pressam o Direito, projetam-se normas, facultando, obligando e proibindo agóes e omis-
soes, assim como prescrigoes prevendo sangoes para o nao cumplimento de seus 
preceitos. Verificará, ainda, que há preceituagoes instituindo poderes, competencias, pro-
cessos e procedimentos, além de definigoes e conceitos legáis. Ademáis, perceberá que 
tudo isto forma urna ordem jurídica, garantida pelo Estado. 
Perante o cientista do Direito, a normatividade (dever-ser) contida nos sistemas po-
sitivos se colocará numa relagáo de objeto-sujeito, sendo por este último descrita através 
CURSO DE DIREITO TRIBUTARIO BRASILEIRO 25 
de "proposigoes jurídicas", que sao justamente os instrumentos reveladores das normas. 
Marco Aurelio Greco, 8 em página de grande acuidade, teve a percepcáo exata da questáo: 
"Para a descricáo de urna norma jurídica (que em si é um comando, urna 
permissáo ou atribuigáo de poder) socorre-se o cientista de urna formulagáo a 
que se denomina "proposigáo jurídica". Esta, pois, situa-se no plano da Cien-
cia do Direito, sendo urna categoría da razáo (e nao da vontade, como é a nor-
ma) estruturando-se na forma de um juízo hipotético condicional. Observe-se, 
inicialmente, que a proposigáo jurídica nao prescreve nenhuma conduta, mas 
descreve urna determinada norma jurídica que prevé essa conduta. Ela serve, 
assim, para proceder ao conhecimento do objeto da ciencia jurídica mas nao 
possui forca imperativa. Quer dizer, a proposigáo nao é um comando mas des-
creve um comando. 
(...) 
Outra observagáo que cumpre fazer é que importa distinguir tres quali-
dades: 
A) a norma jurídica em si que consiste num comando, ou imperativo, ou 
autorizagáo; 
B) a formulagáo que á norma é dada pelo cientista que é proposigáo jurí-
dica; e, 
C) a expressao lingüística utilizada pelo legislador. 
As letras "b" e "c" sao ambas formulagoes lingüísticas, esta proveniente 
dos órgaos legislativos e aquela, do cientista, porém somente a do cientista ex-
pressa integralmente a norma, urna vez que muitos comandos só podem ser 
identificados e expressos numa proposigáo jurídica, mediante a congregagáo 
de varios dispositivos contidos em múltiplos textos legáis" (Grifos nossos.) 
Frise-se o seguinte: a distingao entre norma e lei ou costume é importante para a 
análise jurídica. Carlos Santiago Niño, 9 com sua autoridade de lente graduado da Univer-
sidade de Buenos Aires, diz que a norma é diversa da formulagáo legislativa, escrita ou 
oral. 
"Es muy posible que la expresión "norma jurídica " sea un término teó-
rico. Obviamente ella no denota un conjunto de oraciones escritas en un pa-
pel, puesto que una misma norma jurídica puede estar formulada por 
8 Greco, Marco Aurelio. Norma Jurídica Tributaria, EDUC, Saraiva, 1974, pp. 20-21. 
9 Niño, Carlos Santiago. La Definición de Derecho y de Norma Jurídica, Notas de Introducción al Dere-
cho,
Astrea de Rodolfo Depalma y Hnos., Buenos Aires, 1973, p. 85. 
1 
26 SACHA CALMON NAVARRO COÉLHO 
10 Villey, Michel. Sur les Essais d 'Application de la Logique Deontique au Droit. Archives de Philosophie 
du Droit, Paris, Sirey, 1972, n° 17, tome XVII, pp. 407 e ss. 
11 Vilanova, Lourival. Lógica Jurídica, Sao Paulo, José Bushatsky, 1976, p. 113. 
oraciones diferentes, ni tampoco denota un conjunto de conductas humanas, 
puesto que las normas jurídicas son usadas para evaluar conductas." (Grifos 
nossos.) 
A incompreensao da radical diferenga entre norma e legislagáo tem gerado nao pe-
queños equívocos e distorgóes na percepgao do fenómeno jurídico. O assunto, sabe-se, 
tem levado juristas a momentos de extrema irritagao ante a lógica deóntica e suas tentati-
vas de formalizagao (lógica jurídica). Exemplo disso oferta-nos Michel Villey 1 0 que, em 
artigo posto contra Gardies, promove irada agressao aos lógicos, verbis: 
"Mas, onde encontrar em tudo isso os imperativos, as ordens, as normas 
de conduta? Sei que a maior parte dos nossos lógicos tém o hábito de transpor 
este indicativo, em proposigóes normativas ou imperativas. Fariam melhor 
respeitando a letra dos textos. 
(...) 
Resta perguntar porque nossos lógicos sofrem toda essa comichao de 
converter as proposigóes jurídicas em proposigóes diretivas das condutas hu-
manas. Acuso-os de saltar indevidamente do Direito (terreno que mal conhe-
cem) a um outro tipo de discurso, que sua experiencia de moralistas lhes 
tornou mais familiar." (Grifos nossos.) 
E conveniente, pois, para obstar equívocos dessa ordem, vincar um pouco mais a 
distingáo. Lourival Vilanova," com propriedade, distingue: 
"A norma jurídica, reduzida á proposigáo em sentido lógico, tem urna 
forma. Gramaticalmente, a linguagem do direito positivo exprime a norma em 
multiforme variedade. E, nem sempre está a proposigáo normativa em toda a 
sua integridade num só artigo de lei ou decreto; nem sempre toda urna norma 
se encontra presente num dispositivo da Constituigao ou de um estatuto de 
ente público ou privado." 
Temos entáo, de um lado, o Direito Positivo com seus entes legáis, leis e costumes, 
ordenando agóes e omissóes, facultando outras tantas, proibindo comportamentos, atri-
buindo qualidades as pessoas e as coisas, outorgando poderes e competencias, prevendo 
atos procedimentais, cunhando conceitos e definigóes. Tudo isso dito na linguagem co-
mum do povo (linguagem do objeto). 
CURSO DE DIREITO TRIBUTARIO BRASILEIRO 27 
De outro lado, temos a Ciencia do Direito, cujo objeto é justamente o Direito Positi-
vo seus entes. 1 2 A fungáo da Ciencia do Direito é descrever o seu objeto. Nesse momento 
aparece a proposigáo jurídica, sob a forma de juízo, mercé da qual ó possível apreender a 
normativida.de contida nos sistemas positivos. A proposigáo dcscreve a norma. É dcscri-
tiva. A norma, porém, nao se confunde com a sua descrigáo. É prescritiva. Isto se torna 
claro quando o juiz aplica a norma, após intuí-la do sistema jurídico. 
As normas em si mesmas sao "entes teóricos" derivados do sistema jurídico como 
um todo. Urna norma jurídica, diga-se por oportuno, resulta da conjungáo de significados 
normativos defluentes de diversas leis ou artigos de leis, editados em épocas diferentes 
por corpos legislativos. Conseqücntementc, o problema da existencia e validade da nor-
ma só indiretamente lhe diz respeito, porquanto a questáo de se saber se urna norma foi 
criada e posta a viger de acordó com os ditames específicos da ordem jurídica regulado-
res de suaprodugáo se reporta ao processo de criagáo das leis e do reconhecimento dos 
costumes. Se urna lei, por exemplo, prevé que o fato de alguém ser proprietário c jurígeno 
do dever de pagar imposto sobre o patrimonio imobiliário, e urna outra isenta os proprie-
tários de um único imóvel de valor nao superior a R$ 10.000,00 de fazé-lo, ter-se-ia urna 
norma prescritiva de dever com o seguinte enunciado, descrito mediante urna proposigáo 
do intérprete: 
Hipótese: alguém ser proprietário de imóveis, salvo se de um só de valor nao supe-
rior a R$ 10.000,00. 
Conseqüéncia: pagar imposto imobiliário ao Estado anualmente. 
A questáo de se saber se predita norma é válida se desloca para a análise do "proces-
so de reconhecimento" das leis que a engendraram, isto é, da lei que previu a tributagao e 
da lei que previu a isengáo. Somente quanto a elas será possível indagar se foram postas 
pelo legislador da forma prescrita, ou se entraram em vigor antes do inicio do excrcício 
financeiro (principio da anterioridade da lei tributaria inserto na Constituigao brasileira). 
Frise-se que a norma - produto do universo legislado - nao se confunde com os 
seus veículos, os entes positivos (leis, decretos-lei etc.). 
Tampouco se confunde com as proposigóes jurídicas que a Ciencia do Direito pro-
duz ao descrever a norma, sob a forma, quase sempre, de juízos hipotéticos. 
A norma, ainda que condicional, é sempre prescritiva (porque o Direito é, básica-
mente, prático, fínalístico, teleológico). 
As leis sao enunciados ¡iteráis buscando um fim. 
As proposigóes normativas sao descrigoes das normas jurídicas, que defluem do 
universo legislado, produzidas por um sujeito (jurista ou juiz). 
Juan Manuel Teran, in Filosofía del Derecho, México, Porrua, 1971, p. 174, diz com claridade: "De 
onde se concluye que desde el punto de vista del Derecho como forma normativa toda actividad posible 
se encuentra jurídicamente regulada." Aproveitamos a cita para rcalcar que o facultativo pode ser dedu-
zido de duas formas: a) por ser ato livre (nao é obrigatório nem proibido); b) por estar prescrito. Assim, 
toda norma pura de potestade ou competencia é facultativa ao agente (competencia para instituir tributo, 
v g ) . Com o poder-dever já nao ocorre a facultatividade. 
28 SACHA CALMON NAVARRO COÉLHO 
Por isso mesmo, ou seja, por serem juízos, sao descrigóes de um ser, a norma! (Sem 
embargo de a norma constituir um dever-ser, por isso que prescritiva.) 
Conseqüentemente, as proposigóes jurídicas sao proféticas, por isso que exprimem 
o que deve ser, do ponto de vista subjetivo de quem as produz (os sujeitos que analisam a 
norma, posta como objeto do conhecimento). Estáo, dessarte, sujeitas a um teste de ver-
dade legal. E aqui se desvela a problemática da interpretagao, seja com efeito meramente 
opinativo (o que fazem os cientistas de Direito, advogados, jurisconsultos e até mesmo os 
aplicadores ex officio das normas: os funcionarios do Executivo), seja com efeito judi-
cante, por parte dos juízes que dizem o direito com definitividade, ainda que sob o guante 
da revisáo ad quem. 
Com efeito, as proposigóes normativas sao "profecías" a respeito do que deve ser (o 
"ser" da norma). 
Mas somente a proposigáo normativa, proferida pelos órgaos supremos da jurisdi-
gáo, tem o condáo de acertar a norma, dizendo o que ela significa com obrigatoriedade 
indiscutível (norma individual, cf. Kelsen). 
Nesse ponto fecha-se o ciclo. A norma é o que os juízes da irrecorrível instancia fi-
xam como o seu real significado, objetivamente, enquanto prescrigáo. 
A conclusáo ora Jangada tem o abono de Kelsen. Dele a transcrigáo: 
"O Direito prescreve, permite, confere poder ou competencia, nao ensina 
nada. Na medida, porém, em que as normas jurídicas sao expressas em lingua-
gem, isto é, em palavras e proposigóes, podem elas aparecer sob a forma de enun-
ciados do mesmo tipo daqueles através dos quais se constatam fatos."1 3 
Claro que nem todas as normas passam por um teste de verdade legal. Muitas se 
aplicam sem contestagáo. Basta, porém, que durante dado processo aplicativo ao Direito 
surja urna controversia para apropositar-se a intervengáo do Judiciário, com o fito de fi-
xar a inteligencia da norma em questáo. Por outro lado, é comum, em épocas diversas, 
urna mesma norma possuir
significados diferentes. Que as leis em cujo interior se abri-
gam as normas necessitem análise, para a extragáo do conteúdo prescritivo nelas represa-
do, nao causa especie. É fenómeno corriqueiro. As agóes declaratorias, especialmente, 
colimam sempre este desiderato. A seu turno, as partes no processo outra coisa nao fazem 
do que formular "proposigóes jurídicas" a respeito da norma em torno da qual controver-
tem. O fenómeno torna-se bem mais transparente ñas lides travadas a partir de questóes 
puramente "de direito" (quaestio juris). 
Sem esta visáo nao seria possível entender a assertiva de Kelsen de que a norma é 
um sentido que pode comportar diferentes alternativas de aplicagáo. Vale dizer, os juízos 
que descrevem normas sao juízos de dever-ser. A estrutura da norma nao é puramente es-
quemática. A sua descrigáo nao pode fícar apenas em dizer que é formada de hipótese e 
v„\„~„ q , „ 7 w , v > Purn rln Direito. no. 111-113. 
CURSO DE DIREITO TRIBUTARIO BRASILEIRO 29 
conseqüéncia, ou suposto e comando, ou ainda prótase e apodóse. Um juízo sobre o de-
ver-ser da norma é inevitável, pois, como já asseverado por Vilanova, se é dever-ser, é 
dever-ser de algo. 
2.9. Existencia, validade e vigencia das leis - Aplicabilidade, incidencia e eficacia 
das normas jurídicas 
Chegado é o momento de encerrar a visualizacao panorámica do tema normativo, 
aqui versado com intuito declaradamente propedéutico. Motivos de caráter metodológi-
co exigiram esse tratamento. Em primeiro lugar, o tributo é norma. O dever de pagar tri-
buto decorre de urna norma de comportamento. Em segundo lugar, a capacidade ativa 
para por e tirar dito dever decorre de normas de competencia. Fez-se necessário, assim, 
este bosquejo sobre "normas", sua natureza e seus tipos. De tudo quanto vimos, sobra-
ram-nos algumas verdades: as normas nao sao de um só tipo, e o esbogo de urna tipología 
servirá para situar a norma tributaria. Além disso, as normas jurídicas nao se confundem 
com as leis e os costumes que compóem o universo legislativo. 
Agora o exato momento de repensar urna ligáo de José Souto Maior Borges, 1 4 aceita 
de pronto pela doutrina brasileira, sem contestagáo. Trata-se, segundo as próprias pala-
vras do notável professor recifense, do tema da Teoría Geral do Direito que estuda os pla-
nos de considerando da lei. Souto Maior Borges distingue os planos de existencia, 
validade, vigencia, incidencia, aplicacáo e eficacia da lei no seu livro Lei Complementar 
Tributaria. 
O autor desenvolve sobre o tema interessantes observagóes, especialmente a partir 
da página 36, sendo conveniente repassá-las. 
Assim, o primeiro conceito a ser considerado seria o da existencia da lei. Citando 
Pontes de Miranda, 1 5 Souto Maior Borges afianga-nos que os planos da existencia, valida-
de e eficacia da lei sao inconfundíveis, porque "a lei pode ser, valer e nao ter eficacia", sen-
do ademáis contraditório "falar-se em validade ou eficacia do que jurídicamente nao é". 
A lei, dessarte, pressupóe a sua própria existencia até mesmo para que se possa sub-
meter a um teste de validade. O conceito de validade aparecería num momento lógico 
posterior: "somente depois de existente a lei, pode ela revestir-se de validade ou invalida-
de, atributos que lhe sao conferidos em fungao de sua compatibilidade ou nao com o or-
denamento constitucional do País". A validade de urna lei estaría relacionada com a 
competencia do órgáo incumbido de sua criagao e com as regras procedimentais ligadas a 
sua criagao. Obedecidos os requisitos da competencia e da processualística legislativa, 
tais como talhadas na Constituigao, a "norma" teria condigóes de ingressar "no Direito 
positivo, sendo assim válida" (ob. cit., passim). Supondo-se válida determinada lei, o 
Borges, José Souto Maior. Lei Complementar Tributaria, Sao Paulo, Ed. Revista dos Tribunais, 1975. 
Miranda, Pontes de. "Incidencia e Aplicacáo da Lei", in Revista da OAB, Pernambuco, Revista da OAB, 
ano I, n° l ,p . 52. 
30 SACHA CALMON NAVARRO COÉLHO 
conceito de vigencia surgiría em seguida: "lei existente pode ainda nao incidir, como su-
cede no período da vacatio legis, intertempo entre 'A ' a existencia e ' B ' a entrada em vi-
gor (vigencia) da lei." 
E prossegue: 
"Existindo com validade e em vigor, está pronta a lei para incidir. A apli-
cacáo da lei deve coincidir com a sua incidencia. Pode, contudo, a lei incidir 
sem que seja aplicada. A incidencia é umprius com relacáo á eficacia do ato 
legislativo e umposterius com relacáo á sua existencia." (passim) 
A incidencia da lei dar-se-ia em última análise com a ocorréncia do seu suposto. 
"Dá-se a incidencia da lei quando o suporte fático (hipótese de inciden-
cia) nela previsto abstratamente (hipotéticamente) ocorre concretamente no 
mundo dos fatos." 
Mais, 
"A incidencia da regra jurídica sempre que ocorre o suporte fático con-
creto é fenomenologicamente infalível e automática. O que pode falhar é o 
atendimento á incidencia (aplicacáo da lei), a sua respeitabilidader (Grifos 
nossos.) 
Nao nos parece correta, metodológicamente falando, a colocacáo do eminente pro-
fessor pernambucano. Para nos, com supedáneo na teoría da norma jurídica, é absoluta-
mente necessário distinguir, isto sim, o plano da lei do plano da norma. 
A lei é um ente positivo. Anorma é um ser lógico. Pode até haver coincidencia entre 
lei e norma, caso raro. Normalmente a norma decorre de um conjunto de leis. 
Feito esse corte metodológico, é possível verificar que os problemas concernentes á 
existencia, validade e vigencia, de fato dizem respeito á lei como ente positivo, como ato 
legislativo. Através das "normas de reconhecimento" referidas por Hart, sao "testadas" 
as leis (ou os costumes nos países de Direito Consuetudinario). No plano da lei, básica-
mente, importa saber se ela existe, se existe com validade e se, existindo com validade, 
está em vigor e, pois, apta a formar normas jurídicas ou cooperar para a formacáo délas. 
As questóes de aplicabilidade, incidencia e eficacia já se inserem noutra dimensáo 
muito diversa. Inserem-se no plano da norma. Aplicável é a norma e nao a lei. O que inci-
de nao é a lei. E o preceito da norma, se e quando ocorrente sua hipótese de incidencia no 
mundo fático. Do mesmo modo há que se considerar a eficacia como tema normativo e 
nao como questáo legal. Para nos a eficacia é a qualidade intrínseca da norma que lhe per-
mite produzir os efeitos jurídicos que lhe sao próprios. Está dentro da norma e nao fora 
déla, como parece querer Souto Maior e, em certa medida, Hans Kelsen. A página 42 do 
livro de Souto Maior já referido linhas atrás, lemos: 
CURSO DE DIREITO TRIBUTARIO BRASILEIRO 31 
"Para Kelsen, a eficacia do direito quer dizer que os homens se compor-
tan! na forma em que, de acordó com as normas jurídicas, devem compor-
tar-se, ou seja, que as normas sao realmente aplicadas e obedecidas. Enquanto 
a validade é urna qualidade do direito, a eficacia é urna qualidade da conduta 
real dos homens e nao como parece sugerir o uso lingüístico, urna qualidade 
do próprio direito." 
Preferimos ficar com a tese da eficacia como qualidade da norma (da norma, nunca 
da lei), em companhia de Geraldo Ataliba, ver bis: 
"Tem sido conceituada a eficacia dos atos jurídicos como a forca ou po-
der que tém - e que lhes é atribuida pela ordem jurídica - para produzir os 
efeitos desejados pela própria ordem jurídica e que lhe sao próprios; ou como 
aptidáo para produzirem efeitos jurídicos." 1 6 
Tanto é a eficacia um atributo da norma, que existem leis insuficientes para gerar 
urna norma. Precisam de outras leis ou de outros artigos de lei que lhes complementem a 
normatividade. Somente entáo se terá urna norma com eficacia cheia, isto é, apta a pro-
duzir todos os efeitos que lhe sao próprios (a norma de imunidade das Instituicoes de 
Educagáo e Assisténcia
Social, v.g.). Se a sociedade nao respeita urna norma, ela cai em 
desuso. A norma em si é sempre eficaz. Existe para ser observada necessariamente, pro-
vindo daí a sua eficacia. O desuso é tema da Sociología Jurídica, nao cabe na Ciencia do 
Direito. 
Ataliba, Geraldo. O Decreto-Leí na Constituicao de 1967, Sao Paulo, Ed. Revista dos Tribunais, 1967, 
P- 21. 
Capítulo III 
O OBJETO DO DIREITO TRIBUTARIO 
E O DIREITO TRIBUTARIO COMO OBJETO 
3.1. A unidade do Direito - A falsa questáo da autonomía dos ramos do Direito. 3.2. A 
relacáo fisco-contribuinte como objeto do Direito Tributario. 3.3. Direito Financeiro e Direito 
Tributario. 3.4. A relacáo tributaria; cerne do Direito Tributario. 3.5. O objeto no tempo e no 
espaco - O papel do sujeito cognoscente. 3 . 6 . 0 Direito Tributario como objeto. 3.7. Opulencia 
jurídica do Direito Tributario brasileiro - As primicias do intérprete. 3.8. Direito Tributario e 
Estado. 
3.1. A unidade do Direito - A falsa questáo da autonomía dos ramos do Direito 
O Direito é uno. Regula a vida social em toda a sua extensao. Os Direitos Penal, Ci-
vil, Tributario, só para exemplificar, nao sao "diferentes"; apenas regulam aspectos di-
versos da vida social. Quando o Código Penal brasileiro diz que o crime de furto é a 
"subtracao de coisa alheia móvel", o conceito de "coisa" (bens movéis, imóveis e semo-
ventes) é fornecido pelo Direito Civil brasileiro. Quando o Código Tributario diz que 
"considere-se ocorrido, desde o implemento da condicao, o fato gerador de um tributo, 
constituido por situacao jurídica sujeita a condicao suspensiva", ó o Direito Civil que nos 
fornece o conceito e a operacionalidade dessas palavras cheias de conteúdo legal: "situa-
cao jurídica" e "condicao suspensiva". Quando na jurisprudencia do Direito Tributario 
brasileiro o Ministro Cordeiro Guerra do STF 1 diz que "responde o sucessor pelas multas 
fiscais no caso de transmitir o contribuinte o seu cabedal a terceiro", que "Direito" conce-
be os conceitos de "sucessor" e "cabedal" senáo o Direito Privado? 
O Direito é uno, todo interligado, a regrar a vida social. Sao tolices essas "autono-
mías científicas" dos diversos ramos do Direito. Muitos juristas se comprazem em dizer 
que o seu Direito é autónomo e importante, mais importante que os demais. Ora, essa di-
visao do Direito em ramos é, a um só tempo, funcional e didática e nada mais. Serve ape-
nas ao pragmatismo, na regulacáo dos múltiplos aspectos da vida social, instituindo 
principios e diretivas adequadas aos objetos regulados, e facilita no plano didático o ensi-
no e a compreensao do Direito. 
1 RDA 129/98. 
34 SACHA CALMON NAVARRO COÉLHO 
3.2. A relacáo fisco-contribuinte como objeto do Direito Tributario 
Qual é, entáo, o objeto do Direito Tributario? 
O de regular o relacionamento entre Estado e contribuinte, tendo em vista o pagamento 
e o recebimento do tributo. Certos autores dizem que o Direito Tributario regula urna parcela 
da atividade financeira do Estado, qual seja a de receber tributos. Esta é urna visáo autoritaria 
e estática. Em verdade, o Direito Tributario regula e restringe o poder do Estado de exigir tri-
butos e regula os deveres c direitos dos contribuintes, isonomicamente. 
Seu objeto é a relacáo jurídica travada entre o Estado e o contribuinte. 
3.3. Direito Financeiro e Direito Tributario 
O Direito Tributario, pela sua enorme importancia, como que se desligou do Direito 
Financeiro, deixando de ser "atividade estatal", regrada juridicamentc, para tornar-se 
"relacáo jurídica" entre sujeitos de direito em plano de igualdade. A sua insercáo no Di-
reito Financeiro vem do pretérito, até porque os primeiros tributaristas eram economistas 
ou administrativistas estreitamente ligados ao Estado. 
O Direito Financeiro como ordem positiva congloba os principios e normas jurídi-
cas que regulam a atividade financeira do Estado. 
O Direito Financeiro se ocupa das receitas e das despesas do Estado e também dos 
ornamentos. 
DIREITO FINANCEIRO 
Receita Pública Despesa Pública 
Receitas oriundas de operacóes de crédito 
(empréstimos e títulos públicos) 
Gastos estatais 
Receitas origináis (patrimoniais, 
financeiras, industriáis, comerciáis) 
Receitas derivadas (tributarias) 
As receitas e despesas do Estado devem necessariamente constar dos orcamentos 
públicos, e, nesse sentido, cabe falar em um Direito Orcamentário, parcela do Direito Fi-
nanceiro. 
O Direito Tributario cuida especificamente das receitas derivadas do patrimonio 
particular transferidas para o tesouro público mediante "obrigacoes tributarias" previstas 
em lei. A énfase do Direito Tributario centra-se na relacáo jurídica e nao na atividade es-
tatal de obtencáo de receitas. Nao é Direito do Estado, c relacáo jurídica entre sujeitos de 
direito sob os auspicios da legalidade e da igualdade. 
CURSO DE DIREITO TRIBUTARIO BRASILEIRO 35 
3.4. A relacáo tributaria: cerne do Direito Tributario 
O objeto do Direito Tributario, portanto, é regrar relacáo jurídica que se estabelece 
entre o Estado c as pessoas físicas e jurídicas, tendo em vista o pagamento dos tributos 
por estas últimas e o recebimcnto dos mesmos pelas pessoas políticas ou, se se preferir, pelo 
Estado. Dito objeto é de grande abrangéncia, embora rescrito ao tributo e á tributacao (impli-
cando direitos e deveres entre o Estado e os contribuintes). É esta parcela da realidade social 
que se constituí objeto do Direito Tributario. Gota de agua? Um grande lago? 
- Nada disso; um océano c suas margens. 
3.5. O objeto no tempo e no espago - O papel do sujeito cognoscente 
Importa, finalmente, e desde já, advertirmo-nos de um aspecto bastante delicado 
quanto ao objeto do Direito Tributario. Nao é possível que esse objeto seja igual no tempo 
e no espaco. Mediante o Direito Comparado, podemos estudá-lo simultáneamente em di-
versos países e anotar as semelhangas e diversidades. Podemos estudá-lo no tempo fa-
zendo a historia do Direito Tributario (de grande riqueza). 
Todavía, este curso é sobre Direito Tributario brasileiro c tem por objeto, aqui e 
agora, a relacáo tributaria entre o Estado e o contribuinte e sua regulagáo pelas normas e 
principios do Direito Positivo. 
Ricardo Lobo Torres2 nos fornece um bom conceito do que seja relagáo jurídica tri-
butaria como objeto do Direito Tributario: 
"A relagáo jurídica tributaria é complexa, pois abrange um conjunto de 
direitos e deveres do Fisco e do contribuinte. A Fazenda Pública tem o direito 
de exigir do contribuinte o pagamento do tributo e a prática de atos necessá-
rios a sua fiscalizagáo e determinagáo; mas tem o dever de proteger a confian-
ga nela depositada pelo contribuinte. O sujeito passivo, por seu turno, tem o 
dever de pagar o tributo e de cumprir os encargos formáis necessários á apura-
gáo de débito; mas tem o direito ao tratamento igualitario por parte da Admi-
nistragáo e ao sigilo com relagáo aos atos praticados. Podemos assim 
representar gráficamente o complexo de direitos e deveres: 
Torres, Ricardo Lobo. Curso de Direito Financeiro e Tributario, Rio de Janeiro, Renovar, 1993, p. 186. 
36 SACHA CALMON NAVARRO COÉLHO 
Relagáo Jurídica Tributaria 
nao pecuniarios pecuniarios pecuniarios nao pecuniarios 
(obrigacáo acessória) 
Na relagáo jurídica tributaria podem-se distinguir os seus aspectos subs-
tantivos (materiais) e administrativos (formáis), o que constituí projegáo da 
distingáo, antes examinada entre o Direito Tributario Material e o Direito Tri-
butario Formal. A relagáo jurídica tributaria material compreende os vínculos 
surgidos das leis que dispoem sobre os tributos. A relagáo formal abrange os 
vínculos decorrentes das leis sobre os deveres instrumentáis e os procedimen-
tos administrativos necessários á exigencia do tributo." 
Fazemos questáo de notar que a obrigacáo tributaria, enquanto
vínculo jurídico, 
vinculum juris, traduz urna relagáo concreta entre pessoas. O conceito de relagáo jurídica 
utilizado pelo autor citado é mais ampio (relagáo fisco-contribuinte). Está certo, encon-
tramos inúmeros institutos a ela conexiados. Eis o Direito Tributario. 
3.6. O Direito Tributario como objeto 
Cabe agora nos referirmos ao Direito Tributario, mormente o brasileiro, como obje-
to da Ciencia do Direito Tributario. 
Decerto já se pode adivinhar que no caso o objeto é o Direito Tributario Positivo. E 
preciso, no entanto, licenciar o autor, na consideragáo do Direito-Objeto (e portanto da 
sua linguagem como vertida ñas leis), a fazer consideragoes críticas nao apenas de ordem 
técnica, senáo também axiológicas. Isto se diz, já no pórtico, em razáo de termos feito 
urna delimitagáo da Ciencia do Direito como urna ciencia que tem por objeto o Direito 
Positivo táo-somente. 
CURSO DE DIREITO TRIBUTARIO BRASILEIRO 37 
De fato assim é. Mas foi reivindicado para o jurista, igualmente, o clamor da indig-
nacáo e a necessidade de inserir no Direito-Sistema os valores do justo e do igual, e isto 
só pode ser feito com postulados que estáo no mundo dos valores. O jurista nao pode se 
esconder no tecnicismo positivista. Insistimos com Vilanova em dizer que "se a norma é 
dever-ser, é dever-ser de algo". Se a lei natural descreve o mundo (a agua congela a zero 
grau), e a lei jurídica prescreve condutas (ter renda, pagar imposto de renda), ao jurista 
interessa, de urna vez por todas, o conteúdo mesmo do dever-ser. Buscar a justica ainda 
que contra o Direito Positivo, como está no dístico da Faculdade de Direito da Universi-
dade Federal de Minas Gerais. 
3.7. Opulencia jurídica do Direito Tributario brasileiro - As primicias do intérprete 
O Direito Positivo brasileiro é extremamente rico se comparado com o Direito de 
outros povos. A nossa Constituigao é a que mais contém regras e principios tributarios 
em todo o orbe. Demais disso, entre os Estados Federáis, o Brasil é o que mais regrou as 
competencias e limitacóes das pessoas políticas que convivem na Federacáo. Elabora-
mos a teoría das normas gerais mais que qualquer povo. 
Em decorréncia dessas características, o Direito Tributario Positivo do Brasil, para 
ser descrito pelo cientista do Direito Tributario, exigirá extremo rigor na sistematizacáo 
das materias. 
Pensamos que se o Direito é piramidal, podemos descrevé-lo do ápice para a base 
ou da base para o ápice. Por isso que as normas jurídicas extraem validez de urna norma 
que lhes está imediatamente ácima. A norma que está no topo ¿justamente a constitucio-
nal. Ela é que confere validez as demais normas do sistema, até as mais ínfimas, os regu-
lamentos e as instrugóes normativas das autoridades administrativas. Subir ou descer a 
pirámide normativa, tanto faz. 
3.8. Direito Tributario e Estado 
E preciso nos determos na consideragáo do Estado. Estado (poder) e Direito (nor-
ma) se entrelagam. Há quem veja, aqui e alhures, mormente os jusnaturalistas, o Direito 
fora do Estado. Argumentam com os estatutos de um clube privado e regras outras nao 
produzidas pelo Estado, até mesmo contratos inominados, para provar a tese. Ora, qual-
quer estatuto ou contrato só poderá obrigar as pessoas envolvidas porque urna norma de 
Direito terá dito: "É lícito, em tais e quais circunstancias, aos particulares, celebrar con-
vengóes que devem ser obedecidas." De todo modo, se desobedecidas, nao será sempre 
um órgao do Estado que as fará cumprir? 
Hart já notara, dissemo-lo, as regras-de-transformagáo, no Direito Positivo, dando 
competencia as pessoas e órgaos para a produgáo de normas jurídicas, ¡novando a ordem jurí-
dica. O Estado está como que no centro do universo jurídico. No Direito Tributario, domina-
do pelo principio da legalidade, só o Legislativo produz leis, e o Legislativo é um dos 
Poderes do Estado. O Direito Tributario é, necessariamente, aplicado por atos administrati-
vos praticados por funcionarios do Poder Executivo, que também é um Poder do Estado. Fi-
nalmente, o Judiciário resolve as pendencias tributarias, outro Poder do Estado ante o qual 
nenhuma relagáo jurídica pode ser subtraída (art. 5 o, XXXV, da Constituigao). 
Como, entao, deixar de conhecer o Estado e suas fungóes, ainda que de passagem? 
Capítulo IV 
O ESTADO E SUAS FUNCÓES 
4 . 1 . 0 Estado e o poder de tributar - A reparticao de competencia para tributar - O es-
tatuto do contribuinte. 4.2. As tres funcoes do Estado: legislar, administrar e julgar - A carac-
terízacao jurídica dos atos funcionáis do Estado sob os pontos de vista material e formal - O 
Estado e a tributacao. 
4 .1 .0 Estado e o poder de tributar - A reparticao de competencia para tributar - O 
estatuto do contribuinte 
Vamos deixar no olvido os Estados pretéritos, os Estados Totalitarios. Vamos sur-
preender o Estado Constitucional contemporáneo, o Estado de Direito, o Estado Demo-
crático. 
O poder de tributar é exercido pelo Estado por delegacao do povo. O Estado, ente 
constitucional, é produto da Assembléia Constituinte, expressao básica e fundamental da 
vontade coletiva. A Constituigao, estatuto fundante, cria jurídicamente o Estado, deter-
mina-lhe a estrutura básica, instituí poderes, fixa competencias, discrimina e estatuí os 
direitos e as garantías das pessoas, protegendo a sociedade civil. 
O poder de tributar, modernamente, é campo predileto de labor constituinte. A urna, 
porque o exercício da tributacao é fundamental aos interesses do Estado, tanto para aufe-
rir as receitas necessárias á realizacao de seus fins, sempre crescentes, quanto para utili-
zar o tributo como instrumento extrafiscal, técnica em que o Estado intervencionista é 
pródigo. A duas, porque tamanho poder há de ser disciplinado e contido em prol da segu-
ranca dos cidadáos. 
Assim, se por um lado o poder de tributar apresenta-se vital para o Estado, benefi-
ciario da potestade, por outro a sua disciplinagáo e contencáo sao essenciais á sociedade 
civil ou, noutras palavras, á comunidade dos contribuintes. 
Nos Estados politicamente organizados em repúblicas federativas, a Constituigao 
nao apenas instituí o poder de tributar como também deve reparti-lo entre as pessoas polí-
ticas que convivem na federagao. 
Dá-se, assim, urna repartigáo de competencias tributarias e também, sob urna outra 
°tica, urna repartigáo de fontes de receitas tributarias, processos constitucionais que se 
entrecruzam, embora um nao se identifique com o outro, certo que a repartigáo de com-
petencia, temática mais rica, nao se limita a urna simples repartigáo de receitas. Esta se 
c °ntém naquela ou déla deriva. 
40 SACHA CALMON NAVARRO COÉLHO 
4.2. As tres funcóes do Estado: legislar, administrar e julgar - A caracterizacáo 
jurídica dos atos funcionáis do Estado sob os pontos de vista material e formal - O 
Estado e a tributacao 
O Estado, ente constitucional, urna vez constituido realiza os seus fins por meio de 
tres funcoes em que se reparte a sua atividade: legislacáo, administracáo e jurisdicáo. 1 
A fungáo legislativa liga-se aos procedimentos de elaboracáo do Direito. A fungáo 
administrativa diz respeito aos procedimentos de aplicacáo do Direito á vida, de oficio. A 
fungáo jurisdicional entronca, também, com o processo de aplicacáo do Direito aos casos 
concretos, porém contenciosamente. Por meio da funcáo legislativa, o Estado cria o Di-
reito. Mediante as funcoes administrativa e jurisdicional, realiza-o. 
Legislar é editar o Direito Positivo. 
Administrar é aplicar o Direito de oficio. 
Julgar é aplicar o Direito contenciosamente. Apalavra "jurisdicáo" advém da locu-
cáo latina juris dicere (dizer o direito). 
O exercício dessas funcoes é entregue a órgaos do Estado que correspondem a po-
deres perfeitamente delineados. Daí falar-se em Poder Legislativo, Poder Executivo e 
Poder Judiciário
("harmónicos e independentes", conforme a Constituicao). 
A reparticao dos poderes estatais surgiu da evolucáo política e jurídica dos povos. É 
produto do progresso e da experiencia social. Coube, contudo, ao filósofo francés Mon-
tesquieu, trabalhando sobre as idéias de Locke, o ter precisado a razáo de ser dessa classi-
ficacáo de poderes e funcóes no seu famoso Espirito das Leis. O certo é que, hoje, é 
adotada pela maioria dos povos civilizados, apesar de certas críticas que lhe foram for-
muladas. 
Dentre outros, lembremos as de Kelsen,2 as de Althusser.3 
A triparticáo de funcóes nao é absoluta dentro do aparelho do Estado. Ocorre 
táo-somente que o Legislativo empolga a quase totalidade da fungáo legiferante. O Exe-
cutivo e o Judiciário, predominantemente, encarregam-se daqueloutras, a administrativa 
e a jurisdicional, respectivamente. 
O Poder Legislativo faz leis. O Executivo as aplica de oficio, e o Judiciário as reali-
za, contenciosamente, assim que no processo de aplicacáo da lei surja alguma controver-
sia a respeito de seu alcance ou significado. 
A cada Poder, portante, corresponde urna fungáo, de maneira precipua e predomi-
nante, nao implicando o fato urna segregagáo funcional absoluta. 
O Senado Federal, quando julga ministro da Suprema Corte por crimes de respon-
sabilidade, exerce fungáo judicantc. 
1 Fagundes, Miguel Seabra. O Controle dos Atos Administrativos pelo Poder Judiciário, 3 ; l ed., Rio de Ja-
neiro, Forense, 1953, p. 27. 
2 Kelsen, Hans. Teoría General..., pp. 318-35. 
3 Althusser, Louis. Montesquieu, A Política e a Historia, trad. de Luiz Cary e outro, Lisboa, Presenca, 
1972. 
CURSO DE DIREITO TRIBUTARIO BRASILEIRO 41 
O Presidente, quando edita medida provisoria, exerce fungáo legiferante. 
O Presidente do Tribunal, quando baixa o regimentó interno da corte, legisla, e, 
quando concede ferias, licenca-prémio ou aplica sancáo disciplinar a funcionario do Ju-
diciário, exercita a fungáo administrativa. Dá-se o lugar comum: as excegoes confirmam 
a regra. 
Embora a separagáo de poderes nao seja absoluta, mas relativa, a doutrina, em ge-
ral, encontra com facilidade urna oposigáo entre a natureza das fungoes exercidas pelo 
Poder Legislativo e aquelas afetas aos demais. 
Basta considerar que, para Kelsen, em vez de se falar em tricotomia, dever-se-ia 
mencionar urna dicotomia de fungoes, pois, para ele, Poder Executivo e Poder Judiciário 
exercem fungoes praticamente idénticas e intimamente conexas. Legislar, para ele, é criar 
normas gerais. Se se fala de execugáo dessas normas, temos de concluir que tanto o 
Poder Executivo quanto o Judiciário as "executam", nesse sentido, exercendo papel 
semelhante. 4 
Realgando o papel tutelar da Constituigao, pedra fundamental do Estado a legitimar 
os seus poderes, Seabra Fagundes tracejou o real significado das fungoes estatais: 
"Pela fungáo legislativa, o Estado edita o direito positivo posterior á 
Constituigao ou, em termos precisos, estabelece normas gerais, abstraías e 
obrigatórias, destinadas a reger a vida coletiva. O seu exercício constituí, cro-
nológicamente, a primeira manifestagáo de vitalidade do organismo político 
estatal." 
E prossegue: 
"A lei, como preceituagáo geral que é, tem em vista situagóes abstrata-
mente consideradas, fazendo-se preciso acomodá-la as situagóes particulares 
compreendidas na generalidade do seu enunciado. Esses fenómenos que lhe 
sucedem, tcndendo a concretizar a vontade nela expressa, sao normalmente e 
primariamente o objeto da fungáo administrativa. Atendendo á natureza e á 
repercussáo de tais atos na ordem jurídica pode-se definir essa fungáo como 
aqucla pela qual o Estado determina situagóes jurídicas individuáis, concorre 
para a sua formagáo, e pratica atos materiais." 
Assim, a fungáo legislativa é formadora do Direito pós-constitucional. A adminis-
tragáo, executora. Ao Executivo cabe aplicar, executar o Direito posto. O Executivo é 
servo da lei, subalterna é a fungáo administrativa. Nao está ácima da lei. É instrumento de 
sua realizagáo sob a vigilancia do Judiciário, que lhe fiscaliza o grau de fidelidade ao Di-
reito legislado, em defesa da ordem jurídica c dos cidadáos jurisdicionados. 
Kelsen, Hans. Teoría General..., cit., p. 203. 
42 SACHA CALMON NAVARRO COÉLHO 
O contraste entre a fungáo legislativa (criadora do Direito) e a fungáo administrati-
va (executora do Direito ex officio) é de fácil apreensáo. Contudo, a distingáo entre as 
fungoes administrativa e jurisdicional, ambas executórias do Direito, já apresenta certo 
grau de dificuldade para a sua exata percepgáo. 
De recorrer, mais urna vez, ao magisterio de Seabra Fagundes, melhor que o de Ro-
ger Bonnard. 
"Quando qualquer um na coletividade se opoe ao cumprimento de regra 
jurídica, obstinando-se em lhe recusar obediencia, cria, com isso, um embara-
go ao regular funcionamento do organismo estatal. E o Estado vence essa ano-
malía restaurando a ordem através da coagáo, que exerce sobre a vontade 
insubmissa, impondo-lhe obediencia ao cánone legislativo, cuja inteligencia 
fixa definitivamente. Tais situagóes podem originar-se, seja da atitude do indi-
viduo recusando obedecer á lei, impugnando-a por injusta, por irregular ou 
por se entender nao abrangido ñas suas disposigoes, seja do procedimento dos 
próprios órgaos estatais (Legislativo e Executivo), violando os limites prefi-
xados no direito positivo á sua atividade."5 
A ligáo do publicista merece detida meditagáo. A urna, porque indica com muita 
clareza que a violagáo da ordem jurídica, a ser restaurada pelo Poder Judiciário, pode 
provir dos órgaos do Estado, inclusive do próprio Judiciário (hipótese de mandado de se-
guranga contra ato de juiz, v.g.). 
A duas, porque entremostra, de passagem, a jusfilosofia da tripartigáo das fungoes 
estatais, baseada no principio de protegáo da seguranga da pessoa em face do poder do 
Estado e na teoría política da representagáo popular, legitimadora do Direito como ordem 
normativa (o povo legislando por meio de mandatarios eleitos). 
Resta, no entanto, fixar as notas de diferenciagáo que distinguem a agáo executora 
do Executivo da empreendida pelo Judiciário, na trama de realizagáo do Direito, fenóme-
no extraordinariamente dinámico e intenso. 
"Seu exercício só tem lugar quando existe confuto a respeito da aplica-
gáo das normas de direito, tem por objeto específico remové-lo, e alcanga sua 
finalidade pela fixagáo definitiva de exegese. Sao, assim, tres os seus elemen-
tos específicos: 
a) como momento do seu exercício - urna situagáo contenciosa surgida 
no processo de realizagáo do direito; 
b) como modo de alcangar sua finalidade - a interpretagáo definitiva do 
direito controvertido; 
c) como finalidade do seu exercício - o trancamento da situagáo conten-
ciosa, conseqüéncia necessária da interpretagáo fixadora."6 
5 Ob. cit. 
6 Fagundes, Miguel Seabra. Ob. cit. 
CURSO DE DIREITO TRIBUTARIO BRASILEIRO 43 
Tais elementos diferenciam a fungáo realizadora do Direito expendida pelo Poder 
Judiciário da fungáo executora do Direito empreendida pelo Poder Executivo (a Admi-
nistragáo Pública). Este último aplica o Direito de oficio toda vez que os fatos sugerem a 
incidencia das regras jurídicas que lhe sejam aplicáveis. Fá-lo de oficio, pois esse é o seu 
dever primario, exclusivo e indelegávcl. 
Diversa, pois, a fungáo do agente fazendário que produz um langamento tributario 
daqueloutra exercida por um juiz, chamado a dizer, mediante impugnagáo do contribuin-
te se o referido langamento - ato de atribuir ao sujeito passivo da obrigagáo tributaria o 
dever de pagar o tributo - contém-se nos limites prefixados pelo legislador para a imputa-
gao da responsabilidade tributaria e para a realizagáo do próprio ato administrativo do 
langamento. 
A fungáo jurisdicional é, indubitavelmente, mais nobre que a fungáo
administrati-
va. Esta é meramente executora do determinado pelo Legislativo e está sujeita, sobremo-
do, ao controle do Judiciário. Sugestivo, por isso mesmo, o título da obra que imortalizou 
Seabra Fagundes como jurista: O Controle dos Atos Administrativos pelo Poder Judiciá-
rio (gloriando o Rio Grande do Norte). 
Todavía, o Poder Judiciário nao é soberano na interpretagáo das leis. Em certos se-
tores do Direito, os criterios de interpretagáo, decisáo e aplicagáo da norma já estáo pre-
determinados na própria lei para maior garantía dos cidadáos. Nao lhe compete substituir 
o legislador, mas apenas revelar o sentido objetivo da regra jurídica aplicável ao caso, fi-
xando-lhe o alcance. 
Tinha razáo Austin quando dizia ser "performativa" a fungáo do juiz, no sentido de 
que aperfeigoava a ordem jurídica desvelando o direito contido ñas normas no momento 
de sua aplicagáo á vida. Isto há de ser entendido, contudo, com a devida cautela. O juiz 
diz o Direito, nao o cria, que essa fungáo é do legislador, por delegagáo das pessoas que 
convivem ñas sociedades politicamente organizadas, autoras e destinatárias do Direito, 
enquanto ordem normativa. O principio a priori é de que o povo legisla para si próprio. 
Soberana deve ser apenas a vontade da coletividade organizando-se em nagáo, através de 
Constituigao legítimamente representativa, alicerce dos regimes políticos e das ordens 
jurídicas verdadeiramente democráticas. 
As fungoes legislativa, administrativa e jurisdicional, vimos de ver, sao exercidas 
por órgaos pertencentes aos tres Poderes do Estado: Legislativo, Executivo e Judiciário. 
Ditas fungoes sao exteriorizadas por atos, por isso mesmo denominados funcionáis. 
O fato, já realgado, de que nem sempre os órgaos de um Poder exercem com exclu-
sividade as fungoes típicas que lhe sao próprias, praticando, ás vezes, atos que pelo seu 
conteúdo e finalidade pertencem a outro Poder, obriga adentrar a teoría dos atos funcio-
náis. Estes implicam dois criterios de reconhecimento: o formal e o material. Pelo criterio 
formal, um ato será legislativo, administrativo ou jurisdicional de conformidade com o 
orgao que o emite ou exara. Se o órgáo for do Poder Executivo, será ato formalmente ad-
ministrativo; se do Judiciário, o ato por ele praticado será formalmente jurisdicional e, se 
provier de órgáo legiferante, será ato legislativo em sentido formal. 
O criterio formal denuncia a origem do ato, sua fonte ejetora. Por outras palavras, a 
lassiíicagáo formal de um ato funcional indica apenas o Poder do Estado de onde dimana. 
44 SACHA CALMON NAVARRO COÉLHO 
Segundo o criterio material, o ato funcional é legislativo, administrativo ou jurisdi-
cional quando, pela sua natureza própria ou peculiar, contém-se no ámbito e finalidade de 
cada urna das funcóes do Estado: editar o Direito, aplicá-lo de oficio aos casos concretos 
e decidir sobre os conflitos decorrentes de sua aplicagáo, interpretando-o. 
A) Ato legislativo (lei em acepgáo lata) em sentido formal é o que promana de ór-
gaos constitucionalmente investidos de fungáo legiferante. Tem forma de lei. Em sentido 
material, é todo ato funcional emanado do Estado com caráter de regra geral, abstraía e 
obrigatória, ostentando a finalidade de ordenar a vida social, direta ou indiretamente, im-
plicando modificagóes na ordem jurídica (novitá, como dizem os italianos). 
B) Ato administrativo em sentido formal é o que dimana de órgaos do Poder Execu-
tivo. Em sentido material (conteúdo e finalidade), é administrativo o ato por meio do qual 
o Estado determina situagóes jurídicas individuáis ou, pelo menos, concorre para a sua 
formagáo. 
C) Ato jurisdicional sob o ponto de vista formal é todo aquele exarado por órgáo do 
Poder Judiciário. Em sentido material, é ato por meio do qual o Estado define situagóes 
jurídicas individuáis com a finalidade de remover óbice á aplicagáo do Direito, interpre-
tando-o (juris dicere, jurisdigáo, dizer o direito). Todo ato jurisdicional implica dois ter-
mos: a controversia a proposito da aplicagáo da norma jurídica e a solugáo da 
controversia. A constatagáo do confuto sem solugáo é fato inocuo, sem expressao. Por 
outro lado, para que haja solugáo, por suposto há que existir, antes, o confuto, sua compo-
sigáo na lide e seu desate na sentenga. 
A teoría dos atos funcionáis, mais ainda a sua prática, diz de perto com o exercício 
da tributagáo. O poder de tributar do Estado, implicando contribuigóes dos cidadáos e 
justificado pela necessidade estatal, vem diretamente da Constituigao (produto da vonta-
de popular e reflexo das ideologías predominantes no meio social). 
Entre nos, como de resto entre os povos civilizados, a Constituigao atribuí ao Legis-
lativo editar as leis tributarias dentro das balizas fincadas no próprio Texto Maior. Come-
te ao Executivo o poder-dever de aplicar as leis tributarias e reserva ao Judiciário a 
resolugáo das controversias surgidas ao propósito de sua aplicagáo. Com efeito, nao cabe 
ao Príncipe criar o tributo, impó-lo e, ainda, decidir sobre a legalidade de seu ato. Aqui, 
mais do que em qualquer outro setor da vida coletiva, impóe-se a estrutura de freios e 
contrapesos implícita no sistema da divisáo de Poderes e fungoes do Estado, em favor de 
urna eficaz protegáo ao cidadáo/contribuinte. 
No regime presidencial, a especializagáo das fungoes há de ser muito mais rígida do 
que no parlamentarismo. E que ñas Repúblicas Parlamentaristas e ñas Monarquías Parla-
mentares o governo é feito nos parlamentos. No presidencialismo, o chefc de Estado, ao 
revés, é eleito pelo povo. O contraste entre os Poderes é, pois, muito maior. 
Parte II 
O DIREITO TRIBUTARIO 
QUE ESTÁ NA CONSTITUICAO 
Capítulo I 
O DIREITO TRIBUTARIO DA CONSTITUICAO 
1.1. A constitucionalizacáo do Direito Tributario brasileiro. \2.0Direito Tributario da 
Constituicao - Os subsistemas tributarios. 1.3. Conceito de República - República e igualdade 
- República e representacao popular. 1.4. República, democracia, representacao popular e re-
particao de Poderes-O controle da Constituicao pelo Poder Judiciário. 1.5. República, Cons-
tituigao dirigente e supremacía do Judiciário. 1.6. Controle de constitucionalidade de lei 
estadual ou municipal e respectivos atos normativos - Introduqao ao estudo do federalismo 
brasileiro. 1.7. A natureza jurídica do Estado Federal - Ligeiro escorco comparativo com ou-
tras formas de Estado - Características do Estado Federal. 1.8. Contraste entre o Estado Fe-
deral e a Confederacao de Estados. 1.9. Contraste entre o Estado Federal e o Estado Unitario. 
1.10. O Estado Federal e o exercício do poder de tributar. 1.11. ^ Federacáo de Estados e a au-
tonomía dos Estados-Membros. 1.12. Presidencialismo e Parlamentarismo - Decretos-Lei e 
medidas provisorias - Federacáo e Direito Tributario. 
1.1. A constitucionalizacáo do Direito Tributario brasileiro 
Os países europeus de tradicao jurídica romano-germánica, a que pertencemos pela 
filiacáo lusa, trazem em suas Constituicóes alguns principios tributarios, sempre poucos. 
Os que sao Estados Federáis colocam ñas Cartas Políticas outros tantos principios relati-
vos á repartigáo das competencias, inclusive tributarias. A Inglaterra, matriz do Common 
Law, em seus documentos históricos, os quais em conjunto formam a Constituigao ingle-
sa, igualmente, mas de maneira esparsa, agasalha alguns principios sobre o exercício do 
poder de tributar. Os EUA, que nos inspiraram a República, o Presidencialismo, o siste-
ma difuso de controle de constitucionalidade e a Federagáo (certo que imprimimos á Fe-
deragáo a nossa feigáo centralizante), tampouco sao um país que se demora em cuidados 
justributários no corpo da Constituigao. 
O Brasil, ao contrario, inundou a Constituigao com principios e regras atinentes ao 
Direito Tributario. Somos, indubitavelmente, o país cuja Constituigao é a mais extensa
e 
minuciosa em tema de tributagáo. Este cariz, táo nosso, nos conduz a tres importantes 
conclusóes: 
Primus - os fundamentos do Direito Tributario brasileiro estáo enraizados na Cons-
tituigao, de onde se projetam altaneiros sobre as ordens jurídicas parciais da Uniáo, dos 
estados e dos municipios; 
Secundus - o Direito Tributario posto na Constituigao deve, antes de tudo, merecer 
as primicias dos juristas e dos operadores do Direito, porquanto é o texto fundante da or-
dem jurídico-tributária; 
48 SACHA CALMON NAVARRO COÉLHO 
Tertius - as doutrinas foráneas devem ser recebidas com cautela, tendo em vista as 
diversidades constitucionais. 
1.2. O Direito Tributario da Constituicao - Os subsistemas tributarios 
Podemos estudar a Constituigao Tributaria em tres grupos temáticos: 
A) o da repartigáo das competencias tributarias entre a Uniáo, os estados e os muni-
cipios; 
B) o dos principios tributarios e das limitacoes ao poder de tributar; 
C) o da partilha direta e indireta do produto da arrecadagao dos impostos entre as 
pessoas políticas da Federagao (participagáo de uns na arrecadagao de outros). 
Nestes tres grupos estarao inseridos, induvidosamente, os regramentos constitucio-
nais, como veremos. 
Ante o exposto, devemos comentar a Constituigao Tributaria por partes, enfrentan-
do por primeiro a questáo da repartigáo das competencias tributarias. Neste segmento há 
que se falar logo no que somos: urna República Presidencialista e Federal. Por outro 
lado, ao tratarmos dos impostos da Uniáo, dos Estados-Membros e os dos seus munici-
pios, cuidaremos, também, dos principios constitucionais e das vedagoes ao poder de tri-
butar que lhes sao próprios. 
1.3. Conceito de República - República e igualdade - República e representagáo 
popular 
A República funda-se na igualdade de todos os cidadáos perante a lei. Os Poderes 
sao constituidos pelo povo. Os detentores dos Poderes (legislatura e governo) sao eleitos 
para mandatos transitorios, e os juízes sao nomeados, exceto os do Supremo Tribunal Fe-
deral, no caso do Brasil, após concursos de provas e títulos, com as garantías da vitalicie-
dade, inamovibilidade e irredutibilidade de vencimentos, para aplicarem a lei com 
seguranga e independencia. 
Algumas características da República sao também encontradigas ñas Monarquías 
Parlamentaristas, com nuangas próprias, mormente naquelas em que o rei reina, mas nao 
governa; ou governa limitadamente. Na Espanha, por exemplo, o rei é o chefe de Estado. 
O chefe de governo é o primeiro-ministro, que ali está por ter encabegado um programa 
partidario submetido á votagáo popular. Em principio tem mandato, foi eleito pelo povo. 
A duragáo do mesmo, assim como dos mandatos parlamentares, irá depender do éxito ou 
do fracasso político do governo que estiver a chefiar. 
O que distingue, todavía, a República da Monarquia é que nesta última urna única 
pessoa reina e passa seu cetro por sucessáo familiar (dinastía). Na República todo poder 
emana do povo e em seu nome será exercido. Todo cidadáo nacional é eleito e elegível 
para qualquer cargo eletivo (art. Io da Constituigao, a consagrar a democracia republica-
na representativa). R. A. Carrazza1 traceja com mestria as características da República c a 
1 Carrazza, R. A. Curso de Direito Constitucional Tributario, V ed., Sao Paulo, Ed. Revista dos Tribu-
nais 1 QQ? nn 41 42. 50. 51. 
CURSO DE DIREITO TRIBUTARIO BRASILEIRO 49 
sua projecáo no campo tributario, extraindo preciosas conclusoes, especialmente para 
nos queja vivemos sob a Monarquia Imperial, a República Elitista ( I a República), a Dita-
dura de Vargas e o Autoritarismo Militar iniciado em 1964. Somos neófitos em Repúbli-
ca, Democracia e Federacáo. 
"Na clássica definicáo de Cicero, República est respopuli (De Repúbli-
ca). Neste regime político, os governantes nao sao dorios da coisa pública, 
mas seus gestores. 2 O próprio étimo da palavra 'República' contém a idéia de 
gestáo da coisa pública (coisa alheia, pois), que, em nenhum momento, deve 
ser perdida de vista. 
E o mesmo era o pensamento de Joáo Barbalho, quando estadeava que o 
regime republicano é aquele 'em que o governo é exercido por mandatarios, 
representantes escolhidos pelo povo soberano e em nome dele'. 3 
O Governo deve, numa República, ser representativo de todos os seg-
mentos do povo. E deve buscar, ácima de tudo, seu bem-estar, conforme, 
alias, a máxima da antiga Romasa/uspopuli suprema lex ('que o bem-estar do 
povo seja lei suprema'). 
Assim, nao se compadece com a nocáo de República, o favorecimento 
de apenas alguns setores da sociedade. Ao contrario, como o Poder procede de 
todo povo - já que, como pregoa Black, o governo republicano se baseia na 
igualdade política dos homens -, os agentes governamentais devem, semper 
et ad semper, zelar pelos interesses da coletividade e, nao, de pessoas ou clas-
ses dominantes. Isto vale especialmente para o Poder Legislativo, urna vez 
que o Executivo, em rigor, limita-se a aplicar a lei. 
Sobre a correlacáo entre o principio republicano e o Poder Legislativo, 
Thomas Cooley brindou-os com luminoso comentario: 
'Toda a corporacáo legislativa deve legislar tendo em vista o bem 
público, e nao o proveito individual de quem quer que seja, e o ato deve 
2 A própria acao popular, que qualquer cidadao pode propor, visando "a anular ato lesivo ao patrimonio 
público ou de entidade de que o Estado participe, á moralidade administrativa, ao meio ambiente e ao 
patrimonio histórico e cultural..." (art. 5 o , LXXIII, da CF), consona com o postulado segundo o qual, 
sendo este País urna República, os bens públicos nao pertencem a um grupo de ungidos ou de cabecas 
coroadas, mas a todo o povo. Assim, qualquer do povo, desde que esteja no gozo de seus direitos políti-
cos, tem assegurada, pela própria Carta Magna, a faculdade de, por meio da acao popular: I - velar para 
que o patrimonio público ou de entidade de que o Estado participe seja bem administrado; e II - tomar 
efetiva a preservacao da moralidade administrativa, do meio ambiente e do patrimonio histórico e cultu-
ral. O cidadao tem iniciativa, pois, para pugnar pela anulacao de qualquer ato governamental que consi-
dere detrimentoso a estes bens e valores, que, afinal de contas, existem para seu bem-estar. Os 
governantes nao podem agir para si (pro domo sua), mas em nome e por conta do povo, a quem devem 
constante satisfacáo. Sao gestores da coisa pública. 
3 Barbalho, Joáo. Constituicao Federal Brasileira - Comentarios, Rio de Janeiro, F. Briguiet & Cia. Edi-
tores, 1924, p. 407. 
50 SACHA CALMON NAVARRO COÉLHO 
ser inspirado pela luz dos principios gerais que constituem o fundamen-
to natural das instituicoes representativas. Aqui, entretanto, atingimos a 
esfera da discricáo legislativa. O que for para o bem público, e é o que 
exigem os principios em que se apóia o governo representativo, compete 
á legislatura ao decidir, sob a responsabilidade dos seus membros para 
com os cleitores.' 4 
(...) 
Diantc do principio republicano, é proibida a concessao de vanta-
gens tributarias fundadas em privilegios de pessoas ou categorías de 
pessoas. Deveras, com o advento da República, foi-se o tempo, entre 
nos, em que as normas tributarias podiam ser editadas em proveito das 
classes dominantes, até porque, nela, extintos os títulos nobiliárquicos, 
os privilegios de nascimento e os foros de nobreza, 'todos sao iguais pe-
rante a lei' (CF, art. 5 o). Atentemos, a propósito, para este primor de re-
lanco de Joáo Barbalho: 'Nao há, perante a lei republicana, grandes nem 
pequeños, senhores nem vassalos, patricios nem plebeus, ricos nem po-
bres, fortes nem fracos, porque a todos irmana e nivela o direito.' 5 
(...) 
Nao é porque o Estado, para sobreviver, precisa de meios pecunia-
rios (dinheiro) que os contribuintes podem ter seus direitos atropelados.6
Constitucionalmente, pois, um tributo nao pode ter outro escopo 
que o de instrumentar o Estado a alcancar o bem comum. A nosso ver, 
qualquer exacáo que nao persiga esta finalidade é inconstitucional. Tal 
se dá com o tributo preordenado a objetivos de ordem privada, como, v. 
g., o que beneficia urna empresa comercial (que visa, precipuamente, ao 
lucro de seus acionistas)." 
1.4. República, democracia, representacao popular e reparticao de Poderes - O 
controle da Constituicao pelo Poder Judiciário 
A democracia representativa, tal como proposta pela República Francesa, em certo 
sentido perdeu vitalidade. Ñas modernas sociedades de massa do mundo ocidental, de 
cuja cultura política e jurídica fazemos parte, a representacao política sofre os tremendos 
poderes do "estéreo do diabo" (o dinheiro), do egoísmo social e da mídia. 
Assim sendo, nao se pode dizer que as pessoas se fazem fielmente representar nos 
governos e nos parlamentos. 
4 Cooley, Thomas. Principios Gerais de Direito Constitucional dos Estados Unidos da América do Nor-
te, trad. de Alcides Cruz, 2a ed., Sao Paulo, Ed. Revista dos Tribunais, 1982, p. 117. 
5 Ob. cit., p. 407. 
6 Leia-se, sobre este interessante assunto, a obra de Celso Antonio Bandeira de Mello, Ato Administrativo 
e Direitos dos Administrados, Sao Paulo, Ed. Revista dos Tribunais, 1981. 
CURSO DE DIREITO TRIBUTARIO BRASILEIRO 51 
Entendemos que ñas Repúblicas Parlamentaristas e ñas Monarquías Parlamentares 
o fenómeno é menos acentuado, pela própria dinámica do regime parlamentar. Ñas Re-
públicas Presidencialistas a questáo é mais grave. Seja lá como for, os Poderes Executivo 
e Legislativo, enquanto poderes eleitos, tendem para a defesa das maiorias em prejuizo 
das minorías. Sao poderes partidarios, que confrontam posicóes políticas minoritarias, ás 
vezes severamente tratadas. 
Neste panorama os direitos fundamentáis da pessoa humana costumam ser feridos 
vitandamente pela própria lei gestada nos parlamentos (legalidade formal). De nossos 
días, a lei americana sancionada, e portante nao vetada pelo presidente, cortando os bene-
ficios previdenciários dos imigrantes e de suas familias, ainda queja legalizados, e per-
mitindo a deportacáo de pais de filhos americanos se em estado de ilegalidade formal. 
Estas minorías, táo necessárias ao conforto dos norte-americanos bem postes, sofreram 
restricóes poderosas. A lei feriu profundamente direitos fundamentáis da pessoa humana. 
A Constituicao estadunidense prevé igual protecáo a todos os seus residentes. Todavía, o 
povo americano (maioria) aprovou a lei. 
Quer nos parecer que a República hoje depende muito de um Poder nao eleito pelas 
maiorias, mas com jurisdicáo sobre cías e sobre seus representantes eleitos, capaz de ze-
lar pelos principios, direitos e garantias constitucionais. Este Poder é o Judiciário, irredu-
tível em seus vencimentos, vitalicio e inamovível, capaz de declarar a lei inconstitucional 
e o ato administrativo ilegal em prol da pessoa humana e em defesa das minorías. A Re-
pública democrática e a supremacía do Judiciário sao hoje inseparáveis contra o ressurgi-
mento das tiranías da lei. Por outro lado, as Constituicóes modernas sao axiológicas e 
dirigentes reforjando o papel do Judiciário. 
Nao estamos só. Ao nosso lado está Geraldo Ataliba, republicano e federalista.7 
"De nada vale fazer urna Constituigao, se ela nao for obedecida. Nao 
adianta haver lei para tudo, se nao for respeitada. Daí a importancia do Poder 
Judiciário. Este merece especial cuidado dos Constituintes, porque é a chave 
de todas as instituicoes. Elas só funcionam com o virtual ou atual controle do 
Judiciário, como demonstra o sabio Seabra Fagundes. 
Na nossa sociedade táo deformada, involuída e subdesenvolvida, o Judi-
ciário é mais importante do que nos países adiantados (que, alias, o sao, por-
que tém boas instituicoes judiciais). 
E que os fracos, os pobres, os destituidos, os desamparados, bem como 
as minorías (raciais, religiosas, económicas, políticas, étnicas etc.) só tém por 
arma de defesa o direito. E direito só existe onde haja juízes que obriguem o 
seu cumplimento. 
Ataliba, Geraldo. "Justica para Todos", in Revista da Associacao dos Juizes Federáis do Brasil, n° 19, 
ano 6, out./87. 
52 SACHA CALMON NAVARRO COÉLHO 
Na democracia, governam as maiorias. Elas fazem a lei, elas escolhem 
os governantes. Estes sao comprometidos com as maiorias que os elegeram e 
a elas devem agradar. As minorias nao tém forca. Nao fazem leis nem desig-
nam agentes públicos, políticos ou administrativos. 
Sua única protecáo está no Judiciário. Este nao tem compromisso com a 
maioria. Nao precisa agradá-la, nem cortejá-la. Os membros do Judiciário nao 
sao eleitos pelo povo. Nao sao transitorios, nao sao periódicos. Sua investidu-
ra é vitalicia. Os magistrados nao representam a maioria. Sao a expressao da 
consciéncia jurídica nacional. Seu único compromisso é com o direito, com a 
Constituigao e as leis; com os principios gerais do direito, que sao universais. 
Sao dotados de condicóes objetivas da independencia, para serem imparciais; 
quer dizer: para nao serem levados a decidir a favor da parte mais forte, num 
determinado litigio. 
Assim é em todos os países democráticos, que podem ser qualificados 
como Estados de Direito." 
Misabel Derzi pensa do mesmo modo: 8 
"Como registrou Donald P. Kommers, já citado ácima, em estudo com-
parativo sobre a igualdade entre a jurisprudencia da Corte Constitucional nor-
te-americana e alema, a democracia nao é mais apenas representativa, pois a 
maioria parlamentar pode legislar de forma táo arbitraria quanto a minoría. 
Ela se tornou urna democracia constitucional, na qual a atuacao das Cortes 
Constitucionais é de suma relevancia para garantir as minorias. Esclarece Ro-
nald Dworkin: 
'A teoría constitucional na qual nosso governo se apóia é urna sim-
ples Teoría majoritária. A Constituigao e, particularmente, os direitos 
fundamentáis sao feitos para proteger cidadáos individuáis e grupos 
contra certas decisóes que a maioria dos cidadáos pode querer tomar, 
mesmo quando essa maioria age em nome daquilo que é considerado o 
geral ou o interesse comum.'" 
1.5. República, Constituigao dirigente e supremacía do Judiciário 
Por que controlar as leis e preservar as Constituigóes? Aresposta se nos afigura sin-
gela. A lei é o instrumento por excelencia da planificagáo dos comportamentos humanos 
e brota seguramente do tronco robusto do poder político. As Constituigóes sao cartas de 
resguardo das liberdades e hoje, sem dúvida, programa de governo. 
Baleeiro, Ahornar. Limitacoes Constitucionais ao Poder de Tributar, atualizado por Misabel de Abreu 
Machado Derzi, T ed., Rio de Janeiro, Forense, 1997, p. 37. 
CURSO DE DIREITO TRIBUTARIO BRASILEIRO 53 
9 Calmon, Sacha. Teoría Geral do Tributo e da Exoneracao Tributaria, Sao Paulo, Ed. Revista dos Tribu-
nais, 1982, p. 92. 
10 Saldanha, Nelson. O Estado Moderno e a Separacáo dos Poderes, Sao Paulo, Saraiva, 1987, p. 83. 
Desde que o homem, e a lenda de Prometeu bem retrata a magnitude do tema, des-
cobriu a tocha do conhecimento, e com ela a percepcáo da Política e do Direito, as tentati-
vas para administrar o fogo ardente das leis tém-se constituido numa tarefa ingente da 
humanidade nao isenta das dores e decepcoes. A flecha que rompe os tempos sempre es-
teve direcionada para um único alvo: tornar a lei um instrumento de libertagáo do ho-
mem antes que de sua dominacao. Dai urna Lei das Leis, natural, costumeira ou escrita. 
Sobre o Direito enquanto fenómeno sociológico e regular da vida em sociedade, já dis-
sertamos alhures.9 
Aquela linha de idéias foi que nos levou a referenciar a evolucáo do controle da 
constitucionalidade das leis com os substratos históricos e os insumos políticos que, ao 
cabo, propiciaram e condicionaram dito evolver. E impossível
compreender o Direito, 
enquanto fenómeno social, com presenca inelutável na vida dos homens de todos os tem-
pos e de todos ou lugares, sem vé-lo imerso ñas mares da historia, proscenio de nossas 
tragedias e esperancas. Sobre este mesmo assunto, Nelson Saldanha, na culta Recife, li-
gou a Teoria dos Tres Poderes ás emanacóes da era liberal ensejadora, a partir da política, 
do constitucionalismo. 1 0 É o que diz sem rebucos: 
"Há um cunho essencialmente político na nocáo de separacáo de pode-
res. O aspecto jurídico que o problema reveste, que é correlato de sua formula-
gáo constitucional, constituí um dado complementar, ou, antes, é um aspecto 
cujos tragos dependem do político, enquanto condicionamento e decisáo. O 
Estado moderno (que é a forma política onde mais característicamente se lo-
caliza o problema dos 'poderes'), definido desde seu surgimento como estru-
tura secularizada e unificada de poder, necessitou da separagáo dos poderes 
em determinado momento de sua evolugáo, por motivos políticos: passagem 
do absolutismo monárquico absorvente para o liberalismo constitucionalista 
democratizante. Na imagem absolutista do Estado, construida na prática em 
termos de luta contra os feudos e o Imperio, e na teoria pela doutrinagáo que 
foi de Maquiavel a Hobbes, havia já um componente destinado a permanecer. 
Refiro-me ao conceito de urna 'vontade' estatal, expressada em paralelo ao da 
soberanía: assim como a soberanía, se transferiu do soberano ao Estado (novo 
ente, nova realidade) urna vontade, um fundamento para a tomada de decisáo, 
sem as quais nao se governa. Este conceito, tratado durante o barroco e o ilu-
minismo com o aparato burgués e leigo do racionalismo, daria lugar, poste-
riormente, á idéia dos órgaos estatais e das fungoes: aqui permanecería a 
nogáo de vontade, possuindo cada órgáo urna vontade." 
Esta época, no entanto, já passou. O que vemos hoje no mundo pós-liberal é a eclo-
sáo de maiores questóes - assunto que voltaremos adiante - sincretizando as grandes expe-
riencias históricas, políticas e jurídicas da humanidade, com reflexos no constitucionalismo, 
54 SACHA CALMON NAVARRO COÉLHO 
como preparagáo para o dealbar do terceiro milenio, tempo de convergencia e globaliza-
cáo da humanitas. 
Neste momento o que se quer é controlar a Lei das Leis em prol da liberdade. 
A esta altura cabe perguntar se a questáo do controle das leis perante a Constituigao, 
enquanto Lei Maior {paramount law), decorréncia natural da separacáo dos Poderes, 
como anota Saldanha," já nao se deslocou para a área da administragao daspróprias 
Constituigóes. A resposta é sobremaneira ínvia. Até hoje procuram-se delimitar os lindes 
dos órgaos aos quais se atribui a custodia das Constituigóes, em homenagem ao poder de 
conformagáo do legislador (mandatario por excelencia do povo). Mas, cada vez mais, e 
as cortes européias - melhor que as cortes jurisdicionais de controle difuso - confirmam 
a assertiva: os controladores das leis, por isso que cústodes da Constituigao, estáo a cons-
truir urna "Doutrina de Constituigao". É dizer, tornam-se ideólogos desses textos diretó-
rios que programam, democráticamente, como jamáis ocorreu na historia, as sociedades 
modernas. O que é isso senao urna administragáo constitucional? Nao podemos deixar de 
gizar que o desenvolvimento da questáo do controle da constitucionalidade das leis, seja 
pelas cortes constitucionais, seja pelos tribunais judiciais, independentemente dos méto-
dos difuso ou concentrado, além de revelar opgóes históricas, está deixando entrever urna 
superagáo inevitável da Teoria da Tripartigáo em sua fórmula clássica. Por toda parte, ór-
gaos destinados a controlar a conformidade da ordem jurídica com a Constituigao sao re-
forgados na medida em que estas se apresentam como programas complexos de 
ordenagáo social, vencida há muito a ambiéncia liberal-burguesa em que surgiu o consti-
tucionalismo. Aevolugáo do sentido dos textos constitucionais em razáo de sua interpre-
tagáo oficial é fato inconteste. 1 2 Ana Cándida da Cunha Ferraz, 1 3 referindo-se a Karl 
Wheare, com quem se afina, discorre que: 
11 "Entretanto, cabe mencionar, como área peculiarmente ligada ao principio da separacáo de poderes den-
tro da prática constitucional, o problema do controle de constitucionalidade. Trata-se de urna decorrén-
cia da supremacía formal das Constituicoes, e, por outro lado, de um tipo de problema que ocorre com 
maior freqüéncia dentro do ritmo e do volume das ligacoes modernas. Qualquer dos sistemas adotados 
para embasar e cumprir o mencionado controle constituí, porém, no fundo, um pequeño atentado contra 
o esquema clássico da separacáo: mesmo que - como na tradicao brasileira - se 'devolva' ao Legislativo 
o momento de derrogar a lei inconstitucional, a resolucao fundamental da questáo já envolveu outros 
poderes, ou ao menos outros órgaos, dentro do sistema." (Ob. cit., p.l 15.) 
12 Ver a este propósito Andueza Acuaná (Los Cambios Constitucionales en America, México, UNAM, 1977, 
p. 15); Li Bassi (L 'Interpretazione della Lege Constituzionale: Natura, Método, Difficoltá e Limiti, Milano, 
Giufrre, 1972, p. 118); Karl Loewenstein (Teoría de la Constitución, 2a ed., Barcelona, Ariel, 1976, p. 167). 
Os autores aqui citados mostram a significativa relevancia da interpretacao jurisdicional, em sentido ampio, 
como processo de mutacáo constitucional, principalmente nos países onde existem cortes constitucionais 
com a missáo exclusiva de guarda da Constituicao, sendo menos significativa nos países onde as Constitui-
coes, apesar de rígidas, alteram-se legislativamente, como na América do Sul, e medianamente significativa 
na América do Norte, em razáo do método difuso, menos impactante e mais demorado, fatores contrabalan-
cados pelo aspecto sintético da Constituicao americana, que permite aplicar-lhe novos conteúdos e significa-
dos, em razao de suas normas serem genéricas e, pois, abertas... 
13 Ferraz, Ana Cándida da Cunha. Processos Informáis de Mudanca da Constituicao, Sao Paulo, Max Li-
monad, 1986, p. 125. 
CURSO DE DIREITO TRIBUTARIO BRASILEIRO 55 
"Se a Constituigao se acha em relagáo condicionadora e condicionante 
com as restantes estruturas do Estado e da sociedade e se estas estruturas so-
ciais, económicas, políticas e jurídicas estáo sujeitas a constantes mudangas, é 
claro também que essa mobilidade há de se projetar sobre a estrutura constitu-
cional. Conseqüentemente a Constituigao se transforma ou pela reforma for-
mal ou, sem mudanga de forma, altera-se no sentido do significado e alcance. 
(•••) 
Dentre os processos nao formáis de mutagáo constitucional, a interpre-
tagáo judicial desempenha relevantíssimo papel." 
O que está ocorrendo no tempo pós-liberal em curso, com a questáo do controle da 
constitucionalidade das leis? 
Nascidos em bergo burgués e liberal, os sistemas de controle da constitucionalidade 
das leis no Ocidente setentriáo trazem ainda hoje as marcas do passado e ainda reverbe-
ram o clamor das revolugóes de um tempo queja passou. Mas o mundo moderno é infini-
tamente mais complexo, a exigir do Estado novas posturas. E um mundo em que 
paradoxalmente duas personagens ganham intenso relevo: as grandes massas anónimas e 
o rosto identificado da pessoa. Imerso ñas multidóes, o individuo alga-se e sozinho afron-
ta o Estado como jamáis se imaginou no curso da historia. Os direitos individuáis, políti-
cos e sociais sao materias que se renovam. Novas tarefas sao colocadas ante o Estado, 
que as deve realizar sob o imperio das Constituigóes diretórias, ácima dos Poderes e sob o 
controle de órgaos de supervisáo que, a pretexto de fazerem valer suas diretivas, velam 
pela realizagáo do bem comum, atribuigáo cabente, em primeira máo, as legislaturas e aos 
governos. Cabe mencionar aqui que este cariz diretório das modernas Constituigóes eu-
ropéias supervisionadas, ou do moderno
constitucionalismo europeu, presente ñas Cons-
tituigóes, entre outras, de Portugal, da Espanha e da Italia, mais se acendra e se revela na 
Alemanha, já agora reunificada, a exercer novamente influencia sobre o leste europeu, 
para onde irradiará a sua pressáo política, económica, cultural e jurídica. Relembramos 
aqui o papel importante que vem exercendo o Bundesverfassungsgericht a propósito de 
controlar as leis e atos normativos em face da Constituigao, seja pela utilizagáo do princi-
pio da proporcionalidade, que é censura sobre a adequagáo e a exigibilidade do ato legis-
lativo (excesso de poder ou de medida), seja através da reclamaqáo constitucional do 
cidadao ante suposto descumprimento da Constituigao, das agóes de inconstitucionalida-
de por omissáo, a comportar notável desenvolvimento virtual ou dos processos de in-
constirucionalizagáo por alteragóes ñas relagóes fáticas, por meio dos quais a Corte 
Constitucional entra a examinar o fato legislativo subjacente ao ato legislativo, supervi-
sionado do alto, a própria adequagáo da legislagáo ás evolugóes que se processam no pla-
no da vida coletiva. 
A existencia, na Constituigao brasileira de 1988, de numerosas regras sobre tributa-
gao e de variados principios constitucionais de conteúdo aberto, como soem ser os princi-
pios jurídicos (regras-padráo), confere ao controle jurisdicional da constitucionalidade 
das leis tributarias, seja o difuso, seja o concentrado, grande interesse teórico e prático. 
56 SACHA CALMON NAVARRO COÉLHO 
Interesse que mais se acendra quando se sabe que tanto na Europa, com as suas cortes 
constitucionais, quanto nos EUA, com a Suprema Corte, o controle da constitucionalida-
de das leis está a ganhar intensidade jamáis imaginada, tornando-se, mais na Europa que 
nos EUA, quase um programa de supervisáo jurídica da acao do Estado (legislacáo e exe-
cucáo ex officio da lei pela Administracáo). Sob a égide da Constituigao, cujo controle 
exercitam de legibus, avultam as jurisdicoes constitucionais. Certamente a superacao da 
ortodoxia da teoria tripartite do Estado, a falencia evidente (e inevitável) do positivismo, 
a emergencia de problemas sociais e a necessidade de controlar o fautor e o executor da 
lei, por corpos autónomos de juízes, em nome dos principios da liberdade, da cidadania e 
da igualdade, geraram este estado de coisas, a que o Brasil procura se atrelar. Em todas as 
partes há urna ansia de voltar ao sistema da graphé paranomón capaz de conter os exces-
sos do legislador 1 4 ou sua omissáo cada vez mais intolerável. Diz Polletti que ñas cidades 
gregas se registrava diferenga sensível entre nómus (lei) e psefísma (decreto). A primeira 
levava á idéia de urna lei constitucional e prevalecía sobre o segundo. "Os nómoi", pros-
segue, "parecem ajustar-se á concepgáo de lei em Platáo e Aristóteles. Demóstenes des-
creve o juramento dos juízes quanto ao dever de julgar com os nómoi e com os psefísma 
prevalecendo aqueles sobre estes, por serem os fundamentos da polis."15 
Voltando aos dias que correm, encerra Polletti, com a nossa adesáo: 
"Tal premissa, a de que o regime constitucional deve servir ao homem, 
parece exigir um controle mais efetivo, que transcende aos aspectos mera-
mente formáis, para ser um controle material. Com substancia política (politi-
cidade), esse controle incide sobre o conteúdo da norma, visando a 
conformá-la com o texto constitucional e também com seu espirito e sua filo-
14 "O graphé paranomón opunha-se aos arrebatamentos da Eclésia, como aos excessos dos demagogos. 
Até depois da morte de Péricles, aquela instituicao manteve sua eficacia. Foi ela o instrumento capaz de 
impedir que a soberanía popular se transformasse num poder arbitrario ou numa tiranía. A democracia 
deve ter por fundamento o respeito á lei. Na verdade, o graphé paranomón era instituto judiciário de na-
tureza criminal, de urna sabedoria precoce, que procurava conter a onipoténcia da Eclésia nos seus exa-
tos limites. Nisto, sem dúvida, a rima com o controle da constitucionalidade das leis, que tudo podem, 
menos contrariar a Lei Fundamental. 
Antes, as leis dadas pelos deuses eram protegidas pelo poder sagrado da imprecacáo. Quando as leis fo-
ram escritas, tiveram por guarda o mais augusto dos tribunais, o Aerópago, aquele que tinha atribuicóes 
essencialmente religiosas. Com a reforma mencionada de Efialtes, os Aeropagistas foram despojados 
de suas funcoes de guarda da Constituicao. Foi preciso criar freios á própria democracia, dentro déla 
mesma, já que inexistiam controles a ela exteriores. O graphé paranomón possibilitava a qualquer cida-
dao o exercício do direito de acionar o autor de urna mocao ilegal ou mesmo o presidente que nao a sub-
meteu aos sufragios. O acusado devia deduzir sua posicáo por escrito, indicando a lei que entenderá 
haver sido violada. Ele podia anunciar sua intencáo num juramento, na Assembléia do povo, antes ou 
depois da votacao das disposicóes que ele julgasse ilegais. Essa declaracáo oficial tinha por efeito sus-
pender a validade da mocao ou do decreto até o julgamento por um tribunal de, no mínimo, mil jurados. 
Toda mocao podia ser atacada por vicio de forma. Seria suficiente que ela nao tivesse observado, ponto 
por ponto, as severas regras do procedimento." 
15 Ob. cit.,p. 23. 
CURSO DE DIREITO TRIBUTARIO BRASILEIRO 57 
sofia, com os principios, enfim, informadores de seu texto. A jurisdicáo cons-
titucional passa a substituir a vontade do Parlamento e do Governo. O juiz 
julga de legibus e nao, como o juiz nos moldes da Revolucáo Francesa, secun-
dum leges." 
Há, certamente, urna aproximacao entre o controle formal e aquele exercitado pelos 
órgaos jurisdicionais, assim como entre o controle material e as cortes constitucionais. 
De resto, a doutrina distingue entre a supremacía material e a supremacía formal 
das Constituigóes. A primeira existiría inclusive nos países de Constituigóes costumeiras 
e flexíveis, por motivos de ordem sociológica. 
Ademáis, a fungáo legislativa, dada a complexidade das sociedades políticas, des-
borda do Legislativo para integrar-se na fungáo administrativa, hoje profundamente nor-
mativa, além de regulamentar, forgando a superagáo da Teoria da Tripartigáo em sua 
formulagáo clássica e privilegiando um pacto inteiramente novo entre a sociedade civil e 
o Judiciário, como poder de contengáo e supervisáo. 
O controle do poder de tributar tem a sua historia entrelagada com o evolver das ex-
periencias jurídicas. 
Na Inglaterra, a primeira manifestagáo deu-se em 1215 com a Magna Charla, em 
frase mil vezes repetida: no taxation without autorization. Na Inglaterra, a criagao de tri-
butos é materia sob reserva de autorizagáo parlamentar. Nos EUA, que sao, com as dife-
rengas anotadas, urna "extensáo do Common Law", dá-se o mesmo. Mas a Constituigao 
americana nao se demora em controles sobre o poder de tributar. Que é materia sob reser-
va de lei, nao se discute. Todavía, o tema por lá nao oferta relevo especial, como no caso 
do Brasil. E por ocasiáo dos orgamentos que se materializa o controle. Na Inglaterra, 
cada ano o Parlamento vota o Financial Act, documento volumoso contendo diretrizes. 
Nos EUA, o orgamento vem acompanhado de urna tabela com o rol das receitas e as com-
paragóes com o ano anterior. Na Europa continental, igualmente, tanto na Franga, com a 
sua glorificagáo da lei, como nos países restantes, retirou-se do governante para depositar 
nos governados, nos parlamentos, o poder de tributar. Inobstante isto, ou seja, apouca su-
perficie constitucional do controle ao poder de tributar, nos EUA e na Europa existem se-
veros limitativos ás potestades fiscais com espeque nos grandes principios justributários 
incorporados á cultura jurídica daqueles povos: nos anglo-saxóes, o due process oflaw, o 
taxation with representation, a legem terrae; nos europeus, o principio da igualdade, o da
capacidade contributiva e o da proporgáo. Operativos como sao estes principios, expan-
dem-se na voz dos juízes e submetem legisladores e administradores aos imperativos 
constitucionais escritos ou costumeiros. No Brasil ocorreu urna intensa constitucionali-
zagáo dos principios e vedagóes inerentes ao poder de tributar, mormente a partir da 
Constituigao de 1946, tendencia esta reforgada com a Emenda n° 18 á Constituigao de 46, 
com as Constituigóes outorgadas do período castrense (Constituigao de 67 e Emenda n° 1 
de 1969) e, finalmente, com a Constituigao Democrática de 1988, certamente a que mais 
espago dedica ao tema in examen. Precisamente este grande desenvolvimento do tema na 
Constituigao brasileira de 1988, madrinha da democratizagáo definitiva da sociedade 
brasileira, sugere urna descrigáo pormenorizada das normas principiológicas e técnicas 
de contengáo ao poder de tributar a cargo da Suprema Corte do País. 
58 SACHA CALMON NAVARRO COÉLHO 
A Inglaterra, neste quadro, tanto como a Franca, nao escaparáo de urna aproxima-
cáo maior com os modelos decalcados no primitivo sistema austríaco, submetendo os 
seus parlamentos soberanos. A Inglaterra sempre primou pelo culto de sua - é preciso di-
zé-lo - superficial excentricidade: seus pesos e medidas, as estranhas reparticocs c nomes 
de suas moedas, certos costumes, a forma de organizar o tráfego (máo inglesa) e final-
mente o seu Direito (law of the land). Na verdade, o Direito inglés, iniciado com a inva-
sao normanda em 1060 d.C, desenvolveu-se espontáneamente á base de fórmulas, como 
o Direito primitivo dos romanos, esteiado em "direitos naturais" que a lei positiva nao 
deveria desconhecer. Jusnaturalismo, portante, de base medieval, em que estove presente 
a influencia dos doutores. Além disso, costumes seculares próprios da ilha, escrupulosa-
mente observados pelos pretores locáis, e mais os principios importantíssimos plasma-
dos nos documentos históricos fixadores de direitos, dentre eles aquele que viria a se 
tornar universal: no taxation without autorization, do tempo da Magna Charta. Impedi-
dos, por circunstancias históricas, de fazer aflorar o controle jurisdicional institucionali-
zado das leis ante a supremacia do Parlamento, construida nos diversos lances de sua 
evolucáo jurídica, os juízes ingleses involucraram nos seus "precedentes" um difuso sis-
tema de controle das leis com o assentimento geral da sociedade. Ocorre que, no final do 
milenio, a Inglaterra já nao é senhora dos mares nem o centro de um orgulhoso imperio. 
Ancorada no litoral do continente europeu, nao tem como resistir á sua atracáo. Acostu-
mada a liderar, a ilha resiste, estertoricamente, a ser urna mera partícipe dos Estados Uni-
dos da Europa, onde nao será, decerto, a parte mais vigorosa. Mas, para esta integracáo 1 6 
- cuja marca mais evidente é o túnel sob o Canal da Mancha, unindo o Reino á República 
Francesa-, será preciso mudar o seu Direito, o seu aparato judicial, o seu sistema de con-
trole de constitucionalidade das leis. Haverá um dia um Parlamento europeu muito diver-
so do británico, leis escritas comunitarias, outra processualística. A tendencia para a 
codificacáo e a adocáo de urna Constituigao escrita e formal parece ser urna tendencia de-
finitiva. A propósito, ver as palavras de Lord Scarman, um depoente insuspeito. Existisse 
já na Inglaterra urna Corte Constitucional, e a Sra. Thatcher nao conseguiría cobrar aque-
le odioso imposto por morador, absolutamente divorciado dos grandes principios justri-
butários. 
A Franga, igualmente, passará por mudangas. Alias, o Conseil Constitutionnel vem 
forcejando no sentido de tornar-se, realmente, urna Corte Constitucional capaz de contro-
lar efetivamente as leis a partir da Constituigao. Por outro lado, foi exatamente por ine-
xistir em Franga urna verdadeira Corte Constitucional que o Conseil D'Etat desenvolveu 
até a exaustáo a teoria do Détournement du Pouvoir e a análise minuciosa do ato adminis-
trativo, em busca de controlá-lo ao infinito, com o mesmo pendor de um cientista escu-
dando o átomo. O ato administrativo tornou-se em Franga a partícula mais importante do 
universo jurispublicista... 
16 A principio resistiu-se ao túnel e houve quem dissesse: é loucura. "Loucura" por estreitar urna distancia 
que sempre fora considerada pelos ingleses muito curta. Sao os ecos da historia... 
CURSO DE DIREITO TRIBUTARIO BRASILEIRO 59 
Anotável experiencia, táo plena de potencialidades em prol das liberdades c da de-
fesa dos interesses das coletividades, exercida pelas cortes constitucionais em expansao 
pela Europa moderna, vencerá a supremacía dos parlamentos inglés e francés, porque 
será a vitória do novo sobre o velho, do presente sobre o passado, como é comum na dia-
lética da historia (mais cm sentido heraclitiano do que marxista). De há muito, as Consti-
tuigóes modernas deixaram de resumir as duas materias clássicas do liberalismo: 
organizagáo dos Poderes do Estado, eventualmentc do federalismo, e enunciacáo dos di-
reitos e garantías individuáis, como quería Black. Agora incursionam a fundo no econó-
mico e no social, na ecología, na protecáo do meio ambiente, na defesa do consumidor, 
na preservacáo e uso das tecnologías, no resguardo dos minerais, na protecáo do débil, na 
organizagáo, enfim, da vida coletiva em prol da pessoa humana. 
Nesse quadro, o controle da Constituigao e das leis é um controle total e totalizante. 
Urna supervisáo do programa constitucional. 
Os EUA aparentemente nao se abalaráo, mantendo o seu tradicional sistema difuso 
de controle da constitucionalidade das leis. Todavia: a) codificaráo certamente o seu Di-
reito, já táo profuso e difuso, retirando dos Estados-Membros algumas atribuigóes legis-
lativas, que a marcha para o centralismo é fenómeno denunciado por ¡números 
estudiosos do federalismo, dentre cíes o conspicuo Raúl Machado Horta; c b) faráo evo-
luir o papel da Suprema Corte. Do recato inicial - e sao tantas as questóes de principio en-
volvendo penetrantes interesses coletivos -, a Suprema Corte terá necessariamente que 
evoluir para envolver-se com as diretivas da agáo governamental e da agáo legislativa. 
Nao deverá ter grandes impedimentos gragas ao conceito queja conseguiu granjear, mui-
to embora os juízes norte-americanos sejam extremamente conservadores. 
Na América de extragáo ibérica, afinados com o modelo norte-americano, a tenden-
cia, ao que parece, será para o sistema misto, mantendo a supremacía do Judiciário, como 
já ocorre no Brasil, pois o método de controle concentrado é justamente o que mais per-
mite a defesa pronta das liberdades c a supervisáo dos programas constitucionais, numa 
época em que os países da América Latina procuram langar-se como economías em de-
senvolvimento para recuperar o atraso histórico, sob a egide de Constituigóes que, em 
certos pontos, sao intensamente programáticas. Especialmente, é este o caso do Brasil, a 
partir básicamente da Constituigao de 1988. Se, a partir da República, a Constituigao nor-
te-americana exerceu grande fascinio sobre as Constituigóes latino-americanas, no ho-
dierno o estudo meditado e maduro do que está ocorrendo na Europa parece acrisolar o 
constitucionalismo dos países americanos de extragáo ibérica. 
E, para mais urna vez desmentir Cappelletti, crítico severo dos "juízes de carreira" 
de todas as plagas, argumentamos com o Judiciário brasileiro, onde pontificam predomi-
nantemente juízes de carreira identificados com os valores constitucionais. 
No dia 17 de junho de 1991, ao elogiar a decisáo histórica do Supremo Tribunal Fe-
deral de derrubar a corregáo de 270% ñas declaragóes do Imposto de Renda, o Ministro 
do STF, Paulo Brossard de Souza Pinto, criticou "o pouco caso ou nenhum respeito que a 
administragáo e o legislador tiveram em relagáo á Constituigao, que veda cobrar tributos 
no mesmo exercício financeiro em que haja sido
publicada a lei que os instituiu ou au-
mentou. E isto é tanto maior, quando a violagáo abstraía da Constituigao importava na 
60 SACHA CALMON NAVARRO COÉLHO 
Quanto aos municipios, preceitua: 
violagáo concreta do direito e da seguranga de milhóes de contribuintes, agora exonera-
dos do ónus fiscal." 
Frisou o Ministro Paulo Brossard, no seu artigo semanal no jornal Zero Hora: 
"Nos 100 anos do STF nao se contam duas decisoes de tamanha reper-
cussao nacional como as proferidas no primeiro semestre de 91, a que fulmi-
nou o reajuste das prestagóes da casa própria nos níveis decretados e a que 
sustou a corregáo de 270% aos débitos ligados ao Imposto de Renda, sem falar 
naturalmente nos habeas corpus de outros tempos, de que foi protagonista o 
advogado Ruy Barbosa." 
Brossard lembrou que a justificativa legal para a sustagáo na corregao do imposto a 
pagar ou a receber é a própria Constituigao, que veda a retroatividade da lei tributaria. 
"A decisáo beneficia e impede urna gorda arrecadagao pelo fisco federal, coisa de 
Cr$ 55 bilhóes, segundo divulgado. O Tribunal fixou-se na questáo jurídica, na ofensa á 
Constituigao e nao se deixou impressionar pelo desconforto do Executivo, quando se 
sabe que existem precedentes nessa linha." 
1.6. Controle de constitucionalidade de lei estadual ou municipal e respectivos atos 
normativos - Introdugáo ao estudo do federalismo brasileiro 
Em razáo da estrutura federal do Brasil, os Estados-Membros sao dotados de Cons-
tituigóes. As leis estaduais e municipais devem submissáo ás Constituigóes respectivas, 
sob pena de nao o fazendo serem increpadas de inválidas (invalidez formal ou material). 
Dá-se que, entre nos, as fontes legislativas sao federáis em sua porgáo maior. A compe-
tencia legislativa, com efeito, está extremamente concentrada no Congresso Nacional, 
bicameral. As linhas mestras da organizagáo política do Estado brasileiro, por outro lado, 
estáo desde logo delineadas na Constituigao Federal. Ditas peculiaridades levantam 
questóes interessantes e certamente peculiares ao nosso federalismo. Dispóe a Constitui-
gao no art. 25 e parágrafos: 
"Art. 25. Os Estados organizam-sc e regem-se pelas Constituigóes e leis 
que adotarem, observados os principios desta Constituigao. 
§ Io Sao reservadas aos Estados as competencias que nao lhes sejam ve-
dadas por esta Constituigao. 
§ 2o Cabe aos Estados explorar diretamente, ou mediante concessáo, os 
servigos locáis de gas canalizado, na forma da lei, vedada a edigáo de medida 
provisoria para a sua regulamentagáo. 
§ 3o Os Estados poderáo, mediante lei complementar, instituir regióes 
metropolitanas, aglomeragóes urbanas e microrregióes, constituidas por agru-
pamentos de municipios limítrofes, para integrar a organizagáo, o planeja-
mento e a execugáo de fungoes públicas de interesse comum." 
CURSO DE DIREITO TRIBUTARIO BRASILEIRO 61 
"Art. 29. O Municipio reger-se-á por lei orgánica, votada em dois tur-
nos, com o intersticio mínimo de dez dias, e aprovada por dois tercos dos 
membros da Cámara Municipal, que a promulgará, atendidos os principios es-
tabelecidos nesta Constituigao, na Constituigao do respectivo Estado e os se-
guintes preceitos: (omissis...)." 
O art. 125, §§ Io e 2o da Constituigao Federal, fixa a competencia dos tribunais dos 
estados para julgar a agáo direta de inconstitucionalidade contra lei estadual ou munici-
pal e atos normativos contrarios á Constituigao Estadual. 
"Art. 125. Os Estados organizarao sua Justiga, observados os principios 
estabelecidos nesta Constituigao. 
§ Io A competencia dos tribunais será definida na Constituigao do Esta-
do, sendo a lei de organizagáo judiciária de iniciativa do Tribunal de Justiga. 
§ 2o Cabe aos Estados a instituigáo de representagáo de inconstitucionalida-
de de leis ou atos normativos estaduais ou municipais em face da Constituigao 
Estadual, vedada a atribuigao da legitimagáo para agir a um único órgáo. 
( . . . )" 
Pois bem, se a Constituigao dos estados, leis estaduais e municipais, bem como atos 
normativos estaduais e municipais malferirem a Constituigao Federal, a competencia 
para resolver a questáo é do Supremo Tribunal Federal. Do mesmo modo, por derivagáo 
lógica, se a Constituigao Estadual repetir norma já constante da Constituigao Federal, a 
transgressáo da mesma implica dupla inconstitucionalidade, devendo dirimir o conflito o 
Supremo Tribunal Federal. Somente quando a Constituigao Estadual é atingida em sua 
normatividade autónoma, a competencia para apreciar a inconstitucionalidade é do Tri-
bunal de Justiga do Estado-Membro. Esta é a melhor solugáo para resolver a chamada in-
constitucionalidade reflexa, ou seja, a argüigáo direta de inconstitucionalidade por ferir a 
lei ou ato normativo dispositivo da Lei Maior, repetido numa Constituigao Estadual, res-
guardando-se a uniformidade na interpretagáo da Constituigao Federal. 
A República tripartida em seus Poderes será de extrema importancia para a compreen-
sao das limitagóes ao poder de tributar, do seu controle e do papel controlador atribuido ao 
Poder Judiciário, arbitro da Constituigao, da República e da Federagáo. 
O federalismo brasileiro projeta no Direito Tributario importantes conceitos, sem 
os quais seria impossivel compreender temas fundamentáis: a imunidade intergoverna-
fnental recíproca, o papel das normas gerais de Direito Tributario, a fungáo das leis 
complementares da Constituigao, a repartigáo das competencias tributarias, o alcance 
dos tratados internacionais em materia fiscal, a intensa problemática do ICMS, a imuni-
dade dos combustíveis e da energía elétrica e outros mais. 
62 SACHA CALMON NAVARRO COÉLHO 
1.7. A natureza jurídica do Estado Federal - Ligeiro escorco comparativo com 
outras formas de Estado - Características do Estado Federal 
O art. Io da Carta Política de 88 estatuí que o Brasil é urna República Federativa 
"formada pela uniáo indissolúvel dos Estados e Municipios e do Distrito Federal". 
A Constituicao Federal inclui no pacto federativo os municipios e o Distrito Fede-
ral, petrificando a fórmula de maneira inusitada, porquanto o federalismo, em sua forma-
gao clássica, envolve apenas a uniao dos Estados-Membros (federalismo dual). Entre 
nos, o municipio ostenta dignidade constitucional, mormente em materia tributaria. Cada 
Estado Federal tem feicóes próprias. Urna das nossas acabou de ser exposta no que tange 
aos partícipes do pacto federal. 
O conceito de Estado Federal, no que nos interessa, pode ser encontrado em con-
traste com o Estado Unitario e a Confederagáo de Estados. Os Estados unitarios nao se 
dividem em ordens de governo, possuindo um único organismo político. É o caso, v.g., da 
Franga e de Portugal. Há sobre o territorio nacional um só governo, um só Legislativo, 
um só Poder Judiciário (as comunas, todavia, costumam ter prefeitos eleitos e conselhos 
á guisa de cámara de vereadores, cuja competencia restringe-se aos interesses estrita-
mente locáis). 
Aos Estados unitarios se contrapóem as Unióes de Estados. Sao tipos unionistas as 
Confederagóes de Estados (Unióes Iguais), os protetorados (Unióes Desiguais), os Esta-
dos compostos (Unióes Pessoais e Unióes Reais) e os Estados Federáis. As Unióes Pes-
soais ocorrcm quando um rei o c de dois Estados. As Unióes Reais ocorrem porque as 
Constituigóes de dois ou mais Estados prevéem o pacto em razáo de tratados (Imperio 
Austro-Húngaro, Uniáo das Repúblicas Socialistas Soviéticas). 
No extremo da Uniáo de Estados está a Confederagáo. Neste pacto os Estados con-
tinuam autónomos e soberanos e se unem em fungáo de objetivos comuns, quase sempre 
transitorios. Os gregos com suas Cidades-Estados se confederaram varias vezes, espe-
cialmente durante as guerras persas. Os EUA foram, a principio, urna confederagáo de 
Estados (as ex-colónias inglesas do leste), tendo se tornado, posteriormente,
urna federa-
gao com alto grau de descentralizagáo. 
Descentralizagáo dentro do pacto. E este o conceito ou qualidade de que se desven-
da o Estado Federal. 
A tensáo dos graus centralizantes no ámago da federagáo pode gerar mutagóes. Urna 
centralizagáo absoluta aglutinaría os Estados federados em um Estado unitario. Urna descen-
tralizagáo extrema conduziria á dispersáo, cada Estado se tornando autónomo. Dispersáo, 
pois, da comunidade nacional em ordens jurídicas independentes e soberanas. 
Na federagáo ocorrem quatro ordens de descentralizagáo: 
A) a Legislativa - produgáo de normas jurídicas; 
B) a Administrativa - administragáo própria; 
C) a Política - formagáo dos poderes e autogoverno; e 
D) a Judiciária - aparato jurisdicional próprio. 
CURSO DE DIREITO TRIBUTARIO BRASILEIRO 63 
Nao concordamos com os autores que identifícam a igualdade com a República. 
Sao vozes de um passado remoto. O que está ocorrendo é um remanej amento da Teoria 
da Triparticao. Os parlamentares governam, os governantes legislam, e o Judiciário a 
ambos controla. Modernas Monarquías Parlamentares sao táo ou mais democráticas c 
igualitarias do que muitas Repúblicas. Mas nao se pode negar que a federacáo, mormente 
em países de grandes extensoes territoriais e povoados heterogéneamente, é uma sobre-
garantía adicional de igualdade e liberdade. 
A Professora Misabel Derzi, com a acuidade de sempre, em parecer sobre a competen-
cia do Senado Federal para autorizar operacóes de crédito dos Estados-Membros, leciona:1 7 
"Em um país de grande extensao territorial e elevado número de habi-
tantes como no nosso, restabelecer o equilibrio federativo, através da conces-
sáo de maior autonomía aos entes regionais e locáis, é fazcr crescer a 
representacao legislativa do cidadao, o qual passa a interferir na formagáo de 
ordens jurídicas que tém base territorial menor. Crescer a liberdade de Esta-
dos e Municipios é, sem dúvida, fazer crescer o nivel de participacáo política 
de cada um em particular. 
Portanto, a decisáo por um Estado federal é uma decisáo pela liberdade e 
nao deixa de ser uma decisáo pela igualdade, na medida em que se respeitam 
as diferencas e peculiaridades locáis e regionais. Tal respeito, ao mesmo tem-
po, torna essas disparidades menos relevantes ou menos radicáis. 
' Ora, a Constituigao de 1988 representa a culmináncia de um processo de 
abertura política já lentamente iniciado, para o restabelecimento da vida de-
mocrática nacional. Por isso, como nao poderia deixar de ser, cuidou de refor-
gar o federalismo, como garantía adicional da liberdade, cuidou de aumentar o 
espago legislativo dos Estados, do Distrito Federal e dos Municipios. Assim 
se expressa Raúl Machado Horta: 
'A Constituigao Federal de 1988 promoveu a reconstrugáo do federalis-
mo brasileiro, estabelecendo a relagáo entre a Federagáo e os principios e re-
gras que individualizara essa forma de Estado no conjunto das formas 
políticas. Esse processo de reconstrugáo envolveu o abandono do modelo fi-
xado na Constituigao de 1967 e na Emenda Constitucional n° 1, de 1969, as 
quais, sob a inspiragáo do autoritarismo político, concentraram na Uniáo a 
sede praticamente exclusiva da legislagáo e dos recursos tributarios, relegan-
do Estados e Municipios a situagáo de meros caudatários da Uniáo. As rela-
goes de subordinagáo adquiriram predominancia no federalismo constitu-
17 Calmon, Sacha e Derzi, Misabel. "A Competencia do Senado Federal e a Emissao de Letras Financeiras 
do Tesouro do Estado de Pernambuco" - Parecer in Direito Administrativo, Contabilidade e Adminis-
tracao Pública, cap. 4, Sao Paulo, IOB, abril/97. 
64 SACHA CALMON NAVARRO COÉLHO 
cional de 1967 e 1969 e esse período, que perdurou até a promulgacáo da 
Constituigao de 1988, assinalou a crise mais profunda do federalismo brasi-
leiro, a qual só encontra correspondencia no período de vigencia da Carta de 
10 de novembro de 1937, quando a concepgáo federal se viu substituida pela 
estrutura unitaria do Estado, sob o comando incontrastável do Presidente da 
República, autoridade suprema do Estado (art. 73).' 
(...) 
Por tais razóes, é essencial á estrutura federal de Estado, a repartigáo de 
competencia, de modo que cada ordem jurídica parcial, que somente vale den-
tro do ámbito territorial de cada ente descentralizado, possa nascer de Poder 
Legislativo próprio daquele ente estatal descentralizado. O fenómeno, deno-
minado por Hans Kelsen de descentralizagáo jurídica, no sentido dinámico, 
foi assim descrito: 
'A ordem jurídica, válida somente para uma comunidade parcial, é criada 
por órgáo eleito simplesmente pelos membros dessa comunidade parcial (...) as 
leis válidas para o territorio de um Estado-Membro únicamente podem ser expe-
didas pelo legislativo local eleito pelos cidadáos desse Estado-Membro.' 1 8 
A autonomia do Estado-Membro é assim inerente á forma federal de 
Estado e se expressa, exatamente, em que: 
a) a ordem juridica interna, que somente vale nos limites territoriais de 
cada Estado, nasce e decorre da vontade do povo-membro da comunidade es-
tadual e nao de vontade estranha; 
b) os limites e a extensáo dessa autonomia materializam-se ñas compe-
tencias reservadas, que nao sejam expressamente vedadas na Constituigao Fe-
deral ou nao contrariem os principios nela dispostos. 
'Art. 25. Os Estados organizam-se e regem-se pelas Constituigóes e leis 
que adotarem, observados os principios desta Constituigao. 
§ Io Sao reservadas aos Estados as competencias que nao lhes sejam ve-
dadas por esta Constituigao.' 
Portanto, é da esséncia do Estado Federal, a distribuigáo de compe-
tencia entre os entes estatais que o compóem. Ao lado da competencia pri-
vativa da Uniáo, a Constituigao de 1988 concedeu autonomia formal e 
material á competencia concorrente. A materia sobre a qual a uniáo legisla 
de forma privativa está elencada no art. 22. Dentro daquele rol nao se in-
cluem as Finangas Públicas e Tributarias, inclusive a emissáo de títulos da 
divida pública, campo de atuagáo concorrente entre a Uniáo, os Estados e o 
Distrito Federal (art. 24)." 
18 Kelsen, Hans. Teoría General del Derecho y del Estado, trad. de Eduardo Garcia Maynez, 2a ed., Méxi-
co, Imprensa Universitaria, 1958, p. 268. 
CURSO DE DIREITO TRIBUTARIO BRASILEIRO 65 
1 8 Contraste entre o Estado Federal e a Confederagáo de Estados 
Entre o Estado Federal e os Estados Confederados vai grande diferenca. Ñas confe-
de ra res , o s Estados partícipes sao autónomos e soberanos. Na federagáo, os Esta-
dos-Membros estáo subordinados a uma Constituigao que os domina, assim como á 
Uniáo. A soberanía é da nagáo. Uniáo e Estados-Membros formam ordens jurídicas par-
tíais sob a égide da Constituigao. A ordem jurídica interna total é a conjugagáo das or-
dens jurídicas parciais sob a Constituigao. 
1.9. Contraste entre o Estado Federal e o Estado Unitario 
Entre o Estado Federal e o Estado Unitario, apenas administrativamente descentra-
lizado, igualmente existem substanciáis diferengas. Neste último, para o ente descentrali-
zado inexistem autonomia política, autogoverno, legislatura e jurisdigáo. Há, táo-so-
mente, poderes de administragáo, por delegagáo ou consulta popular. 
Na federagáo, a autonomia do Estado-Membro é axiomática. Ele forma os seus po-
deres, possui autogoverno, legislatura e jurisdigáo. Falta-lhe, contudo, soberanía e repre-
sentagáo na ordem internacional. No Direito das gentes, quem representa a nagáo é a 
Uniáo enquanto totalidade. No Brasil, de sobredobro, a autonomia municipal tem digni-
dade constitucional. O municipio possui poderes políticos: governo, administragáo e le-
gislatura. Só nao tem poder judiciário (art. 29, CF/88). 
1.10. O Estado Federal e o exercício do poder de tributar 
No campo do Direito Tributario, tanto a Uniáo como os Estados-Membros e os seus 
municipios estáo adstritos
ás regras de constituicao de suas leis complementares. Isto 
feito, cada qual é autónomo para instituir e regrar os seus tributos. A autonomia política, 
jurídica e administrativa da Uniáo, dos Estados-Membros, dos municipios c do Distrito 
Federal se faz presente de modo isonómico. 
1.11. A Federagáo de Estados e a autonomia dos Estados-Membros 
A característica fundamental do federalismo é a autonomia do Estado-Membro, que 
pode ser mais ou menos ampia, dependendo do país de que se esteja a cuidar. No ámbito 
tributario, a sustentar a autonomia política e administrativa do Estado-Membro e do mu-
nicipio - que, no Brasil, como vimos, tem dignidade constitucional -, impóe-se a preser-
vagao da autonomia financeira dos entes locáis, sem a qual aqueloutras nao existiráo. 
Esta autonomia resguarda-se mediante a preservagáo da competencia tributaria das pes-
soas políticas que convivem na Federagáo e, também, pela eqüidosa discriminagáo 
constitucional das fontes de receita tributaria, daí advindo a importancia do tema referen-
te a repartigáo das competencias no Estado Federal, assunto inexistente, ou pouco rele-
vante, nos Estados unitarios (Regióes e Comunas). Uma última conclusáo cabe extrair. 
Sendo a federagáo um pacto de igualdade entre as pessoas políticas, e sendo a autonomia 
financeira o penhor da autonomia dos entes federados, tem-se que qualquer agressáo, 
66 SACHA CALMON NAVARRO COÉLHO 
ainda que velada, a estes dogmas, constituí inconstitucionalidade. Entre nos, a federagáo 
é pétrea c indissolúvel, a nao ser pela forca bruta de uma revolugao ccssionista ou de ou-
tro Estado, vencedor de uma guerra inimaginável. Tanto é assim, que a Constituigao de 
1988 proíbe emendas constitucionais ñas seguintes materias, a teor do art. 60, § 4 o , ver-
tís: 
"§ 4o Nao será objeto de deliberagáo a proposta de emenda tendente a 
abolir: 
I - a forma federativa de Estado; 
II - o voto direto, secreto, universal e periódico; 
III - a separagao dos Poderes; 
IV - os direitos e garantías individuáis." 
1.12. Presidencialismo e Parlamentarismo - Decretos-Lei e medidas provisorias -
Federagáo e Direito Tributario 
O regime presidencial é forma de governo. Contrasta o presidente da República 
com o rci-govemante (no Ocidente, nenhum rei governa) e com o primeiro-ministro dos 
regimes parlamentaristas. O tema interessa ao Direito Tributario na medida em que, no 
parlamentarismo, o governo é formado pelo partido majoritário no parlamento, sozinho 
ou em coligagáo com outros partidos. O governo pode cair se perder a confianga do parla-
mento. Este, a seu turno, pode ser dissolvido, e novas eleigóes sao convocadas, com o 
povo arbitrando os conflitos, impasses e programas de governo. E natural, portanto, que 
no parlamentarismo o governo, através do primeiro-ministro ou dos gabinetes, legisle. 
Há uma ligagao quase uterina entre o parlamento e o governo. 
No presidencialismo, isto nao ocorre, e toda vez que a Presidencia da República é 
ou nao amplamentc sustentada por maiorias parlamentares, o equilibrio entre os Poderes 
se ressentc. No presidencialismo, os mandatos, sejam legislativos, sejam governativos, 
sao fixos, e tanto os parlamentares como os chefes do Executivo extracm do voto popular 
a legitimidade de suas fungoes. Assim sendo, no presidencialismo c uma excrescencia 
dar-se ao presidente poder legiferante dilargado, e a omissáo legislativa deve ser profli-
gada restringindo-se o mais possível as materias sujeitas á delegagáo legislativa. Na esfe-
ra tributaria, os principios da legalidade, em sentido formal e material, e da anterioridade 
da lei, cm relagao á incidencia do tributo (náo-surpresa), opóem-se, só para argumentar, á 
regencia jurídica de tributos mediante a emissáo de decretos-lei ou medidas provisorias 
baixadas pelo presidente da República, tema a ser visto mais á frente. 
Capítulo II 
OS PRINCIPIOS GERAIS DO SISTEMA 
TRIBUTARIO DA CONSTITUICAO 
2.1. O sentido do artigo inaugural quanto á reparticao das competencias tributarias en-
tre as pessoas políticas da Federacáo. 2.2. A reparticao das competencias tributarias - Os seus 
tres aspectos relevantes. 2.3. O fundamento do poder de tributar - As pessoas políticas titula-
res. 2.4. O tributo e suas especies - Como reparti-los. 2.5. A reparticao das competencias pela 
natureza dos fatos jurigenos. 2.6. Competencia comum e privativa - As técnicas de reparticao. 
2.7. Os insumos doutrinários do constituinte - A teoria dos fatos geradores vinculados e 
nao-vinculados. 2.8. A teoria dos fatos geradores vinculados e nao-vinculados enquanto su-
porte do trabalho do constituinte. 2.9. As técnicas constitucionais de reparticao. 2.10. A razáo 
pela qual a competencia comum nao provoca conflitos entre as pessoas políticas. 2.11. A ne-
cessidade de nominar os impostos para depois reparti-los. 2.12. Os empréstimos compulsorios 
e as contribuicoes parafiscais em face da teoria dos tributos vinculados e nao-vinculados. 
2.13. Algumas palavras sobre a linguagem do constituinte e o papel dos seus intérpretes. 2.14. 
A reducáo dos empréstimos compulsorios e das contribuicoes parafiscais á tricotomía. 2.15. 
Os níveis de análise da questáo dos empréstimos compulsorios e das contribuicoes parafis-
cais: o nivel da Teoria Geral do Direito e o nivel juridico-constitucional. 2.16. A classificacáo 
jurídica das duas supostas especies de tributo: contribuicoes especiáis e empréstimos compul-
sorios - Remissáo á Parte III, Capítulos 1 e II, do presente livro. 2.17. Os principios da capaci-
dade económica e da pessoalidade dos impostos como principios orientadores do exercício das 
competencias tributarias. 2.18. O manejo dos principios da pessoalidade e da capacidade con-
tributiva. 2.19. Capacidade contributiva e discricáo legislativa. 2.20. A capacidade contributi-
va e as especies tributarias - Capacidade contributiva e extrafiscalidade. 2.21. A capacidade 
contributiva e o papel do Poder Judiciário. 2.22. A importancia dos principios jurídicos - Os 
principios constitucionalizados sao obrigatórios. 2.23. Os poderes de investigacáo do Fisco 
para aferir a capacidade contributiva. 2.24. O art. 145, § 2a, ouo papel controlador da base de 
cálculo dos tributos. 2.25. Apontamenios necessários á compreensáo da reparticao constitu-
cional de competencias tributarias 
2.1. O sentido do artigo inaugural quanto á reparticao das competencias 
tributarias entre as pessoas políticas da Federacáo 
A Constituicao brasileira no Título VI dedica o Capítulo I ao Sistema Tributario 
Nacional. A Secao I cuida dos Principios Gerais. O art. 145 ostenta a seguintc redacto: 
"Art. 145. A Uniao, os Estados, o Distrito Federal e os Municipios pode-
' rao instituir os seguintes tributos: 
68 SACHA CALMON NAVARRO COÉLHO 
"Art. 148. A Uniáo, mediante lei complementar, poderá instituir em-
préstimos compulsorios: 
I - para atender a despesas extraordinarias, decorrentes de calamidade 
pública, de guerra externa ou sua iminéncia; 
II - no caso de investimento público de caráter urgente e de relevante in-
tcresse nacional, observado o disposto no art. 150, III, 'b ' . 
Parágrafo único. A aplicagáo dos recursos provenientes de empréstimo 
compulsorio será vinculada á despesa que fundamentou sua instituigáo. 
Art. 149. Compete exclusivamente á Uniáo instituir contribuigóes sociais, 
de intervengáo no dominio económico e de interesse das categorías profissionais 
ou económicas, como instrumento de sua atuagáo ñas respectivas áreas, observa-
do o disposto nos arts. 146, III, e 150,1 e III, e sem prejuizo do previsto no art. 
195, § 6 o, relativamente as contribuigóes a que alude o dispositivo. 
§ Io Os Estados, o Distrito Federal e os Municipios poderáo instituir 
contribuigáo, cobrada de seus servidores, para o custeio, em beneficio dcstes, 
de sistemas de previdencia e assisténcia social. 
§ 2° As contribuigóes sociais e de intervengáo
no dominio económico de 
que trata o caput deste artigo: 
I - nao incidiráo sobre as receitas decorrentes de exportagáo; 
II - poderáo incidir sobre a importagáo de petróleo c seus derivados, gas 
natural c seus derivados e álcool combustível; 
III - poderáo ter alíquotas: 
a) ad valorem, tendo por base o faturamento, a reccita bruta ou o valor da 
operagáo e, no caso de importagáo, o valor aduaneiro; 
I - impostos; 
II - taxas, em razáo do exercício do poder de policía ou pela utilizacáo, 
efetiva ou potencial, de servicos públicos específicos e divisíveis, prestados 
ao contribuinte ou postos a sua disposigáo; 
III - contribuigáo de melhoria, decorrente de obras públicas. 
§ Io Sempre que possível, os impostos teráo caráter pessoal e seráo gra-
duados segundo a capacidade económica do contribuinte, facultado á admi-
nistragáo tributaria, especialmente para conferir efetividade a esses objetivos, 
identificar, respeitados os direitos individuáis e nos termos da lei, o patrimo-
nio, os rendimentos e as atividades económicas do contribuinte. 
§ 2o As taxas nao poderáo ter base de cálculo própria de impostos." 
O art. 145 e seus tres incisos dizem que as pessoas políticas ali enumeradas podem 
instituir tres especies de tributos: impostos, taxas e contribuigóes de melhoria. E que os 
. impostos restituíveis (empréstimos compulsorios) e as contribuigóes especiáis (exceto as 
previdenciárias da Uniáo, estados e municipios) somente poderáo ser instituidos pela 
IJniao Federal. Veja-se a redagáo dos artigos 148 e 149, verbis: 
CURSO DE DIREITO TRIBUTARIO BRASILEIRO 69 
b) específica, tcndo por base a unidade de medida adotada. 
§ 3o A pessoa natural destinatária das operacóes de importagáo poderá 
_~ ser equiparada a pessoa jurídica, na forma da lei. 
§ 4o A lei definirá as hipóteses em que as contribuicoes incidiráo uma 
única vez." 
í De igual modo, somente a Uniáo pode instituir os chamados impostos extraordiná-
J rios de guerra e os impostos residuais, ou seja, outros que nao aqueles que lhe foram des-
tele logo atribuidos pela Constituigao. 
"Art. 154. A Uniáo poderá instituir: 
I - mediante lei complementar, impostos nao previstos no artigo ante-
rior, desde que sejam náo-cumulativos e nao tenham fato gerador ou base de 
cálculo próprios dos discriminados nesta Constituigao; 
^0 II - na iminéncia ou no caso de guerra externa, impostos extraordinarios, 
compreendidos ou nao em sua competencia tributaria, os quais seráo suprimi-
dos, gradativamente, cessadas as causas de sua criagao." 
Todavia, a exegese do art. 145 nao cessa ai, vai bem além. 
2.2. A repartigáo das competencias tributarias - Os seus tres aspectos relevantes 
O artigo inaugural da Constituigao - Capítulo do Sistema Tributario - apresen-
ta-nos a complexa problemática da repartigáo de competencias tributarias na Federagáo. 
De sua leitura podem ser extraídas tres conclusóes genéricas, porém importantíssimas. 
2 . 3 . 0 fundamento do poder de tributar - As pessoas políticas titulares 
Fim primeiro lugar, verifica-se que varias sao as pessoas políticas exercentes do po-
der de tributar e, pois, titulares de competencias impositivas: a Uniáo, os Esta-
dos-Membros, o Distrito Federal c os Municipios. Entre eles será repartido o poder de 
tributar. Todos recebem diretamente da Constituigao, expressao da vontade geral, as suas 
respectivas parcelas de competencia c, exercendo-as, obtém as receitas necessárias á 
consecugáo dos fins institucionais em fungáo dos quais existem (discriminagáo de rendas 
tributarias). O poder de tributar originariamente uno por vontade do povo (Estado Demo-
crático de Direito) é dividido entre as pessoas políticas que formam a Federagáo. 
2.4. O tributo e suas especies - Como reparti-los 
Em segundo lugar, verifica-se que o tributo é categoría genérica que se reparte em 
'especies: impostos, taxas e contribuicoes de melhoria. Constata-se a assertiva pela anali-
ce do próprio discurso constitucional. Diz a Constituigao que a Uniáo, os estados, o Dis-
anto Federal e os municipios poderáo instituir (poder-faculdadc) os seguintes tributos: a) 
70 SACHA CALMON NAVARRO COÉLHO 
impostos; b) taxas, de polícia e de servicos públicos; e c) contribuigóes de melhoria pela 
realizagáo de obras públicas benéficas. A tarefa do constituinte, portante, centra-se na re-
partigáo entre as diversas pessoas políticas de parcelas de competencia para instituírem 
as tres especies tributarias antes mencionadas. Para tanto, terá que observar principios 
técnicos na estatuigáo das regras de reparticao, sem o qué nao seria possível partir e or-
denar harmónicamente o poder de tributar, originariamente uno. Mais á frente, como já 
visto, o constituinte se referirá aos empréstimos compulsorios, ás contribuigóes especiáis 
e aos impostos extraordinarios e residuais, todos da competencia exclusiva da Uniao. 
2.5. A repartigáo das competencias pela natureza dos fatos jurígenos 
Em terceiro lugar, verifica-se que, ao mencionar as especies do tributo, o consti-
tuinte declina expressamente os fatos jurígenos genéricos que podem servir de suporte á 
instituigáo das taxas (exercicio regular do poder de polícia e prestagáo de servigos especí-
ficos e divisíveis) e das contribuigóes de melhoria (realizagáo de obras públicas benéfi-
cas). No que tange aos impostos, no entanto, o constituinte nao declina, no art. 145, fatos 
jurígenos genéricos autorizativos da instituigáo dos mesmos pelos legisladores das di-
versas ordens de governo. Que ilagóes poderemos tirar desta particularidade? 
2.6. Competencia comum e privativa - As técnicas de repartigáo 
Em principio, a Constituigao nao cria tributos, simplesmente atribuí competencias 
ás pessoas políticas para instituí-los através de lei (principio da legalidade da tributagáo). 
No caso das taxas e das contribuigóes de melhoria, vimos de ver, declina a Consti-
tuigao os fatos jurígenos genéricos (suporte fático) de que poderáo se servir as pessoas 
políticas para instituí-las por lei. Será ato do poder de polícia ou prestagáo de servigo pú-
blico específico e divisível pelas pessoas políticas aos contribuintes no caso das taxas. E 
será a realizagáo de quaisquer obras públicas benéficas pelas pessoas políticas que as au-
torizam, indistintamente, a instituir contribuigáo pela melhoria. Por isso, nesses casos, o 
das taxas e o das contribuigóes de melhoria, a competencia outorgadapela Constituigao 
ás pessoas políticas é comum. Basta que qualquer pessoa política vá realizar um regular 
ato do poder de polícia que lhe é próprio ou vá prestar um servigo público ao contribuinte, 
se específico e divisível, para que o seu legislador, incorporando tais fatos na lei tributa-
ria, institua u 'a laxa. Basta que qualquer pessoa política vá realizar uma obra pública que 
beneficie o contribuinte, dentro do ámbito de sua respectiva competencia político-admi-
nistrativa, para que o seu legislador, incorporando dito fato ao esquema da lei, institua 
uma contribuigáo de melhoria. No concernente aos impostos, nao é suficiente ás pessoas 
políticas a previsáo do art. 145. Com esforgo nele, nao lhes seria possível instituir os seus 
respectivos impostes. O art. 145 nao declina os fatos jurígenos genéricos que váo estarna 
base fática dos impostos que, precisamente, cada pessoa política recebe da Constituigao. 
E que, no^a«)_dos^ impostes, a competencia para instituí-los ó dada dsjorma privativa 
sobre jatos específicos determinados. Concluindo, as taxas e as contribuigóes de melho-
ria sao atribuidas ás pessoas políticas, titulares do poder de tributar, de forma genérica c 
CURSO DE DIREITO TRIBUTARIO BRASILEIRO 71 
comum, e os impostos, de forma privativa e discriminada. Como corolario lógico temos 
que os impostos sao enumerados pelo nome e discriminados na Constituicao um a um. 
Sao nominados e atribuidos privativamente, portanto, a cada
uma das pessoas políticas, 
enquanto as taxas e as contribuicoes de melhoria sao indiscriminadas, sao inominadas e 
sao atribuidas em comum ás pessoas políticas. Vale dizer, os impostos tém nome e sao 
numerus clausus em principio. As taxas e as contribuigóes de melhoria sao em número 
aberto, numerus apertus, e sao inumeráveis. Dissemos que os impostos, em principio, 
sao enumerados porque, após a Constituinte, outros podem ser criados com base na com-
petencia residual, excepcionalmente. 
Tiradas estas tres primeiras conclusóes, sem dúvida relevantíssimas, cabe indagar 
quais os insumos jurídicos de que se valeram os constituintes para operar a repartigáo dos 
tributos através da técnica da atribuigáo de competencia privativa para impostos e co-
mum para taxas e contribuigóes de melhoria. De notar que, manejando ora a competencia 
privativa (para os impostos - os nominados, os restituíveis e os afetados a finalidades es-
pecíficas), ora a competencia comum (para taxas - de polícia ou de servigos - e para as 
contribuigóes de melhoria), o constituinte bem resolveu um problema aparentemente in-
tricado, qual seja, o de repartir por tres ordens de governo - o federal, o estadual e o muni-
cipal-tres especies diferentes de tributos: impostos, taxas e contribuigóes de melhoria (o 
Distrito Federal detém tributariamente competencia dupla: é estado e é municipio). 
2.7. Os insumos doutrinários do constituinte - A teoria dos fatos geradores 
vinculados e nao-vinculados 
Pois bem, o constituinte de 1988, como de resto ocorreu com a Constituigao de 
1967, adotou, em sede doutrinária, a teoria jurídica dos tributos vinculados e náo-vincu-
lados a uma atuagáo estatal para operar a resolugáo do problema da repartigáo das com-
petencias tributarias, utilizando-a com grande mestria. 
z Predica dita teoria que os fatos geradores dos tributos sao vinculados ou 
' náo-vinculados. O vínculo, no caso, dá-se em relagáo a uma atuagáo estatal. Os tributos 
vinculados a uma atuagáo estatal sao as taxas e as contribuigóes; os náo-vinculados sao 
os impostos. Significa que o fato jurígeno genérico das taxas e das contribuigóes neces-
sanamente implica uma atuagáo do Estado. No caso das taxas, esta atuagáo corporifica 
ora um ato do poder de polícia (taxas de polícia), ora uma realizagáo de servigo público, 
. específico e divisível, prestado ao contribuinte ou posto a sua disposigáo (taxas de servi-
\ go). Na hipótese da contribuigáo de melhoria, a atuagáo estatal materializa-se através da 
Vrealizagáo de uma obra pública capaz de beneficiar ou valorizar o imóvcl do contribuinte. 
Ñas contribuigóes previdenciárias, é beneficio á pessoa do contribuinte ou de seus depen-
dentes. O fato gerador, como é usual dizer, ou o fato jurígeno, como dizcmos nos, ou, 
aínda, a hipótese de incidencia, como diz Geraldo Ataliba, implica sempre, inarredavel-
mente, uma atuagáo estatal. Exatamente por isso as taxas e as contribuigóes de melhoria 
e previdenciárias apresentam hipóteses de incidencia ou fatos jurígenos que sao jatos do 
Estado, sob a forma de atuagoes em prol dos contribuintes. Com os impostos as coisas se 
•li^^BLdiferenteme N T C J P°is os seus fatos jurígenos, as suas hipóteses de incidencia, sao 
72 SACHA CALMON NAVARRO COÉLHO 
fatos necessariamcntc estranhos ás atuacoes do Estado (lato sensú). Sao fatos ou atua-
góes ou situagóes do contribuinte que servem de suporte para a incidencia dos impostos, 
como, v.g., ter imóvel rural (ITR), transmitir bens imóveis ou direitos a eles relativos 
(ITBI), ter renda (IR), prestar servicos de qualquer natureza (ISQN), fazer circular mer-
cadorias e certos servigos (ICMS). Em todos estes exemplos, o "fato gerador" dos impos-
tos é constituido de situagóes que nao implicam atuagáo estatal, daí o desvínculo do Jato 
jurígeno a uma manifestacáo do Estado (CTN, artigos 16, 77, 78 e 81). 
2.8. A teoria dos fatos geradores vinculados e náo-vinculados enquanto suporte do 
trabalho do constituinte 
Ora, exatamente por ser assim ou, noutro giro, por ter adotado a teoria dos fatos ge-
radores vinculados e náo-vinculados, pode o constituinte operar a repartigáo das compe-
tencias tributarias do modo como o fez. Alias, é de gizar que o constituinte, no Capítulo I, 
que trata do Sistema Tributario, intitulou a Segáo I como sendo a "Dos Principios Gerais". 
Nao a chamou de discriminagáo de rendas tributarias nem de repartigáo de competencias 
tributarias (o objeto da segáo), preferindo referir-se aos Principios Gerais, por saber que 
neles se inspirava para o manejo da questáo. Assertiva fácil de provar, pois nao tendo a 
Constituigao expressado os conceitos de tributo e imposto e tendo apenas se referido ás 
taxas e a contribuigóes de melhoria, com denuncia de seus respectivos fatos geradores 
genéricos, decerto inspirou-se nos conceitos do Direito Tributario vigente e subjacente e 
ñas ligóes da doutrina justributária em voga. 
Isto posto, os principios gerais plasmados pelo constituinte trazem, por subsungáo, 
os insumos da teoria dos tributos vinculados e náo-vinculados, como averbado linhas 
atrás. 
2.9. As técnicas constitucionais de repartigáo 
Prosseguindo, de ver agora porque, adotando as técnicas da competencia privativa 
e comum c ligando-as ás inspiragóes da teoria dos fatos geradores vinculados e 
náo-vinculados, pode o constituinte equacionar a repartigáo das competencias entre as 
pessoas políticas, segregando as respectivas áreas económicas de imposigáo, de modo a 
evitar conflitos de competencias ou superposigóes competenciais em detrimento dos 
contribuintes e dos próprios entes tributantes. 
No caso da competencia comum, que comanda a instituigáo das taxas e das contri-
buigóes, a sua adogáo pode ser feita exatamente porque, sendo os fatos geradores desses 
tributos Jatos do Estado, atuagóes dele, a competencia tributaria firma-se na esteira da 
competencia político-administrativa dos entes tributantes. É dizer, a competencia admi-
nistrativa precede a tributaria e a determina. Somente será competente para instituir e 
efetivamentc cobrar uma taxa a pessoa política que, antes, detenha a competencia políti-
co-administrativa para realizar o ato de polícia ou prestar o servigo público (taxas). So-
mente poderá cobrar contribuigáo de melhoria a pessoa política que tenha realizado a 
obra pública beneficiadora. Somente a pessoa política que concede o beneficio pode co-
brar contribuigáo previdenciária do contribuinte. Advirta-sc, desde logo, porém, que o 
CURSO DE DIREITO TRIBUTARIO BRASILEIRO 73 
elemento pessoal da hipótese de incidencia dos tributos vinculados a atuacóes estatais é 
relevantíssitno. E precisamente a pessoa do contribuinte que lhe confere consistencia e 
singularidade, por ser o destinatario do afazer estatal. No caso dos impostos, será preciso 
anunciadlo e atribuí-lo privativamente a cada pessoa política. É que nesse caso inexiste 
atuacao_estatal á guisa de fato gerador. Nenhum contribuinte, em particular, recebe o im-
posto particularmente. 
2.10. A razáo pela qual a competencia comum nao provoca conflitos entre as 
pessoas políticas 
A atribuicáo de competencia comum ás pessoas políticas para instituir taxas e con-
tribuicoes nao redunda em promiscuidade impositiva. Figuremos uns poucos exemplos 
práticos. Quem deseja viajar e necessita de passaporte dirige-se á Polícia de Estrangeiros, 
órgao da Polícia Federal. Pela concessáo do passaporte, pode a Uniao cobrar do contri-
bainte urna "taxa de expediente". Estados e municipios nao poderiam fazé-lo, pois nao 
sao competentes para tal ato administrativo (poder de polícia) concessivo de passaporte. 
Mas-se-alguém desejar construir uma casa, é a prefeitura de sua municipalidade que lhe 
concederá a devida licenca se para o alvará preencher o interessado os requisitos necessá-
rios. A Uniáo Federal e os estados nao detém o "poder de polícia" para o licenciamento 
de construcóes
e, pois, nao poderáo instituir taxas por tal ato. No caso do cidadao que de-
seja_possuir um "porte de armas", já é o Estado-Membro, pela sua polícia, que ajuízaa 
conveniencia e a oportunidade de outorgá-lo ao cidadao requerente. O municipio e a 
Uniáo nao sao administrativamente competentes para tanto. Veja-se: pelo alvará de cons-
trucáo e pela licenca para portar arma, só mesmo o municipio c o Estado-Membro, res-
pectivamente, poderáo cobrar as "taxas" correspondentes á realizagáo dos referidos 
"atos de polícia", nunca a Uniáo. Isto exposto, tem-se que a repartigáo políti-
co-administrativa do poder de polícia entre as pessoas políticas e dos servigos públicos é 
que orientará, segregando, a competencia tributaria comum que a Constituigao lhes ou-
torgou para instituir taxas. Isto nao seria possível se o "fato gerador" das taxas nao se 
constituísse de "atuagóes" do Estado relativamente á pessoa do contribuinte, relativa-
mente a um interessc seu, capaz de ser diretamente atendido por uma manifestagáo esta-
tal. Na hipótese da contribuigáo de melhoria ocorre o mesmo. Sendo o seu fato gerador 
genérico a "realizagáo de ufé obra pública" em beneficio de um imóvel de propriedade do 
contribuinte, haverá de cobrar a contribuigáo a pessoa política que tiver realizado a obra 
pública beneficiadora (ou valorizadora) do imóvel pertencentc ao contribuinte. Quem 
realiza a obra cobra a contribuigáo pela melhoria decorrente, sem possibilidade de super-
posigáo impositiva. Quando duas ou mais pessoas políticas realizarcm a obra, o proble-
ma reso!ve-se pela repartigáo do produto da arrecadagao entre cías, sem prejuizo para o 
contribuinte. No caso das contribuigóes previdenciárias, somente a pessoa política que 
exerce o munus previdenciário poderá cobrar do segurado (contribuinte). 
2.11. A necessidade de nominar os impostos para depois reparti-los 
Com os impostos, que sao tributos náo-vinculados a uma atuagáo estatal, pois os 
seus fatos geradores (fatos jurígenos) sao realidades cstranhas a qualquer atividade esta-
74 SACHA CALMON NAVARRO COÉLHO 
tal referidas ao obrigado, fez-se necessário que o constituinte indicasse o seu falo gera-
dor, nominasse-os e os atribuísse de modo privativo a cada uma das pessoas políticas, de 
maneira a evitar que uma invadisse, por inexistencia de limites, área de competencia re-
servada ás outras. De notar, no particular, a um simples perpassar d'olhos pelo Sistema 
Tributario da Constituigao, que os impostos estáo agrupados por ordem de governo. Há 
impostos, com nome e fato gerador, reservados á Uniáo, aos estados, inclusive ao Distri-
to Federal e aos municipios, de forma sistemática e explícita no corpo da CF. Nem pode-
ria ser de outra forma. No campo dos impostos, o constituinte dá nome á exacao já 
indicando a área económica reservada: renda, circulacao de mercadorias, propriedade 
predial e territorial urbana, propriedade de veículos automotores, transmissao de bens 
imóveis e de direitos a eles relativos etc. Em seguida, declina que pessoa política pode 
instituí-lo e efetivamente cobrá-lo com excegáo das demais (competencia privativa). Isto 
dito, verifica-se que o sistema brasileiro de repartigáo de competencias tributarias, cientí-
ficamente elaborado, é extremamente objetivo, rígido e exaustivo, quase perfeito. A cha-
ve de abobada do sistema está fora da Constituicao, pois a utilizagáo da técnica comum e 
privativa de atribuigáo de competencias tributarias, por tipo de tributo, ás pessoas políti-
cas, tem escora na teoria dos tributos vinculados e náo-vinculados, sem a qual nao se 
compreenderia o labor constituinte. Esta teoria está magnificamente exposta no pequeño 
grande livro do Prof. Geraldo Ataliba.1 
2.12. Os empréstimos compulsorios e as contribuigóes parafiscais em face da 
teoria dos tributos vinculados e náo-vinculados 
E hora de afrontar a vexata quaestio dos empréstimos compulsorios e das chamadas 
contribuigóes parafiscais ou especiáis. Até o momento vimos falando de tres especies bá-
sicas de tributo: impostos, taxas e contribuigóes de melhoria, com referencias esparsas ás 
contribuigóes especiáis. No entanto, o discurso constitucional faz referencia a dois perso-
nagens nominalmente refratários á tricotomía aqui utilizada. Com efeito, admite-se a 
instituigáo de empréstimos compulsorios em duas hipóteses: (a) guerra externa ou sua 
iminéncia ou calamidade pública exigente de recursos extraordinarios e (b) para investi-
mentos relevantes (art. 148 da CF). E sao previstas "contribuigóes" para tres fins: (a) so-
ciais, em prol da seguridade social (contribuigóes sociais), (b) para atender a 
necessidades financeiras das entidades de classe (contribuigóes classistas ou corporati-
vas) e (c) para assegurar a intervengáo do Estado no dominio económico e social (contri-
buigóes interventivas ou de intervengáo estatal) (art. 149 da CF). 
Estamos em face de tributos diversos do imposto, da taxa e da contribuigáo de me-
lhoria? 
Noutro giro, sao os empréstimos compulsorios e as contribuigóes parafiscais espe-
cies diferentes de tributos, ou denotam apenas nomes? 
1 Ataliba, Geraldo. Hipótese de Incidencia Tributaria, Sao Paulo, Ed. Revista dos Tribunais. 
CURSO DE DIREITO TRIBUTARIO BRASILEIRO 75 
Esta questáo tem suscitado, ao longo das Constituigóes brasileiras de antanho, acer-
badas disceptacoes doutrinárias e nao menos tormentosas disputas judiciais. 
2.13' Algumas palavras sobre a linguagem do constituinte e o papel dos seus 
intérpretes 
É conveniente prevenir que o legislador, inclusive o constituinte, ao fazer leis, usa a 
linguagem comum do povo, o idioma correntio. Duas razoes existem para isso: 
Primus - o legislador nao é necessariamente um cientista do Direito, um jurista. 
Provém da sociedade, multiforme como é, e a representa. Sao engenheiros, advogados, 
fazendeiros, operarios, comerciantes, sindicalistas, padres, pastores, rurícolas etc.; 
Secundus - utilizam para expressar o Direito legislado as palavras de uso comum 
do povo, cujo conteúdo é equívoco, ambiguo, polissémico e, muita vez, carregam signifi-
cados vulgares, sedimentados pelo uso e pela tradicáo. 
É dizer, incorporam na lei as contradigóes da linguagem. Este é um fenómeno co-
mum a todos os povos. Nem poderia ser diverso, já que o legislador representa as socie-
dades de que participa. Sao eleitos pelos diversos estamentos sociais para fazerem as leis. 
A idéia de uma Constituigao ou de leis escorreitas, em linguagem culta, incorporando a 
metalinguagem dos juristas, nao passa de preconceito elitista quando nao de pretensáo 
tecnicista que mal esconde o desejo das classes dominantes de controlar a sociedade pela 
utilizagáo do Direito, agora como sempre a mais alta técnica de planificagáo de compor-
tamentos humanos e, pois, de controle social. 
Ora, feita a lei, inclusive a Superlei, cabe aos juristas a sua interpretagáo, ao deside-
rato de aplicá-la aos casos concretos. 
Aos juristas, doutrinadores, advogados e juízes compete adequar as palavras da lei 
aos seus fins, ás luzes da Ciencia do Direito, fixando a ordem onde aparentemente existe 
o caos. Tem sido assim no pretérito e nao há razáo alguma para deixar de ser assim no fu-
turo. O tema sob crivo serve, por excelencia, á comprovagáo desse fenómeno. Vejamos, 
portanto, como encaminhá-lo. 
2.14. A redugáo dos empréstimos compulsorios e das contribuigóes parafiscais á 
tricotomía 
j Os empréstimos compulsorios c as contribuigóes especiáis sao tributos. Uns e ou-
J tras exigem que se lhes examinem os fatos geradores. Só depois desse examc é possível 
\ dizer de que especie se trata. Noutras palavras, tanto uns como outras sao nomes (nomina 
juris) consagrados pela tradigáo. Sao tributos especiáis, sempre foram. Mas qual a razáo 
do específico? Esta especificidade nao lhes seria suficiente para autonomizá-los, permi-
Itindo urna teoria qüinqüipartida dos tributos?
j Cremos que nao, c por varias razoes. 
Os compulsorios sao restituíveis, c as parafiscais sao para fins predeterminados. 
!sso o específico de uns c outras. )Nis 
76 SACHA CALMON NAVARRO COÉLHO 
Em primeiro lugar, a natureza jurídica da especie de tributo é encontrada pela aná-
lise do seu fato gerador, pouco importando o motivo ou a finalidade (elementos aciden-
tais). Entáo, depois dessa análise, será possível saber se se trata de imposto, de taxa ou de 
contribuicao (na especie contribuigáo temos duas subespécies: as contribuigóes de bene-
ficios e as contribuigóes de melhoria). 
Em segundo lugar, isto nao impede quehaja imposto restituível, com regime consti-
tucional próprio, nem obsta a existencia de impostos ou taxas afetados a finalidades es-
pecíficas e administrados por órgaos paraestatais ou autarquías em demanda de fins 
especiáis (contribuigóes parafiscais) igualmente sujeitadas a normas constitucionais que 
lhes sao específicas. 
Mas seria simplório dizer que a questáo é de taxionomia. O constituinte utilizou as 
expressóes "empréstimo compulsorio" e "contribuigóes" nao apenas por tradigáo, senáo 
que, também, por razoes jurídicas. É claro que poderia ter usado outra terminología: im-
postos restituíveis ou impostos de destinagáo especial. Nao o fez, no entanto. Num ou 
noutro caso devemos insistir em saber por que, ao lado dos impostos, das taxas e das con-
tribuigóes de melhoria, plantou o constituinte estas outras duas expressóes. Existiriam ra-
zoes jurídicas (exigentes de disciplinagáo própria para estas figuras). Sao tributos 
especiáis. Nao há, por exemplo, empréstimo compulsorio se nao houver: (a) imposto e 
(b) promessa de restituigáo. Mais ainda, os motivos para instituí-lo sao constitucionais. 
Um imposto residual (art. 154,1) nao requisita causa. O restituível (empréstimo compul-
sorio) a exige necessariamente. É dizer, para instituir um imposto residual sao necessá-
rios apenas o processo e os limites do art. 154,1, da CF. Para instituir o compulsorio é ne-
cessária, além da restituicao, a observancia dos motivos constitucionais que o autorizam 
(art. 148,1 e II). A receita dele advinda é vinculada á despesa (á causa que lhe deu ori-
gem). Por outro lado, as contribuigóes sao afetadas a fins predeterminados constitucio-
nalmente. Sao vinculados a órgaos e finalidades. E claro que nem a restituigáo nem a 
afetagáo parafiscal decidem sobre a natureza jurídica da especie tributaria. Contudo, es-
tes aspectos constitucionais que vimos de ver conferem matizes (secundarios) que singu-
larizan! para fins de regulamentacao jurídica os empréstimos compulsorios e as 
contribuigóes (sociais, corporativas e interventivas). Assim, u'a contribuigáo social que 
seja instituida sobre o lucro das empresas (art. 195) ganhando eficacia em 90 días (art. 
195, § 6 o) terá que ser cobrada, administrada e empregada pelo INSS nos fins da Consti-
tuigao. Se for a Uniáo o sujeito ativo da obrigagáo sem previsáo de repasse imediato, já 
nao se trata mais de contribuigáo, mas de imposto residual em bis in idem, contra a fór-
mula do art. 154,1, da CF. É dizer, as licengas da bitributagáo e da redugáo da anteriorida-
de foram permitidas na CF em prol da previdencia, e nao do Fisco Federal. 
2.15. Os níveis de análise da questáo dos empréstimos compulsorios e das 
contribuigóes parafiscais: o nivel da Teoria Geral do Direito e o nivel 
jurídico-constitucional 
Em primeiro lugar, relegue-sc o "nominalismo". Nao é o nome que confere identi-
dade ás coisas. IIy a le nom e ily a la chose. Importa apreender a ontologia básica do ente 
sob análise, no caso, o tributo. 
CURSO DE DIREITO TRIBUTARIO BRASILEIRO 77 
A análise dos empréstimos compulsorios e das contribuigóes especiáis ou ditas pa-
rafiscais comporta dois niveis. O primeiro é o nivel da Teoria Geral do Direito Tributario 
quanto ao conceito de tributo e de suas especies. O segundo nivel de análise é o jurídi-
co-positivo. Aqui comporta surprecnder as disciplinagóes legáis, a partir da Constitui-
gao que regem especificamente os empréstimos compulsorios e as contribuigóes. Agora 
note-se: o que do ponto de vista da Teoria Geral do Direito Tributario é acidental - resti-
tuibilidade e afetagao -, do ponto de vista jurídico-positivo é fundamental, daí que sao 
plasmadas normas específicas para regrar os compulsorios e as parafiscais, em razáo jus-
tamente das causas que justificam a criagao dos primeiros e dos fins que sustentam a exis-
tencia das segundas, até porque os impostos nao podem ser afetados. Existe proibigáo 
constitucional. 
Os dois planos de análise, embora devam ser feitos separadamente, e o faremos, 
nao sao estanques, tocam-se e ensejam conclusóes de ordem prática, como veremos no 
momento apropriado. Para logo vamos dar alguns exemplos, alias já insinuados retro. 
Io exemplo: há uma regra na Constituigao que diz ser privativa a competencia das pes-
soas políticas para impor os impostos que lhes foram discriminados. Por isso, a CF, ao permi-
tir á Uniáo criar novos impostos (residuais), proíbe que tenham fato gerador igual ao de 
impostos já criados. Se amanhá a Uniáo, motivadamente, instituir um empréstimo compulso-
rio cujo fato gerador seja idéntico ao do ICMS, aplica-se o art. 154,1, e declara-se, por essa 
razáo, inconstitucional o empréstimo compulsorio, salvo em caso de guerra. 
2° exemplo: esta mesma regra já nao se aplica ás contribuigóes sociais do art. 195 da 
CF. Elas podem incidir sobre lucro, faturamento, folha de salario, pouco importando que 
existam impostos do sistema incidindo sobre lucro, faturamento e salarios. A CF/88 ex-
pressamente permite. Mas se o legislador quiser instituir outras fontes de custeio de Índo-
le tributaria, incidindo sobre fatos que nao sejam lucro, faturamento, folha de salarios e 
receita de prognósticos, a fórmula do art. 154,1, ressurge com os seus óbices em defesa 
da integridade do sistema federativo de repartigáo de competencias tributarias. 
2.16. A classificagáo jurídica das duas supostas especies de tributo: contribuigóes 
especiáis e empréstimos compulsorios - Remissáo á Parte III, Capítulos I e II, 
do presente livro 
i Os empréstimos compulsorios, táo logo sejam examinados os seus fatos geradores, 
japresentam-se, invariavelmente, como impostos e, freqüentemcnte, como adicionáis de 
y impostos. Veja-se a nossa experiencia remota e recente. Os adicionáis restituíveis cola-
\ v a m - s e aos impostos-base. Mais recentemente tivemos varios "fatos geradores" de im-
1 postos (consumo de energia elétrica, de combustiveis, uso de linhas telefónicas - FNT, 
aquisigáo de veículos, de passagens aéreas internacionais, aquisigáo de moedas estran-
geiras e assim por diante). Difícil encontrar empréstimo compulsorio com feigáo de taxa. 
UE sempre imposto especial, causal, temporario e restituível. 
j As contribuigóes, quando a finalidade nao implica uma resposta estatal, pessoal, es-
"SPecifica, proporcional, determinada, ao contribuinte, sao também impostos, só que afeta-
jdos a finalidades específicas (finalísticos). Olhemos as do art. 195 da CF/88: receita bruta 
78 SACHA CALMON NAVARRO COÉLHO 
(faturamento), pagamento de folhas salariáis, lucro, receita de jogos. O que sao senáo fa-
tos geradores de impostos porque destituidos de qualquer atuagáo estatal, proporcional, 
específica, relativa á pessoa do contribuinte? Mas a contribuigáo previdenciária dos cm-
pregados c segurados do 1NSS sao, estas sim, sinalagmáticas. Ai existe contribuigáo 
como especie. 
Tributos 
1 impostos gerais 
nao-vinculados \ • impostos restituíveis 
• impostos especiáis, afetados, finalísticos 
vinculados 
taxas 
• de polícia 
de servicos 
( • de melhoria 
• previdenciárias 
O estudo pormenorizado da classificagáo das especies tributarias está no Capítulo 
II da Terceira Parte desta obra, para onde remetemos o leitor. 
2.17. Os principios
da capacidade económica e da pessoalidade dos impostos como 
principios orientadores do exercício das competencias tributarias 
"Art. 145. (...) 
(...) 
§ Io Sempre que possível, os impostos teráo caráter pessoal c scrao gra-
duados segundo a capacidade económica do contribuinte, facultado á admi-
nistragáo tributaria, especialmente para conferir efetividade a esses objetivos, 
identificar, respeitados os direitos individuáis e nos termos da lei, o patrimo-
nio, os rendimentos c as atividades económicas do contribuinte. 
(...)" 
A redagáo complicada, ao menos na sua primeira parte, está calcada na Constitui-
gao de 1946, que era mais concisa c veraz, senáo vejamos: 
"Os tributos teráo caráter pessoal sempre que possível, c scrao gradua-
dos conforme a capacidade económica do contribuinte." 
Na Constituigao de 46, a cláusula "sempre que possível" esta va ligada á pessoalidade. 
E de se supor - como inspiragáo - que agora também seja assim. 
Nao seria crívcl a instituigáo de impostos sem substrato na capacidade das pessoas 
nara nairá-los. 
CURSO DE DIREITO TRIBUTARIO BRASILEIRO 79 
Na Constituigao de 46, o principio avangou para abranger contribuigóes com feitio 
de impostos, como é o caso da COFINS hoje, e empréstimos compulsorios (impostos res-
tituíveis). A Constituigao de 46 referia-se a tributos. Hoje temos que assimilar a contri-
buigáo a imposto para dar efetividade ao principio, aplicável apenas aos impostos. 
Ocorre que depois de plasmar a regra do § Io do art. 145, o constituinte de 1988, 
dada a extrema constitucionalizagáo do Direito Tributario e o cariz exauriente do nosso 
sistema de repartigáo de competencias tributarias, ele próprio definiu os fatos geradores 
e indiretamente, os contribuintes de todos os impostos e contribuigóes sociais do sistema 
tributario, optando pela tributagao indireta sobre o consumo e a impessoalidade, como do 
agrado de Gandra Martins, 2 sem as vantagens por ele apregoadas. Alias, nem os EUA de 
Reagan e Bush, nem a Inglaterra dos conservadores, países de alta homogeneidade so-
cial, colheram frutos da tributagao indireta em detrimento da direta. Os ricos ficaram 
mais ricos, os pobres mais pobres. 
Na Europa continental, contudo, os impostos diretos formam 60% da receita tribu-
taria, e os indiretos, 40%. No Brasil é o contrario. De se concluir que a tese dos impostos 
indiretos como propulsores do desenvolvimento nao tem razáo de ser. As taxas de pou-
panga e investimento nao aumentaram, em que pese a insuficiente tributagao da renda e 
dos patrimonios, a qual ensejaria a propensáo para poupar e investir. 
O principio pode atuar condicionando o legislador em que ponto, já que o consti-
tuinte dele nao se aproveitou como era de se esperar? 
Ora, nos impostos e contribuigóes de competencia residual da Uniáo, já que os im-
postos discriminados foram formatados pelo próprio constituinte, certo ainda que esta-
dos e municipios nao possuem competencia residual... 
E o que ocorreu entre nos na década que se seguiu á Constituigao de 1988? 
O imposto sobre as grandes fortunas (direto e pessoal) surgiu na Constituigao, em-
bora nunca tenha sido regulamentado. Criaram-se varias contribuigóes indiretas sobre o 
consumo (COFINS e quejandos). Somente sobre movimentagóes financeiras a onerar o 
sistema nacional de pagamentos e o processo de produgáo, circulagáo e consumo de bens 
e servigos, criamos um imposto (IPMF) c uma contribuigáo (CPMF). 
Em ambos os casos, estes tributos decorrentes da competencia residual escaparam 
quase ilesos do teste de constitucionalidade perante o Supremo Tribunal Federal. 
Mas nao há motivos para desesperar. O principio apresenta outras serventías. 
2.18. O manejo dos principios da pessoalidade e da capacidade contributiva 
S°m° P r m c í P i o s abrangentes postos na Segáo dos Principios Gerais do Sistema 
utano inserto na Constituigao da República, alguma validez haveráo de ter sob pena 
ae taltar efetividade á Lei Maior. 
Anote-se o seguinte: 
Bastos, Celso Ribeiro e Martins, Ivés Gandra da Silva. Comentarios á Constituicao do Brasil, Sao Pau-
lo. Saraiva, vol. VI, tomo I, pp. 61-63. 
80 SACHA CALMON NAVARRO COÉLHO 
A) os destinatarios sao os legisladores das tres ordens de governo. Nessc sentido, os 
principios atuam informando a discricáo do legislador; 
B) depois disso os principios atuam para, condicionando o legislador, adequar a tri-
butacao obstando incidencias excessivas (principio da razoabilidade) ou bascados em 
presuncóes e fíegóes (nao-confisco), preservando o mínimo vital e obrigando, ñas minu-
cias, o sistema de impostos a respeitar as pessoas (deducoes necessárias no imposto de 
renda, créditos fiscais legítimos no ICMS e assim por diante). Servem ainda para graduar 
a progressividade em nome da justiga e da igualdade. 
Misabel Derzi, nos seus comentarios á obra de Baleeiro - Limitacoes Constitucio-
nais ao Poder de Tributar? discorre com precisáo: 
"Diferentes autores distinguem entre capacidade económica objetiva 
(ou absoluta) e subjetiva (ou relativa e pessoal). 
Emilio Giardina 4 explica que a capacidade objetiva absoluta obriga o le-
gislador a tao-somente eleger como hipóteses de incidencia de tributos aque-
les fatos que, efetivamente, sejam indicios de capacidade económica. Daí se 
inferir a aptidáo abstrata e em tese para concorrer aos gastos públicos da pes-
soa que realiza tais fatos indicadores de riqueza. No mesmo sentido, aponta 
Alberto Xavier. Ele explica que o legislador pode: 
escolher livremente as manifestacóes de riqueza que repute relevan-
tes para efeitos tributarios, bem como delimitá-las por uma outra forma mas 
sempre deverá proceder a essa escolha entre situagóes da vida reveladoras de 
capacidade contributiva e sempre a estas se há de referir na definiqao dos cri-
terios de medida do tributo.''5 
Nao obstante, a capacidade relativa ou subjetiva refere-se á concreta e 
real aptidao de determinada pessoa (considerados seus cargos obrigatórios 
pessoais e inafastáveis) para o pagamento de certo imposto. (...) 
Por isso interessa mais, dentro das peculiaridades de nosso direito posi-
tivo, estabelecer a relagáo e a compatibilidade entre as prestagóes pecuniarias, 
quantitativamente delimitadas na lei e a especie, definida pelo fato signo pre-
suntivo de riqueza (na feliz expressao de Becker), posto na hipótese de inci-
dencia e pré-delineado ñas normas constitucionais. Cabera ao legislador 
infraconstitucional fixar esta relagáo, porém a margem de discricionariedade 
de que dispóe é limitada. 
3 Baleeiro, Aliomar. Limitacoes Constitucionais ao Poder de Tributar. T cd., Rio de Janeiro, Forense, 
pp. 690-693. 
4 Le Basi Teoriche del Principio delta Capacita Contributiva, Milao, Dott". Giuffré, 1961, p. 439. 
5 Cf. Manual de Direito Fiscal, Faculdade de Direito de Lisboa, 1974, vol. I, p. 108. 
CURSO DE DIREITO TRIBUTARIO BRASILEIRO 81 
Do ponto de vista objetivo, a capacidade económica somente se inicia 
após a deducao dos gastos á aquisicáo, producao, exploracáo e manutencáo da 
renda e do patrimonio. Tais gastos se referem aqueles necessários ás despesas 
de exploracáo e aos encargos profissionais. (V. nesse sentido, Joachim Lang, 
Tributación Familiar HPE, 94: pp. 407-435, 1985, p. 410; Klaus Tipke, Steu-
errecht, 9, Otto Schmidt KG, 1983, p. 281). Ou seja, pode-se falar em uma ca-
pacidade económica objetiva, que o legislador tem o dever de buscar, como a 
renda líquida profissional, ou o patrimonio líquido. 
O principio da capacidade económica, do ponto de vista objetivo, obriga 
o legislador ordinario a autorizar todas as despesas operacionais e financeiras 
necessárias á producao da renda e á conservacáo do patrimonio, afetado á ex-
ploracáo. Igualmente o mesmo principio constrange a lei a permitir o abati-
mento dos gastos destinados ao exercício do trabalho, da ocupacáo profis-
sional como fonte,
de onde promanam os rendimentos. O rígido sistema cons-
titucional de competencia tributaria, assentado em campos privativos de atua-
gáo dos entes políticos estatais, e o principio da capacidade económica 
impedem uma miscigenacáo legal entre renda, rendimento e faturamento. 
Enquanto nos demais países, a confusáo entre tais conceitos esbarra apenas 
nos óbices constitucionais da tributagao segundo a capacidade económica, en-
tre nos, ao contrario, haverá também, além desses entraves, os limites da com-
petencia já postos no Texto Magno. 
Do ponto de vista subjetivo, a capacidade económica somente se inicia 
após a dedugáo das despesas necessárias para a manutengáo de uma existencia 
digna para o contribuinte e sua familia. Tais gastos pessoais obrigatórios (com 
alimentagáo, vestuario, moradia, saúde, dependentes, tendo em vista as rela-
góes familiares e pessoais do contribuinte, etc.) devem ser cobertos com ren-
dimentos em sentido económico - mesmo no caso dos tributos incidentes 
sobre o patrimonio e herangas e doagóes - que nao estáo disponíveis para o 
pagamento de impostos. A capacidade económica subjetiva corresponde a um 
conceito de renda ou patrimonio líquido pessoal, livremente disponível para o 
consumo e, assim, também para o pagamento de tributo. Dessa forma, se rea-
lizan! os principios constitucionalmente exigidos da pessoalidade do impos-
to, proibicáo do confisco e igualdade, conforme dispóem os arts. 145, § I o , 
150, II e IV, da Constituigao." 
Os impostos, entáo, sempre que possível, teráo caráter pessoal c seráo graduados 
segundo a capacidade económica (contributiva) dos contribuintes. Ao falar cm pessoali-
dade, o constituinte rendeu-sc ás classificagóes pouco científicas da Ciencia das Finan-
cas. Nem por isso o seu falar é destituido de significado. Dentre as inúmeras classifi-
cagóes dos impostos, avultam duas: 
A) a que divide os impostos em pessoais c reais; c 
82 SACHA CALMON NAVARRO COÉLHO 
B) a que os divide em diretos e indiretos. 
Impostos pessoais seriam aqueles que incidissem sobre as pessoas, e reais os que 
incidissem sobre as coisas. Pessoal seria, por exemplo, o imposto de renda, e real, o im-
posto sobre a propriedade de imóveis ou de veículos. 
A classificacao ó falha, por isso que os impostos, quaisquer que sejam, sao pagos 
sempre por pessoas. Mesmo o imposto sobre o patrimonio, o mais real deles, atinge o 
proprietário independentemente da coisa, pois o vínculo ambulat cum dominus, isto é, se-
gué o seu dono. 
O caráter pessoal a que alude o constituinte significa o desejo de que a pessoa tribu-
tada venha a sé-lo por suas características pessoais (capacidade contributiva), sem possi-
bilidade de repassar o encargo a terceiros. Esta impossibilidade de repassar, transferir, 
repercutir o encargo tributario é que fecunda a classificacao dos impostos em diretos e 
indiretos. O imposto sobre a renda dos assalariados, p. ex., seria direto, porquanto a pes-
soa tributada nao teria como transferi-lo para terceiros. Ao revés, seria indireto o ICMS, 
o IPI, certas incidencias do ISOF e do ISS, por isso que, nestes casos, a pessoa tributada 
tem condicóes de transferir o ónus fiscal a terceiros, seja através de específicas previsoes 
legáis, seja através do mecanismo dos precos, seja através de cláusulas contratuais, seja 
através de outros artificios. O dono de um imóvel alugado, v.g., pode transferir para o in-
quilino o IPTU incidente sobre o predio, contratualmente ou nao. Pessoal, pois, para o 
constituinte, é o imposto que leva em conta as condicóes do contribuinte sem repasse do 
encargo fiscal. 
Em suma, imposto pessoal e direto é o que incide sobre o contribuinte sem transfe-
rencia. O contribuinte de jure (eleito pela lei) é ele próprio também contribuinte de fato (o 
que sofre no mercado o peso do encargo). O ICMS, para exemplificar, tem um contri-
buinte de jure - o industrial, comerciante ou produtor- e varios contribuintes de fato - os 
consumidores fináis dos bens e servicos gravados. O mesmo ocorre com o Imposto de 
Venda a Varejo de Combustíveis (IVVC), em que os contribuintes de jure sao os postos 
varejistas de venda dos combustíveis automotivos. Os contribuintes de fato sao os adqui-
rentes, pois no preco de compra está embutido o valor do imposto. 
A capacidade contributiva é a possibilidade económica de pagar tributos (ability to 
pay). E subjetiva quando leva em conta a pessoa (capacidade económica real). É objetiva 
quando toma cm consideracáo manifestacóes objetivas da pessoa (ter casa, carro do ano, 
sitio numa área valorizada etc.). Ai temos "signos presuntivos de capacidade contributi-
va". Ao nosso sentir, o constituinte elegeu como principio a capacidade económica real 
do contribuinte. 
José Marcos D. de Oliveira, citando Cortés Domingues, 6 discorre: 
"Consoante licao de Cortés Domingues c Martín Delgado, a capacidade 
económica absoluta se refere á 'aptidáo abstrata para concorrer aos gastos pú-
blicos', tendo a ver com adefinicáo legal de quem sao os sujeitos e quais os fa-
6 Oliveira, José Marcos Domingues de. Capacidade Contributiva: Conteúdo e Eficacia do Principio, Rio 
de Janeiro, Renovar, 1988, p. 61. 
CURSO DE DIREITO TRIBUTARIO BRASILEIRO 83 
tos que tém ou indicam a existencia daquela idoneidade. Por outro lado, 
capacidade económica relativa, que supóc a absoluta, 'se dirige a delimitar o 
grau de capacidade. O quantum. Opera, pois, no momento de determinacao da 
quota.' Nesta segunda vertente, a capacidade contributiva tem a ver com a ap-
tidáo específica e concreta de cada contribuinte de per si cm face dos fatos ge-
radores previstos na lei." 
Os espanhóis usam as palavras "absoluta" e "relativa" no mesmo sentido da Prof. 
Misabel Derzi. 
A capacidade contributiva, antes de tudo, é uma categoría axiológica, ou seja, tem 
sede no mundo dos valores. Por isso mesmo a sua análise tem provocado uma grande di-
visao na tributarística entre os que a entendem como um principio pré ou parajurídico, 
sem possibilidade de efetivacáo no plano positivo, e os que a visualizam como um arqui-
princípio jurídico, independentemente de estar positivado, a comandar a orquestracáo 
dos sistemas jurídico-tributários. Temos para nos que se trata de um diverbio puramente 
bizantino. Em primeiro lugar, o mundo moderno elegeu a capacidade contributiva como 
um valor muito caro, cm tema de tributagao, certo de que alguns sistemas a constitucio-
nalizaram, e outros a positivaram em texto legislativo. Quando assim nao c, verifica-se 
que em inúmeras ocasióes a mens legislatoñs orienta-se na feitura de leis pelas determi-
nacóes do principio da capacidade contributiva. No Brasil pós-88, de sobredobro, o prin-
cipio está expressamente consagrado no corpo da Lei Maior. Assim, além de ser jurídico, 
o principio é constitucional. Todo debate, portanto, que se travar académicamente em 
torno da efetividade do principio será pura perda de tempo. E mais, o principio da isono-
mia tributaria nao tem condicóes de ser operacionalizado sem a ajuda do principio da ca-
pacidade contributiva, i.e., sem uma referencia á capacidade de contribuir das pessoas 
físicas e até jurídicas. E quem ousará dizer que o principio da igualdade é delirante? Nao 
desconhecemos o velho refráo: "Nem tudo que é legal justo é." Esta dicotomía entre jus-
tiga e Direito é táo avelhantada quanto a humanidade. A lei, também o sabemos, é antes 
de tudo veículo de qualquer conteúdo, da justiga e da injustiga, da igualdade e da desi-
gualdade. Nem por isso e até por isso devemos cuidar de insuflar no Direito-Sistema os 
valores pelos quais a vida vale a pena ser vivida: liberdade, igualdade, justiga e seguran-
ga. Se o Direito é "dever-ser", como diz Lourival Vilanova, "c dever-ser de algo". Esta 
precisamente a questáo. Estamos mais preocupados com o que deve ser do que propria-
mente com o dever-ser, que é meramente instrumental, neutro
de valor. Quanta amargura 
em ver Enno Becker recomendando dever ser o Direito Tributario alemáo a expressao ju-
rídica do nacional-socialismo de Hitler. É disso que se trata. Se a lei aceita qualquer con-
teúdo, bastando o dominio da máquina do Estado, devemos fazer política para que o 
Direito seja justo. E devemos deslocar a legitimidade do sistema jurídico do plano formal 
e político para o plano axiológico e, dentre as varias axiologias, admitir como legítima 
apenas a que prestigie os valores da liberdade, da igualdade, do pluralismo, da solidaric-
dade e da democracia. O Direito, como instrumento de poder, tem sido, ao longo dos lem-
pos, o instrumento da opressáo. Sob as altas pressóes do mundo moderno estamos 
chegando aos pontos de mutagáo. 
84 SACHA CALMON NAVARRO COÉLHO 
2.19. Capacidade contributiva e discricáo legislativa 
Dito isto, cabe reafirmar que o principio da capacidade contributiva anima - en-
quanto afim da igualdade - tanto a producao das leis tributarias quanto a aplicacáo das 
mesmas aos casos concretos a partir do fundamento constitucional. E dizer, o legislador 
está obrigado a fazer leis fiscais catando submissáo ao principio da capacidade contribu-
tiva em sentido positivo e negativo. E o juiz está obrigado a examinar se a lei, em abstra-
to, está conformada á capacidade contributiva e, também, se, in concretu, a incidencia da 
lei relativamente a dado contribuinte está ou nao ferindo a sua, dele, capacidade contribu-
tiva. 
Passemos a examinar o conteúdo do principio da capacidade contributiva, nao sem 
antes recomendar aos interessados a leitura do livro do Prof. José Marcos Domingues de 
Oliveira.7 O jovem professor cuida do assunto com a maturidade e o espirito de síntese 
dos grandes mestres. 
Griziotti, há quase meio século, dizia que a capacidade contributiva indicava a po-
tencialidade das pessoas de contribuir para os gastos públicos. 8 Moschetti a conceituou 
como "aquela forca económica que deva julgar-se idónea a concorrer as despesas públi-
cas", e nao "qualquer manifestacao de riqueza", acentuando assim a capacidade econó-
mica real do contribuinte e, pois, personalizando o conceito. 9 Aliomar Baleeiro avancou 
um pouco mais, fazendo surgir a capacidade contributiva como o elemento excedentário, 
sobrante, da capacidade económica real do contribuinte; seria a "sua idoneidade econó-
mica para suportar, sem sacrificio do indispensável á vida compatível com a dignidade 
humana, urna fracáo qualquer do custo total dos servicos públicos". 1 0 Pérez de Ayala e 
Eusebio González, desde a Espanha, predicam que o principio da capacidade contributi-
va estende-se ás pessoas jurídicas, as quais tém que satisfazer necessidades operacionais 
mínimas sob pena de extincáo. Somente após este limite teriam capacidade contributi-
va. 11 Alberto P. Xavier aduz que capacidade contributiva, igualdade, legalidade e genera-
lidade da tributacao assumiram urna profunda unidade sistemática como "cmanacáo do 
Estado de Direito no dominio dos impostos". 1 2 Ao dizer o que disse, considerou o princi-
pio da capacidade contributiva como o principio operacional da igualdade de todos pe-
rante a lei na medida de suas desigualdades. 
Por isso mesmo, de repelir a curta visáo de A. D. Giannini ao enclausurar o princi-
pio no plano legislativo, desprezando a eficacia do Poder Judiciário, que, nos EU A, a par-
7 Ob. cit. 
8 Griziotti, Bcnvenuto. Principios de Ciencia de las Finanzas, Buenos Aires, Depalma, 1949, p. 215. 
9 Moschetti, Francesco. // Principio delta Capacita Contributiva, Padova, CEDAM, 1973, p. 238. 
10 Baleeiro, Aliomar. Urna ¡ntroducao á Ciencia das Financas, 14a ed., Rio de Janeiro, Forense, 1984, p. 
266. 
11 Ayala, Pérez de e González, Eusebio. Curso de Derecho Tributario, 3a ed., Madrid, Editorial de Dere-
cho Financiero, 1980, tomo II, LIX. 
12 Xavier, Alberto Pinheiro. Os Principios da Legalidade e da Tipicidade da Tributacao, Sao Paulo, Ed. 
Revista dos Tribunais, 1978, p. 9. 
CURSO DE DIREITO TRIBUTARIO BRASILEIRO 85 
tir de uma sintética Constituigao de Principios, construiu a dogmática constitucional 
daquele país á sombra de decisdes judiciais. 
Disse, com erronia, Giannini, que o principio da capacidade contributiva era "uma 
exigencia ideal, cuja realizagáo, como em qualquer outro campo da vida social, fica atri-
buida á prudente apreciacáo do legislador".n 
Absolutamente nao. O legislador nao tem que ser prudente; deve ser obediente á 
Constituigao. E, na hipótese de nao "ser prudente" em sua apreciagáo dos fatos e da nor-
ma constitucional, cabe ao Judiciário corrigi-lo. 
A "prudente apreciagáo", no caso, passa a ser a do juiz. 
Por isso mesmo, razáo assiste aos juristas que nao admitem ficarem os principios 
constitucionais a depender do "prudente alvedrio dos legisladores". No que tange ao 
principio da capacidade contributiva, motor operacional do principio da igualdade, seria 
verdadeiro escarnio entregá-la, a sua realizagáo prática, ao "arbitrio dos legisladores". 
Diño Jarach, lapidar, afirmava que a igualdade em tema de tributagao mais nao era que 
"igualdade em condigóes iguais de capacidade contributiva". 1 4 
É dizer, a capacidade contributiva apresenta duas almas éticas que estáo no cerne do 
Estado de Direito: 
A) em primeiro lugar, afirma a supremacía do ser humano e de suas organizagóes 
em face do poder de tributar do Estado; 
B) em segundo lugar, obriga os Poderes do Estado, mormente o Legislativo e o Ju-
diciário, sob a égide da Constituigao, a realizarem o valor justiga através da realizagáo do 
valor igualdade, que no campo tributario só pode efetivar-se pela prática do principio da 
capacidade contributiva e de suas técnicas. 
Por isso mesmo as reflexóes mais profundas e modernas a propósito do principio 
apresentam-se limpas da ganga positivista e do "fetiche legalista". E ver Sainz de Bujan-
da dizendo que os fatos geradores só se justificam, constitucionalmente falando, se com-
prometidos com o valor justiga, objeto do Estado de Direito, se forem indicativos de 
capacidade económica}5 
Entre nos, principio constitucional que é, a capacidade contributiva subordina o le-
gislador e atribui ao Judiciário o dever de controlar a sua efetivagáo enquanto poder de 
controle da constitucionalidade das leis e da legalidade dos atos administrativos. 
2.20. A capacidade contributiva e as especies tributarias - Capacidade contributiva 
e extrafiscalidade 
Em seguida passaremos a examinar a abrangéncia do principio relativamente ás es-
pecies tributarias e em relagáo á extrafiscalidade. 
Giannini, A. D. / Concetti Fondamentali di Dirítto Tributario, apud Fonrouge, Derecho Financiero, 3a 
ed., Buenos Aires, Depalma, vol. I, p. 259. 
Jarach, Diño. Curso Superior de Derecho Tributario, 9a ed., Buenos Aires, CIMA, p. 126. 
Bujanda, Sainz de. Hacienda y Derecho, Madrid, Inst. de Estudios Políticos, 1966, vol. IV, p. 551. 
86 SACHA CALMON NAVARRO COÉLHO 
1 
Orienta-nos o espirito incomensuravelmente fecundo de Rui Barbosa: 1 6 
"A regra da igualdade nao consiste senao em quinhoar desigualmente 
aos desiguais, na medida em que se desigualam. Nesta desigualdade social, 
proporcionada á desigualdade natural, é que se acha a verdadeira lei da igual-
dade. O mais sao desvarios de inveja, do orgulho ou da loucura. Tratar com 
desigualdade a iguais ou a desiguais com igualdade seria desigualdade fla-
grante e nao igualdade real." 
Por ser do homem a capacidade de contribuir, a sua medicáo 6pessoal, sendo abso-
lutamente desimportante intrometer no assunto a natureza jurídica das especies tributa-
rias. E errado supor que, sendo a taxa um tributo que tem por fato jurígeno urna atuacao 
do Estado, só por isso, em relacao a ela nao há falar em capacidade contributiva. Ora, a 
atuagáo do Estado é importante para dimensionar a prestacáo, nunca para excluir a con-
siderado da capacidade de
pagar a prestacáo, atributo do sujeito passivo e nao do Jato ju-
rígeno. O que ocorre é simples. Nos impostos, mais que ñas taxas e contribuicoes de 
melhoria, está o campo de eleicáo da capacidade contributiva. Assim mesmo os impostos 
"de mercado", "indiretos", nao se prestam a realizar o principio com perfeicao. É nos im-
postos patrimoniais, com refracoes, e nos impostos sobre a renda, principalmente nestes, 
que a efetividade do principio é plena pela adocáo das tabelas progressivas e das dedu-
coes pessoais. Ñas taxas e contribuicoes de melhoria, o principio realiza-se negativamen-
te pela incapacidade contributiva, fato que técnicamente gera remissoes e reducoes 
subjetivas do montante a pagar imputado ao sujeito passivo sem capacidade económica 
real. E o caso, v.g., da isencáo da taxa judiciária para os pobres e o da reducáo ou mesmo 
isencáo da contribuicáo de melhoria em relacao aos miseráveis que, sem querer, foram 
beneficiados em suas humílimas residencias por obras públicas extremamente valoriza-
doras. Obrigá-los a vender suas propriedades para pagar a contribuicáo seria impensável 
e inadmissível, a nao ser em regimes totalitarios de direita. Nos impostos que percutem 
(chamados de "indiretos" ou de "mercado") entra em cena o contribuinte de fato, dife-
rente do de jure, e a capacidade contributiva realiza-se imperfeitamente. É o caso das alí-
quotas menos gravosas do IPI e do ICMS. Supoe-se que os de menor renda (contribuintes 
de fato) consomem artigos necessários táo-somente a urna existencia sofrida, e, por isso, 
as alíquotas sao reduzidas, ou mesmo isencoes sao dadas. Ocorre que tanto compra feijáo 
José da Silva quanto Ermírio de Moraes, com o rico industrial se beneficiando dos favo-
res pensados para José. Em compensacao, José nao consomé champanha ou caviar, cujas 
aliquotas sao altas... 
A idéia de capacidade contributiva, o seu conteúdo, serve de parámetro para anali-
sarmos o maior ou menor teor de injustica fiscal existente nos sistemas tributarios. A jus-
tica vasculhando o Direito, como diría Gorki, genial escritor russo. 
16 Oracao aos Mocos, Casa de Rui Barbosa, Rio de Janeiro, 1949. 
CURSO DE DIREITO TRIBUTARIO BRASILEIRO 87 
O ponto traz á baila a questáo da tributagao exacerbada por razoes extrafiscais. 
Como encarar a questáo em face do principio da capacidade contributiva? 
Fonrouge, com a oposigáo de alguns, entendía que o principio da capacidade contri-
butiva era incompossível com a tributagao extrafiscal.1 7 O mestre portenho tem razáo. As 
isengoes e outras técnicas de exoneragáo fiscal para partejar o desenvolvimento econó-
mico partem da idéia de que os empreendedores possuem elevada capacidade económi-
ca tanto que investem dinheiro em atividades empresariais em troca dos aliciantes 
fiscais... Por outro lado, as técnicas inibitórias de extrafiscalidade só sao possíveis pela 
exacerbagáo dos encargos fiscais, tornando proibitivos certos consumos e hiperonerosas 
certas situagóes. Exemplificamos com o ITR c o IPTU progressivos; o primeiro para de-
sestimular o latifundio, o ausentismo e a improdutividade rural, c o segundo para coibir a 
especulagáo imobiliária urbana e a disfungáo social da propriedade ñas cidades. Sem a 
exacerbagáo da tributagao nao haveria como praticar a extrafiscalidade, que se caracteri-
za justamente pelo uso e manejo dos tributos, com a finalidade de atingir alvos diferentes 
da simples arrecadagao de dinheiro. Nesses casos, a consideragáo da capacidade contri-
butiva, que nao está em causa, evidentemente, é demasia. Sem razáo, no pormenor, José 
Marcos Domingues, ao dizer que Fonrouge está equivocado.' 8 
Agora, essa é outra situagáo, o principio da capacidade contributiva junto com ou-
tros, tais como o da igualdade e o da generalidadc, podem atuar para o controle político e 
jurisdicional da tributagao pervertida ou das perversóes da extrafiscalidade. Nisso acerta 
em cheio o Prof. José Marcos Domingues: 1 9 
"... As isengoes extrafiscais (tanto quanto as isengoes fiscais - que pre-
servam o 'necessário mínimo'), quando nao iluminadas por criterios como es-
ses, transformam-se em privilegios inconstitucionais e sao espurias, 
desvirtuadas, informam a 'possível colisáo dos regimes de incentivos com o 
principio da igualdade concebido com o principio da capacidade contributi-
va', conforme advertencia das VI Jornadas Latino-Americanas de Direito Tri-
butario, intitulada 'Los Incentivos Tributarios al Desarollo Económico'." 
2.21. A capacidade contributiva e o papel do Poder Judiciário 
De ver, finalmente, o papel do Poder Judiciário como poder de controle da constitu-
cionalidade das leis, enquanto agente da efetividade do principio, que nao é penduricalho 
doutrinal, mas prescrigáo constitucional com largo espectro eficacial. De um modo geral, 
os autores coincidem. O Prof. Domingues, no seu livro, 2 0 oferece-nos ricos adminículos 
doutrinários ao trazer á colagáo o pensamento de insignes juristas a propósito do assunto 
que estamos a cuidar. 
17 Fonrouge, Giuliani. Derecho Financiero, 3a ed., Buenos Aires, Depalma, 1976, vol. I, p. 126. 
1 8 Ob. cit, p. 54. 
!9 Ob.c i t .p . 56. 
20 Ob. cit , p. 56. 
SACHA CALMON NAVARRO COÉLHO 
"... Na Italia, Antonio Berliri cntende que, em face do art. 53 da Consti-
tuicao (que consagra expressamente o principio), 'é induvidável que o poder 
do Parlamento para criar tributos nao é ilimitado e, portanto, é admissível re-
curso ao Tribunal constitucional denunciando a incompatibilidade entre um 
determinado imposto e o citado artigo'. 
No Brasil, Aliomar Baleeiro, ao defender a juridicidade e a perceptivi-
dade do principio, sustentou valer ele como standard jurídico também para o 
juiz no ato de aplicacáo do Direito, havendo Alberto Xavier asseverado que a 
violacáo da capacidade contributiva desencadeia o mecanismo constitucional 
de defesa das garantías individuáis. 
Enseja-se, assim, o debate da questao da legitimidade constitucional das 
leis que se afastam da diretriz finalística estabelecida pelo principio (a justica 
fiscal) e a inarredável responsabilidade do Poder Judiciário de exercer o cor-
respondente controle jurisdicional com vistas a salvaguardar o imperio da 
Constituicao. É que, como ensina Ricardo Mercado Luna, 'a validade das nor-
mas inferiores se sustenta no valor justica contido na Constituicao'. 
Ora, o grande mestre Eduardo Couture sabiamente lecionava que 'a jus-
tica, em sentido valorativo, do juiz, deve coincidir com a justica do legislador 
e a deste com a do constituinte', razao pela qual se pode concluir que o contro-
le de constitucionalidade das leis é, em última análise, um controle de justica. 
Neste passo, recorde-se que, segundo entendemos, é no ideal de justica 
que se inspira o principio da igualdade, cujo conteúdo, por sua vez, é integra-
do no Direito Tributario pelo principio da capacidade contributiva, determi-
nando-se desta forma o profundo sentido ético-jurídico do tributo, que nao 
poderá fugir ao que Heinrich Kruse denomina principio da justica da imposi-
cao, cuja interpretacáo, afinal, cabe ao Poder Judiciário. 
Ora, se um tributo violar a capacidade contributiva estará desrespeitan-
do a própria isonomia constitucional e a diretriz da Justica (fiscal) de que se 
reveste o principio. 
Por isso entendemos que a injustica tributaria se transmuda em inconsti-
tucionalidade da lei que a tenha estabelecido, por desrespeito á capacidade 
contributiva e a fortiori á igualdade. 
Nao é por outra razáo que a nova Constituicao do Chile (art. 19, § 20) 
assegura a todas as pessoas 'a igual reparticao dos tributos em proporcáo 
ás rendas ou na progressáo ou forma que fíxe a lei ' , sendo que 'em nenhum 
caso a lei poderá estabelecer tributos manifestamente desproporcionados 
ou injustos'. 
Justica e igualdade, além de principios jurídicos, sao sentimentos pró-
prios da condicáo humana, vivenciados
concretamente, e que permeiam im-
perceptivelmente as constituicoes democráticas, na esteira de formulacoes 
vagas e aparentemente vazias como a cláusula dueprocess oflaw..." 
CURSO DE DIREITO TRIBUTARIO BRASILEIRO 89 
Bilac Pinto nos brinda com exemplo jurisprudencia], um julgado argentino muito 
sugestivo. 
"... há, indubitavelmente, supressao, quebra ou depressáo das garantias 
constitucionais referidas (direito de propriedade e liberdade), quando se cobra 
um imposto que, por sua elevacáo ou desproporcáo, torna impossível ou qua-
se impossível o desenvolvimento de uma atividade lícita, matando os estímu-
los legítimos de realizar lucros que constituem o necessário incentivo de toda 
iniciativa industrial ou comercial, já que, como algumas vezes tem dito esta 
Corte, nao é crível que um homem equilibrado empreenda um negocio para 
perder ou para nao ganhar..." 
A questáo, porém, nao é de fácil solugáo. O controle das leis pelo conteúdo, ou seja, 
o controle da discrigáo legislativa pelo Poder Judiciário convoca aporias insuspeitadas. 
Há dois tipos de inconstitucionalidade que podem ser argüidos contra uma lei ou 
pedago de lei: a inconstitucionalidade formal, porque a lei nao se reporta aos preceitos 
que regulam a sua formagáo, e a inconstitucionalidade material, que ocorre em razáo de a 
lei contrariar preceito constitucional material. Marcelo Caetano, sobre o assunto, diz 
que: 2 2 
"... se a inconstitucionalidade resulta de a lei conter preceitos que este-
jam em contradigáo com a doutrina constitucional, diz-se inconstitucionalida-
de material (...) Se a inconstitucionalidade resulta de a lei ser publicada sem 
terem sido seguidos na sua elaboragáo os trámites cstabelecidos pela Consti-
tuigao ou sem revestir a forma que, para cada caso, ela prescreva, diz-se que 
há inconstitucionalidade formal." 
Como ressabido, há os que acham ser a capacidade contributiva algo entregue ao 
prudente alvedrio do legislador. Pelo principio da tipicidade, a lei já traria especificados 
todos os elementos necessários á sua incidencia, vedado ao juiz intrometer-se na conside-
ragáo do assunto (legalidade estrita). 
Há neste raciocinio dois erros. 
Em primeiro lugar, o principio da capacidade contributiva, quando apresenta-se 
constitucionalizado, tem por destinatario o órgáo legislativo, fautor da lei fiscal. É, as-
sim, materialmente, norma sobre como fazer lei. Sendo assim, se a lei ofender o principio 
da capacidade contributiva, genéricamente, dá-se uma hipótese de inconstitucionalidade 
matenaL por isso que inexiste o fundamento material de validez da lei. Neste caso, o Ju-
diciário pode declarar a inconstitucionalidade da lei, tanto nos encerros de uma agáo dire-
Revista Forense, n° 82, p. 558. 
Caetano, Marcelo. Manual de Ciencia Política e Direito Constitucional, 6a ed., Coimbra Editora, 1972, 
vol. I, p. 344. 
90 SACHA CALMON NAVARRO COÉLHO 
ta de inconstitucionalidade (controle concentrado), quanto no bojo de uma acáo comum, 
incidenter tantum (controle difuso). Agora, se se trata de apurar a incapacidade contribu-
tiva real de um dado contribuinte, a acáo cabível seria a declaratoria-constitutiva da inca-
pacidade contributiva do autor em face do padráo genérico da lei. Nao é a lei que é 
inconstitucional, mas a sua aplicacáo em relacao a uma referida pessoa especialmente 
considerada. Na primeira hipótese, inexiste lesáo ao principio da tipicidade. Este nao 
quer que o administrador e o juiz legislem. Ora, quando o juiz declara a nulidade da lei ou 
de um artigo, porque inconstitucional, nao está legislando, senáo aplicando principios 
constitucionais. No segundo caso, é duvidosa a atuacáo do juiz, embora seja desejável. 
O que precisa ficar bem claro é que o principio da capacidade contributiva nao é 
dispositivo programático, nocáo de resto superadíssima pelo moderno constitucionalis-
mo, senáo principio constitucional de eficacia plena conferente de um direito público 
subjetivo ao cidadáo-contribuinte, oponível ao legislador. Onde há direito há sempre 
acáo, e nao há acáo sem Judiciário ou juiz. Como averbado pelo Ministro Moreira Alves, 
o juiz é o legislador negativo. Nao faz a lei, nega a sua aplicacáo. A questáo, todavía, é 
polémica. 
As reflexoes do Professor Domingues sobre o tema se nos afiguram muito apropria-
das, conquanto ousadas, considerando-se o conservadurismo dos nossos juristas. 
"... Manifestamos, a propósito, nossa divergencia com o eminente Prof. 
Sainz de Bujanda, quando sustenta que a capacidade contributiva, nao sendo a 
causa da obrigacáo tributaria nao poderia ensejar a pesquisa de sua presenca 
nos casos concretos, sob pena de se perder a generalidade que toda norma ju-
rídica deve ter (grifos nossos). 
Pensamos que, demonstrado ser o principio da capacidade contributiva 
o fundamento jurídico-constitucional do fato gerador do tributo, mesmo pres-
cindindo do conceito de causa (que aqui descaberia debater) tem-se que, nao 
se verificando aquele pressuposto, inexistirá substrato de legitimidade para o 
nascimento de quaisquer obrigacóes tributarias concretas exatamente por fal-
tar-lhes a seiva em que buscariam forca para frutificarem. Se nao há funda-
mento para o tributo já nem será necessário pensar-se em causa da obrigacáo 
de pagá-lo. 
O aprofundar-se no estudo da capacidade contributiva traz para o jurista 
conseqüéncias 'bastante curiosas' como reconheceu Bilac Pinto ao expor a 
teoría da inconstitucionalidade material da lei tributaria, que nao se detém em 
face de uma bem redigida e aparentemente correrá fórmula legal. E que o prin-
cipio da capacidade contributiva consubstancia garantía individual do admi-
nistrado, de sorte que é exatamente no particularismo do caso concreto que 
deverá manifestar-se toda sua beleza, conteúdo e vigor. Por outro lado, há de 
se compreender que o direito individual do contribuinte de pagar tributo con-
forme a sua idoneidade económica nao pode ser estorvado pelas 'pequeñas' 
injusticas veladas praticadas ao abrigo de legislacáo pretensamente apoiada 
em 'grandes números' que, na prática, inviabilizam a realizacao da justica. 
CURSO DE DIREITO TRIBUTARIO BRASILEIRO 91 
Criticou, certa feita, o grande juiz Costa Manso, a introducao do 'espiri-
to' matemático ñas ciencias filosóficas e jurídicas como sendo a causa de nao 
pequeños disturbios e percalcos: 
'O direito nem sempre pode ser abstratamente lógico, para poder ser jus-
to. Nem matemático para ser social.' 
Nao foi por outra razáo que outro insigne magistrado brasileiro, Pedro 
Chaves, proclamou 'que a indagacáo de proibitividade de certo imposto en-
volve, em regra, o exame de questóes de fato'. 
O que está em causa é a efetividade do principio da capacidade contribu-
tiva e, para que este se realize, nao se pode prescindir da verificacáo concreta 
da conformacáo dos tributos 'á capacidade económica do contribuinte' indivi-
dualmente considerado." 
Parece-me que o Prof. Domingues nao enfrentou a objecáo do Prof. Sainz de Buj an-
da grifada retro. O professor espanhol insurge-sc é contra a possibilidade de o contribuin-
te, embora considerando a lei justa, déla furtar-se por nao ter capacidade para pagar o 
tributo, com espeque em sentenca. 
Embora nao sendo o local apropriado a debates abstrusos como este, em torno dos des-
dobramentos práticos da capacidade contributiva, á guisa de epílogo, cabe avancar na inda-
gacáo. Se, com efeito, pudesse o Poder Judiciário, em um dado caso concreto, declarar a 
incapacidade contributiva do autor, poderia o juiz adequar a carga tributaria ás possibilidades 
dele, mediante específica valoracáo através de prova técnica, alterando assim a "quantifica-
cao" do dever jurídico-tributário? Pois o quantum debealumño deve ser extratado exclusiva-
mente de dados postos em lei? (Legalidade-tipicidade.) Em verdade, a lei deveria, 
necessariamente, prever isencáo para os casos
de incapacidade contributiva relativa. 
Aperquiricáo embaraca. O juiz pode negar aplicagáo a uma lei que desobedega, por 
exemplo, a dedugáo de encargos com a educagáo ou os limite (IR-fisica), mormente 
quando as pessoas jurídicas podem deduzir ditos encargos (para valer erga omnes, o foro 
adequado é o STF). No entanto, a exclusáo do incapaz contributivo é caso-limite. 
Mas já há um sendeiro aberto. O Supremo Tribunal Federal tem dito que o Poder Ju-
diciário é competente tanto para excluir como para graduar multas fiscais, muito embora 
as infragóes e sangóes fiscais sejam materia sob reserva de lei em sentido formal e mate-
rial (legalidade e tipicidade), a teor do art. 97 do CTN. 2 3 
2.22. A importancia dos principios jurídicos - Os principios constitucionalizados 
sao obrigatórios 
Sobre a fungáo das definigóes no interior do sistema jurídico, García Mayncz, 2 4 de-
pois de dividi-las em explícitas e implícitas, diz-nos que as primeiras perseguem uma fi-
nalidade primordialmente prática: 
Revista Trimestral de Jurisprudencia, 33/647, 37/296, 41/55, 44/661, 78/610. 
Maynez, García. Lógica del Concepto Jurídico, Fondo de Cultura Económica, México, Publicacciones 
Dianoia, 1959, p. 74. 
• 
92 SACHA CALMON NAVARRO COÉLHO 
25 Engisch, Karl. ¡nlroducao ao Pensamento Jurídico, trad. de Joao Baptista Machado, 2a ed., Lisboa, 
Fundacao Calouste Gulbenkian, 1968, p. 29. 
"Los preceptos jurídicos definitorios no tiendem a la satisfacción de un 
proscrito de índole científica, como ocurre, por ejemplo, con las definiciones 
elaboradas por los cultivadores de la matemática y de la ciencia natural, sino 
al logro de un desiderátum completamente distinto: hacer posible la interpre-
tación y aplicación de los preceptos en que intervienen las expresiones defini-
das y, de esta guisa, asegurar la eficacia de tales preceptos y la realización de 
los valores que les sirven de base." 
O dizer de Maynez encontra eco em Engisch: 2 5 
"Tanto as definicóes legáis como as permissoes sao, pois, regras nao au-
tónomas. Apenas tém sentido em combinacáo com imperativos que por elas 
sao esclarecidos ou limitados. E, inversamente, também estes imperativos só 
se tornam completos quando lhes acrescentamos os esclarecimentos que re-
sultam das definicóes legáis e das delimitacóes do seu alcance... Os verdadei-
ros portadores do sentido da ordem jurídica sao as proibicóes e as prescricóes 
(comandos) dirigidas aos destinatarios do Direito, entre os quais se contam, 
de resto, os próprios órgaos estatais." 
Nota-se, á evidencia, a influencia de Kelsen. Seja lá como for, nao-autónomos ou 
entes secundarios, ou ainda exercendo funcoes ancilares, as definicóes e regras de quali-
ficacáo integram o sistema normativo (que nao é mero sistema de normas), onde cum-
prem papel de assinalada importancia. 
Nao menos importantes que as definicóes legáis sao os principios que, na maioria 
das vezcs, nao possuem o status de lei, mas sao aplicados pelos intérpretes e julgadores 
com intensidade, fazendo parte do Direito enquanto ato regular da vida em sociedade. É 
verdade que um principio pode estar enunciado no vernáculo dos digestos, mas isso nao é 
absolutamente necessário. No Direito brasileiro, v.g., está previsto o principio de que o 
juiz deve aplicar a lei levando em conta os fins sociais a que se destina. Nesse caso, o 
principio está legalmente incorporado ao Direito posto. E o caso ainda do chamado prin-
cipio constitucional da legalidade, pelo qual ninguém está obrigado a fazer ou deixar de 
fazer alguma coisa a nao ser em virtude de lei. Sem embargo, outros principios existem e 
sao aplicáveis sem que estejam formalmente previstos. Nem por isso "estaráo fora" do 
ordenamento jurídico. Vejamos alguns expressos e implícitos: o que nao permite o exer-
cício abusivo do Direito; o que nega protecáo judicial a quem alega em juízo a própria 
torpeza; o que proscreve a interpretacáo analógica das leis fiscais e penáis; o que, em ma-
teria de menores, ordena consultar o interesse dos mesmos; o que estabelece a presuncáo 
de legitimidade dos atos da Administracáo; o que, em tema de servico público, dispoe 
CURSO DE DIREITO TRIBUTARIO BRASILEIRO 93 
que se deve atender em primeiro lugar á sua continuidade; o que afirma que o contrato faz 
lei entre as partes, mas nao prevalece ante as leis do Estado; o que propoe nao dever a res-
ponsabilidade ser presumida, por isso que deve ser expressa na lei; o que manda o juiz de-
clarar a inconstitucionalidade de uma lei só quando isto seja inevitávcl; o que, em materia 
cambial, reconhece no endosso a fungáo de assegurar celeridade aos negocios; o que 
veda decretar a nulidade pela própria nulidade (nenhuma nulidade sem prejuizo); o que, 
em tema de Direito Marítimo, dispóe que se deve favorecer tudo o que permita ao navio 
continuar navegando; o que, em caso de dúvida, manda que se decida em favor do réu (in 
dubiopro reo); o que, em materia juslaboral, prescreve que a interpretagáo do contrato de 
trabalho deve ser feita de modo a favorecer a estabilidade e a continuidade do vínculo e 
nao a sua dissolugáo, além de muitíssimos outros. 
Hart 2 6 teve a compreensáo exata do tema quando em The Concept ofLaw disse que: 
"... nos sistemas em que a lei é uma fonte formal do Direito, os tribunais 
ao decidirem os casos estáo obrigados a tomar em conta uma lei pertinente, 
ainda que, sem dúvida, tenham uma considerável liberdade para interpretar o 
significado da linguagem legislativa. Mas ás vezes o juiz tem muito mais que 
liberdade de interpretagáo. Quando considera que nenhuma lei ou outra fonte 
formal de Direito determina o caso a decidir, pode fundar a sua decisáo, por 
exemplo, em um texto do Digesto ou na obra de algum jurista francés... O sis-
tema jurídico nao o obriga a usar estas fontes mas é perfeitamente aceitavel 
que o faga. Elas sao, portanto, mais que meras influencias históricas ou even-
tuais, pois tais textos sao considerados como de 'razáo' para as decisóes judi-
ciais. Talvez possamos chamar a tais fontes de 'permissivas' para distingui-las 
tanto das obrigatórias ou formáis como as leis, como das históricas." 
O que caracteriza os principios é que nao estabelecem um comportamento específi-
co, mas uma meta, um padráo. Tampouco exigem condigóes para que se apliquem. 
Antes, enunciam uma razáo para a interpretagáo dos casos. Servem, outrossim, como 
pauta para a interpretagáo das leis, a elas se sobrepondo. 
Um tribunal de Nova Iorque disse certa vez que "a ninguém se deve permitir obter 
proveito de sua torpeza ou tirar vantagem de sua própria transgressáo. Todas as leis, as-
sim como todos os contratos, podem ser controlados cm sua aplicagáo pelas máximas ge-
néricas e fundamentáis do Common Law."21 
Pois bem, quando o principio é constitucional, a sua aplicagáo é obrigatória. Deve o 
legislador acatá-lo, e o juiz, adaptar a lei ao principio em caso de desrespeito legislativo. 
Causa bulha, portanto, a atual lei sobre a renda e demais proventos das pessoas físicas. 
Acabam-se quase todas as deducoes, e instituem-se duas aliquotas apenas, em nome da 
Hárt, Herbert L. A. El Concepto de Derecho, trad. de Genaro R. Carrió, Buenos Aires, Abcledo-Perrot, 
P-312. 
Riggs vs Palmer - 115 NY 506; 22 NE 188. 
94 SACHA CALMON NAVARRO COÉLHO 
praticabilidade da arrecadacdo. Ora, as deducóes sao técnicas de afericáo de capacidade 
contributiva. É lógico que um contribuinte que teve despesas médicas extraordinarias e 
tem seis fílhos em regime escolar possui menor capacidade contributiva que outro ga-
nhando o mesmo, mas sem os encargos daquele. Por outro lado, duas alíquotas apenas 
nao correspondem á realidade da pirámide contributiva brasileira, com inúmeras faixas 
de renda individual e familiar. A iniqüidade reside em tributar com a mesma alíquota, 
preservada a proporcionalidade, um juiz e um rico industrial. Um ganha algum dinheiro;
outro, 100 vezes mais. A progressividade das alíquotas é justamente a resposta técnica á 
graduacáo da carga vindicada pelo principio da capacidade contributiva nos impostos 
"pessoais" e até nos "reais", "indiretos" ou de "mercado" quando grava com alíquotas 
maiores coisas e produtos só adquiridos pelos muito ricos. 
Dita lei poderá ser contestada judicialmente? A resposta é afirmativa. Os principios 
subordinam a lei, e o Poder Legislativo nao escapa ao controle da constitucionalidade 
pelo Poder Judiciário, guarda da Constituicao, desde que acionado pelos justicáveis, isto 
é, os cidadáos. 
2.23. Os poderes de investigacáo do Fisco para aferir a capacidade contributiva 
A investigacáo que o § 10 do art. 145 permite ao Estado-Administracáo é justamente 
para aferir a capacidade contributiva dos estamentos de contribuintes, e nao para fiscali-
zá-los a posteriori. Esse poder de polícia, o Fisco sempre teve, obedecidos os devidos 
processos e procedimentos legáis e respeitados os direitos individuáis, do contrario nao 
faria senso fosse ele esculpido na Constituicao. Onde a novidade? E principio instrumen-
tal do Direito o que proclama: quem tem fíns deve ter meios. O dever de contribuir pode 
ser descumprido total ou parcialmente. Compete ao Estado, olhos postos na lei, conferir a 
correspondencia do dever em face da lei, isto é, sua a funcao indeclinável e obrigatória de 
fiscalizar os contribuintes. O constituinte desejou obrigar a Administracáo a cumprir, a 
realizar o principio da capacidade contributiva, autorizando-a a investigar a realidade e, 
conseqücntemente, os contribuintes, sem intuito fiscalizalório, senáo preparatorio, com 
vistas a estabelecer um sistema efetivo e justo de tributacao. A Administracáo, portanto, 
terá que cumprir o ditame constitucional sob pena de desrespeito á Lei Maior, que a todos 
subordina. 
Nao se nega ao legislador (ao administrador, sim) o poder de estabelecer tributa-
cóes com base em signos presuntivos de capacidade contributiva. Ao dar poderes ao Fis-
co para investigar as pessoas e seus negocios, a Constituicao optou pela verdade real, por 
isso que o principio da capacidade contributiva rejeita as técnicas de presuncáo, em razáo 
mesmo de sua esséncia, fulcrada ñas idéias de justica e verdade. 
2.24. O art. 145, § 2 o , ou o papel controlador da base de cálculo dos tributos 
O art. 145, § 2°, ostenta redacáo singela e objetiva, melhor que a da Constituicao de 
67, que preceituava nao poder a taxa ter base de cálculo idéntica á dos impostos previstos 
naquela Carta outorgada. Agora, a redacáo está cientificamente correta: 
CURSO DE DIREITO TRIBUTARIO BRASILEIRO 95 
"Art. 145. A Uniao, os Estados, o Distrito Federal e os Municipios pode-
ráo instituir os seguintes tributos: 
I - ( . . . ) 
I I - ( . . . ) 
I I I - ( . . . ) 
§1°(.. .) 
§ 2o As taxas nao poderáo ter base de cálculo própria de impostos." 
Correta sim, porque coloca a questáo em campo abrangente. A taxa, qualquer taxa, 
nao pode ter base de cálculo de imposto enquanto especie. Qual a ratio da norma? Sem 
mais, a onipresente realidade da teoria dos fatos geradores vinculados e náo-vinculados a 
uma atuagáo estatal a permear o Sistema Tributario da Constituigao. A regra vigia a re-
partigáo das competencias tributarias. 
Sendo a taxa um tributo cujas hipóteses de incidencia (fatos geradores) confíguram 
atuagóes do Estado relativamente á pessoa do obrigado, a sua base de cálculo somente 
pode mensurar tais atuagóes. Entre a base de cálculo e o fato gerador dos tributos existe 
uma relagáo de ineréncia quase carnal (inhaeret et ossa), uma relagáo de pertinencia, de 
harmonia. Do contrario, estaria instalada a confusáo e o arbitrio com a prevaléncia do no-
men juris, i.e., da simples denominagáo formal, sobre a ontologia jurídica e conceitual 
dos tributos, base científica do Direito Tributario. Uma taxa de físcalizagáo do arroz para 
prover, desde a sua comercializagáo, a sanidade do cereal em prol dos consumidores (ser-
vigo do poder de policía) que tiver por base de cálculo o valor de mercado do arroz fisca-
lizado e nao o trabalho fiscalizatório, ainda que estimado, será um imposto sobre circulagáo 
de mercadorias, no caso o arroz, desimportante até que esta mercadoria seja imunc ou isenta. 
Eis ai a grande serventía da base de cálculo como dado ou elemento veritativo, além 
de suas fungoes puramente quantitativas (cálculo do valor a pagar) e valorativa (elemen-
to auxiliar para a fixagáo da capacidade contributiva pela valoragáo do fato gerador em 
fungáo do contribuinte). 2 8 
O dispositivo sob comento, além de conferir á base de cálculo esta missáo de con-
trole, de sobredobro assegura integridade ao sistema de repartigáo de competencias tribu-
tarias instituido na Constituigao, tido por um dos mais perfeitos do mundo. Na medida 
em que a Nagáo está politicamente organizada como República Federativa, necessário se 
faz garantir a repartigáo dos diversos tributos entre as pessoas políticas que convivem na 
Federagáo. A nossa discriminagáo de competencias tributarias é rígida, hirsuta, inadmi-
tindo conflitos e superposigóes. Nao fosse esta regra, aparentemente miúda, dadas pesso-
as políticas poderiam criar fatos geradores de taxas com base de cálculo de imposto e, 
assim, burlar o sistema, provocando invasóes de competencias em áreas já reservadas ás 
outras, com evidente sobrecarga tributaria em desfavor dos contribuintes. A redagáo dada 
ao preceito pela Constituigao de 1988 é melhor do que a dada pela de 1967 por mais uma 
28 A propósito, ver Misabel de Abreu Machado Derzi, in O Imposto sobre a Propriedade Predial e Territo-
rial Urbana, Saraiva, 1982, quando analisa as funcóes da base de cálculo dos tributos. 
96 SACHA CALMON NAVARRO COÉLHO 
razáo. Agora, até mesmo as áreas tributáveis passíveis de serem exploradas por impostos 
novos (ainda nao criados), com esforco na competencia residual da Uniáo, rcstam preser-
vadas. A redacáo da Constituicao de 1967, com erronia, vedava base de cálculo idéntica á 
dos impostos existentes. Uma interpretacáo ao pé da letra levaria a limitar o alcance da 
vedacáo, sabendo que os exegetas oficiáis sao férteis em imaginacáo e despiste na miran-
da de aumentar as tributacoes ao arrepio das normas jurídicas. 
A regra constitucional in examen, arquitetada a partir dos insumos da teoría dos fa-
ros geradores vinculados ou nao a atuacóes do Estado, reiterada ad nauseam nestes co-
mentarios, nao deixa de ter origens históricas e motivacóes políticas. Celso Cordeiro 
Machado deplorou, com a vivencia de quem foi secretario da Fazenda, a mania que tinha 
Minas Gerais de criar pseudotaxas, a ponto de vir a ser conhecida no passado como "Estado 
taxeiro". E Aliomar Baleeiro traceja os antecedentes que redundaram no preceito:2 9 
"Paradoxalmente, á proporcáo que se difundiu no Brasil a nocáo teórica 
das taxas, os governos estaduais e municipais déla desertaram, ensaiando bi-
tributacóes que se mascaravam como o nome desse tributo. Para isso, concor-
reram duas razóes: I a) o conceito erróneo dos Dees.-Leis n o S 1.804/39 e 
2.416/40); 2 a) confusóes com a doutrina estrangeira proveniente de países cu-
jas Constituicóes nao se referiam áquela nocáo teórica. 
Mas os tribunais, sobretudo o STF, corrigiram aquelas deturpacóes, ful-
minando de inconstitucionalidade varias falsas taxas, que dissimulavam im-
postos de alheia competencia (Vide Súmulas do STF, n° 128, 135, 144, 551, 
595, etc.) 
A Constituicao, inspirada no propósito de por um ponto final em tais 
abusos, que burlavam os principáis pontos cardeais do sistema tributario e 
multiplicavam litigios, estabeleceu a regra do § 2o do art. 18: - taxa nao pode 
ter a mesma base de cálculo que tenha servido para incidencia de impostos. 
Embora nao fosse inconstitucional, no regime anterior, a taxa em disfarce de 
imposto da competencia da pessoa de Direito Público
que a exigisse, a prática 
era irracional e contraproducente. Hoje, por efeito desse § 2o do art. 18, há in-
constitucionalidade ainda quando a taxa, na realidade, representa duplicata de 
imposto compreendido na competencia do governo que a decreta. Nao se apli-
ca ai, eremos, o art. 4o do CTN. Com maior razao se o imposto mascarado con-
figura invasáo de competencia de outra pessoa de Direito Público. 
O principio ainda se mostra mais explícito no parágrafo único do art. 77 
do CTN: - nao só ai se proíbe a mesma base de cálculo senáo também o mes-
mo fato gerador de imposto. A primeira vista, poderá parecer uma superafeta-
cáo, já que o próprio CTN, em conformidade com a teoria financeira, erige o 
fato gerador em elemento característico de cada tributo em especie. Estava 
29 Baleeiro, Aliomar. Direito Tributario Brasileiro, 10a ed., Rio de Janeiro, Forense, p. 335. 
CURSO DE DIREITO TRIBUTARIO BRASILEIRO 97 
implícita a vedagáo da taxa que se caracteriza como imposto, por ter o fato ge-
rador deste. Os iterativos abusos a queja aludimos explicam a reiteracao ex-
pressa na regra lógica. 
A vedacao constitucional abrange a base de cálculo de imposto da com-
petencia do próprio governo, que instituiu a taxa (p. ex. taxa municipal com a 
base admitida para o ISS pelo art. 3o do Dec.-Lei n° 834, de 1969). 
O CTN no mesmo parágrafo do art. 77 impede ao legislador ordinario a 
utilizacáo do capital das empresas como base de cálculo de taxas." 
A propósito, há até súmula do Supremo Tribunal Federal com a seguinte ementa: 
Súmula 595 - "É inconstitucional a taxa municipal de conservacáo de 
estradas de rodagem cuja base de cálculo seja idéntica á do Imposto Territo-
rial Rural." 
No caso das taxas, duas funcóes tem a base de cálculo, incontornáveis: a primeira, 
medir a atuagáo do Estado que lhe está subjacente. A segunda, veritativa, de confirmar o 
fato eleito como fato gerador do tributo. 
O tema, em suas derivagóes, traz á baila uma questáo embaragosa quanto ás técni-
cas em voga de fixagáo do valor das taxas. 
Apremissa é simples. Na maior parte dos casos, o valor a pagar ñas taxas é fixado 
aleatoriamente, a forfaií. 
Isto nao se casa bem com as fungoes reservadas á base de cálculo das mesmas, até 
por imperativo constitucional. Pois nao reza a Constituigao que taxa nao pode ter base de 
cálculo idéntica á do imposto? A base de cálculo aqui deve mensurar a atuagáo estatal. O 
problema nao surge propriamente das taxas sem base de cálculo explicitada. Nesses ca-
sos, prevé a lei algumas enunciagóes do tipo que vamos exemplificar: 
a) por atestado de bons antecedentes: 20 reais; 
b) por requerimento protocolado na segáo de controle: 10 reais. 
Nesses casos, presume-se que a base de cálculo mede os custos da atividade estatal 
pela sobreprestagáo do servigo público requerida, a forfait. 
O problema tampouco surge ñas taxas que admitem medigóes objetivas e controlá-
veis por unidades de servigo público prestado. 
Se, no Brasil, o servigo público de fornecimento de gas, energía, agua e telefonía 
fosse explorado pelo regime tributario das taxas, seria muito fácil medir as quantidades 
de agua, energía, gas e telefonía (impulsos) postas a servigo dos contribuintes (por litro, 
quilowatt ou impulso, "y" reais). 
O selo postal (por estampilha ou carimbo) com base na distancia, peso, meio de 
transporte, e ainda os telegramas também caracterizam um tipo de servigo público que 
admite medigáo objetiva, podendo gerar taxas sem maiores objegóes. Só que o legislador 
optou pelo regime dos pregos. 
98 SACHA CALMON NAVARRO COÉLHO 
Mesmo os casos de fixacao proporcional de taxas pela complexidade presumida do so-
breesforco estatal nao fazem aflorar a questáo. Noutras palavras, nao ofende a teoría das ta-
xas a prefeitura cobrar mais ou menos para conceder alvarás de construcao. E que urnas 
plantas, por serem mais complexas e volumosas, requerem esforcos maiores de atuacao esta-
tal. Costuma-se exigir paga maior por m 2, área total ou por número de andares. 
A questáo surge quando se cobram taxas pelo valor do bem, contrato, transacáo ou 
interesse (registros públicos, notas e protestos) e quando se cobra taxa judiciária pelo va-
lor da causa (ou seja, da pretensáo do litigante) e noutros casos asscmelhados. 
Nestes exemplos, a base de cálculo da taxa nao mede a atuacáo estatal; mede fato do 
contribuinte ou interesse seu a partir de signos presuntivos de capacidade contributiva, o 
que só calha nos impostos. Tampouco confirma a matcrialidade do fato jurígeno das ta-
xas: a prestacáo de servicos públicos específicos e divisíveis; por isso que o registro de 
uma escritura e a prestacáo jurisdicional nao variam por ser maior ou menor o valor do 
bem ou o valor da causa... 
Pensamos que em todas as configuracSes parecidas com as que vimos de ver cabe a 
invocacáo do principio de que a base de cálculo da taxa nao pode ser aqucla apropriada a 
impostos. 
2.25. Apontamentos necessários á compreensáo da reparticáo constitucional de 
competencias tributarias 
A materia dos principios gerais e da reparticáo de competencias prossegue no art. 
146, que versa a lei complementar tributaria, e nos artigos 147, 148 e 149, que cuidam, 
respectivamente, da competencia múltipla das pessoas políticas e da competencia para 
instituir emprestimos compulsorios e contribuicoes parafiscais, temas a serem estudados 
á frente. E preciso advertir, porém, que a compreensáo global do sistema de reparticáo 
dos impostos nao se completa sem a conexáo das regras tratadas na Secáo I do Capítulo 
que estamos a comentar com aqueloutras das Secoes III, IV e V dedicadas aos impostos 
da Uniáo, dos estados e dos municipios, pois é da leitura desses textos que exsurge a dis-
ciplina inteira da reparticáo das competencias tributarias entre as pessoas políticas. 
Duas regras de competencia, ainda, estáo fora da Secáo em exame: 
A) a que define a competencia para a criacáo de novos impostos (competencia resi-
dual); e 
B) a que disciplina a chamada competencia extraordinaria de guerra, ambas encar-
tadas na Secáo III sobre os impostos privativos da Uniáo Federal. 
Parece que a inclusáo nesse lugar dessas duas regras atinentes a impostos virtuais 
deveu-se a que somente a Uniáo é competente para operá-las. A ser assim, contudo, os 
emprestimos compulsorios e as contribuicoes parafiscais deveriam também ser tratados 
na Secáo III e nao na Secáo I, onde estáo. Na Secáo IV se cuidaría da contribuicáo dos 
funcionarios públicos estaduais e, na Secáo V, da dos funcionarios públicos municipais. 
Haveria maior apuro técnico-sistemático. 
Capítulo III 
A LEI COMPLEMENTAR COMO AGENTE NORMATIVO 
ORDENADOR DO SISTEMA TRIBUTARIO E DA 
REPARTICAO DAS COMPETENCIAS TRIBUTARIAS 
3.1. As leis complementares da Constituicao. 3.2. As leis complementares tributarias. 
3.3. O lugar da lei complementar no ordenamento jurídico - O ámbito de validade das leis em 
geral-Enlace com a teoria do federalismo. 3.4. A lei complementar e seu relacionamento jurí-
dico com a Constituigao Federal e as leis ordinarias. 3.5. Como operam as leis complementa-
res em materia tributaria. 3.6. Os tres objetos materiais genéricos da lei complementar 
tributaria segundo a Constituigao Federal de 1988. 3.7. Conflitos de competencia. 3.8. Regu-
lagáo das limitagoes ao poder de tributar. 3.9. Apreciagoes críticas sobre a materia em exame. 
3.10. Normas gerais de Direito Tributario. 3.11. O federalismo brasileiro - Aspectos - Ligagáo 
com o tema das leis complementares. 3.12. Temas constitucionais reservados á lei complemen-
tar em materia tributaria. 3 . 1 3 . 0 "poder " das normas gerais de Direito Tributario em parti-
cular. 3.14. Síntese do tema das leis complementares tributarias pelo ángulo aplicativo 
(normas de eficacia contida e normas de eficacia limitada - como diferenciá-las). 3.15. Finali-
zaqáo sobre o tema
das normas gerais de Direito Tributario - Relatório sobre os temas quepe-
dem lei complementar em finangas e tributagao. 3.16. A necessidade de lei complementar 
previa para a instituigáo de impostos e contribuigóes. 
3.1. As leis complementares da Constituigao 
O art. 59 da Constituigao Federal prescreve: 
"Art. 59. O processo legislativo comprccnde a elaboragao de: 
I - emendas á Constituigao; 
II - leis complementares; 
III - leis ordinarias; 
IV - leis delegadas; 
V - medidas provisorias; 
VI - decretos legislativos; 
VII - resolugóes. 
Parágrafo único. Lei complementar disporá sobre a elaboragao, redagao, 
alteragáo e consolidagao das leis." 
E o art. 69 averba: 
"Art. 69. As leis complementares serao aprovadas por maioria absoluta." 
—1> 
100 SACHA CALMON NAVARRO COÉLHO 
Infere-se que a lei complementar faz parte do processo legislativo da Constituicao. 
Nunes Leal, antes da Carta de 1967 e, por suposto, antes da Constituicao de 1988, 
observara que nada distinguía uma lei complementar de outra, ordinaria. Eram chamadas 
de complementares aquelas que tangiam instituicóes e regulavam os pontos sensíveis do 
ordenamento jurídico. 
Agora a situacáo é outra. As leis complementares, inclusive as tributarias, sao entes 
legislativos reconhecíveis formal e materialmente (forma e fundo), senáo vejamos: 
A) sob o ponto de vista formal, lei complementar da Constituicao é aquela votada 
por maioria absoluta (quorum de votacáo de metade mais um dos membros do Congresso 
Nacional), a teor do art. 69 da CF; 
B) sob o ponto de vista material, a lei complementar é a que tem por objetivo (con-
teúdo) a complementacáo da Constituicao, quer ajuntando-lhe normatividade, quer ope-
racionalizando-lhe os comandos, daí se reconhecer que existem leis complementares 
normativas e leis complementares de atuacáo constitucional. A materia das leis comple-
mentares é fornecida pela própria CF expressamente. 
3.2. As leis complementares tributarias 
Em materia tributaria, a Constituicao de 1988 assinala para a lei complementar os 
seguintes papéis: 
I - emitir normas gerais de Direito Tributario; 
II - dirimir conflitos de competencia; 
III - regular limitacóes ao poder de tributar; 
IV - fazer atuar certos ditames constitucionais. 
Os tres primeiros sao genéricos. O quarto é tópico. Caso por caso, a Constituicao 
determina a utilizacáo da lei complementar. Podemos dizer, noutras palavras, que a utili-
zacáo da lei complementar nao é decidida pelo Poder Legislativo. Ao contrario, a sua uti-
lizacáo é predeterminada pela Constituicao. As materias sob reserva de lei complementar 
sao aquelas expressamente previstas pelo constituinte (ámbito de validade material, pre-
determinado constitucionalmente). 
O assunto convoca necessariamente alguma explicacáo sobre a ordem jurídica dos 
Estados federativos. Em que pescm as particularidades dos varios Estados federáis exis-
tentes, um fundamento c intrínsecamente comum a todos eles: a existencia, ou melhor, a 
coexistencia de ordens jurídicasparciais sob a égide da Constituicao, como já vimos no 
capítulo inaugural da Parte II. 
No Brasil, v.g., existem tres ordens jurídicas parciais que, subordinadas pela ordem 
jurídica constitucional formam a ordem jurídica nacional. As ordens jurídicas parciais 
sao: (a) a federal, (b) a cstadual e (c) a municipal, pois tanto a Uniáo, como os estados c os 
municipios possuem autogoverno e produzem normas jurídicas. Juntas, estas ordens ju-
rídicas formam a ordem jurídica total, sob o imperio da Constituicao, fundamento do 
Estado c do Direito. A lei complementar é nacional e, pois, subordina as ordens jurídicas 
parciais. (O Distrito Federal é estado e municipio a um só tempo). 
CURSO DE DIREITO TRIBUTARIO BRASILEIRO 101 
3 3 O lugar da lei complementar no ordenamento jurídico - O ámbito de validade 
" das leis em geral - Enlace com a teoria do federalismo 
Para bem precisar a nocao em exame, de resto fundamental, 6 preciso atentar para o 
estudo dos ámbitos de validade das leis teorizado por Kelsen e entre nos por Pontes de 
Miranda, Miguel Reale c José Souto Maior Borges, sem olvidar Lourival Vilanova, os 
dois últimos da Universidade Federal de Pemambuco, autores que nos inspiram c com os 
quais mantemos irrisorias divergencias terminológicas ou analíticas. 
A lei, toda lei, necessariamente exige um emissor, uma mensagem e um receptor 
(ou destinatario), porque a fungáo maior da lei consiste em planificar comportamentos 
humanos e sociais. Todavia, nao basta dizer isto. As leis possuem ámbitos de validade e 
sao quatro: o material, o pessoal, o espacial e o temporal: 
A) o ámbito de validade material diz respeito ao seu conteúdo, ou seja, diz respeito 
á norma que ela encerra. A lei é continente, a norma é conteúdo. Cada norma tem um con-
teúdo material preciso e, pois, limitado. Daí as classificacóes de normas pelo objeto: 
competenciais, organizatórias, técnicas ou processuais, de dever, sancionatórias etc.; 
B) o ámbito de validade pessoal diz respeito aos destinatarios da norma, ou seja, ás 
classes de pessoas a quem se dirige a lei, com exclusáo de todas as demais classes; 
C) o ámbito de validade espacial encerra o espago político onde a lei tem vigencia e 
eficacia, onde produz efeitos, daí as nocoes de territorialidade e extraterritorialidade das 
leis; 
D) o ámbito de validade temporal liga-se ao tempo de aplicagáo da lei, daí as ques-
tóes de Direito intertemporal. 
Agora o enlace. 
Kelsen e os bons teóricos do federalismo costumam distinguir, utilizando-sc do ám-
bito de validade espacial das leis, as que sao válidas em todo o territorio do Estado federal 
(normas centráis) das que sao válidas apenas para determinadas partes desse mesmo ter-
ritorio (normas parciais). Preferimos falar em ordem jurídica federal ao invés de central. 
No Brasil, v.g., "centráis" seriam as leis emitidas pelo Legislativo federal. Em verdade, 
as leis federáis vigem e valem em todo o territorio nacional. Parciais seriam as leis emiti-
das pelos Legislativos estaduais e municipais. Vigem e valem, respectivamente, nos ter-
ritorios pertencentes aos diversos Estados-Membros da Federagáo e nos territorios dos 
seus municipios. Preferimos falar em ordens jurídicas estaduais e municipais. Para nos, 
entao, a reuniáo dessas tres ordens parciais (a federal, a estadual e a municipal) forma a 
ordem jurídica total (nacional) sob a ordem jurídica constitucional, fundamento de vali-
dez de todas elas. A propósito, Misabel de Abrcu Machado Derzi' prcleciona quanto aos 
arquetipos federáis: 
"Já afirmamos, com Reale, que a todo poder social corresponde uma or-
dem jurídica, sendo a ordenagáo pelo direito a forma de organizagáo da cocr-
1 Calmon, Sacha e Derzi, Misabel. 01PTU, passitn, Sao Paulo, Saraiva, 1982. 
102 SACHA CALMON NAVARRO COÉLHO 
cao social. Por conseguinte, com a descentralizacáo política própria do Estado 
federal se dá, necessariamente, uma descentralizacáo jurídica. 
O enfoque estritamente jurídico da questáo leva-nos a constatar o inver-
so. Á descentralizacáo jurídica corresponderá a política, já que o poder esta-
tal, sob tal ángulo, é mera validade e eficacia da ordem jurídica." 
O emissor da lei complementar é o Congresso Nacional, que também edita as leis 
ordinarias federáis. Vimos por outro lado que a lei complementar é votada por maioria 
absoluta (metade mais um dos membros do Congresso Nacional), o que fornece o criterio 
formal de seu reconhecimento como ente legislativo autónomo. Vimos, ainda, os seus 
objetos materiais, isto é, os assuntos que cabem á lei complementar tributaria. Inobstante, 
tais clareamentos nada adiantam sobre o lugar da lei complementar no interior das ordens 
jurídicas que integram o Estado federal. A lei complementar é lei federal, é lei da ordem 
jurídica parcial da Uniáo? Ou, ao revés, é lei que integra o próprio ordenamento
constitu-
cional, nao no sentido de ser da Constituicao, mas no sentido de ser o instrumento que diz 
como devem ser certas determinacóes constitucionais? 
A resposta, por certo, é difícil. Contudo, a reuniáo de certos conceitos e intuicóes 
talvez nos permita bem compreender a dinámica, antes que a estática da lei complemen-
tar no sistema jurídico da Constituicao brasileira. 
Em primeiro lugar, o órgáo de emissáo da lei complementar é o mesmo que emite a 
lei federal ordinaria, e seu ámbito de validade espacial é igual ao ámbito da lei federal. 
Por ai, as leis complementares da Constituicao sao idénticas ás leis federáis ordinarias. 
O ámbito de validade espacial da lei complementar é intratável. Ela tem que viger e 
valer em todo o territorio nacional sob pena de se nao realizar em seus objetivos. A coin-
cidencia com o ámbito de validade espacial da lei federal é fatal e irredutível. Quanto ao 
órgáo legislativo de sua emissáo, só pode ser mesmo o Congresso Nacional, vez que, ter-
minada a Constituicao, a Assembléia Nacional Constituinte extinguiu-se. É preciso, po-
rém, estabelecer quanto ao tema um "escolástico distínguo". E que o Congresso 
Nacional, ao lado das suas funcóes normáis de órgáo legislativo da Uniáo Federal (ordem 
jurídica parcial), outras exerce que nao sao do exclusivo interesse desta. É o caso, por 
cxcmplo, das emendas á Constituicao, que sao feitas pelo Congresso Nacional em prol da 
Nacáo, alterando a própria ordem constitucional. O mesmo se pode dizer da lei comple-
mentar, que, ao nosso ver, é lei nacional de observancia obrigatória pelas ordens parciais, 
embora reconhecamos que, ao lume da teorizacáo kelseniana, a assertiva nao possui fun-
damento incontestável, pois nacional é também a lei federal, aos fundamentos de que sao 
os mesmos: (a) o órgáo de emissáo e (b) o ámbito de validade espacial (de ambas as leis), 
diferentes somente no quorum de votacáo (requisito de forma) e no conteúdo (requisito 
de fundo). A crítica, forcoso é reconhecer, procede. No cntanto, estamos alcunhando de 
nacional a lei complementar com o único intuito de apartá-la da lcgislacáo federal ordi-
naria pelo quorum (forma) c em razóes de seus conteúdos (fundo), os quais, veremos, sao 
sempre fins queridos pelo legislador constituinte, em continuacáo da própria Lei Maior, 
através de determinacóes expressas do texto constitucional. Ccrto, certíssimo. A lei com-
plementar é utilizada, agora sim, em materia tributaria, para fins de complcmcntacáo c 
atuacáo constitucional. 
CURSO DE DIREITO TRIBUTARIO BRASILEIRO 103 
A) Serve para complementar dispositivos constitucionais de eficacia limitada, na 
terminologia de José Afonso da Silva; 
B) Serve ainda para conter dispositivos constitucionais de eficacia contida (ou con-
tível); . _ . . . - A A . 
C) Serve para fazer atuar determmacoes constitucionais consideradas importantes e 
de interesse de toda a Nagáo. Por isso mesmo as leis complementares requisitam quorum 
qualificado por causa da importancia nacional das materias postas á sua disposicao. 
O seu ámbito de validade espacial, o seu conteúdo, está sempre ligado ao desenvol-
vimento e á integracáo do texto constitucional. Noutras palavras, a lei complementar está 
a servigo da Constituigao e nao da Uniáo Federal. Esta apenas empresta o órgáo emissor 
para a edigáo das leis complementares (da Constituigao). Por isso mesmo, por estar liga-
da á expansáo do texto constitucional, a lei complementar se diferencia da lei ordinaria 
federal, que, embora possua também ámbito de validade espacial nacional, cuida só de 
materias de interesse ordinario da Uniáo Federal, cuja ordem jurídica é parcial, tanto 
quanto sao parciais as ordens jurídicas dos Estados-Membros e dos Municipios. A lei 
complementar é, por excelencia, um instrumento constitucional utilizado para integrar e fa-
zer atuar a própria Constituigao. Sendo tal, a lei complementar jamáis pode delegar materia 
que lhe pertine, por determinagáo constitucional; tornaría flexível a nossa Constituigao. 
3.4. A lei complementar e seu relacionamento jurídico com a Constituigao Federal e 
as leis ordinarias 
A lei complementar na forma e no conteúdo só é contrastável com a Constituigao (o 
teste de constitucionalidade se faz em relagáo á Superlei) e, por isso, pode apenas aden-
trar área material que lhe esteja expressamente reservada. Se porventura cuidar de mate-
ria reservada ás pessoas políticas periféricas (Estado e Municipio), nao terá valencia. Se 
penetrar, noutro giro, competencia estadual ou municipal, provocará inconstitucionalida-
de por invasáo de competencia. Se regular materia da competencia da Uniáo reservada á 
lei ordinaria, ao invés de inconstitucionalidade incorre cm queda de status, pois terá va-
lencia de simples lei ordinaria federal. Abrem-se ensanchas ao brocardo processual "ne-
nhuma nulidade, sem prejuizo", por causa do principio da economía processual, tendo 
em vista a identidade do órgáo legislativo emitente da lei. Quem pode o mais pode o me-
nos. A recíproca nao é verdadeira. A lei ordinaria excederá se cuidar da materia reservada 
va lei complementar. Nao valerá. Quem pode o menos nao pode o mais. 
E oportuno compreender porque as coisas se passam assim, com um pouco mais de 
profundidade, com esforgo na Teoria Geral do Direito. Todo sistema jurídico abriga de-
terminadas técnicas de reconhecimento de suas leis e de suas normas. Sim, porque leis c 
normas sao coisas distintas, assunto que retomaremos mais á frente aproveitando os es-
colios de Souto Maior Borges. Por ora, aprofundando a teoria dos ámbitos de validade, 
basta dizer que as leis sao como ños por onde correm as energías normativas, isto é, as 
normas. No caso da lei complementar, há requisitos de forma quanto á sua edigáo e requi-
-Sitos de fundo quanto ao seu conteúdo, isto é, quanto ao que pode conter em termos nor-
Jffatrvos. Os conteúdos sao predeterminados na Constituigao. Tais requisitos formam a 
104 SACHA CALMON NAVARRO COÉLHO 
técnica de rcconhecimento das leis complementares tributarias no sistema jurídico brasi-
leiro. 
Lógicamente, o teste de validade formal só é possível ao pressuposto de que a lei 
existe. A existencia da lei é umprius cm relacao á sua validade formal. E a questáo da vi-
gencia somente pode ser conferida ao suposto de que a lei é formalmente válida, porque 
se for inválida nao pode viger com validez. Vigerá, mas nao valerá. 
No plano da norma, isto é, no plano de consideracáo do "dentro" ou do conteúdo da 
lei, de sua normatividade, importa primeiramente (a) verificar se o que prescreve possui 
validade material ou, noutro giro, se está de acordó com o sistema normativo como um 
todo e com os fundamentos materiais de validez por ele fornecidos. Os conteúdos da lei 
complementar, vimos, sao autorizados pela CF; (b) depois importa verificar a sua efica-
cia, que é a capacidade de produzir os efeitos jurídicos que lhe sao próprios. Norma efi-
caz é a que tem validade material e que veio a lume através de lei válida formalmente já 
em vigor. 
Poderá, outrossim, ter validade material, mas nao ter validez formal. Nao valerá, 
salvo se adaptável. Vejamos uns exemplos. Voltando á lei que, votada como complemen-
tar, trata de objeto reservado á lei ordinaria federal, temos que ocorre o fenómeno da 
adaptacáo: o sistema adapta a pretensa lei complementar á funcáo que lhe determinou o 
ordenamento ratione materiae. No caso de lei complementar regulando materia de lei or-
dinaria estadual ou municipal, ocorre o fenómeno da rejeicáo. O sistema jurídico rejeita a 
norma, vedando o seu ingresso no ordenamento para evitar a invasáo das competencias 
fixadas na CF. O mesmo ocorrerá se a lei ordinaria federal cuidar de materia reservada á 
lei complementar. Já o fenómeno da recepeáo ocorre quando o sistema reconhece a exis-
tencia da lei, sua validade formal, sua validade material e, portante,
se vigente, a sua efi-
cacia. As técnicas de reconhecimento, portante, uma vez utilizadas, levam á adaptacáo, á 
rejeicáo ou á recepeáo das normas do sistema. 
3.5. Como operam as leis complementares em materia tributaria 
Embora já saibamos que as leis complementares, em tema de tributacao, tém por 
objetos materiais: (a) editar normas gerais; (b) dirimir conflitos de competencia; (c) regu-
lar as limitacóes ao poder de tributar; e (d) fazer atuar ditames constitucionais, é oportu-
níssimo vislumbrar como operam as leis complementares dentro do sistema (interco-
nexáo normativa). 
Pois bem, as leis complementares atuam diretamente ou complementam dispositi-
vos constitucionais de eficacia contida (balizando-lhes o alcance), ou, ainda, integram 
dispositivos constitucionais de eficacia limitada (conferindo-lhes normatividade plena). 
Cuidemos de exemplos: 
A) lei complementar integrando dispositivo constitucional de eficacia limitada, ne-
cessitado de agregacáo normativa para poder ser aplicado por nao ser bastante-cm-si, 
como diria Pontcs de Miranda. 
Art. 150, VI, "c", da CF: 
CURSO DE DIREITO TRIBUTARIO BRASILEIRO 105 
"... é vedado á Uniáo, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municipios: 
(...) 
VI - instituir impostos sobre: 
(...) 
c) patrimonio, renda ou servigos dos partidos políticos, inclusive suas 
fundagóes, das entidades sindicáis dos trabalhadores, das instituigoes de edu-
cagáo e de assisténcia social, sem fins lucrativos, atendidos os requisitos da 
lei; 
(. . .)" 
Sem lei, que só pode ser a complementar, a teor do art. 146, II, da CF, a imunidade 
sob cogitagao é inaplicável á falta dos requisitos necessários á fruigáo desta (not 
self-executing); 
B) lei complementar contendo dispositivo constitucional de eficacia contível e apli-
cável de imediato, sem peias. 
Art. 155, § 2 o , X, "a" (sobre o ICMS): 
"§ 2° O imposto previsto no inciso II atenderá ao seguinte: 
(...) 
X - nao incidirá: 
a) sobre operagóes que destinem ao exterior produtos industrializados, 
excluidos os semi-elaborados definidos em lei complementar; 
(...)" 
Até e enquanto nao sobreveio lei complementar ou convenio com a lista dos se-
mi-elaborados excluíveis da regra de imunidade (limitagáo ao poder de tributar), todos 
os produtos industrializados, inclusive os semi-elaborados, foram imunes quando remeti-
dos ao exterior. A lei complementar no caso teve por fungáo comprimir a licenga consti-
tucional ampia e auto-aplicável (self-executing). Presentemente a questáo nao existe. A 
Lei Complementar n° 87/96 iscntou exportagóes, que, nao imunes, eram tributadas pelos 
estados (isengáo heterónoma); 
C) lei complementar com fungáo de fazer atuar diretamente dispositivo constitucional. 
"Art. 148. A Uniáo, mediante lei complementar, poderá instituir em-
préstimos compulsorios: (...)" 
Nesse caso, a Constituigao atribuiu á lei complementar a fungáo direta de instituir 
tributo em favor da Uniáo (ordem parcial), presentes os motivos previstos no próprio tex-
to constitucional (incisos I e II do art. 148). Amcsma fungáo desempenharáo as leis com-
plementares que tenham por objeto dirimir conflitos de competencia entre as pessoas 
políticas em materia tributaria. Elas atuaráo para diretamente resolver turbulencias no 
discrimen das competencias na hipótese de ocorrerem. 
106 SACHA CALMON NAVARRO COÉLHO 
Bem examinadas as coisas, as leis complementares funcionam como manifestacóes 
de expansáo da própria Constituicao, daí o adjetivo complementar (da Constituicao). 
José Souto Maior Borges, 2 com percuciente visáo científica, classifica as leis com-
plementares em duas especies. Para ele, as leis complementares: (a) fundamcntam a vali-
dez de outros atos normativos (leis ordinarias, decretos legislativos, convenios); ou (b) 
nao fundamentam outros atos normativos, atuando diretamente. 
E explica a sua sistematizacao, a qual nao confronta a que acabamos de expor, se-
náo que a completa analiticamente. Por oportuno, Souto Maior trabalha em cima da 
Constituicao de 1967, o que nao prejudica a teorizacáo. 
"O direito regula a sua própria criacáo, enquanto uma norma jurídica 
pode determinar a forma pela qual outra norma jurídica é criada, assim como, 
em certa medida, o conteúdo desta última. Regular a sua própria criacáo, de 
modo que uma norma apenas determine o processo mediante o qual outra nor-
ma é produzida ou também, em medida variável, o conteúdo da norma a ser 
produzida, é assim uma particularidade do direito. A validade de uma norma 
jurídica depende portanto de seu relacionamento com normas superiores pro-
cessuais, reguladoras da atuacáo do órgáo, e as normas superiores materiais, 
determinantes, até certo ponto, do conteúdo possível da norma a ser editada. A 
norma jurídica é válida entáo porque foi criada na forma estabelecida por ou-
tra norma que funciona como o seu fundamento ou razáo de validade. Dado o 
caráter dinámico do direito, uma norma jurídica somente é válida na medida 
em que é produzida pelo modo determinado por uma outra norma que repre-
senta o seu fundamento imediato de validade. Para Kelsen, a relacao entre a 
norma que regula a producáo de outra e a norma assim regularmente produzi-
da por ser figurada por uma imagem espacial de supra-infra-ordenacáo. Tra-
ta-se pois de um mero recurso a imagens espaciáis, figuras de linguagem de 
índole especial. A norma determinante da criacáo de outra é superior a esta; a 
criacáo de acordó com a primeira, lhe é, ao contrario, inferior. A criacáo de 
uma norma - a de grau mais baixo - é determinada por outra - a de grau supe-
rior - cuja criacáo é, por sua vez, determinada por outra norma de grau mais 
alto. Outro valor e outra significacáo nao tem o problema de hierarquizacáo 
dos diferentes níveis de normas. O ordenamento jurídico, para atualizarmos a 
'imagem espacial' de Kelsen, nao está constituido por um sistema de normas 
coordenadas entre si, que encontrassem urnas ao lado das outras. 
Para Kelsen, mesmo quando a norma de grau superior determina apenas 
o órgáo que deve criar a norma de grau inferior (e nao o seu conteúdo), ou 
seja, quando autoriza esse órgáo a determinar, de acordó com seu próprio cri-
2 Borges, José Souto Maior. Lei Complementar Tributaria, Sao Paulo, Ed. Revista dos Tribunais, EDUC, 
1975. 
CURSO DE DIREITO TRIBUTARIO BRASILEIRO 107 
tério, o processo de criagao da norma inferior, a norma superior c 'aplicada' 
na criagao da norma inferior. E, para ele, a norma superior tem que determinar 
quando menos o órgáo incumbido da criagao da norma inferior.3 
Podemos entáo denominar fundamento de validade de uma norma á nor-
ma reguladora de sua criagao.4 (...) 
A doutrina brasileira, consoante exposto, vislumbra indistintamente 
uma fungáo de intermediagáo ou intercalar da lei complementar, decorrente 
da sua insergáo formal, na enunciagáo dos atos normativos do art. 46 da Cons-
tituigao, entre as emendas constitucionais e as leis ordinarias. Tal entretanto 
nem sempre ocorre, como o demonstra uma análise jurídica mais detida. Essa 
análise revelará dois grupos básicos de leis complementares: I o ) leis comple-
mentares que fundamentam a validade de atos normativos (leis ordinarias, de-
cretos legislativos e convenios); e 2 o) leis complementares que nao 
fundamentam a validade de outros atos normativos. Nao parece viável, fora 
dessa perspectiva, uma classificagáo das leis complementares." 
Conquanto a integragáo das leis constitucionais possa ser feita por leis ordinarias, 
plebiscitos, referendos etc., dependendo do querer do legislador máximo, como bem ob-
servado por José Afonso da Silva, entre nos o constituinte elegeu a lei complementar 
como o instrumento por excelencia dessa elevada fungáo, com os matizes que vimos de 
ver, embora sem excluir aqui e acola outros instrumentos integrativos. Em materia tribu-
taria, sem dúvida, a lei
complementar é o instrumento-mor da complementagáo do siste-
ma tributario da Constituigao, a comegar pelo Código Tributario Nacional, que, material 
e formalmente, só pode ser lei complementar. Quatro conseqüéncias devem ser ditas: a) o 
legislador nao escolhe a materia da lei complementar, fá-lo a Constituigao; b) o legisla-
dor ordinario nao pode adentrar materia de lei complementar, torná-la-ia inútil; c) a lei 
complementar só é superior ás leis ordinarias quando é o fundamento de validez destas; e 
d) a materia sob reserva de lei complementar é indelegável. 
3.6. Os tres objetos materiais genéricos da lei complementar tributaria segundo 
a Constituigao Federal de 1988 
Dispóe, literalmente, o art. 146, que se transcreve: 
Conf. Kelsen, Hans. Teoría General del Derecho, México, Imprensa Universitaria, 1949,pp. 128e 138; 
id., Teoria Pura del Derecho, 2a ed., Coimbra, Armenio Amado, 1962, vol. II, p. 64; id., Teoria Pura 
del Derecho, Introducción a la Ciencia del Derecho, 10a ed., Ed. Universitaria de Buenos Aires, 1971, 
P- 147. 
Conf. Vernengo, Roberto José. Temas de Teoria General del Derecho, Buenos Aires, Cooperadora de 
Ciencias Sociales, 1971, p. 343. 
108 SACHA CALMON NAVARRO COÉLHO 
"Art. 146. Cabe á lei complementar: 
I - dispor sobre conflitos de competencia, em materia tributaria, entre a 
Uniáo, os Estados, o Distrito Federal e os Municipios; 
II - regular as limitacóes constitucionais ao poder de tributar; 
III - estabelecer normas gerais em materia de legislacáo tributaria, espe-
cialmente sobre: 
a) definicáo de tributos e de suas especies, bem como, em relacao aos 
impostos discriminados nesta Constituicao, a dos respectivos fatos geradores, 
bases de cálculo e contribuintes; 
b) obrigacáo, lancamento, crédito, prescricáo e decadencia tributarios; 
c) adequado tratamento tributario ao ato cooperativo praticado pelas so-
ciedades cooperativas." 
3.7. Conflitos de competencia 
O primeiro objeto genérico da lei complementar tributaria é o de dispor sobre con-
flitos de competencia em materia tributaria entre as pessoas políticas. A sua funcáo na es-
pecie é tutelar do sistema e objetiva controlar, após a promulgacáo da Lei Maior, o 
sistema de reparticáo de competencias tributarias, resguardando-o. Em principio, causa 
perplexidade a possibilidade de conflitos de competencia, dada a rigidez e a rigorosa se-
gregacáo do sistema, com impostos privativos e apartados por ordem de governo e taxas 
e contribuicoes de melhoria atribuidas com base na precedente competencia políti-
co-administrativa das pessoas políticas componentes da Federacáo. Dá-se, porém, que 
nao sao propriamente conflitos de competencia que podem ocorrer, mas invasoes de 
competencia em razáo da insuficiencia intelectiva dos relatos constitucionais pelas pes-
soas políticas destinatárias das regras de competencia relativamente aos fatos geradores 
de seus tributos, notadamente impostos. É dizer, dada pessoa política mal entende o rela-
to constitucional e passa a exercer a tributacao de maneira mais ampia que a prevista na 
Constituicao, ocasionando friccóes, atritos, em áreas reservadas a outras pessoas políti-
cas. Diz-se entáo que há um confuto de competencia. Quando ocorrem fenómenos dessa 
ordem, o normal é submeter ao Judiciário o desate da questáo, o que provoca maior niti-
dez, dando feicáo cada vez mais límpida ao sistema de reparticáo das competencias tribu-
tarias. E, evidentemente, esta possibilidade existe. Ocorre que o constituinte, para 
custodiar o sistema, cncontra uma fórmula legislativa de resolver o confuto interpretando 
o seu próprio texto através de lei complementar. Na verdade, o constituinte delegou ao 
Congresso esta funcáo. 
A remocáo do confuto pela edicáo de normas práticas destinadas a solvc-lo, me-
diante lei complementar, agiliza, em tese, a resolucáo do problema, maniendo incólume 
o sistema de reparticáo de competencias, o que nao significa ter a lei complementar in 
casu a mesma forcade uma decisáo judicial, pois o monopolio da jurisdicáo é atributo do 
Poder Judiciário. Pode perfeitamente ocorrer que as partes nao se convencam c continú-
en! a controverter sobre as próprias regras de interprctacáo dispostas pela lei complemen-
tar. aDropositando a intervencáo provocada do Poder Judiciário. No passado, sob o 
CURSO DE DIREITO TRIBUTARIO BRASILEIRO 109 
ime da Carta de 1967, a regra já existia, o fenómeno ocorrcu em relagáo, v.g., ás cha-
madas "operagóes mistas" que implicavam ICM e ISS, gerando um confronto ampio en-
tre os Estados-Membros e os Municipios, cm desfavor dos contribuintes. Era o caso, por 
exemplo, entre outros, das oficinas, que, além de vcnderem pegas (mercadorias), faziam 
os servigos (ISS) para os seus clientes. O estado quería tributar com o ICM o valor total 
da operagáo, e a prefeitura, o valor total do servigo. Cada qual reivindicava para si a ocur-
rencia do "seu fato gerador". Para o estado, houvera circulagáo de mercadoria. Para o 
municipio, prestara-se um servigo. A solugáo encontrada foi, estando em recesso forgado 
o Congresso, a edigáo do Decrcto-Lei n° 406/68, seguido do Decreto-Lei n° 834/69. Téc-
nicamente foi adotada a lista numerus clausus, i.e., taxativa, que enumerava todos os ser-
vigos tributáveis pelo ISS municipal, com exclusáo do ICM, seguida de uma regra de 
atenuagáo que dizia ficarem sujeitas ao ICM certas mercadorias e somente elas se e quan-
do fornecidas juntamente com os servigos. Quaisquer outros servigos nao constantes da 
lista que implicassem o fornecimento de mercadorias fícavam sujeitos ao ICM. Remar-
que-se que a solugáo sofreu serias críticas doutrinárias. Entendeu-sc que o municipio so-
freu restrigóes em sua competencia constitucional. 
A lei complementar, nesta especie, é regra de atuagáo direta, ou seja, nao comple-
menta nem contém dispositivo constitucional, faz atuar a Constituigao logo que surge a 
situagáo conflituosa, de modo a resguardar a discriminagáo das fontes de receitas tributa-
rias instituidas na Lei Maior. É lei de resguardo da Constituigao, com fungáo tutelar. Mas 
nao pode alterar a tal pretexto a própria Constituigao. 
Por suposto, a lei complementar que dirime, resolvendo os aparentes conflitos de 
competencia, deve ser recepcionada pelas pessoas políticas. Dissemos aparentes os con-
flitos porque eles nao sao objetivos e sim subjetivos. A lei complementar destina-se, en-
táo, a eliminá-los através de "regras explicativas do discrimen". Obviamente, a lei 
complementar, a título de solver "confuto de competencia", nao pode alterar a Constituí-
gao. A uma, porque isto só é possível através de emenda, processo legislativo diverso. A 
duas, porque, pudesse fazé-lo, teria o legislador da lei complementar poder constituinte 
permanente (hipóteses impensáveis lógicamente). 
Por outro lado, nao se pode garantir que as pessoas políticas envolvidas subme-
tam-se aos ditames da lei complementar resolutoria do confuto de modo absoluto. Nao 
certamente por uma questáo de hierarquia vertical das leis, senáo porque a lei comple-
mentar, na qualidade de lei interpretativa, explicativa e operativa do discrimen constitu-
cional de competencias tributarias, nao fornece o fundamento de validez ao exercício do 
poder de tributar ex lege das pessoas políticas envolvidas, inclusive da própria Uniáo Fe-
deral, jaque este fundamento é constitucional. Na especie limita-se a esclarecer a Consti-
tuigao oferecendo criterios. 
O relacionamento Constituigáo-lei complementar-leis ordinarias, em torno da 
Questáo ora sob crivo, oferece instigantes indagagóes. Aporias surgem a requisitar res-
Postas. Em principio, impera o texto constitucional. Da sua interpretagáo pelas pessoas 
Políticas podem surgir conflitos subjetivos de interpretagáo. Possível a lei complementar 
Para resolvé-los; esta, uma vez editada, deve ser obedecida pelas pessoas políticas. A so-
u ?ao por ela encontrada
submete as leis ordinarias. Em tese, estas catam submissáo aos 
110 SACHA CALMON NAVARRO COÉLHO 
criterios da lei complementar resolutorios do confuto. Todavía, podem ocorrer varias si-
tuacoes, dentre elas as seguintes: 
A) as pessoas políticas ou mesmo os contribuintes podem acusar a lei complemen-
tar de exceder o seu objeto, eis que altera o texto da Constituicao: eiva de inconstitucio-
nalidade; 
B) lei ordinaria de dada pessoa política introjeta os ditames da lei complementar 
pro domo sua. A outra pessoa política prejudicada, bem como os contribuintes, opoem-se 
á dita lei, contrastando-a com a lei complementar: eiva de ilegalidade. 
Nesses casos, a solucáo última e final somente pode ser dada pelo Judiciário, cústo-
de da Constituicao. A funcáo jurisdicional (Juris dicere), cujo fito é a interpretacáo última 
das leis, com efeito de coisa julgada, é intransferível e insubstituível. 
3.8. Regulacáo das limitacdes ao poder de tributar 
O segundo objetivo genérico da lei complementar tributaria é a regulacáo das limi-
tacoes constitucionais ao poder de tributar. Como ressabido, todo poder emana do povo, 
que, elegendo representantes, constrói a Constituicao, fundamento jurídico do Estado e 
do Direito Positivo, que a todos submete (o Estado e os seus cidadáos). 
Pois bem, ao construir ou reconstruir jurídicamente o Estado, o poder constituinte, 
democráticamente constituido pelo povo (legitimidade da ordem jurídica e do Estado), 
organiza o aparato estatal, garante os direitos fundamentáis, reparte poderes e competen-
cias e, ao mesmo tempo, poe restricoes ao exercício das potestades em prol da cidadania. 
No campo tributario, a Constituicao reparte competencias tributarias, outorga po-
deres a pessoas políticas e, ao mesmo tempo, estatuí restricoes ao exercício do poder de 
tributar. 
Como visto, um dos objetos possíveis da lei complementar é a regulacáo das limita-
cóes ao poder de tributar. Mas nao é toda limitacáo constitucional ao poder de tributar 
que exige complementacáo, por vezes desnecessária. Principio antigo da Teoría do Cons-
titucionalismo, examinado magistralmente por Carlos Maximiliano, tido e havido como 
da ordem dos sumos hermeneutas, predica que as normas constitucionais proibitivas des-
necessitam de regulacáo. Nao obstante, o Direito positivado - objeto de labor do jurista -
pode contrariar dito cánone. É uma questáo de opcáo do constituinte. A título propedéuti-
co, podemos firmar as seguintes premissas: 
A) quando a Constituicao poe uma limitacáo ao poder de tributar, sem requisitar tó-
pica c expressamente leí complementar, a competencia conferida ao legislador da lei 
complementar para regulá-la é uma competencia facultativa. Exercé-la-á o legislador 
pós-constitucional se quiser (trata-sc de poder-faculdade na licáo de Santi Romano); 
B) quando a Constituicao póc uma limitacáo ao poder de tributar, requisitando tópi-
ca c expressamente lei complementar, seja para conter, seja para ditar conteúdo normati-
vo (proibicóes de eficacia limitada e proibicóes de eficacia contívcl), ao legislador da lei 
complementar é dada uma competencia obrigatória (poder-dever na terminología de 
Santi Romano); 
CURSO DE DIREITO TRIBUTARIO BRASILEIRO 111 
C) certas proibigóes ao poder de tributar, pela sua própria natureza e fundamentos 
axiológicos, repelem regulamentacáo porque sao auto-aplicáveis em razáo de normativi-
dade plena, daí o acertó de Carlos Maximiliano quanto ás vedacoes constitucionais de 
eficacia cheia. 
Aos exemplos: 
A) o artigo 150, VI, "d", dispóe que é vedado instituir impostos sobre livros, jor-
nais, periódicos e o papel destinado a sua impressáo. Nesse caso, o legislador regulará a 
limitacáo se quiser (regulagáo facultativa); 
B) o artigo 150, VI, "c", dispóe que é vedado instituir impostos sobre o patrimonio, 
a renda ou os servicos dos partidos políticos, inclusive as suas fundacóes, das entidades 
sindicáis dos trabalhadores, das instituicoes de educacáo e de assisténcia social, sem fins 
lucrativos, atendidos os requisitos da lei. Nesta hipótese, o dispositivo constitucional ve-
datório exige complementagáo quanto aos requisitos sem os quais nao é possível a fruí-
gao da imunidade. O legislador, sob pena de omissáo, está obrigado a editar lei 
complementar (regulagáo obrigatória). Se nao o fizer, sendo o dispositivo de eficacia li-
mitada, cabe mandado de injungáo. A omissáo, no caso, desemboca em inaplicagáo da 
Constituigao em desfavor dos imunes; 
C) o artigo 150,1, veda á Uniáo, estados e municipios - excluidas as excegóes cons-
tantes do próprio texto constitucional - exigir ou aumentar tributo, seja lá como for, sem 
que a lei o estabelega. Nesse caso, a genealogía histórica e jurídica do principio da legali-
dade é tal que dispensa regulamentagáo por lei complementar (por isso mesmo as exce-
góes estáo expressas no próprio texto constitucional). 
A lei complementar na especie de regulagáo das limitagóes ao poder de tributar é 
quase sempre instrumento de complementagáo de dispositivos constitucionais de efica-
cia limitada ou contida. Quando a limitagáo é auto-aplicável, está vedada a emissáo de lei 
complementar. Para qué? 
3.9. Apreciagoes críticas sobre a materia em exame 
De lege ferenda entendemos que as leis complementares para dirimir conflitos sao 
bem-vindas para zelarpelo discrimen de competencias, sem exclusáo do acesso ao Judi-
ciário, cujas decisóes prcvaleceráo sempre, ainda que contra texto de lei complementar, 
quando fundadas as decisóes na interpretagáo da Constituigao em cotejo com o alcance 
da sua complementagáo. As leis complementares para regular limitagóes ao poder de tri-
butar, repelimo-las por entender que sao desnecessárias, só se apropositando em raros ca-
sos de dispositivos de eficacia limitada para evitar paralisia constitucional. Mesmo 
assim, as vedagóes deveriam sair prontas da CF. Ao nosso sentir, no Brasil, o campo de 
eleigáo da lei complementar tributaria c a norma geral de Direito Tributario, que exami-
naremos em seguida. Convém adiantar que, nessa materia, a lei complementar é lei dele-
gada pelo constituinte. Suas prescrigoes sao questionáveis jurídicamente apenas se o 
uaiciário decretar a incompatibilidade délas em relagáo á Constituigao. Afora isso, as 
normas gerais de Direito Tributario sao sobranceiras. O fundamento de validez das nor-
mas gerais é a própria Constituigao. A seu turno. Délas normac anr-y^ c 
112 SACHA CALMON NAVARRO COÉLHO 
criterios para a elaboracáo material das leis tributarias ordinarias federáis, cstaduais c 
municipais, sendo, portanto, materialmente, nexos fundantes da validade dessas leis das 
ordens jurídicas parciais, que délas só podem prescindir num único caso: inexistencia 
(art. 24, § Y, da CF). Mas, tao logo sobrevenha a norma geral, as leis ordinarias em con-
trario ficam parausadas, sem eficacia (art. 24, § 4 o , da CF). Rctifíque-se: no art. 24, § 4 o , 
onde se 16 lei federal, leia-se lei complementar. No campo das normas gerais, os destina-
tarios sao os próprios legisladores das tres ordens de governo em tema tributario. 
3.10. Normas gerais de Direito Tributario 
O terceiro objeto genérico da lei complementar é o de editar as normas gerais de Di-
reito Tributario, expressáo de resto polémica á falta de um conecito escorreito de norma 
geral no Direito Tributario brasileiro, com a doutrina falhando por inteiro no encalco de 
conceituar o instituto de modo insofismável. O falecido Prof. Carvalho Pinto chegou ao 
ponto de definir o que nao era norma geral. Ficou nisso. E Rubens Gomes de Sousa teve a 
humilde ousadia de afirmar que a doutrina nao chegara ainda á norma geral que levasse 
ao conceito das normas gerais de Direito Tributario. Para logo, o assunto complica-se 
pelo fato de existir a partilha das competencias legislativas entre as pessoas políticas. 
Fóssemos um Estado unitario, e o problema
desapareceria. Mas as dificuldades de modo 
algum impedem o trato da materia. 
O art. 24 da CF dispoe: 
"Art. 24. Compete á Uniao, aos Estados e ao Distrito Federal legislar 
concorrentemente sobre: 
I - direito tributario, financeiro, penitenciario, económico e urbanístico; 
II - orcamento; 
III - juntas comerciáis; 
IV - custas dos servicos forenses; 
(...)" 
Os parágrafos deste artigo prescrevem: 
"§ Io No ámbito da legislacáo concorrente, a competencia da Uniáo li-
mitar-se-á a estabelecer normas gerais. 
§ 2o A competencia da Uniáo para legislar sobre normas gerais nao ex-
cluí a competencia suplementar dos Estados. 
§ 3o Inexistindo lei federal sobre normas gerais, os Estados exerceráo a 
competencia legislativa plena, para atender a suas peculiaridades. 
§ 4o A superveniencia de lei federal sobre normas gerais suspende a efi-
cacia da lei estadual, no que lhe for contrario." 
F i n n l m n n t p n art 146 da CF diz caber á lei complementar: 
CURSO DE DIREITO TRIBUTARIO BRASILEIRO 113 
"Art. 146. Cabe á lei complementar: 
I - ( . . . ) 
I I - ( . . . ) 
III - estabelecer normas gerais em materia de legislacáo tributaria, espe-
cialmente sobre: 
a) definicáo de tributos e de suas especies, bem como, em relacáo aos 
impostos discriminados nesta Constituigao, a dos respectivos fatos geradores, 
bases de cálculo e contribuintes; 
b) obrigacáo, langamento, crédito, prescrigáo e decadencia tributarios; 
c) adequado tratamento tributario ao ato cooperativo praticado pelas so-
ciedades cooperativas." 
Da conjugagáo dos varios dispositivos supratranscritos sobram tres conclusóes: 
A) a edigáo das normas gerais de Direito Tributario é veiculada pela Uniáo, através 
do Congresso Nacional, mediante leis complementares (lei nacional) que seráo observa-
das pelas ordens jurídicas parciais da Uniáo, dos estados e dos municipios, salvo sua ine-
xistencia, quando as ordens parciais poderáo suprir a lacuna (§ 3 o) até e enquanto nao 
sobrevenha a solicitada lei complementar, a qual, se e quando advinda, parausa as legis-
lagoes locáis, no que lhe forem contrarias ou incongruentes (§ 4 o); 
B) a lei com estado de complementar sobre normas gerais de Direito Tributario, ora 
em vigor, é o Código Tributario Nacional, no que nao contrariar a Constituigao de 1988, a 
teor do art. 34, § 5 o , do Ato das Disposigóes Constitucionais Transitorias (lex legum ha-
bemus); 
C) a lei complementar que edita normas gerais é lei de atuagáo e desdobramento do 
sistema tributario, fator de unifícagáo e equalizagáo aplicativa do Direito Tributario. 
Como seria possível existir um Código Tributario Nacional sem o instrumento da lei 
complementar, com imperio incontrastável sobre as ordens jurídicas parciais da Uniáo, 
dos Estados-Membros e dos municipios? 
Mas, ao cabo, o que sao normas gerais de Direito Tributario? O ditado constitucio-
nal do art. 146, III e alineas, inicia a resposta dizendo nominalmente alguns conteúdos 
(normas gerais nominadas) sem esgotá-los. É dizer, o discurso constitucional é numerus 
apertus, meramente exemplifícativo. Razáo houve para isto. Certos temas, que a doutri-
na recusava fossem objeto de norma geral, passaram expressamente a sé-lo. Roma locu-
ta, tollitur quaeslio. Uma boa indicagáo do que sejam normas gerais de Direito 
nbutário, para sermos pragmáticos, fornece-nos o atual Código Tributario Nacional 
^ ei n 5.172, de 25 de outubro de 1966, e alteragóes posteriores), cuja praticabilidade já 
estaassentada na "vida" administrativa e judicial do país. O CTN, especialmente o Livro 
. arrola inúmeros institutos positivados como normas gerais. Que sejam lidos. Quid, se 
fiante do art. 146, III, "a", nao edita o Congresso Nacional lei complementar a respeito 
Fie ^ e r a c ^ o r ' k a s e ^ e cálculo e contribuintes de dado imposto discriminado na CF? 
r a pessoa política titular da competencia parausada pela inagáo legislativa? A respos-
c
 6 n e 8 a t i v a . É o caso de se dar aplicagáo ao art. 24 e §§ Io a 4 o. E onde se lé Uniao, leia-se 
tributar" 0 ^ a c ' o m ^ ' c o n ( j C s e ^ federal , leia-se complementar, ao menos em materia 
114 SACHA CALMON NAVARRO COÉLHO 
As normas gerais de Direito Tributario veiculadas pelas leis complementares sao 
eficazes em todo o territorio nacional, acompanhando o ámbito de validade espacial des-
tas, e se enderecam aos legisladores das tres ordens de governo da Federacáo, em verda-
de, seus destinatarios. A norma geral articula o sistema tributario da Constituicao ás 
legislacóes fiscais das pessoas políticas (ordens jurídicas parciais). Sao normas sobre 
como fazer normas em sede de tributacao. 
Uma forte e esclarecida parcela da doutrina justributária brasileira, com ótimas ra-
zócs e fortes raízes federalistas, recusa partes do Código Tributario Nacional atual ao ar-
gumento de que cuidam de temas que, longe de se constituírem em normas gerais, 
imiscuem-se na competencia privativa e indelegável das pessoas políticas, invadindo-a, 
contra a Constituicao. Em síntese, sao repelidas as regulacoes do CTN sobre o jato gera-
dor de impostos da competencia das pessoas políticas e sobre atos administrativos que 
lhe sao privativos, atos de lancamentos fiscais, v.g., além de prescricoes sobre interpreta-
cáo de leis tributarias, tidas por descabidas. Evidentemente, sustentam tais colocacóes as 
teorías federalistas e a autonomía constitucional das pessoas políticas, e o próprio siste-
ma de dacáo e repartigáo de competencias, cujo único fundamento é a Constituicao. E 
inegável a boa procedencia desta postura crítica. O assunto é delicadíssimo. Ocorre que o 
federalismo brasileiro, como talhado na Constituicao de 1988, é normativamente centra-
lizado, financeiramente repartido e administrativamente descentralizado. Há tantos fe-
deralismos, diversos entre si, quantos Estados federativos existam. O importante é que 
haja um mínimum de autodeterminacáo política, de autogoverno e de producáo normati-
va da parte dos Estados federados. Quanto á reparticáo das competencias legislativas, a 
questáo resolve-se pela opeáo do legislador. No Brasil, ao menos em tema de tributacao, 
o constituinte optou pelo fortalecimento das prerrogativas do poder central. Este fato, por 
si só, explica porque avultou a área legislativa reservada á lei complementar tributaria. A 
assertiva é comprovável por uma simples leitura do CTN redivivo e do art. 146, III, da 
CF, que reforca o centralismo legislativo em sede de tributacao, além de materias espar-
sas ao longo do capítulo tributario, deferida a lei complementar. Para compreender nor-
mas gerais, é preciso entender o federalismo brasileiro. 
3.11. O federalismo brasileiro - Aspectos - Ligacáo com o tema das leis 
complementares 
O federalismo americano, telúrico, pragmático, antimonárquico, cresceu na Améri-
ca do Norte da periferia para o centro. Ainda hoje a autonomía dos Estados-Membros é 
grande, em termos jurídicos, conquanto pareca irreversível o impulso para o centro (uni-
tarismo). Legislam sobre muitas materias: Direito Penal, Civil, Comercial etc. Em certos 
estados há pena de morte, noutros nao. A Louisiana percute o Direito europeu continen-
tal, por forca da influencia francesa, em mistura com o Common Law. O Direito de Fami-
lia, igualmente, é diverso, dependendo do estado. Nuns é fácil divorciar; noutros nao, e 
assim por diante. O Direito Tributario nao conhece nenhum sistema, sequer doutrinário, 
de reparticáo de competencias. E funciona. Entre nos, a federacáo e o federalismo vieram 
de cima para baixo, por imposicáo das élites cultas, a partir de modelos teóricos c exóti-
CURSO DE DIREITO TRIBUTARIO BRASILEIRO 
eos sem correspondencia com o evolver histórico, político e social do povo brasileiro. 
Entáo ao longo do devir histórico, as instituicoes foram sendo afeicoadas á nossa reali-
dade O federalismo brasileiro, pois, reflete a
evolucáo do país, nem poderia ser diferen-
te A Constituigao de 1988 promoveu uma grande descentralizagáo das fontes de receitas 
tributarias, conferindo aos estados e municipios mais consistencia (autonomia financeira 
dos entes políticos periféricos, base, enfim, da autonomia política e administrativa dos 
mesmos). Á hipertrofia política e económica da Uniáo dentro da Federagáo e á hipertro-
fia do Poder Executivo federal em face do Legislativo e do Judiciário, vigorantes na Car-
ta de 67, seguiram-se a distrofia da Uniáo na Federagáo e a hipertrofia do Legislativo 
federal nos quadros da República federativa. 
Em conseqüéncia, o Congresso Nacional assumiu desmesurados poderes e compe-
tencias legislativas em desfavor de estados c municipios. 
O sistema tributario da Constituigao bem demonstra a assertiva. O dominio do Con-
gresso Nacional no campo do Direito Tributario, inegavelmente, é avassalador, pelo do-
minio das leis complementares. 
De lado o sistema tributario, verifica-se que o Direito brasileiro promana segura-
mente, em sua maior parte, das fontes legislativas federáis. 
Por outro lado, há condominio de encargos e atribuigóes entre Uniáo, estados c mu-
nicipios (art. 23). No campo específicamente tributario, o instrumento formal da lei com-
plementar e o conteúdo material das normas gerais reafirman! a tese do federalismo 
concentracionário legiferante. 
3.12. Temas constitucionais reservados á lei complementar em materia tributaria 
Além dos tres objetos genéricos retro-examinados sob reserva de lei complementar 
do Congresso Nacional, outros entre muitos existem ao longo do texto constitucional, a 
saber: art. 148,1, He parágrafo único; 150,VI,"c",e §5°; 154,1; 155, § I o , III, "a" e "b", 
e § 2 o , X, "a", c XII, "a" a "i"; 156, III, e § 3 o , I a III; e 161,1 a III. 
"Art. 148. A Uniáo, mediante lei complementar, poderá instituir em-
préstimos compulsorios: 
I - para atender a despesas extraordinarias, decorrentes de calamidade 
pública, de guerra externa ou sua iminéncia; 
II - no caso de investimento público de caráter urgente c de relevante in-
teresse nacional, observado o disposto no art. 150, III, 'b ' . 
Parágrafo único. A aplicagáo dos recursos provenientes de empréstimo 
compulsorio será vinculada á despesa que fundamentou sua instituigáo." 
"Art. 150. Sem prejuizo de outras garantías asseguradas ao contribuinte, 
é vedado á Uniáo, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municipios: 
(...) 
VI - instituir impostos sobre: 
(...) 
SACHA CALMON NAVARRO COÉLHO 
c) patrimonio, renda ou servicos dos partidos políticos, inclusive suas fun-
dacóes, das entidades sindicáis dos trabalhadores, das instituicoes de educacao e 
de assisténcia social, sem fins lucrativos, atendidos os requisitos da lei; 
(...) 
§ 5o A lei determinará medidas para que os consumidores sejam esclare-
cidos acerca dos impostos que incidam sobre mercadorias e servicos (lei com-
plementar, bem como a referida na alinea "c"). 
( • • • )" 
"Art. 154. A Uniáo poderá instituir: 
I - mediante lei complementar, impostos nao previstos no artigo ante-
rior, desde que sejam nao cumulativos e nao tenham fato gerador ou base de 
cálculo próprios dos discriminados nesta Constituicao; 
( • • • )" 
"Art. 155. Compete aos Estados e ao Distrito Federal instituir impostos 
sobre: 
(...) 
§ Io O imposto previsto no inciso I: 
(...) 
III - terá a competencia para sua instituicáo regulada por lei comple-
mentar: 
a) se o doador tiver domicilio ou residencia no exterior; 
b) se o de cujus possuía bens, era residente ou domiciliado ou teve o seu 
inventario processado no exterior; (...) 
§ 2o O imposto previsto no inciso II atenderá ao seguinte: 
(...) 
X - nao incidirá: 
a) sobre operacoes que destinem ao exterior produtos industrializados, 
excluidos os semi-elaborados definidos em lei complementar; 
(...) 
XII - cabe á lei complementar: 
a) definir seus contribuintes; 
b) dispor sobre substituicáo tributaria; 
c) disciplinar o regime de compensacáo do imposto; 
d) fixar, para efeito de sua cobranca e definicáo do estabelecimento res-
ponsável, o local das operacoes relativas á circulacáo de mercadorias e das 
prestacoes de servicos; 
e) excluir da incidencia do imposto, ñas exportacoes para o exterior, ser-
vicos e outros produtos além dos mencionados no inciso X, 'a ' ; 
CURSO DE DIREITO TRIBUTARIO BRASILEIRO 117 
f) prever casos de manutencáo de crédito, relativamente á remessa para 
outro Estado e exportacao para o exterior, de servigos c de mercadorias; 
g) regular a forma como, mediante deliberagáo dos Estados c do Distrito 
Federal, isengoes, incentivos e beneficios fiscais seráo concedidos e revogados; 
h) definir os combustíveis e lubrificantes sobre os quais o imposto inci-
dirá uma única vez, qualquer que seja a sua finalidade, hipótese em que nao se 
aplicará o disposto no inciso X, ' ¿ ' ; 
i) fixar a base de cálculo, de modo que o montante do imposto a integre, 
também na importagáo do exterior de bem, mercadoria ou servigo. (...)" 
"Art. 156. Compete aos Municipios instituir impostos sobre: 
(...) 
III - servigos de qualquer natureza, nao compreendidos no art. 155, II, 
definidos em lei complementar. 
(...) 
§ 3o Em relagáo ao imposto previsto no inciso III do caput deste artigo, 
cabe á lei complementar: 
I - fixar as suas alíquotas máximas e mínimas; 
II - excluir da sua incidencia exportagóes de servigos para o exterior. 
III - regular a forma e as condigóes como isengoes, incentivos e benefi-
cios fiscais seráo concedidos e revogados." 
"Art. 161. Cabe á lei complementar: 
I - definir valor adicionado para fins do disposto no art. 158, parágrafo 
único, I; 
II - estabelecer normas sobre a entrega dos recursos de que trata o art. 
159, especialmente sobre os criterios de rateio dos fundos previstos em seu in-
ciso I, objetivando promover o equilibrio sócio-económico entre Estados e 
entre Municipios; 
III - dispor sobre o acompanhamento, pelos beneficiarios, do cálculo 
das quotas e da liberagáo das participagóes previstas nos arts. 157,158 e 159. 
(...)" 
De observar, derradeiramente, que apenas uma lei complementar poderá tratar em 
bloco dos temas retro-enumerados. 
3 .13 .0 "poder" das normas gerais de Direito Tributario em particular 
O grande risco da lei complementar sobre normas gerais de Direito Tributario resi-
de em o Legislativo federal desandar a baixá-las contra o espirito da Constituigao, em 
desfavor das ordens jurídicas parciais, cuja existencia e fundamentos de validez decor-
rem diretamente da Lei Maior. Os seus poderes e limitagóes, em suma, sao de radicagáo 
constitucional. Grande, pois, o poder do Congresso Nacional, a ser exercido com cautela 
118 SACHA CALMON NAVARRO COÉLHO 
para nao arranhar o estado federal armado na Lei Maior. O parágrafo único do art. 22, 
disposicáo inspirada na Lei Fundamental de Bonn, contrabalanca a expansáo federal, 
permitindo aos estados legislar sobre questoes específicas das materias relacionadas no 
art. 22, da competencia privativa da Uniáo. 
A sede jurídica de estudo das normas gerais situa-se na área da reparticáo das com-
petencias legislativas nos Estados federáis. A doutrina costuma referir-se a dois tipos de 
reparticoes: a horizontal e a vertical. Na horizontal, as pessoas políticas, isonómicas, re-
cebem cada qual suas áreas competenciais devidamente apartadas. Sao lotes, por assim 
dizer, perfeitamente delimitados. Em se tratando da reparticáo vertical, o discrimen se 
faz por graus, pois as materias sao regradas por mais de uma pessoa política. Para evitar a 
promiscuidade impositiva, faz-se necessário graduar, na escala vertical, o ponto de inci-
dencia do regramento cabente a cada pessoa política. Entre nos, determinadas provincias 
jurídicas nao ensejam reparticáo vertical de competencias legislativas. Tais sao
os casos 
dos Direitos Civil, Comercial, Penal, Trabalhista etc. Estes sao Direitos cujas fontes le-
gislativas sao privativas da Uniáo Federal. Outros ramos jurídicos, mormente aqueles 
que se incrustam no que se convencionou chamar de Direito Público, oferecem ensejo a 
que ocorra o fenómeno da reparticáo vertical de competencias legislativas, ocasiáo em 
que mais de uma pessoa política normatiza, por graus, uma mesma materia jurídica. Em 
Direito Administrativo e Direito Tributario, o fenómeno é evidente. Ora, precisamente 
em razáo da reparticáo vertical de competencias é que surgem as normas gerais. Assim, 
as normas gerais de Direito Tributario sao da competencia legislativa da Uniáo Federal, 
através do Congresso Nacional. Na verdade, inexiste ai competencia concorrente, senáo 
a partilhada. A concurrencia é meramente substitutiva, i.e., se a Uniáo nao emitir normas 
gerais, a competencia das pessoas políticas (Estados-Membros e Municipios) torna-se 
plena. Emitidas que sejam as normas gerais, cumpre sejam observadas quando do exercí-
cio das respectivas competencias privativas por parte de estados e municipios, sem pre-
juízo da eventual e limitada competencia supletiva do Estado-Membro na própria 
temática da norma geral, conforme se pode verificar a uma simples leitura da reparticáo 
geral de competencias levada a efeito pela Constituicao de 1988. 
"Art. 24. Compete á Uniáo, aos Estados e ao Distrito Federal legislar 
concurrentemente sobre: 
(...) 
§ Io No ámbito da legislacáo concorrente, a competencia da Uniáo limi-
tar-se-á a estabelecer normas gerais. 
§ 2o A competencia da Uniáo para legislar sobre normas gerais nao ex-
cluí a competencia suplementar dos Estados. 
§ 3o Inexistindo lei federal sobre normas gerais, os Estados exerceráo a 
competencia legislativa plena, para atender a suas peculiaridades. 
§ 4o A superveniencia de lei federal sobre normas gerais suspende a efi-
cacia da lei estadual, no que lhe for contrario." 
(Rectius: onde se le lei federal, tratando-se de materia tributaria, leia-se 
lei complementar.) 
CURSO DE DIREITO TRIBUTARIO BRASILEIRO 119 
A melhor doutrina, na especie, é a de Raúl Machado Horta, ilustre Professor de Di-
reito Constitucional na Faculdade de Direito da UFMG. Dizia ele, sob o regime de 1967, 
em licao ainda atual:5 
"Continua insuficientemente explorado o campo da repartigáo vertical 
de competencia, que permite o exercício da legislagáo federal de normas ge-
rais, diretrizes e bases, e da legislagáo estadual supletiva, sendo aquela prima-
ria e fundamental, enquanto a última é secundaria e derivada. A competencia 
comum, que se forma com a materia deslocada do dominio exclusivo da 
Uniáo, para ser objeto de dupla atividade legislativa, corresponde a uma mo-
dernizagáo formal da técnica federal de repartir competencias e permite, ao 
mesmo tempo, que se oferega ao Estado-membro outra perspectiva legislati-
va, atenuando a perda de substancia verificada na área dos poderes reservados 
em virtude do crescimento dos poderes federáis. Perdura na evolugáo federa-
tiva brasileira o retraimento da competencia comum, sem explorar as possibi-
lidades do condominio legislativo, para aperfeigoar a legislagáo federal 
fundamental, de estrutura ampia e genérica, ás peculiaridades locáis. A evolu-
gáo do comportamento da federagáo brasileira nao conduz a diagnóstico ne-
cessariamente pessimista, preconizando o seu fim. A evolugáo demonstra que 
a federagáo experimentou um processo de mudanga. A concepgáo clássica, 
dualista e centrifuga, acabou sendo substituida pela federagáo moderna, fun-
dada na cooperagáo e na intensidadc das relagóes intergovernamentais. A re-
lagáo entre federalismo e cooperagáo já se encontra na etimología da palavra 
federal, que deriva de foedüs: pacto ajuste, convengáo, tratado, e essa raiz en-
tra na composigáo de lagos de amizade,/oeí/w'5 amicitae, ou de uniáo matri-
monial, foedüs thálami. Em termos de prospectiva, c razoávcl presumir que a 
evolugáo prosseguirá na linha do desenvolvimento e da consolidagáo do fede-
ralismo cooperativo, para modernizar a estrutura do Estado federal." 
Embora a teoria das normáis gerais situé bem a questáo do compartilhamento de 
competencias (verticalizadas) nos Estados federáis, afirmando que a norma geral possui 
eficacia forgada (loi de cadre), sempre sobrará uma zona cinzenta na delimitagáo das 
fronteiras objetivas da norma geral, o ponto além do qual nao pode ela passarsem ferir a 
competencia das pessoas políticas. Alfim e ao cabo, somente a contribuigáo da doutrina 
e da jurisprudencia, ao longo do tempo depurativo, trará solugáo a este tormentoso pro-
blema. Mas, nao é a sedimentagáo jurisprudencial que estabiliza a ordem jurídica? 
Grande, repetimos, é a forga e o comando das normas gerais de Direito Tributario 
emitidas pela Uniáo como fator de ordenagáo do sistema tributario, como ideado pelo 
constituinte de 1988, senáo vejamos: 
Horta, Raúl Machado. In Revista de Estados Políticos, Belo Horizonte, 1968. 
120 SACHA CALMON NAVARRO COÉLHO 
"Art. 146. Cabe á lei complementar: 
(...) 
III - estabelecer normas gerais em materia de legislacao tributaria, espe-
cialmente sobre: 
a) definicáo de tributos e de suas especies, bem como, em relacao aos 
impostos discriminados nesta Constituicao, a dos respectivos fatos geradores, 
bases de cálculo e contribuintes; 
b) obrigacáo, lancamento, crédito, prescricáo e decadencia tributarios; 
c) adequado tratamento tributario ao ato cooperativo praticado pelas so-
ciedades cooperativas." 
Praticamente a materia inteira da relacao jurídico-tributária se contém nos preceitos 
supratranscritos. Diz-se que ali está a epopéia do nascimento, vida e morte da obrigacáo 
tributaria. Se ajuntarmos a tais "normas gerais" o conteúdo (e aqui nao se discute se sao 
ou nao excedentes) do atual Código Tributario Nacional, teremos uma visáo bem abran-
gente do que sao as normas gerais de Direito Tributario. A grande forca da Uniáo como 
ente legislativo em materia tributaria resulta de que o Senado, através de resolucóes, fíxa 
bases de cálculo e alíquotas de varios tributos da competencia de estados e municipios, e 
de que, através de normas gerais, o Congresso Nacional desdobra as hipóteses de inci-
dencia e, muita vez, o quantum debeatur desses tributos, exercitando controle permanen-
te sobre o teor e o exercício da tributacao no territorio nacional. A vantagem está na 
unificacáo do sistema tributario nacional, epifenómeno da centralizacáo legislativa. De 
norte a sul, seja o tributo federal, estadual ou municipal, o fato gerador, a obrigacáo tribu-
taria, seus elementos, as técnicas de lancamento, a prescricáo, a decadencia, a anistia, as 
isencóes etc. obedecem a uma mesma disciplina normativa, em termos conceituais, evi-
tando o caos e a desarmonia. Sobre os prolegómenos doutrinários do federalismo postulató-
rio da autonomía das pessoas políticas prevaleceu a praticidade do Direito, condicáo 
indeclinável de sua aplicabilidade á vida. A preeminencia da norma geral de Direito Tributa-
rio é pressuposto de possibilidade do CTN (veiculado por lei complementar). 
3.14. Síntese do tema das leis complementares tributarias pelo ángulo 
aplicativo (normas de eficacia contida e normas de eficacia limitada -
como diferenciá-las) 
Nos itens precedentes estivemos entretidos com o mecanismo das leis complemen-
tares: 
A) fazendo atuar conteúdos constitucionais diretamente; 
B) complementando dispositivos constitucionais de eficacia limitada; e 
C) contendo dispositivos constitucionais de eficacia contível. 
Esta mecánica, vimos também, decorria dos objetos postos á disposicáo do legisla-
dor complementar pelo constituinte. 
Todavía, como distinguir um dispositivo de eficacia contida de outro, de eficacia li-
mitada, no texto da Constituicao? 
CURSO DE DIREITO TRIBUTARIO BRASILEIRO 121 
Afigura-se-nos
que a resposta exige percuciente exame do programa do dispositivo 
constitucional. 
A) Quando o dispositivo contiver todos os dados aplicativos, ou mesmo parte de-
les a depender tao-somente de restrigoes infraconstítucionais, veiculáveis por lei com-
plementar, o dispositivo constitucional aplica-se de plano e só será restringido quando 
sobrevier a lei de contengáo (dispositivo de eficacia contível). Ex.: industrializados, in-
clusive semi-elaborados, remetidos ao exterior sem tributagao em razáo de imunidade. 
Faltando lei complementar restringindo, todos sao remetidos sem pagamento do ICMS. 
(Aqui havia o direito, faltava a restrigáo.) Depois da Lei Complementar n° 87/96, tudo 
que for para o exterior é imune ou isento. Vale aqui o exemplo (didática); 
B) Quando o dispositivo nao contiver dados de aplicagáo, só incidirá quando lei 
complementar ofertar os dados (dispositivo de eficacia limitada). Ex.: a imunidade das 
instituigóes de educagáo e assisténcia social, cujos requisitos de fruigáo dependem de lei 
complementar. Aqui nao há falar em aplicabilidade da prescrigáo imunitória se faltam os 
próprios pressupostos, a cargo de lei complementar. (No caso, o CTN completa a CF.) O 
mesmo ocorre com a imunidade dos idosos. O STF tem decidido assim. Pena nao tenha 
ido avante para conferir ao mandado de injungáo o papel relevantíssimo de combater a 
inconstitucionalidade por omissáo. Ora, se o STF reconhece que dado preceito constitu-
cional resta inaplicável por omissáo legislativa, deveria incentivar as fórmulas de colma-
tagáo das lacunas infraconstitucionais, sob pena de inaplicagáo da Constituigao (perda de 
efetividade). Ele é déla o guardiáo! 
3.15. Finalizagáo sobre o tema das normas gerais de Direito Tributario -
Relatório sobre os temas que pedem lei complementar em finangas 
e tributagao 
De ver um adminículo do Prof. Mesquita Lara, da UFMG, de resto altamente escla-
recedor, enveredando, sem que nos soubéssemos de antemáo, pelos mesmos sendeiros 
que vimos de percorrer em nossos escritos, acrescentando-lhes bases mais sólidas ao 
tempo em que desenvolveu a materia ao largo da Constituigao. 
"A Constituigao de 10 de novembro de 1937 nao fez referencia a nenhu-
ma lei federal reguladora, de forma padronizada, de materia natural tanto á 
competencia da Uniáo como á dos Estados (como tal entendido, doravante, 
também o Distrito Federal) e dos Municipios, ou que obviasse suas disputas 
de competencia. Contudo, foi durante sua vigencia que se editaram o Decre-
to-Leí n° 915, de 01.12.38, e o Decreto-Lei n° 1.061, de 20.01.39, preventivos 
de conflitos interestaduais decorrentes das diferentes leis locáis sobre o antigo 
imposto sobre vendas e consignagóes. Esses decretos-leis, nao obstante a coi-
ma de contrarios á Constituigao de 1937 e também á que lhe sucedeu, vigeram 
até 1963, quando foram revogados pela Lei n° 4.299, de 23.12.63, que passou 
a regular aqueles conflitos, como lei de norma geral, na forma do citado art. 
5 o , XV, *b\ da Constituigao de 1946. 
SACHA CALMON NAVARRO COÉLHO 
O constituinte de 1946 programou normas gerais sobre direito financei-
ro; seguro e previdencia social; defesa e protecao da saúde; o regime peniten-
ciario, materia de inequívoca competencia comum ou da Uniáo e dos Estados 
ou deles e também dos Municipios, sem, contudo, fazer no texto constitucio-
nal expressa mencáo á observancia das normas gerais pelos Estados e Munici-
pios. A aplicacáo destas a todas as esferas de governo foi aceita com lastro no 
art. 6o da Lei Maior, por nao permitir aos Estados mais que legislar supletiva 
ou complementarmente em materia de norma geral, o que levou Pontes de Mi-
randa a asserir que o art. 5 o , XV, 'b ' , já mencionado, permitía que a Uniáo 
"desse" normas gerais para a administracáo da fazenda nacional, estadual, 
municipal, territorial e do Distrito Federal (Comentarios á Constituigáo de 
1946, vol. I ,p . 368, 2a ed., 1953). 
Por outro lado, nao se explicitou naquela Constituigao a funcáo ou a fi-
nalidade técnica das normas gerais, ao lado das demais normas federáis, c 
nem houve a preocupacáo de dotá-las de uma forma distinta da lei ordinaria. A 
doutrina constitucional brasileira é que, na inopia das duas disposicocs referi-
das, viu riqueza hermenéutica impensada pelo constituinte e délas extraiu a 
substancia e a funcáo das normas gerais no aparato legislativo patrio. Assim, 
identificou sua funcáo de compor, ex ante, os conflitos de competencia em 
materia tributaria, com o que permaneceram incólumes os Dccretos-Leis n o S 
915 e 1.061 supramencionados, e foi propiciada a edicáo da Lei n° 4.299. 
Consagrou uma segunda funcáo - aquela que aparentemente parecía ser a úni-
ca vislumbrada pelo constituinte - qual seja a de atuar como direito comum á 
Uniáo, aos Estados e aos Municipios. Assim, quando em 1964 foi promulgada 
a Lei Federal n° 4.320, de 17 de marco do mesmo ano, sua aceitacáo foi quase 
unánime para regular grande parte também do direito financeiro estadual e 
municipal. E em 1966, quando da edicáo da Lei n° 5.172-hoje Código Tribu-
tario Nacional - nao teve maior ressonáncia perante os órgáos judiciais a coi-
ma que se lhe irrogou de contraria á autonomía estadual e municipal. 
Assentou-se, ainda sob a Constituigao de 1946, que a forga da lei federal 
de normas gerais provinha nao de sua forma, que era a mesmíssima forma or-
dinaria das regras produzidas pelo Congresso Nacional c aprovadas por maio-
ria simples, mas de seu conteúdo, o qual, embora constituido de materia de 
interesse também dos Estados e Municipios, os impedia de prover em sentido 
contrario. Este impedimento, todavía, nao decorria de hierarquia, mas sim, de 
competencia, já que no caso nao se caracterizava a superioridade da regra fe-
deral sobre a estadual e/ou municipal, mas sim, o monopolio de competencia 
da Uniáo para legislar excepcionalmente sobre materias também afetas ao in-
teresse de Estados e Municipios, competencia exclusiva e personalíssima, 
pois a estes nao cabiam senáo poderes para a edigáo de simples normas com-
plementares supletivas. 
CURSO DE DIREITO TRIBUTARIO BRASILEIRO 123 
Estas linhas doutrinárias permanecem vivas durante todas as vicissitu-
des por que passou a Constituigao de 1946 e nenhuma das emendas que lhe fo-
ram feitas afetou seus arts. 5 o , XV, 'b ' , e 6 o, incluida a de n° 18, de 01.12.54, de 
funda repercussao no sistema tributario nacional. 
Excluindo da competencia dos Estados e Municipios materias ínsitas a 
ela; diminuindo o poder de legislar destas entidades, e editadas por um poder 
legislativo estranho, sem ser em sede constitucional, as normas gerais, embo-
ra sob roupagem simples das leis ordinarias, constituem, realmente, regras 
quase constitucionais, pelo inusitado de sua eficacia. 
A Constituigao de 24 de Janeiro de 1967 trouxe importantes novagoes ao 
regime das normas gerais em foco: separou-se em dois grupos, um das regras 
de direito financeiro e outro das regras de direito tributario; para as primeiras 
manteve o regime das leis ordinarias (art. 8 o, XVII, 'c ' ) , estabelecendo para as 
segundas a lei complementar aprovada pela maioria absoluta dos membros do 
Congresso Nacional (art. 19, §§ Io e 5 o); além disso, consagrou a dupla fungáo 
das normas gerais de direito tributario: estabelecer regras comuns em materia 
tributaria para a Uniáo, Estados e Municipios, como tal compreendidas tam-
bém as limitagóes ao poder de tributar, e dispor sobre seus conflitos nessa ma-
teria, havendo tudo isso sobrevivido após a Emenda Constitucional n° 1, de 
17.10.69 (arts. 8 o , XVII, ' c \ e 18, § 1°). 
A inovagáo constitucional brasileira relativa ás normas gerais constituí 
um dos mais importantes aportes para a teoria do Estado federativo neste sé-
culo. Com ela facilita-se a solugáo dos problemas táo comuns ás federagóes, 
relativos á competencia das entidades que a integram e ás
suas disputas sobre 
o ámbito do respectivo poder de legislar. 
Com efeito, uma federagáo, pela dualidade de governos num mesmo ter-
ritorio - o da Uniáo e o do Estado - exige sempre uma perfeita discriminagáo 
de competencia, difícilmente alcangada no texto constitucional. Compli-
cam-se as coisas e os conflitos sao acrescidos quando há ainda variável do 
Municipio, que, em algumas federagóes, constituí uma terceira entidade dire-
tamente dotada pela Constituigao do poder de editar autónomamente leis so-
bre materia de interesse local, como no caso brasileiro. Há entáo tres ordens 
jurídicas independentes, tres sistemas normativos próprios a referenciar mate-
rias nem sempre com precisas linhas demarcatórias. 
Um exame histórico revela que as solugóes constitucionais para a com-
posigáo de conflitos intrafederativos de competencia sempre deixam a dese-
jar. Sao imperfeitas as fórmulas de se enumerarem as materias de compe-
tencia da Uniáo e de se deixar o residuo aos Estados, depois de subtraído das 
materias de interesse do Municipio, ou de se arrolarem as materias dos Esta-
dos, deixando o residuo á Uniáo, depois de diminuido da parte do Municipio. 
E falha também a solugáo de certas materias fícar promiscuamente na compe-
124 SACHA CALMON NAVARRO COÉLHO 
téncia comum de todas as entidades, com o prevalecimento, no caso de con-
tradicao, do direito federal sobre o estadual e o municipal e do estadual sobre 
o municipal. 
A Constituigáo de 5 de outubro de 1988 mantém a denominacáo de nor-
mas gerais, para as regras jurídicas que, sem serem formalmente constitucio-
nais, tém características destas, como serem editadas pelo Congresso 
Nacional; versarem sobre materias que, em principio, sao de competencia 
também dos Estados e Municipios; padronizarem a normatividade de mate-
rias inerentes a esta e á Uniáo; limitarem os respectivos poderes de legislar e 
disporem sobre seus conflitos de competencia. 
Permanecem as normas gerais, assim, como regras imediatas á Consti-
tuigáo Federal - regras quase constitucionais - como um sobredireito em rela-
gáo aos sistemas normativos parciais da Uniáo, Estados e Municipios. Seu 
situs natural, por isso, deveria ser a própria Constituigáo Federal, por serem 
inusuais normas de tal natureza sob outra forma. 
(...) 
A propósito da especifícidade da norma geral, eminentes publicistas pa-
trios desenvolveram a idéia de uma lei nacional, diversa da lei federal (embo-
ra posta também pelo Congresso Nacional), para as materias reservadas no 
nosso direito para as normas gerais. Basearam-se ñas reflexóes kelsenianas 
sobre as ordens jurídicas parciais que compóem o estado federal - a da Uniáo, 
a dos Estados e, no caso brasileiro, também a dos Municipios, e que, sob a 
Constituigáo, formam a ordem jurídica total nacional. A fecunda idéia de Kel-
sen fortalece plena e técnicamente a norma geral como uma quarta especie no 
direito patrio, embora ele só tenha arrolado como regra desta especie a Cons-
tituigáo Federal, certamente por nao ter tido a oportunidade de conhccer atos 
normativos com os incomuns conteúdo e eficacia das nossas normas gerais" 
(Conferencia e depois artigo na Faculdade de Direito da UFMG). 
Dcrradeiramente, quanto a este intricado tema, para maior aprofundamento, é opor-
tuna a leitura do livro do eminente constitucionalista mineiro e professor da Escola de Di-
reito da UFMG, Doutor José Alfredo de Oliveira Baracho, intitulado Teoría Geral do 
Federalismo? 
Ali se dá revista ñas grandes aporias do federalismo contemporáneo, mormente as 
relativas ao tormentoso problema da sintaxe jurídica, isto é, da interconexáo de normas 
jurídicas no Estado federal. 
Por último, tres aclaramentos: 
A) lei complementar é veículo legislativo, e, norma geral, conteúdo normativo, ou 
lei = forma e norma geral = conteúdo; 
6 Baracho, José Alfredo de Oliveira. Teoría Geral do Federalismo, Belo Horizonte, FUMARC, 1982. 
CURSO DE DIREITO TRIBUTARIO BRASILEIRO 125 
g) a norma geral de Direito Tributario condiciona as legislacoes tributarias da 
Uniáo estados e municipios enquanto lex legum, loi de cadre, no dizer dos gauleses, ou 
lei sobre leis, como dizia Pontes de Miranda (art. 24, § 4 o); e 
C) possibilitam as leis complementares de normas gerais, em países federativos, a 
existencia de códigos nacionais em materias administrativa e tributaria... 
3 16 A necessidade de lei complementar previa para a instituigáo de impostos e 
contribuicoes 
Discute-se muito sobre a necessidade de lei complementar, previa, em relacáo á 
edigáo da lei institutiva de impostos e contribuigóes sociais. Sao duas as correntes, uma 
propugnando nao poder a competencia institutiva ser exercida sem previa lei comple-
mentar de normas gerais, e outra defendendo a supremacía da competencia impositiva 
das pessoas políticas na hipótese de inagáo do legislador complementar. A discussáo 
faz-se á volta do art. 146 da CF, inciso III, letra "a", que predica a lei complementar para 
a definiqáo de tributos e suas especies, bem como dos impostos discriminados na Consti-
tuigao, seus respectivos fatos geradores, bases de cálculo e contribuintes. A propósito, 
observamos que o CTN, recepcionado pela Constituigao, já define o tributo, suas espe-
cies e os fatos geradores e bases de cálculo da maioria dos impostos discriminados. Os 
impostos novos e, em parte, os modificados é que careceriam de maiores definigóes em 
lei complementar de normas gerais. Por isso mesmo o STF suspendeu a exigibilidade do 
adicional estadual do imposto de renda. O nosso posicionamento c o seguinte: 
A) quanto aos impostos residuais e aos restituíveis (empréstimos compulsorios), 
desnecessária se faz lei complementar normativa previa, por isso que só podem ser insti-
tuidos pelo processo legislativo da lei complementar. Esta, ao instituir o tipo tributario, 
regrará aquelas materias previstas no art. 146 da CF, III, "a", porquanto seria puericia 
exigir que um mesmo legislador condicionasse a si próprio, o que ocorreria se, nessas hi-
póteses, exigíssemos, como conditio sine qua non, que uma lei complementar definindo 
o imposto, suas bases de cálculo e contribuintes precedesse, enquanto fundamento de va-
lidez, outras leis complementares, estas institutivas dos impostos em causa; 
B) no concernente específicamente ás contribuigóes sociais do art. 195 da CF, só 
possuem legitimidade para exigir lei complementar previa aqueles que entendem serem 
impostos tais figuras impositivas. Certo, por isso que a regra do art. 146, III, "a", da CF, 
enderegada está a impostos e, o que é mais, impostos discriminados na mesma. Conse-
cuentemente, os que entendem possuírem as contribuigóes sociais natureza específica di-
versa da dos impostos, seja por criterios de validagáo finalística, seja por outros criterios, 
estao ipsofacto impedidos de pleitear lei complementar regrando o fato gerador, a base 
de cálculo e os contribuintes dessas exagóes. As contribuigóes sobre folha de salarios, lu-
cro e faturamento (empregadores), receita de prognósticos deveriam ser previamente es-
suturadas em lei complementar de normas gerais. Mas o exercício da competencia 
impositiva das pessoas políticas é eminentemente constitucional. O Congresso, por ina-
Wo, nao pode parausar o exercício da tributagao pelas pessoas políticas. O Convenio n° 
em tema de ICMS, ausente lei complementar, confirma a assertiva. Evidentemente a 
126 SACHA CALMON NAVARRO COÉLHO 
superveniencia de lei complementar sobre ditas especies parausa a eficacia dos dispositi-
vos constantes das leis que oferecam contraste as suas prescrigoes. A competencia tribu-
taria, portante, é dominante na CF; 
C) as contribuicoes previdenciárias dos funcionarios públicos federáis, estaduais e 
municipais nao sao impostos e, portante, sao instituíveis por leis ordinarias, federáis, es-
taduais e municipais (sao contribuigoes sinalagmáticas).
A Constituigáo, para finalizar, contém regra expressa no art. 34, § 3 o , do Ato das 
Disposigóes Constitucionais Transitorias autorizando a Uniáo, os estados e os munici-
pios a editarem as leis necessárias á instituigáo do sistema tributario no ámbito das res-
pectivas competencias. 
O Supremo Tribunal assentou tese segundo a qual as contribuigoes do art. 195 des-
necessitam de lei complementar previa ás leis ordinarias institutivas e modificativas, por 
isso que a própria Constituigáo já delineava os fatos geradores, os contribuintes e, impli-
citamente, as bases de cálculo. A contrario senso, tal nao é o caso das contribuigoes de in-
tervengáo no dominio económico. Quanto a estas, a Constituigáo é lacónica, diz apenas 
que a Uniáo é competente para institui-las e que sao instrumentos de intervengáo. No en-
tanto, a Corte parece estar tolerando que dezenas de contribuigoes de intervengáo, verda-
deira derrama fiscal dos tempos lusitanos, sejam instituidas até por medidas provisorias. 
E intolerável. 
Capítulo IV 
OUTRAS REGRAS DE REPARTICAO 
DE COMPETENCIAS TRIBUTARIAS 
4.1. A competencia múltipla das pessoas políticas. 4.2. Empréstimos compulsorios -
Competencia - Regime jurídico. 4.3. Contribuigóes parafiscais - Competencia - Regime jurí-
dico. 4.4. Uma questáo de Direito intertemporal ou de jurisprudencia variante. 4.5. Contribui-
góes em prol de entidades privadas: SESI, SESC, SENAI, SENAC etc. 4.6. Contribuigóes em 
favor das confederagoes sindicáis. 4.7. O regime jurídico-constitucional dos empréstimos 
compulsorios e das contribuigóes parafiscais - Sintese. 4.8. Regras constitucionais específicas 
relativas ás contribuigóes. 4.9. Os pressupostos jurídicos para a instituigáo de taxas. 4.10. As 
taxas e os principios retores da tributagao. 4.11. O Poder Judiciário e os principios justributá-
rios. 4.12. Taxas de policía e taxas de servigo. 4.13. Preconceitos a desfazer em materia de ta-
xas. 4.14. Teorías erróneas sobre a natureza jurídica das taxas. 4.15. Ainda a serventía da 
distingáo entre taxas de policía e de servigos. 
4.1. A competencia múltipla das pessoas políticas 
O art. 147 da Constituigao Federal prescreve: 
"Art. 147. Competem á Uniao, em Territorio Federal, os impostos esta-
duais e, se o Territorio nao for dividido em Municipios, cumulativamente, os 
impostos municipais; ao Distrito Federal cabem os impostos municipais." 
A regra é de fácil explicacáo. Nos territorios inexiste ordem jurídica tributaria de 
Estado-Membro. A Uniáo assume a feigáo de estado e cobra os impostos estaduais. Le-
gisla sobre eles, observadas as normas gerais de Direito Tributario. E se o territorio nao 
for dividido em municipios, a Uniáo preenche o espago a eles reservado, a cobrar os im-
postos municipais. Presentemente inexistem territorios federáis. 
O Distrito Federal, como se sabe, possui confíguragáo impar no interior da Federagáo. 
A sua natureza jurídica - será mera autarquia territorial? - tem gerado serias disceptagoes 
doutrinárias, aqui desimportantes. Fato é que, equiparado tributariamente a estado pela CF, 
compete-lhe ainda cobrar os impostos municipais, como se fora ente municipal. 
A regra da competencia múltipla atende ás peculiaridades do federalismo vigorante 
n o ^ r a s i l e impede privilegios aos habitantes de Brasilia e territorios em relagáo aos bra-
sileiros de outros lugares. 
128 SACHA CALMON NAVARRO COÉLHO 
4.2. Emprestimos compulsorios - Competencia - Regime jurídico 
De inicio, ao lume da teoria dos fatos geradores vinculados ou nao a uma atuacáo 
estatal, assentamos que os emprestimos compulsorios e contribuicoes parafiscais sao tri-
buios, tese de resto esposada pelo constituinte de 1988 sistemáticamente. O art. 148 dis-
poe quanto aos primeiros: 
"Art. 148. A Uniáo, mediante lei complementar, poderá instituir em-
prestimos compulsorios: 
I - para atender a despesas extraordinarias, decorrentes de calamidade 
pública, de guerra externa ou sua iminéncia; 
II - no caso de investimento público de caráter urgente e de relevante in-
teresse nacional, observado o disposto no art. 150, III, 'b ' . 
Parágrafo único. A aplicacáo dos recursos provenientes de empréstimo 
compulsorio será vinculada á despesa que fundamentou sua instituicáo." 
A competencia institutiva é privativa da Uniáo; estados e municipios estáo impedi-
dos de instituir este tipo de tributo. O veículo da instituicáo é a lei complementar. O exer-
cício da competencia é condicionado a pressupostos constitucionais: 
A) para atender a despesas extraordinarias, decorrentes de calamidade pública ou 
de guerra externa ou sua iminéncia; e 
B) para obter recursos necessários a investimentos públicos de caráter urgente e de 
relevante interesse nacional, observado, neste caso, o art. 150, III, "b", da CF, i.e., obser-
vado o principio da anterioridade da lei fiscal relativamente ao ano da imposicáo do grá-
vame restituível. Aqui a urgencia do investimento, por nao ter o caráter de emergencia, 
observa a anterioridade, em beneficio dos contribuintes. 
O juízo de atendimento aos pressupostos constitucionais pertence ao Congresso 
Nacional, nao, porém, soberanamente. A instituicáo de emprestimos compulsorios com 
desprezo aos antepostos jurídicos previstos na Constituigáo favorece o acesso ao Poder 
Judiciário como órgáo de controle da Lei Maior pelo método direto e difuso, ambos con-
sagrados no texto da Superlei. 
Despesas extraordinarias sao aquelas absolutamente necessárias após esgotados os 
fundos públicos, inclusive os de contingencia. Vale dizer, a inanigáo do Tesouro há de ser 
comprovada. E tais despesas nao sao quaisquer, senáo as que decorrerem da premente ne-
cessidade de acudir as vítimas das calamidades públicas serias, tais como terremotos, 
maremotos, incendios e enchentes catastróficas, secas transanuais, tufóes, ciclones etc. 
Nem basta decretar o estado de calamidade pública, cujos pressupostos sao lenientes. De 
verdade, a hecatombe deve ser avassaladora, caso contrario se banalizaria a licenga cons-
titucional, ante acts of Godque sempre ocorrem, sistemáticamente, ao longo das estagóes 
do ano. Na hipótese de guerra externa ou de sua iminéncia, devem ser observados os prin-
cipios do Direito Internacional Público. As convulsóes sociais internas c o subjetivismo 
na apreciagáo das situagóes de confuto nao justificam a imposigáo do tributo restituíve!. 
Ncsta primeira matriz, que chamamos de emergencial, o empréstimo compulsorio, em-
CURSO DE DIREITO TRIBUTARIO BRASILEIRO 129 
bora sujeito ao principio da legalidade (lei complementar), escapa do principio da ante-
rioridade em face da urgencia que reveste os motivos deflagradores da competencia para 
instituí-lo. 
Na hipótese de investimento público, as cláusulas de relevancia, de urgencia, de in-
teresse nacional, desqualificam a importancia regional e impóem o adiamento das despe-
sas nao urgentes. A capitalizacao do Banco do Rio Grande do Sul, v.g., nao justificaría 
exacáo restituível. A chamada ao sacrificio dos cidadáos no momento da compulsoria ar-
recadagao do tributo restituível exige o exaurimento conclusivo das condigóes previstas 
na Constituigao. Seria, talvez, o caso de pré-colapso do potencial elétrico do país ante a 
falta provada de meios para o financiamento de sua expansáo, internos e externos. 
O juízo de admissibilidade dos pressupostos, mais uma vez, é do Congresso Nacio-
nal. E, mais uma vez, questionado e provado o desatendimento dos permissivos constitu-
cionais, cabe ao Poder Judiciário arbitrar a controversia incideníur tantum ou por 
argüigáo direta de inconstitucionalidade. 
Nesta segunda matriz, que chamamos de especial, o tributo restituível sujeita-se in-
tegralmente aos grandes principios de contengáo do poder de tributar: legalidade, ante-
rioridade, irretroatividade. 
Em suas duas matrizes, os empréstimos compulsorios clamam pelo atendimento
ao 
principio da capacidade contributiva. Rcdugóes e isengoes sao perfeitamentc pensáveis e 
possíveis para livrar os mais carentes dos sacrificios fiscais impostos pela tributagao com 
promessa de restituigáo. 
Em suas configuragóes usuais, na visáo de nossa experiencia histórica, os emprésti-
mos compulsorios sao tributos da especie imposto. A afirmagáo teórica de que podem 
tais exagóes ser taxas ou impostos (dependendo do fato jurígeno escolhido pelo legisla-
dor para montar o tributo) é absolutamente verdadeira. Mas verdadeira no plano teórico c 
científico. Os insumos da Sociología Jurídica tem demonstrado que se afiguram como 
impostos ou adicionáis de impostos, até porque sao os feitios que mais lhes convém. O 
tema já foi tratado exaustivamente por Aliomar Baleeiro, Amílcar de Araújo Falcáo e, úl-
timamente, por María de Fátima Ribeiro,' que nos fornece adminículos históricos valio-
sos. Baleeiro tem, sobre o assunto, páginas memoráveis:2 
"No empréstimo forgado, nao há acordó de vontades, nem contrato de 
qualquer natureza. Unilateralmente, o Estado compele alguém, sob sua juris-
digáo, a entregar-lhe dinheiro, prometendo o reembolso sob certas condigóes 
ou dentro de certo prazo. 
Há a distinguir duas hipóteses: a) o Estado, pura c simplesmente, decreta 
que quem estiver em certas condigóes características dum fato gerador de im-
posto é obrigado a entregar-lhe tal soma que será restituida ao cabo de tantos 
Ribeiro, Maria de Fátima. A Natureza Jurídica do Empréstimo Compulsorio no Sistema Tributario Na-
cional, Rio de Janeiro, Forense, 1985. 
Baleeiro, Ahornar. Urna Introducao á Ciencia das Financas, 13a ed., Rio de Janeiro, Forense, p. 461. 
130 SACHA CALMON NAVARRO COÉLHO 
anos com juros ou sem eles; ou b) o Estado aceña ao contribuinte com a possi-
bilidade de isentar-se de certo imposto se lhe emprestar quantia maior. 
(...) 
Em ambos os casos, uma ressalva há de ser feita: o empréstimo compul-
sorio só tem legitimidade se o pressuposto em que assenta constituí fato gera-
dor da competencia do poder que o decreta (artigos 21 e 22 da Constituigáo). 
A Uniáo pode exigir empréstimo de quem tem renda, mas nao pode fazé-lo de 
quem adquiriu uma fazenda, pelo ato da aquisicáo, porque nesse exemplo, o 
Estado que nao tem competencia para instituir empréstimo compulsorio, é 
que é o titular da competencia tributaria. 
(...) 
Na mesma situagáo jurídica do empréstimo compulsorio deve ser colo-
cada a capitalizagáo ou investimento toreado, do qual, no Direito Fiscal brasi-
leiro, tivemos exemplo com a subscrigáo autoritaria de acoes da Petrobrás e 
da Eletrobrás por parte dos proprietários de veículos a motor e consumidores 
de energía. A operacáo decompoe-se num tributo com a promessa unilateral 
de entrega de acoes de valor correspondente numa sociedade anónima de eco-
nomía mista." 
Os emprestimos compulsorios sao sempre, na prática, impostos restituíveis. O le-
gislador sabe disso muito bem, tanto que, quando se votava a Constituigáo de 1988, pen-
sou-se em repartir competencias para atribuí-los á Uniáo e aos Estados-Membros. De 
pronto, o legislador, antecipando a natureza jurídica específica de imposto que decerto 
exibiriam, cuidou de dizer que só poderiam incidir como adicionáis de impostos privati-
vos de cada ordem de governo, de modo a evitar as invasóes de competencia. O projeto 
de Constituigáo "A" da Comissáo de Sistematizagáo dispunha: 
"Art. 175. A Uniáo, os Estados e o Distrito Federal poderáo instituir em-
prestimos compulsorios para atender a despesas extraordinarias provocadas 
por calamidade pública. 
§ Io A Uniáo poderá, ainda, instituir emprestimos compulsorios nos se-
guintes casos: 
I - investimento público de relevante interesse nacional, observado o 
disposto no artigo 177, III, ' b ' ; 
II - guerra externa ou sua iminéncia. 
§ 2o Os emprestimos compulsorios, exceto aqueles instituidos com base 
no inciso II do parágrafo anterior: 
I - somente poderáo tomar por base fatos geradores compreendidos na 
competencia tributaria da pessoa jurídica que os instituir; 
II - dependeráo de lei aprovada pela maioria absoluta do Congresso Na-
cional ou das Assembléias Legislativas, que respeitará o disposto no artigo 
177, III, 'a ' ." 
CURSO DE DIREITO TRIBUTARIO BRASILEIRO 131 
O empréstimo compulsorio, lido numa lei, por ser tributo restituível abriga duas 
normas jurídicas. A literalidade do texto abriga direitos c deveres recíprocos em momen-
tos diversos. Há norma tributaria mandando pagar e há norma financeira mandando res-
tituir-
A primeira questáo a ser resolvida diz respeito á natureza jurídica do empréstimo 
compulsorio em face do ordenamento jurídico positivo brasileiro. Alias, a algaravia con-
ceitual que empana o tema marca, de resto, o próprio nascimento da Ciencia Juridi-
co-Tributária ou Tributarística, só recentemente emancipada e ainda em fase de 
consolidacáo. Deixo gizado que este fenómeno nao passou despercebido a juristas de es-
col, como Alfredo Augusto Becker, Einaudi e outros. 
Entre nos, contra o trato de tema jurídico a partir de categorías da Ciencia das Fi-
nancas ou da Economía pronuncia-se a maioria dos tratadistas que acham ser a lei o pon-
to de partida do jurista, o dado primordial do seu labor. Becker sustenta que 1 1 os criterios 
financeiros sao certos no plano pré-jurídico", mas que "no plano jurídico sao inservíveis 
e imprestáveis". Sem discrepar, Gilberto de Ulhóa Canto observa: 
"O mistifório de dados pré-jurídicos engendra situagóes fantásticas que 
bem explicam - embora nao possam justificar - a grande quantidade de deci-
sóes, as mais disparatadas dos nossos Tribunais, nessa materia... 
Ao se pretender deslindar uma questáo jurídica, as solucóes nao sao har-
mónicas, nao tém coeréncia com as premissas, nao tém regularidade nem 
constancia, nao satisfazem nem a vencidos nem a vencedores e dáo ao con-
tribuinte terrível inseguranca kafkaniana. 
E que, na traga de Geraldo Ataliba: 'É inaceitável e anticientífico preten-
der colher elementos do mundo pré-jurídico para influir na exegese de normas 
jurídicas ou construgáo de conceitos jurídicos, que deve ser procedida á luz 
dos desenhos normativos.'" 3 
Brevitatis causa, tres sao as teses em voga, as mais relevantes, que examinaremos 
de permeio com os dispositivos jurídicos que entre nos regram o exercício da tributagao: 
A) a que vé o empréstimo compulsorio como instituto misto, metade tributo, meta-
de mutuo; 
B) a que o visualiza como "contrato coativo de Direito Público"; c 
C) a que o entende como requisigáo pecuniaria ¡nominada, a-tributária. 
Feitas estas observagóes preliminares, passamos a expor nosso entendimento sobre 
a natureza jurídica dos empréstimos compulsorios. 
Dentre as teorías em voga, há uma, conforme visto retro, que acentúa a natureza 
ambivalente do empréstimo compulsorio. 
Calmon, Sacha. Apud Teoría Geral do Tributo e da Exoneracáo Tributaria, Ed. Revista dos Tribunais, 
1982. 
132 SACHA CALMON NAVARRO COÉLHO 
Os corifeus dessa primeira corrente, a mista, dao exagerado valor ao elemento resti-
tuicáo. Todavía, á luz do Direito Tributario brasileiro, o destino da arrecadacao do tributo 
é irrelevante. Di-lo o art. 4o do CTN, verbis: 
"Art. 4o A natureza jurídica específica do tributo é determinada pelo fato 
gerador da respectiva obrigacáo, sendo irrelevantes para qualificá-la: 
I - a denominacáo e demais características formáis adotadas pela lei; 
II - a destinacáo legal do produto da sua arrecadacao." 
O fato de ser restituível nao possui o condáo de descaracterizar o tributo. 
Isto posto, nem a restituibilidade do empréstimo compulsorio nem o nome impres-
sionam. Ao contrario, nome e restituicáo formam a tónica desse tributo, embora nao sir-
vam - já se viu - para determinar a natureza tributaria específica do empréstimo 
compulsorio, a qual será determinada
pelo seu fato gerador, conforme o CTN, art. 4 o . No 
Direito Tributario brasileiro, toda prestacáo pecuniaria compulsoria, instituida em lei 
(legalidade), que nao seja sancáo de ato ilícito (multa ou indenizacáo), em moeda ou va-
lor nela exprimível, cobrada administrativamente (mediante lancamento, ainda que por 
homologacáo), é tributo, a teor do art. 3o do CTN (independentemente do destino da sua 
arrecadacao, em verdade umposterius irrelevante em face do ato de imposicáo unilateral 
que faz derivar o dinheiro do bolso do particular para as burras do Estado com base no jus 
tributandi estatal). 
Em nossa recente experiencia jurídico-tributária, os denominados emprestimos 
compulsorios se apresentam genéricamente como tributos (art. 3o do CTN) e específica-
mente como impostos (art. 16 do CTN). 
Desconsideramos, portante, a tese de que se trata de uma figura atípica que nao é 
nem tributo nem mutuo, embora tenha elementos de um e de outro, até porque diante des-
se, por assim dizer, hermafroditismo jurídico, que plexo de normas legáis devo aplicar 
para dizer o direito requerido pela prestacáo jurisdicional? Devo aplicar o Código Civil 
aqui e a Constituigáo e o Código Tributario acola? Como aplicar as regras típicas de um 
contrato - ato bilateral, voluntario e facultativo - a uma rclagáo jurídica impositiva? 
Como aplicar o Código Tributario Nacional a algo que é civil? 
Dizem que é quase tributo porque coativo e empréstimo porque restituível. 
Que seja! 
A nos interessa apenas a imposicáo, que esta cai por inteiro sob o dominio das nor-
mas que rcgem a tributagáo segundo o Direito Positivo em vigor. E o poder de tributar do 
Estado e o direito á legalidade do contribuinte que animam o cerne da controversia. A re-
lagáo jurídica é tributaria indubitavelmente e trata-se de imposto. 
Repelimos também, por assemelhada, a tese do contrato coativo, bem parecida com 
a anterior, por se nos afigurar indevida penetracáo da teoría contratual em campo total-
mente diverso, qual seja o da tributacao, e que, aceita, poderá causar scríssimos danos aos 
principios da certeza e da seguranga do Direito. 
CURSO DE DIREITO TRIBUTARIO BRASILEIRO 133 
Alcides Jorge Costa 4 eneeta penetrante crítica á absorcao do empréstimo compulsó-
pela teoria "coativista": 
"O direito contratual tem sofrido uma evolugáo constante, disso dáo 
conta numerosos estudos. No entanto, o principio da liberdade contratual con-
tinua a prevalecer, como salientam Planiol e Ripert (Droit Civil Frangais, 2a 
ed., París, 1952, tomo VI, parte I a , p. 23), sem embargo das restricóes que tem 
sofrido. O que sucedeu foi que a igualdade das partes, antes concebida de 
modo inteiramente teórico passou a ser encarada em seus aspectos reais. Uma 
efetiva liberdade contratual pressupóe a igualdade dos contratantes, sem o 
que a liberdade da parte mais fraca torna-se vá. Por isso, o direito contratual 
veio sofrendo uma evolugáo continua no sentido de, mediante restrigóes á li-
berdade de uma das partes, estabelecidas através de normas legáis imperati-
vas, estabelecer uma efetiva igualdade entre as partes. Por outro lado, sao hoje 
mais numerosas, em materia contratual, as leis de caráter imperativo, que res-
tringen! a liberdade das partes. Nao se pode, porém, como nota Ripert 
("L'ordre économique et la liberté contractuelle", in Recuel d'études en 
l'honneur de Frangois Gény, Sirey, París, tomo 2 o , p. 353), falar em decaden-
cia do contrato, mas de uma substituigáo do legislador ás partes para regrar as 
obrigagóes contratuais. (...) 
Se, por exemplo, o Estado pode coagir o individuo a emprestar-lhe certa 
quantia em dinheiro, nao há razáo para negar-lhe a possibilidade de coagir 
qualquer pessoa a fazer-lhe doagáo de qualquer especie de bens, porque a doa-
gáo seria também contrato coativo. Ora, é evidente que essa possibilidade nao 
se coaduna com o nosso regime jurídico-constitucional porque implicaría em 
tornar letra morta o direito de propriedade. Seria mesmo possível, através de 
contratos coativos e mantida a atual Constituigao, alterar nosso regime jurídi-
co-social. No entanto, dir-se-á que, se o Estado pode exigir tributos, deve tam-
bém poder exigir que lhe emprestem dinheiro, porque quem pode o mais pode 
o menos. 
As relagóes que o Estado, no uso do seu poder de soberania, pode ter 
com o patrimonio dos particulares, estáo nítidamente delimitadas pela Cons-
tituigao. Além, naturalmente, de relagóes patrimoniais em que o Estado cele-
bra contrato, em pé de igualdade, com particulares, o Poder Público apenas 
pode cobrar tributos, efetuar requisigóes civis e militares em tempo de guerra 
e efetuar desapropriagóes, por necessidade ou utilidade pública, por interesse 
social, mediante previa e justa indenizagáo em dinheiro. Nao é, pois, exato 
Costa, Alcides Jorge. "Natureza Jurídica do Empréstimo Compulsorio", in ROA 70/1 
134 SACHA CALMON NAVARRO COÉLHO 
que, em materia de relagóes patrimoniais, o Estado possa obrigar qualquer 
pessoa a celebrar contratos apenas porque pode cobrar-lhe tributos. Nessc 
campo, o mais e o menos estáo regulados de modo que nao é exato dizer que 
se o Estado pode o mais, também pode o menos." (Grifos.) 
De nossa parte, relutamos em aceitar os chamados "contratos coativos" no campo 
mesmo do Direito Privado. Nao desconhecemos o exemplo do seguro obrigatório de veí-
culos em que o Estado, na posicáo de "coordenador de interesses sociais", obriga os par-
ticulares entre si a coativamente pactuarem. Temos nossas dúvidas sobre tal "potestade" 
de coordenacáo ñas grandes democracias. Em todo caso, no "contrato coativo" típico o 
trato é privado, e no empréstimo compulsorio o Estado subordina, impoe e cobra ele 
próprio, como pura potestade. Nao há confundir um e outro. Uma coisa é o Estado orde-
nar contratos entre os súditos; outra, deles extrair pecunias forcadamente. 
Também aqui, aduzimos, comparecem os artigos 3o e 4o do CTN, cujas conceitua-
coes sao vinculantes para o intérprete. Nao é lícito ao aplicador da lei fazer tabula rasa 
dos conceitos e preceitos que sao postos em nivel de lei complementar da Constituigáo, 
sob o ponto de vista material, para perder-se em devaneios doutrinais, delirantes, sobre o 
"ser ideal" (ontologia abstrata) do empréstimo compulsorio. Com efeito, chamar a uma 
imposicáo unilateral e inarredável do Estado de "contrato" eufemisticamente denomina-
do de "coativo" é, data venia, incoeréncia, como dizemos francos: IIy alenom etilyala 
chose. Agora, de examinar a teoría da requisigáo pecuniaria, a-tributária. Aqui, mais uma 
vez, nao há como escapar do círculo de ferro dos artigos 3o e 4o da Lei Tributaria mater. 
Rejeitamos por ilógica e colidente com o Direito posto a tese da requisigáo 
a-tributária que se quer atribuir ao empréstimo compulsorio, até porque, como observa 
Alcides Jorge Costa, no vocabulario jurídico redigido sob a orientagáo de Capitant, a re-
quisigáo é uma operagáo unilateral do Poder Público, via da qual a Administragáo exige 
servigo ou coisa, ou ainda o abandono de gozo de imóveis, a ñm de assegurar o funciona-
mento de servigos públicos. 
Em nosso Direito, outro nao é o sentido da requisicao administrativa. 
Para logo entendemos que o fato de o compulsorio vir a ser devolvido em títulos em 
vez de dinheiro nao lesiona o parágrafo único do art. 15 do CTN. O Digesto Tributario, ao 
determinar as condigóes de prazo e resgate dos emprestimos compulsorios - para nos, 
impostos restituíveis -, nao obriga a que seja sempre em moeda. Alfredo Augusto Bcc-
ker, no seu festejado Teoría Geral do Direito Tributario, expóe: 
"A doutrina dominante demonstra de modo irrefutável que o imposto, 
com destinagáo determinada, continua sendo imposto. Ora, a devolugáo do 
montante do tributo ao contribuinte é uma (entre outras) das destinagóes de-
terminadas áquelc tributo e tal fenómeno ocorre também com outros tributos.

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