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CAPÍTULO 2 Direito do Trabalho: Conceito, Características, Divisão, Natureza, Funções e Autonomia. 1. Direito do Trabalho: 1.1 Conceito Conceituar, definir algo é, antes de tudo, enunciar as suas propriedades específicas, apontar os seus elementos. Nesse sentido, a depender da ênfase que se dê a um dos elementos do Direito do Trabalho, teremos definições objetivas, subjetivas ou mistas. As definições subjetivas enfocam os sujeitos das relações trabalhistas1. Realça a condição do empregado como a parte hipossuficiente na relação jurídica de emprego, o que nem sempre é verdade. As definições objetivas dão destaque ao objeto do contrato de trabalho (a prestação do trabalho subordinado) e ao conteúdo desse ramo jurídico (princípios, regras e institutos).2 Ambas as definições são criticadas por não representar de forma adequada a amplitude do Direito do Trabalho3. A definição mista busca conjugar, em um mesmo conceito, os enfoques objetivo e subjetivo. Combinando os sujeitos do contrato de trabalho com o conteúdo objetivo das relações jurídicas reguladas por esse ramo jurídico4. 1 Definições subjetivas: “o sistema jurídico de proteção aos economicamente fracos”; “o Direito do Trabalho é o direito especial de um determinado grupo de pessoas, que se caracteriza pela classe de sua atividade lucrativa [...] é o direito especial dos trabalhadores [...] O Direito do Trabalho se determina pelo círculo de pessoas que fazem parte do mesmo” (HUECK, Alfred; NIPPERDEY, H. C. Apud DELGADO, Maurício Godinho. Curso de Direito do Trabalho. São Paulo: LTr, 2004, p. 50.). 2 Definição objetiva: “conjunto de princípios e normas jurídicas que regem a prestação de trabalho subordinado ou a ele similar, bem como as relações e os riscos que dela se originam” (DONATO, Messias Pereira. Curso de Direito do Trabalho. São Paulo: Saraiva, 1979, p. 4 -5.). 3 O enfoque subjetivo peca por não observar o caráter expansionista desse ramo jurídico, uma vez que não regula apenas a relação que envolve empregado (v.g. avulsos). Já a ênfase objetiva, pode enfraquecer característica protetora desse ramo especializado (DELGADO, Maurício Godinho. Curso de Direito do Trabalho. São Paulo: LTr, 2004, p. 51). As concepções mistas são mais aptas a definir o Direito do Trabalho, pois o representa na sua inteireza. Acreditamos que a melhor forma de definir algo, principalmente um ramo jurídico, é conjugar no conceito: a natureza jurídica, os seus elementos e a sua função. Podemos, assim, definir o Direito do Trabalho como um ramo jurídico do Direito Privado, composto por normas, regras e institutos jurídicos que regulam a relação empregatícia de trabalho e outras relações especificadas em lei. Pretendendo ser mais completo, poderíamos conceituar o Direito Material do Trabalho – composto do Direito Individual e o Direito Coletivo, uma vez o mesmo é denominado simplesmente de Direito do Trabalho, no sentido lato - como o complexo de princípios, regras e institutos jurídicos que regulam a relação empregatícia de trabalho e outras relações normativas especificadas, englobando, também, os institutos, regras e princípios jurídicos concernentes às relações coletivas entre trabalhadores e tomadores de serviço, em especial através de suas associações coletivas.5 2. DENOMINAÇÃO A denominação Direito do Trabalho é consagrada pela doutrina, jurisprudência e legislação. No entanto, o ramo jurídico em tela, nem sempre foi cognominado de Direito do Trabalho. Recebeu diferentes nomes desde o seu surgimento, sendo os principais: Direito Industrial, Direito Operário, Direito Sindical, Direito Corporativo e Direito Social. A expressão Direito Industrial é influenciada pelo fato histórico do Direito do Trabalho ter surgido no período da Revolução Industrial. Peca pelo seu caráter restritivo e ampliativo. Apesar de parecer paradoxal, ao mesmo tempo em que se mostra excessivamente amplo, uma vez que engloba outros ramos jurídicos como, por exemplo, Direito Empresarial e Direito Tributário, o mesmo é incapaz de captar todo o conteúdo do Direito do Trabalho, já que as relações trabalhistas vão muito além do 4 Definição mista: “conjunto de princípios e normas jurídicas que regulam as relações jurídicas oriundas da prestação de serviço subordinado e outros aspectos deste último, como conseqüência da situação econômico-social das pessoas que o exercem” (MORAES FILHO, Evaristo de. Introdução ao Direito do Trabalho. São Paulo: LTr, 1971, p. 17.). 5 DELGADO, Maurício Godinho. Curso de Direito do Trabalho. São Paulo: LTr, 2004, p. 52. estrito segmento industrial, abrangendo, também, ilustrativamente, os setores terciários e primários da economia6. O designativo Direito Operário é, do mesmo modo que a expressão Direito Industrial, fruto da influência do momento histórico em que surgiu o Direito Laboral. Peca por ser restritivo, reduzindo esse ramo ao seu segmento inicial. A sua esfera normativa vai muito mais além dos operários, abrange trabalhadores de outros segmentos como do comércio, agricultura, etc. A terminologia Direito Sindical, assim como as supramencionadas, é inadequada. “Impressionada pela importância das organizações coletivas obreiras [...], a expressão veio reduzir toda a complexidade do fenômeno do Direito do Trabalho (inclusive do Direito individual do Trabalho) ao papel cumprido por um dos agentes de construção e dinamização desse ramo jurídico”. A inadequação desse terceiro nome é ainda mais clara “quando se percebe que, mesmo nos modelos mais autoritários de gestão trabalhista (onde o sindicato não cumpre papel de destaque), continua a existir um complexo de regras, institutos e princípios justrabalhistas regendo as relações de emprego na sociedade respectiva”.7 O designativo Direito Corporativo foi muito difundido nos sistemas jurídicos autoritários, em especial no fascismo italiano. Abrangia apenas as relações coletivas e deixava à margem as relações individuais, não prosperando. O termo Direito Social, cujo maior defensor no Brasil foi Cesarino Júnior, não se consagrou no ordenamento jurídico brasileiro. Criticado pela sua amplitude, uma vez que todo ramo jurídico é social8, seus defensores argumentavam que o ramo jurídico em questão possui um conteúdo social superior aos demais. Apesar do argumento utilizado, a denominação Direito Social não é adequada, pois outros ramos possuem carga social 6 DELGADO, Maurício Godinho. Curso de Direito do Trabalho. São Paulo: LTr, 2004, p. 52-53. 7 DELGADO, Maurício Godinho. Curso de Direito do Trabalho. São Paulo: LTr, 2004, p. 53-54. 8“O nome ‘Direito social’ parece-nos inaceitável, por ser demasiado vago e prestar-se à conclusão absurda de que haja direito sem substrato social. Tal objeção é reconhecida, ainda que repelida, pelo próprio Cesarino Júnior, quando confessa que ‘só há direito em sociedade; Ubi societas, ibi jus’” (PINTO, José Augusto Rodrigues. Curso de Direito Individual do Trabalho. São Paulo: LTr, 2003, p. 53.). igual ou superior ao Direito do Trabalho, não servindo esta singularidade para caracterizá-lo. Direito do Trabalho é denominação mais adequada, dentre as citadas, para representar o ramo jurídico especializado em estudo. Foi a adotada em diversos paises como a França (Droit du travail), Itália (Diritto del Lavoro), Espanha (Derecho del trabajo). Apesar da consolidação na doutrina, jurisprudência e ordenamento jurídico brasileiro, o termo Direito do Trabalho é criticado pela sua abrangência, considerando que tal Direito na protege todos os trabalhadores, mas sim, apenas os empregados. Nesse sentido, os críticos defendem a expressão Direito Empregatício. Todavia, diante da tendência expansionista do Direito do Trabalho, a crítica supramencionada não mais persiste, pois as normas trabalhistas vêm abarcando diversas categorias de trabalhadores que não podem ser caracterizados como empregados (v.g avulsos). Acreditamos, que futuro bem próximo, o Direito trabalho regulará todas as relações de trabalho (subordinados juridicamente, dependentes economicamente e os não subordinados), uma vez que o primeiro passo já foi dado com a EC 45/2004. 3. CARACTERÍSTICAS DO DIREITO DO TRABALHO O Direito do trabalho possui alguns traços individualizadores que tornam peculiar este ramo jurídico especializado. Entre eles, podemos citar: a) a tendência expansionista; b) caráter reivindicatório; c) o cunho intervencionista; d) o caráter cosmopolita; e) o fato de seus institutos jurídicos mais típicos serem de ordem coletiva ou socializante; f) o fato de ser um direito em transição9. A doutrina estrangeira acrescenta às características mencionadas, o fato das normas trabalhistas serem limitativas da autonomia da vontade no contrato de trabalho e de terem como objetivo principal a tutela do economicamente hipossuficiente. 9 BARROS, Alice Monteiro de. Curso de Direito do Trabalho. São Paulo: LTr, 2005, p. 87. Francisco Meton Marques de Lima elenca como características do Direito do Trabalho a socialidade, imperatividade, protecionismo, coletivismo, justiça social e distribuição da riqueza10. A tendência à ampliação (in fieri) do Direito do Trabalho se dá, não só no tocante à extensão pessoal, como também no plano da intensidade. O Direito do Trabalho, apesar de centrado no trabalho subordinado, vem incluindo em seu âmbito um número cada vez maior de pessoas11 antes ausentes de sua esfera normativa (extensão pessoal), como também, vem aumentando os benefícios e vantagens em favor do trabalhador, desempenhado a CF/8812 um grande papel na criação desses novos direitos e institutos (extensão da intensidade). O Direito do Trabalho é um ramo tuitivo, composto por normas de proteção dos trabalhadores subordinados, objetivando igualar, por intermédio do direito, os economicamente desiguais. Essa rede de proteção derivou, inicialmente, das lutas de classe (caráter reivindicatório), e posteriormente, da postura ativa do Estado legislador (cunho intervencionista). Possui, também, caráter cosmopolita, uma vez que há uma preocupação em harmonizar a legislação nacional com as legislações laborais existentes no plano internacional. E para isso é necessário: [...] estender as obrigações correspondentes a todas as nações, com o objetivo de assegurar uma concorrência mais justa no mercado internacional, impedindo que sejam comercializados produtos por preços mais baixos, com o sacrifício dos trabalhadores, cuja mão-de-obra seria remunerada com valores aviltantes. Esse caráter cosmopolita do Direito do Trabalho encontra- 10 LIMA, Francisco Meton Marques de. Elementos de direito do trabalho e processo trabalhista. São Paulo: LTr, 2004, p. 28. 11 Os avulsos, ao equipará-los com os empregados (art. 7, XXXIV da CF/88); os artífices, ao atribuir competência à Justiça do Trabalho para dirimir os conflitos decorrentes do contrato de empreitada (art. 652, III, a, da CLT); os rurículas, ao equipará-los com os empregados urbanos. Podemos até apontar a EC 45/2004 como indício dessa expansão que a por vir no campo trabalhista, uma vez que os tribunais já vêm, através de suas decisões, ampliando a competência da Justiça do Trabalho. O STF entendeu que a Justiça do Trabalho é competente para, por exemplo, examinar questões de acidente de trabalho. Ao nosso entender, o STF equivocou-se ao conceder a liminar na ADIn 3.395/6 DF, suspendendo qualquer interpretação do inc. I, do art. 114 da CF/88, que inclua na competência da justiça Trabalho as causa entre o Poder Público e seus servidores a ele vinculados por típica relação de ordem estatutária ou de caráter jurídico-administrativo. Embora a relação de trabalho do servidor estatutário seja institucional e não contratual, entendermos que ser da competência da Justiça laboral julgar estas questões. 12 V.g : o adicional de penosidade, a licença-paternidade, a proteção contra automação (art. 7, XXIII, XIX e XXVII) se refletidos no art. 427 do Tratado de Versalhes, de 1919, e na ação dos organismos internacionais, inclusive da OIT.13 O Direito do Trabalho é singularizado pela origem e por seus institutos tipicamente coletivos, tais como: greve, os instrumentos de negociação coletiva (convenção e acordo coletivo) e entes sindicais. Por derradeiro, podemos afirmar que o ramo jurídico em análise é caracterizado por ser um direito em transição, pois a ele cabe realizar “a reforma social sem sobre saltos, nem alterações bruscas nas atuais posições na vida econômica”14, nos dizeres de Evaristo de Moraes Filho. 4. FUNÇÕES Todo Direito é finalístico na proporção que incorpora e realiza um conjunto valores socialmente considerados importantes. O Direito do Trabalho não é diferente, destaca-se por conter princípios, regras e institutos que buscam a melhoria das condições de contratação da força de trabalho. Nesse sentido, a função principal do Direito Laboral é a busca pela melhoria das condições de contratação da força de trabalho, tanto na óptica individualista com na coletiva. Além desta função central, Maurício Godinho Delgado15 apresenta como funções do ramo juslaboral a: função progressista e modernizante; função civilizatória e democrática básica; função política conservadora. A primeira refere-se à generalização das conquistas e direitos, alcançados pelos segmentos mais avançados, a toda coletividade de trabalhadores. O Direito do Trabalho está sempre buscando um avanço da tutela laboral, adaptando-se a realidade moderna. 13 BARROS, Alice Monteiro de. Curso de Direito do Trabalho. São Paulo: LTr, 2005, p. 91. 14 MORAES FILHO, Evaristo de. Introdução ao Direito do Trabalho. São Paulo: LTr, 1971, p.31. 15 DELGADO, Maurício Godinho. Curso de Direito do Trabalho. São Paulo: LTr, 2004, p. 58-61 O ramo jurídico em tela possui, também, uma função civilizatória e democratizante, uma vez que é um dos instrumentos mais relevantes de inserção na sociedade econômica de parte significativa dos segmentos sociais despossuídos de riqueza material acumulada, e que, por isso mesmo, vivem essencialmente de seu próprio trabalho16. O contrato de trabalho, por intermédio do emprego formal, viabiliza aos trabalhadores toda uma proteção social e econômica. Outra função peculiar do Direito do Trabalho é a política conservadora. Esta existe na medida em que esse ramo jurídico especializado confere legitimidade política e cultural à relação de produção básica da sociedade contemporânea. O reconhecimento desta função, entretanto, não impede que o Direito do Trabalho busque a elevação do patamar civilizatório mínimo dos empregados.17 Para Alice Monteiro de Barros, as funções do Direito do Trabalho são: tutelar, econômica, conservadora e coordenadora. A função de tutela dá-se em relação ao trabalhador, dada a sua condição de hipossuficiente. Outros sustentam que sua função é econômica, tendo em mira a realização de valores; por conseguinte, todas as vantagens atribuídas ao empregado deverão ser precedidas de um suporte econômico. Em oposição a esta vertente, há quem diga que o Direito do Trabalho visa a realização de valores sociais, não econômicos, com o objetivo de preservar um valor universal, que a dignidade humana. Há, ainda, os que atribuem ao Direito do Trabalho uma função conservadora. Afirmam que ele é um meio utilizado pelo Estado para sufocar os movimentos operários reivindicatórios. Sustenta outra linha de pensadores que o Direito do Trabalho possui uma função coordenadora, na medida em que coordena os interesses entre o capital e trabalho.18 Podemos, ainda, elencar como funções do Direito do Trabalho a promoção da: paz social, evitando os conflitos entre empregados e empregadores; das condições de liberdade e dignidade do trabalhador; e a igualdade de condições. Todas estas previstas no preâmbulo da Constituição as OIT19. 5. Relação do Direito do Trabalho com os outros ramos jurídicos. 16DELGADO, Maurício Godinho. Curso de Direito do Trabalho. São Paulo: LTr, 2004, p. 60-61. 17 DELGADO, Maurício Godinho. Curso de Direito do Trabalho. São Paulo: LTr, 2004, p. 61. 18 BARROS, Alice Monteiro de. Curso de Direito do Trabalho. São Paulo: LTr, 2005, p.93. 19 CAIRO JÚNIOR, José. Curso de Direito do Trabalho: Direito individual e coletivo do trabalho. Salvador: Juspodivm, 2008, p. 46 É importante iniciarmos este tópico salientando que o Direito é uno. A sua divisão em “ramos” se dá apenas para facilitar o seu estudo. Nesse sentido, podemos utilizar da notória metáfora da árvore, para explicar a relação entre o Direito do Trabalho e os demais ramos jurídicos. O Direito é como uma árvore jurídica, na qual, entre seus galhos, existem vasos comunicantes. Todos são nutridos da mesma seiva, bem como trocam substâncias. O Direito do Trabalho possui relações com outros ramos jurídicos, tais como: a) Direito Civil: o Direito do Trabalho é oriundo do Direito Civil. O contrato de trabalho, categoria jurídica básica deste ramo, descende do contrato de locação de serviços civilista. Se não bastasse, todo o arcabouço civil da capacidade jurídica, da responsabilidade civil, da nulidade dos atos jurídicos foi absorvido pelo Direito Laboral, realizadas as devidas e necessárias adaptações setoriais. A mais eloqüente mostra da relação intima entre esses dois ramos se evidencia, com a aplicação supletiva do direito comum, naquilo que não for incompatível com os princípios fundamentais do Direito do Trabalho (art. 8º, parágrafo único da CLT). b) Direito Empresarial: possui relação com o Direito empresarial, no que se refere aos conceitos de representante comercial, empresa, estabelecimento e em relação aos efeitos da falência e da recuperação judicial ou extrajudicial. Ressalte-se também que, o Direito empresarial pode ser considerado como Direito Comum, e, consequentemente, aplicado supletivamente (art. 8º, parágrafo único da CLT). c) Direito Constitucional: o Direito Constitucional possui uma íntima relação com os demais ramos jurídicos. Com o Direito do Trabalho não é diferente. A interpretação das normas trabalhistas tem que tomar por base as normas constitucionais. Se não bastasse para configurar a íntima relação entre estes ramos jurídicos, a CF/88 possuiu relevante papel no aumento das garantia e dos direitos laborais (Direito Individual do Trabalho, art. 7º da CF/88 / Direito Coletivo do Trabalho, art. 8º e 9º da CF/88). d) Direito Administrativo: a fiscalização pelo Estado do cumprimento das normas trabalhistas, o poder de direção e disciplinar do empregador, a hierarquia empresarial, a estabilidade no emprego são influências do Direito Administrativo. A relação entre estes ramos jurídicos é tão grande que há doutrinadores que afirmam existir o Direito Administrativo do Trabalho20. e) Direito Processual do Trabalho: existe uma estreita relação entre o Direito Material do Trabalho e o Direito Processual Trabalho. O processo do trabalho 20 José Augusto Rodrigues Pinto. viabiliza o exercício do direito material do trabalho. Efetiva as regras aplicáveis à lide. Os princípios de direito material acabam integrando o conteúdo das normas processuais. No entanto, é interessante analisar se o princípio protetor é aplicado no processo trabalhista, e caso afirmativo, qual o seu alcance. Este estudo será feito em item próprio (capítulo dos princípios). f) Direito Processual Civil: O Direito Processual Civil possui relação com o Direito do Trabalho, pois na ausência de norma processual trabalhista para instrumentalizar o exercício das regras de direito material, aplica-se o direito processual comum (CPC, CDC [...]), art. 769 da CLT. g) Direito Penal: Os conceitos de dolo e culpa são valiosos à aplicação do art. 462 da CLT, alusivos aos descontos no salário do empregado por dano ocasionado ao empregador; o estudo das contravenções penais, pois se o objeto da contrato de trabalho for uma contravenção penal, o ajuste será nulo; o sistema de sanções penais, livramento condicional, anistia possuem reflexos na cessação do pacto laboral; os crimes contra a organização do trabalho, crimes contra a honra e o patrimônio são importantes para a configuração da justa causa. Percebe-se, a nítida relação entre do Direito Penal e o Direito do Trabalho21. h) Direito Internacional: O Direito internacional e o Direito do Trabalho estão relacionados face o caráter cosmopolita deste último. As convenções quando ratificadas passam a integrar o ordenamento jurídico interno, uniformizando a legislação mundial. i) Direitos Humanos: O Direito do Trabalho possui uma intima relação com os Direitos Humanos, em especial com os de segunda dimensão22 (Karel Vazak). Chegam a dizer que o ramo trabalhista derivou dos Direitos Humanos, uma vez que buscou limitar a exploração e garantir a dignidade da pessoa humana. Algumas normas trabalhistas são categorizadas como direitos fundamentais sociais, possuindo eficácia imediata, vinculante, vertical e horizontal. Além da estreita relação existente entre o Direito do Trabalho e os demais ramos jurídicos (previdenciário, tributário, econômico, etc), não podemos esquecer que o 21 BARROS, Alice Monteiro de. Curso de Direito do Trabalho. São Paulo: LTr, 2005, p. 94. 22 Prefere-se o termo dimensão, pois passa uma concepção de complementaridade, e não de alternância , como fornecia a expressão gerações. Didaticamente, há três dimensões. A primeira consagra os direitos subjetivos naturais (civis e políticos), ou seja, a dimensão negativa dos direitos fundamentais, devendo o Estado de abster de interferir na conduta dos indivíduos. A segunda dimensão consagra os direitos sociais, envolvendo uma prestação positiva do Estado para garantir tais Direitos. Foi nesse momento em que surge o Direito do Trabalho, como resposta à questão social. A terceira dimensão refere-se aos direitos de solidariedade, pertinentes ao desenvolvimento, ao patrimônio comum da humanidade, à autodeterminação dos povos, à paz, ao meio ambiente [...], ou seja, aos direitos transindividuais. Alguns autores, ainda acrescentam a quarta dimensão, referente aos direitos ligados à biogenética e ao patrimônio genético, participação democrática, à informação e ao pluralismo. mesmo se relaciona com outras ciências, tais como: sociologia, economia, contabilidade, administração de empresas, contabilidade, estatística, medicina, psicologia e filosofia do trabalho. 6. Divisão interna do Direito do Trabalho A doutrina trabalhista divide o ramo em tela de diversas formas. Há aqueles (v.g. Francisco Meton Marques de Lima23) que fracionam esse ramo especializado em vários segmentos: a) Direito Individual; b) Direito Coletivo; c) Direito Administrativo do Trabalho; d) Direito Internacional do Trabalho; e) Direito Processual do Trabalho. Outros são mais moderados (v.g. José Augusto Rodrigues Pinto24), dividem o Direito do Trabalho em três sub-ramos: a) Direito Individual; b) Direito Sindical e Coletivo; c) Direito Administrativo do Trabalho. Existem, também, autores (v.g. Alice Monteiro de Barros25) que adotam uma divisão concisa, defendendo que o ramo em questão é composto apenas pelo Direito do Individual e Coletivo do Trabalho. Acompanhamos o entendimento desses professores, pois acreditamos os demais sub-ramos propostos não passam de influências dos demais ramos jurídicos. O Direito Individual do Trabalho é constituído de normas, princípios e institutos que regulam a relações de trabalho subordinado e as previstas na legislação trabalhista. Pressupõe uma relação entre sujeitos de direito, considerando os interesses concretos de indivíduos determinados. Já o Direito Coletivo é composto de normas, princípios e institutos jurídicos referentes à organização e atuação dos entes coletivos, bem como as relações de interesse coletivo 23 LIMA, Francisco Meton Marques de. Elementos de direito do trabalho e processo trabalhista. São Paulo: LTr, 2004, p. 28-29. 24 PINTO, José Augusto Rodrigues. Curso de Direito Individual do Trabalho. São Paulo: LTr, 2003, p. 54. 25 BARROS, Alice Monteiro de. Curso de Direito do Trabalho. São Paulo: LTr, 2005, p. 87. estabelecidas através delas. Este segmento pressupõe uma relação entre sujeitos de direito, considerando os interesses abstratos do grupo. 7. AUTONOMIA Hoje já não se discute a autonomia do Direito do Trabalho. O mesmo é um ramo jurídico autônomo que se desgarrou do Direito Civil no momento em que as suas regras, princípios e instituições já não se compatibilizavam com a legislação civilista. Autonomia (do grego auto, próprio, e nome, regra), no Direito, traduz a qualidade atingida por determinado ramo jurídico de ter enfoques, princípios, regras e condutas metodológicas de estruturação e dinâmica próprias26. Nesse sentido, quais são os requisitos para que um ramo jurídico a adquira? No entender Alfredo Rocco, para que um ramo jurídico alcance efetiva autonomia, é necessário possuir três requisitos: a) campo temático vasto e específico a ponto de merecer um estudo particular; b) doutrinas homogêneas presididas por conceitos gerais comuns, distintos dos de outros ramos do Direito; c) método próprio. Com base nestes requisitos27, os doutrinadores trabalhistas, apontam como fases da autonomia do Direito do Trabalho: a) Fase da autonomia cientifica. 26 DELGADO, Maurício Godinho. Curso de Direito do Trabalho. São Paulo: LTr, 2004, p. 66. 27 O Direito do Trabalho, cotejado com o conjunto desses quatro requisitos à conquista de sua autonomia, atende largamente ao desafio proposto. De fato são obvias e marcantes a vastidão e especificidade do campo temático desse ramo jurídico. Basta enfatizar que a relação trabalhista – jamais foi objeto de teorização e normatização em qualquer época histórica, antes da moderna sociedade industrial capitalista. Basta aduzir, ainda, institutos como negociação coletiva e greve, além de temas como duração de trabalho, salário, com sua natureza e efeitos próprios, poder empregatício, além de diversos outros assuntos, para auferir–se a larga extensão das temáticas próprias ao Direito do Trabalho. [...] É amplo também o número de teorias específicas e distintivas do ramo justrabalhista. Ressaltem-se, ilustrativamente as teorias de nulidades e de hierarquia das normas jurídicas – ambas profundamente distantes das linhas gerais hegemônicas na teorização do Direito Civil (ou Direito Comum). [...] É também clara a existência de metodologia e métodos próprios ao ramo jurídicos especializados do trabalho. Nesse passo, a particularidade justrabalhista é tão profunda que o Direito do Trabalho destaca-se pela circunstância de possuir até mesmo métodos próprios de criação jurídica, de geração da própria normatividade trabalhista. É o que se ressalta, por exemplo, através dos importantes mecanismos de negociação coletiva existente. (DELGADO, Maurício Godinho. Curso de Direito do Trabalho. São Paulo: LTr, 2004, p. 67-68.). Cada novo ramo do Direito tem a sua gestação dentro de um já existente. Quando os princípios e doutrina específica ganham densidade suficiente para serem identificados, o ramo jurídico ganho atingiu o primeiro estágio: a da autonomia cientifica e doutrinária. Com o Direito do Trabalho não foi diferente, os fatos econômicos e sociais existentes ao tempo da Revolução Industrial possibilitaram o surgimento de princípios e doutrina específica trabalhista, bem diferentes aos existentes no Direito Civil. Os princípios próprios do Direito Laboral28, juntamente com uma doutrina especializada29 e com os institutos peculiares30 deste ramo, permitem afirmarmos que o mesmo possui autonomia científica. b) Fase da autonomia legislativa O direito positivo deve refletir a realidade. Nesse sentido, diante de mudanças sociais, econômicas e de um novo lastro doutrinário, as normas trabalhistas surgiram como uma resposta à necessidade socialmente sentida, facilitada pelo intervencionismo Estatal. A autonomia legislativa do Direito do Trabalho é visível tanto nos planos internacional e constitucional quanto no plano infraconstitucional. As convenções internacionais do OIT, a CF/88 e a CLT são exemplos da abundancia e autonomia da legislação trabalhista. c) Fase da autonomia didática Após ultrapassar os estágios de autonomia científica e legislativa, o Direito do Trabalho alcançou a autonomia didática. Passou a ser objeto de estudo sistemático nos dos cursos de Direito, em todas as faculdades brasileiras.31 28 O princípio protetor, o da irrenunciabilidade, continuidade da relação de emprego, dentre outros. 29 Várias obras de fôlego que são encontradas em nosso pais que tratam da matéria em comentário. Basta lembrar as obras de José Martins Catharino, Cesarino Jr., Amauri Mascaro Nascimento, Octávio Bueno Magano, Orlando Gomes, Manoel Afonso Olea, Mário de La Cueva, Américo Plá Rodriguez, dentre outros. 30 V.g: greve, descanso semanal remunerado, FGTS, empregado, empregador. 31 No que diz respeito ao desenvolvimento didático, todas as faculdades de Direito têm pelo menos em um ou dois semestres a matérias Direito do Trabalho. Nas faculdades de Ciências Econômicas, Administrativas, Contábeis e Sociais e até nas de Engenharia há uma cadeira denominada Legislação Social, em que a matéria efetivamente lecionada é o Direito do Trabalho, mas não fizeram a devida modificação na nomenclatura da disciplina. (MARTINS, Sérgio Pinto. Direito do Trabalho. São Paulo: Atlas, 2004, p. 55.). Vale ressaltar que a fase da autonomia científica não se confunde com o estágio da autonomia didática. Enquanto a primeira está preocupada com a criação de normas, teorias, institutos e doutrinas específicas do Direito do Trabalho, a segunda se ocupa em difundir e estudar o que já foi criado na fase da autonomia científica, habilitando os estudiosos na investigação deste novo ramo jurídico. É um estágio complementar do processo da autonomia científica, implicando na difusão sistemática dos princípios e da teoria criados. Há, ainda, entendimentos no sentido de se acrescentar às fases supramencionadas um quarto estágio, denominado de autonomia judiciária. Para os seus defensores, a existência de uma justiça especializa e autônoma é indispensável para configurar a autonomia do Direito do Trabalho. Acreditamos que esta fase é dispensável, pois existem ramos jurídicos autônomos sem uma Justiça especializada (v.g previdenciário), como também, há países em que o Direito do Trabalho é autônomo sem mesmo possuir uma Justiça especializada em causas trabalhistas. Diante do exposto reafirmamos o que foi dito no primeiro parágrafo deste item: “Hoje já não se discute a autonomia do Direito do Trabalho. O mesmo é um ramo jurídico autônomo [...]” 8. NATUREZA JURÍDCA Muito se discutiu acerca da taxionomia do Direito do Trabalho, se o mesmo se enquadra no segmento de Direito Público ou de Direito Privado. Em função deste debate, surgiram cinco teorias que tentam explicar a natureza jurídica do Direito Laboral. A primeira teoria defende que o ramo juslaboral enquadra-se no Direito Público, não só pelo fato de possuírem normas de natureza administrativa de fiscalização, mas também por ser composto por normas protetivas, imperativas, de ordem pública que atribuem aos trabalhadores direitos irrenunciáveis. Alguns autores argumentam, ainda, que a empresa é uma instituição, tendo, portanto, as relações com seus empregados natureza pública, equiparando-as às normas de natureza administrativa, como as que regem o Estado-Administração e os funcionários públicos. Os argumentos mencionados são afastados pelos seus opositores, asseverando que estas normas de fiscalização são meramente instrumentais, já as normas imperativas trabalhistas não se diferem das demais normas cogentes existentes nos demais ramos do direito privado. A segunda teoria considera que o Direito do Trabalho é pertencente ao segmento do Direito Privado. Afirmam que o ramo em questão teve origem do Direito Civil, ramo do Direito Privado, sendo o contrato de trabalho uma evolução da locação de serviço. Asseveram, ainda, que os sujeitos do contrato de trabalho e os interesses contidos no mesmo são de ordem privada. No âmbito do Direito coletivo do trabalho, afirmam que o princípio da liberdade sindical (art. 8, I, da CF/88), vedando a interferência do Estado na organização sindical reforça a natureza privada do Direito do Trabalho. Há aqueles que defendem que ramo jurídico em estudo trata-se de um Direito Misto, permeado tanto de normas nas quais prevalece o interesse público quanto de regras nas quais impera o interesse particular. Não resta dúvida que a afirmativa acima é verdadeira, mas a mesma não nos permite dizer que o Direito do Trabalho possui natureza jurídica de Direito Público e de Direito Privado ao mesmo tempo. Da mesma forma que não se pode afirmar que algo é coisa e pessoa ao mesmo tempo, não é possível asseverar que o Direito Laboral é um Direito Misto. O que deve ser analisado é seu conjunto, observando quais os interesses e sujeitos predominantes. E neste caso, não resta dúvida que os sujeitos particulares e normas de conteúdo privado prevalecem no âmbito deste ramo especializado. A quarta teoria defende que o Direito Laboral integra um terceiro gênero (tertium genus), denominado de Direito Social. Seu grande defensor foi Cesarino Júnior. O Direito Laboral seria destinado a amparar os hipossuficientes, os economicamente desprotegidos na relação de trabalho (os empregados), predominando assim o interesse social. Para ele, o interesse coletivo da sociedade prepondera sobre o interesse privado dos empregadores. A crítica feita a esta teoria (já exposta em tópico anterior) é no sentido que não se pode atribuir apenas a alguns ramos jurídicos a natureza de Direito Social, uma vez que todas as normas possuem conteúdo social. O Direito é social, é feito para a sociedade, não se justificando que a criação dessa nova categoria, na qual querem enquadrar o Direito do Trabalho. Apesar de a crítica ser adequada, devemos deixar bem claro que o ramo em tela não deixa de ser social, pois ele está inserido na ciência do Direito, a qual inexiste sem sociedade. Existe uma quinta corrente teórica, a qual defende que Direito do Trabalho é um ser unitário. Evaristo de Moraes Filho acredita que o Direito do Trabalho é um Direito unitário, oriundo da fusão do Direito Público e Direito Privado, formando um todo orgânico, uma substancia nova. Diferente da Teoria do Direito Misto, na qual as normas de Direito Privado e de Direito Público não se fundem, apenas coexistindo, para Teoria do Direito Unitário o que ocorre é uma fusão dessas normas dando origem a uma terceira realidade, distinta e nova em relação às anteriores32. Esta teoria abarca as críticas feitas às duas anteriores (Direito Misto e Direito Social), uma vez que incorre nos mesmos erros. Após o exposto, é importante frisar que a maioria da doutrina e jurisprudência trabalhista entende que o Direito do Trabalho possui natureza jurídica de Direito Privado, analisando a preponderância dos interesses tutelados e dos sujeitos envolvidos. Para efeito de concurso, este também tem sido o entendimento prevalecente. 32 MORAES FILHO, Evaristo de Apud MARTINS, Sérgio Pinto. Direito do Trabalho. São Paulo: Atlas, 2004, p. 59.