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Juarez Cirino dos Santos Pen .mWMM Copyright © 2008 by ICPC Editora Ltda. e Livraria e Editora Lumen Juris Ltda. Todos os direitos reservados às editoras ICPC Editora Ltda. e Livraria e Editora Lumen Juris Ltda. A reprodução total ou parcial desta obra, por qualquer meio ou processo, sem a autorização prévia das Editoras, constitui crime. ICPC Editora Ltda. Livraria e Editora Lumen Juris Ltda. Diretor Editores Juarez Cirino dos Santos João de Almeida www.cirino.com.br João Luiz da Silva Almeida icpc@cirino.com.br www.lumenjuris.com.br Rio de Janeiro - R. da Assembléia, 36/201-204 CEP 20011-000 - (21) 2232-1859/2232-1886 Curitiba - Av. Cândido de Abreu, 651/1° Fax (61) 3340-2748 andar São Paulo - R. Camerino, 95/2 - Barra Funda CEP 80530-907 - Telefax: (41) 3352-8290 CEP 01153-030 - (11) 3664-8578 Brasília - SCLN - Q. 406 - Bloco B - s / s 4 e 8 Rio G. do Sul - R. Cap. J. de Oliveira Lima, 160 Asa Norte - CEP 70847-500 Santo Antonio da Patrulha - Pitangueiras (61) 3340-9550/3340-0926/3225-8569 CEP 95500-000 - (51) 3662-7147 Capa: Glaucia Andréia Mueller Pacheco Projeto Gráfico: Aliana Cirino Simon Santos, juarez Cirino dos Direito penal: parte geral / Juarez Cirino dos Santos. - 3. ed. - Curitiba: ICPC ; Lumen Juris, 2008. 784p.; 23cm. ISBN 978-85-375-0182-5 Inclui índice. Bibliografia: p. 725-753. 1. Direito penal. 2. Direito penal - Brasil. I. Título. CDD (21a ed.) 345.81 Dados internacionais de catalogação na publicação Bibliotecária responsável: Mara Rejane Vicente Teixeira N ota d o A u t o r para a 3 a e d ição m A 3a edição de DIREITO PENAL - PARTE GERAL aparece com alterações indicadas por razões científicas, didáticas ou de simples atualização em face de leis penais recentes, além de acréscimos substanciais em alguns capítulos - por exemplo, sobre o conceito de bem jurídico, como critério de criminalização e objeto de proteção penal, conforme domonstra a sobrevivência da sociedade capitalista; sobre problemas de constitucionalidade dos crimes de omissão imprópria, resultantes da indeterminação legal da extensão do dever de garantia; e sobre a base estrutural e as formas ideológicas da concepção materialista da história, assumida pelo discurso crítico da teoria criminológica da pena. O rápido esgotamento da 2a edição deste livro confirma, mais uma vez, o anseio generalizado de professores e estudantes da ciência criminal, assim como de profissionais do Sistema de Justiça Criminal, por uma teoria crítica e democrática do Direito Penal, capaz de reduzir a repressão seletiva de marginalizados sociais, penalizados pelas condições adversas de vida em sociedades desiguais. Expresso meus especiais agradecimentos à minha secretária Glaucia Andréia Mueller Pacheco, responsável pelo esmerado trabalho de formatação final do texto, bem como à acadêmica de Direito Aliana Cirino Simon - também minha sobrinha e estagiária do Escritório de Advocacia -, co-responsável pelo árduo trabalho de revisão gráfica e ortográfica do livro. Curitiba, novembro de 2007. J u a r e z C ír in o d o s S a n t o s A presen tação ( I a EDIÇÃO) O processo intelectual de produção de DIREITO PENAL (Parte Geral) corresponde à cronologia do interesse científico na matéria: o interesse dogmático no conceito analítico do crime produziu o livro A. moderna teoria do fato punível\ cora 4 edições nos últimos cinco anos; depois, o interesse criminológico na pena criminal engendrou o livro Teoria da pena (fundamentos políticos e aplicaçãojudiciai'), publicado em 2005; por último, o interesse político nos objetivos e princípios do Direito Penal foi condensado na Teoria da lei penal’ apresentada na primeira parte deste livro. O sistema de Direito Penal formado pela teoria da lei penal, do fato punível e da pena pode ser assim apresentado: A Teoria da Lei Penal destaca os objetivos diferentes atribuídos ao Direito Penal nas sociedades contemporâneas: os objetivos declarados de proteção de bens jurídicos atribuídos pelo discurso oficial e os objetivos reais de garantia das relações de propriedade e de poder atri buídos pelo discurso criminológico. Essa perspectiva crítica define as premissas de um projeto teórico democrático, comprometido com a redução do flagelo social produzido pelo sistema penal nas sociedades capitalistas, assumindo como modelo programático as propostas do Direito Penal Mínimo. A principal influência filosófica e política sobre o tema provém de BARATTA (Criminologia crítica e crítica do direito penal, 1999) e de ALBRECHT (Kriminologie, 1999). A Teoria do Fato Punível, pesquisada no Institut für Rechts- und Sozialphilosophie da Universidade do Saarland, ALEMANHA, descreve o estado atual de desenvolvimento da dogmática penal alemã — a matrix do pensamento científico do direito penal conti- nental-europeu e latino-americano —, com um capítulo novo sobre responsabilidade penal da pessoajurídica, tema controvertido na literatura e jurisprudência brasileiras. Definir o sistema de fato punível do Direito Penál brasileiro com as categorias científicas da moderna dogmática penal surgiu como tarefa de grande interesse teórico e prático. A armadura teó rica utilizada para construir o sistema de fato punível se enraíza no conjunto da atual literatura jurídico-penal alemã, representada por autores de grande prestígio científico — como Winfried HASSEMER, Harro OTTO, Kristian KÜHL, Fritjof HAFT, entre outros —, mas a influência decisiva sobre o modelo de fato punível desenhado no texto provém de duas monumentais construções científicas da teoria penal universal: JESCHECK/WEIGEND (Lehrbuch des Strafrechts, 1996, 5a edição) e, de modo especial, ROXIN ÇStrafrecht, 1997, 3a edição). A Teoria da Pena indica os fundamentos políticos e os proble mas jurídicos da repressão penal nas formações sociais capitalistas, permitindo enfocar sob outra luz decisões sobre necessidade e suficiência da sanção penal em processos criminais. O discurso do texto, sob clara influência de RUSCHE/KIRCHHEIMER (Punishment and social structure, 1939), MELOSSI/PAVARINI (Carcely fabrica, 1980) e, como sempre, BARATTA (Criminologia crítica e crítica do direito penal.\ 1999), tem por objeto o conceito., funções, sistema, aplicação, substituição e extinção dapena, além das medidas de segurança, da ação penal e, agora, um capítulo sobre criminologia e política criminal. Assim, as questões técnicas da pena criminal são inseridas em perspectiva criminológiça: em sociedades desiguais, aplicar penas criminais não significa quantificar punições, mas administrar confli tos ideológicos e emocionais conforme parâmetros autoritários ou democráticos de controle social. Absolver ou condenar acusados criminais não são decisões neutras, regidas pela dogmática como cri tério de racionalidade, mas exercício de poder seletivo orientado pela ideologia penal, quase sempre ativada por estereótipos, preconceitos e outras idiossincrasias pessoais, por sua vez desencadeados por in- dicadores sociais negativos de pobreza, desemprego, marginalização etc. Conhecer as premissas ideológicas do poder punitivo é condição para reduzir a repressão seletiva do Direito Penal, mediante prática judicial comprometida com o valor superior da democracia, que começa pela gar^itia do indivíduo em face do poder repressivo do Estado, continua pela promoção dos direitos humanos da população criminalizada e se consolida com a plena realização da cidadania e da dignidade humana. Curitiba, abril de 2006. Juarez Cirino dos Santos S u m ário ^ Primeira P arte T eoria da L ei P enal C apítulo 1 D i r e i t o P e n a l .................................................................... ........ ......... .................... .3 I. Conceito de Direito Penal .................................................................................. 3 II. Ob j etivos do D ireito Penal..................................................................................4 1. Objetivos declarados do discurso jurídico oficial..................................5 2. Objetivos reais do discurso jurídico crítico.......................................... 6 2.1. Direito Penal e desigualdade social...............................................9 2.2. Bem jurídico: ainda um conceito necessário...........................14 Capítulo 2 P r in c íp io s d o D i r e i t o P e n a l ........................................................................... 19 I. Princípio da legalidade........................................................................................20 1. Proibição de retro atividade da lei penal............................................... 21 2. Proibição de analoga da lei penal (in malam partem j........................ 21 3. Proibição do costume como fonte da lei p en a l.................................22 4. Proibição de indeterminação da lei penal..............................................23 II. Princípio da culpabilidade.......................................................................... 24 III. Princípio da lesividade.................................................................................26 IV. Princípio da proporcionalidade ............................................................... 27 V. Princípio da humanidade ............................................................... .......... 30 VI. Princípio da responsabilidade penal pessoal........................................32 CAPÍTULO 3 V a l id a d e d a L e i P e n a l ..........................................................................................35 A ) V a lid a d e d a L e i P e n a l n o E s p a ç o ...............................................36 I. O critério da territorialidade.............................................................................36 IX ,37 ,38 .39 ,41 .42 .43 .44 .45 .47 .47 .47 .48 .48 .48 .49 .51 .51 .53 .54 .55 .56 .56 .59 .59 .60 .61 .62 .63 .64 .67 .69 1. Conceito de território ..................................... 2. Imunidades diplomáticas ................................ 3. Navios e aviões públicos e privados ........... 4. Lugar do crim e.................................................. II. Critério da extraterritorialidade............................... 1. Princípio da proteção ....................................... 2. Princípio da personalidade............................ 3. Princípio da competência universal ............ III. Extradição ..................................................................... 1. Condições de concessão................................. 2. Compromissos do Estado requerente......... 3. Exclusão da extradição ................................... 4. Proibição de extradição dissimulada........... 5. Um caso histórico............................................. B ) V alid ad e d a L ei P en al n o T e m p o ........ I. O critério geral: princípio da legalidade................ II. O critério específico: lei penal mais benigna...... 1. Leis penais em branco .................................... 2. Leis penais temporárias e excepcionais..... 3. Leis processuais penais .................................. 4. Lei de execução penal..................................... 5. Jurisprudência .................................................. C apítulo 4 In terpretação da L ei P e n a l ............................... I. O significado de norma jurídica ............................. II. A interpretação da norma p en a l........................... 1. Técnicas de interpretação............................... 2. Sujeitos da interpretação................................. 3. Resultados da interpretação.......................... 4. Analogia e interpretação.................................. III. O silogismo como lógica de subsunção jurídica IV. Fontes da norma penal............................................. x Segunda Parte T e o r i a d o F a t o P u n í v e l C apítulo 5 F ato P u n ív e l ...............................................................................................................73 I. Definições de crime............................................................................................... 73 II. Os sistemas de fato punível.................................................................................75 C apítulo 6 T eo ria da A ç ã o ............................................................................................................... 83 I. Introdução.................................................................................................................83 II. Definições do conceito de ação......................................................................... 84 1. Modelo causai de ação................................................................................ 84 2. Modelo final de ação....................................................................................86 3. Modelo social de ação..................................................................................91 4. Modelo negativo de ação............................................................................95 5. Modelo pessoal de ação.............................................................................. 97 III. Funções do conceito de ação..............................................................................99 IV. Conclusão............................................................................................................... 102 C apítulo 7 T eo ria do T i p o .............................................................................................................105 I. Conceito e funções do tipo ...............................................................................105 II. Desenvolvimento do conceito de tipo........................................................... 106 III. Adequação social e exclusão de tipicidade................................................... 109 IV. Elementos constitutivos do tipo legal: elementos objetivos, subjetivos, descritivos e normativos................................................................110 V. Modalidades de tipos........................................................................................... 111 1. Tipos de resultado e de simples atividade........................................... 111 2. Tipos simples e compostos......................................................................111 3. Tipos de lesão e de perigo....................................................................... 112 4. Tipos instantâneos (ou de estado) e permanentes (ou duráveis)..... 113 5. Tipos gerais, especiais e de mão própria..............................................114 6. Tipo básico, variações do tipo básico e tipos independentes......115 7. Tipos de ação e de omissão de ação....................... .............................116 8. Tipos dolosos e imprudentes..................................................... ......... 117 C apítulo 8 O T ipo de I n ju sto D o loso de A ç ã o .........................................................119 I. Introdução......................... ..................................................................................... 119 II. Tipo objedvo......................................................................................................... 120 1. Causação do resultado...............................................................................121 1.1. Teoria da equivalência das condições......................................... 122 1.2. Teoria da adequação..........................................................................128 2. Imputação objetiva do resultado........................................................... 130 2.1. Ausência de risco do resultado......................................................131 2.2. Risco não realizado no resultado................................................. 132 III. Tipo subjetivo........................................................................................................134 1. Dolo................................................................................................................134 1.1. Espécies de dolo................................................................................ 137 a) dolo direto de Io grau..................................................................140 b) dolo direto de 2o grau.................................................................. 141 c) dolo eventual..................................................................................141 1. teorias da vontade...................................................................145 2. teorias da representação.............................. *.....................147 3. teorias igualitárias....................................................................150 1.2. Dolo alternativo..................................................................................151 1.3. A dimensão temporal do dolo...................................... ............... 152 2. Erro de tipo................................................................................................. 152 2.1. Erro de tipo e erro de subsunção................................................153 2.2. A intensidade de representação das circunstâncias de fato......................................................................................................... 156 3. Atribuição subjetiva do resultado em desvios causais................... 158 1. Desvios causais regulares................................................................... 158 2. Aberratio ictus.......................................................................................... 159 3. Hipóteses de troca de dolo.................................................................161 4. O chamado dolo geral......................................................................... 161 5. Erro sobre o objeto..............................................................................163 4. Elementos subjetivos especiais..............................................................163 C apítulo 9 O T ipo de I n ju st o I m pr u d e n t e ..................................................................... 169 I. Introdução........................................ ..................................................................... 169 II. O tipo de'injusto de imprudência....................... ....... ........................170 III. Critérios de definição da imprudência.................. ..............................1......173 xii 1. Ação lesiva do dever de cuidado ou do risco perm itido................175 a) O modelo de homem prudente........................................................176 b) O dever de informação sobre riscos e de abstenção de ações perigosas.......................................................................................177 c) O binômio risco/utilidade na avaliação de ações perigosas......178 d) O pi^icípio da confiança.................................................................... 179 2. Resultado de lesão do bem jurídico...................................................... 181 3. Imputação do resultado ao autor.......................................................... 182 3.1. Ausência de lesão do risco permitido ou do dever de cuidado.................................. ......................................................... 184 3.2. Resultados fora do âmbito de proteção do tipo......................185 1. Auto-exposição a perigo............................................................ 185 2. Exposição consentida a perigo criado por outrem.........186 3. Perigos situados em áreas de responsabilidade alheia.....187 4. Danos psíquico-emocionais sobre terceiros........................ 188 5. Outras conseqüências danosas posteriores.......................... 188 3.3. Resultados iguais em condutas alternadvas conformes ao direito................ .............................................................................189 3.4. Previsibilidade e previsão do resultado...................................... 190 a) Imprudência inconsciente......................................................191 b) Imprudência consciente................................................ ......... 192 IV. Tipo objetivo e tipo subjedvo............................................................................196 V Crimes qualificados pelo resultado: combinações dolo/imprudência.. 197 CAPÍTULO 10 O T ip o de I n ju s to de O m issão de A ç ã o ................................................ 201 I. Introdução................................................................................................................201 II. Ação e omissão de ação...................................................................................... 201 III. Omissão de ação própria e imprópria.............................................................204 IV. A omissão de ação imprópria e o princípio da legalidade........................205 1. A proibição de analogia penal................................................................. 206 2. A proibição de indeterminação penal....................................................... 207 V. Estrutura dos tipos de omissão de ação.........................................................209 1. Elementos comuns do tipo objetivo da omissão própria e imprópia....................................................................................................... 210 1.1. Situação de perigo para o bem jurídico......................................210 1.2. Poder concreto de agir..................................................................... 211 1.3. Omissão da ação mandada.............................................................212 2. Elementos específicos do dpo objetivo da omissão de ação imprópia........................................................................................................212 2.1. Resultado típico.................................................................................212 2.2. Posição de garantidor......................................................................213 a) Obrigação legal de cuidado, proteção ou vigilância..........215 b) Assunção da responsabilidade de impedir o resultado...215 c) Comportamento anterior criador do risco do resultado..........................................................................................216 3. O tipo subjetivo da omissão de ação................................................... 218 3.1. Espécies de dolo na omissão de ação .......... ...............................219 3.2. Objeto do dolo na omissão de ação............................................ 219 3.3. O erro de tipo na omissão de ação...............................................220 VI. Consciência do injusto e erro de mandado.................................................. 221 VII. Tentativa e desistência na omissão de ação.................................................. 221 VIII. A exigibilidade da ação mandada....................................................................223 CAPÍTULO 11 A n t i ju r id ic id a d e e J u s t i f i c a ç ã o .....................................................................225 I. Teoria da antijuridicidade...................................................................................225 1. Antijuridicidade e injusto.........................................................................225 2. Fundamento das justificações................................................................230 3. Conhecimento e erro nas justificações................................................231 4. Efeito das justificações.................................... ....................................... 234 II. Justificações........................................................................................................... 234 A) Legítima defesa........................................................................... ............... 235 1. Situação justificante...................... ...........................................................236 1. Agressão a bem jurídico..................................................................... 236 2. Injustiça da agressão......................................................... .................. 237 3. Atualidade/iminência da agressão...................................................237 4. Direito próprio ou de outrem.......................................................... 238 2. Ação justificada.......................................................... ............................... 239 2.1. Elementos objetivos da legítima defesa.................................... 240 1. Necessidade dos meios de defesa..........................................240 2. Moderação no emprego dos meios necessários.................241 2.2. Elementos subjetivos da legítima defesa................................... 242 2.3. A Permissibilidade da legítima defesa............... ........................ 243 3. Particularidades............... ................... ...... .......... ............................... .....245 a) Legítima defesa de outrem.............................................. .245 xiv b) Extensão da justificação......................................................................246 í c) Excesso de legítima defesa................................................... 247 B) Estado de Necessidade.................................................................................. 247 1. Situação justificante....................................................................................248 a) Perigo para o bem jurídico.................................................................249 b) Atualidade do perigo .............................................................................249 c) Involuntariedade do perigo................................................................249 d) Inevitabilidade do perigo....................................................................250 2. Ação justificada........................................................................................... 251 t 2.1. Elementos objetivos do estado de necessidade............................... 251 1. Critério do bem jurídico.............................................................. 252 2. Critério da pena............................................................................... 253 3. Perigos criados pela vitima.......................................................... 253 4. Ponderação de vida contra vida.................................................254 5. A cláusula de razoabilidade.........................................................257 2.2. Elementos subjetivos do estado de necessidade......................258 3. Posições especiais de dever...................................................................... 259 í 1. Dever de proteção ã comunidade............................................. 259 2. Dever resultante da causação do perigo........................................260 3. Dever da posição de garante ......................... ................260 4. Dever de suportar determinados perigos.............. ....................... 261 ( 4. Conflito de interesses do mesmo portador....................................... 263 C) Estrito cumprimento de dever legal.............. ...... .................................... 264 1. Situação justificante...................................................................................264 2. Ação justificada...........................................................................................265 ■ 2.1. Ruptura dos limites do dever na aplicação da lei............................. 265 2.2. Cumprimento de ordens antijurídicas........................................ 267 3. Elementos subjetivos do estrito cumprimento de dever legal....268 D) Exercício regular de direito.......................................................................... 268 1. Situações justificantes................................................................................268 1. Atuação pro magistratú.......................................................................... 268 2. Direito de castigo..................................................................................269 2. Ação justificada...........................................................................................270 ' 3. Elementos subjetivos no exercício regular de direito.................... 270 E) Consentimento do titular do bem jurídico..............................................271 1. Consentimento real...................................................................................272 a) Objeto do consentimento................................ ..................................273 \ b) Capacidade e defeitos de consentimento......................................274 xv c) Manifestação do consentimento..........................................275 2. Consentimento presumido....................................................................277 F) Justificação nos tipos de imprudência...................................................... 278 1. Legítima defesa..........................................................................................279 2. Estado de necessidade.............................................................................280 3. Consentimento do titular do bem jurídico........................................280 C apítulo 1 2 C u lp a b il id a d e e E x c u lp a ç ã o ...........................................................................281 I. Conceito de culpabilidade..................................................................................281 1. Desenvolvimento do conceito de culpabilidade.............................. 282 1.1. Conceito psicológico de culpabilidade.......................................283 1.2. Conceito normativo de culpabilidade.........................................284 2. Definições materiais do conceito normativo de culpabilidade......287 a) Poder de agir diferente........................................................................288 b) Atitude jurídica reprovada................................................................. 289 c) Responsabilidade pelo próprio caráter.......................................... 289 d) Defeito de motivação jurídica.......................................................... 290 e) Dirigibilidade normativa....................................................................290 3. O princípio da altetidade como base da responsabilidade social.... 292 II. Estrutura do conceito de culpabilidade........................................................ 294 1. Capacidade de culpabilidade................................................................... 294 1.1. Incapacidade de culpabilidade...................................................... 295 1.2. Capacidade relativa de culpabilidade..........................................299 1.3. Problemas político-criminais especiais.......................................300 a) Emoção e paixão......................................................................... 301 b) A.ctio libera in causa ........................................................................302 2. Conhecimento do injusto e erro de proibição................................. 305 2.1. Conhecimento do injusto.................................... .......................... 306 a) Teorias sobre conhecimento do injusto e erro de proibição........................................................................................ 307 b) Objeto da consciência do injusto........................................... 310 c) Divisibilidade e formas de conhecimento do injusto......313 d) Conhecimento condicionado do injusto..............................314 2.2. Conseqüências legais do erro de proibição..............................315 2.3. Natureza evitável ou inevitável do erro de proibição.................316 2.4. Meios de conhecimento do injusto ........................ ................... 317 2.5. Erro de proibição na lei penal brasileira......................... ........ 320 xvi 2.6. Espécies de erro de proibição na lei penal brasileira.............326 1. Erro de proibição direto.............................................................326 a) Erro sobre a existência da iei penal................................... 327 b) Erro sobre a validade da lei penal......................................327 c) Erro sobre o significado da lei penal................................ 328 2.«Íirro de permissão........................................................................328 3. Erro de tipo permissivo.....................................................328 3. Exigibilidade de comportamento diverso (ou normalidade da situação da ação)......................................................................................... 330 3.1. Normalidade das circunstancias e exigibilidade jurídica.....330 3.2. Inexigibilidade como fundamento gera l de exculpação.......... 331 3.3. As situações de exculpação......... ...................................................333 3.3.1. Situações de exculpação legais...........................................334 a) Coação irresistível............................................................ 335 b) Obediência hierárquica....................................................336 c) Excesso de legítima defesa real....................................338 d) Excesso de legítima defesa putativa........................... 342 3.3.2. Situações de exculpação supralegais................................343 a) Fato de consciência.......................................................... 343 b) Provocação da situação de legítima defesa...............345 c) Desobediência civil.......................................................... 345 d) Conflito de deveres..........................................................346 CAPÍTULO 13 O utras C ondições de P u n ibilid a d e ............................................................351 I. Introdução................................................... .............................................................351 II. Condições objetivas de punibilidade............................................................... 352 III. Fundamentos excludentes de pena..................................................................353 CAPÍTULO 14 A u to ria e P articipação ..........................................................................................355 I. Introdução................................................................................................................355 II. Conceito de autor...................................................................................................356 1. Teoria unitária de autor........................................ .................................... 356 2. Conceito restritivo de autor................................................................... 357 3. Teoria subjetiva de autor..........................................................................358 4. Teoria do domínio do fato......................................................................359 III. Formas de autoria.......... .......................................................................................361 xvii 1. Autoria direta................................................................................................361 2. Autoria mediata........................................................................................... 362 2.1. Hipóteses de autoria mediata.......... ............................................. 363 2.2. Problemas especiais: erro, excesso, tentativa e omissão de ação na autoria mediata...................................................................365 3. Autoria coletiva, ou co-autoria.............................................................. 367 3.1. Decisão comum para o fato........................................................... 369 3.2. Realização comum do fato............................................................. 370 3.3. Co-autoria e tentativa........................................................................371 3.4. Co-autoria e omissão de ação........................................................372 IV. Participação........................................... ............. ............................................. 372 1. Instigação............ ............................... ......................................................... 375 a) O dolo do instigador e a decisão do autor............ ...............376 b) O dolo do instigador e o fato do autor................................. 377 c) Erro de tipo e erro de tipo permissivo do instigador................378 2. Cumplicidade............................................................................................... 379 a) Natureza da ajuda material.................................................................379 b) O dolo do cúmplice e o fato principal...................................380 3. Concorrência de formas de participação..........................................381 4. Participação necessária..............................................................................382 5. Tentativa de participação............. ............................................................383 V. Comunicabilidade das circunstâncias ou condições pessoais................. 383 CAPÍTULO 15 T entativa e C o n su m a çã o .................................................................................... 385 I. Introdução...........................................................................................................385 II. Teorias da tentativa.............................................................................................386 1. Teoria objetiva................................................................. .......................... 387 1.1. Teoria objetiva form al.....................................................................387 1.2. Teoria objetiva material...................................................................388 2. Teoria subjetiva.......................................................................................... 389 3. Teoria objetivo-subjetiva (ou objetiva individual)............................ 390 4. O tipo de tentativa..................................................................................... 392 5. Objeto da tentativa....................................................................................394 6. Punibilidade da tentativa............................ ........................ ....................397 7. Tentativa inidônea ....................................... ....... ..................................... 398 8. Delito de alucinação................................................................................. 400 III. Desistência da tentativa......... ................................ ......~..................................401 xviii 1. Teorias sobre desistência da tentativa...................................................401 1.1. Teoria de politica criminal................................................................401 1.2. Teoria da graça.................................................................................... 402 1.3. Teoria dos fins da pena.....................................................................402 2. Tentativa inacabada e acabada.................................................................402 3. Estrula$ra da desistência da tentativa..... :............................................. 404 3.1. Desistência voluntária.............................................................................. .......... 404 3.2. Arrependimento eficaz.....................................................................405 4. Tentativa falha............................................................................... .............. 406 5. Extensão dos efeitos da desistência da tentativa...............................407 6. Arrependimento posterior....................................................................... 409 CAPÍTULO 16 U nidade è P luralidade de F atos P u n ív e is ..........................................411 I. Introdução...................................................... ........................................................ 411 II. Unidade e pluralidade de ações típicas..........................................................412 III. Pluralidade material de fatos puníveis............................................................414 IV. Pluralidade formal de resultados típicos........................................................416 V. Unidade continuada de fatos típicos.............................................................^420 VI. A pena de multa na pluralidade de fatos puníveis...................................... 424 VII. Limite das penas privativas de liberdade......... ............................................. 425 VIII. Pluralidade aparente de leis................................................................................426 1. Especialidade................................................................................................426 2. Subsidiariedade.............................................................................................427 3. Consunção.................................................................................................... 428 4. Antefato e pós-fato co-punidos.............................................................429 C apítulo 17 R esponsabilidade P en al da P essoa J u r íd ic a ....................................... 431 I. Introdução...............................................................................................................431 II. A Constituição da República e a responsabilidade penal da pessoa jurídica...................................... ................... ............................. ............................. 433 III. A criminalização da pessoa jurídica na lei brasileira....... .......................... 437 IV. Lesão do princípio da legalidade..................................................................... 439 1. Lesão da fórmula nullum crimen sine lege.................................................439 2. Lesão da fórmula nullapoena sine k ge .....................................................444 V. Lesão do princípio da culpabilidade................................................................447 VI. Lesão do princípio da personalidade da pena.............................................. 451 VII. Lesão do princípio da punibilidade............ i..................... ............................. 453 VIII. Conclusão................................................. ...................... -...................................455 xix T erceira P arte T e o r i a d a P e n a C apítulo 18 P o lítica C r im in a l e D ire ito P e n a l ........................................................... 459 I. O discurso oficial da teoria jurídica da pena............................................... 461 1. A pena como retribuição de culpabilidade.........................................461 2. A pena como prevenção especial..........................................................464 3. A pena como prevenção geral........................................................ .....466 4. As teorias unificadas: a pena como retribuição e prevenção......469 II. O discurso crítico da teoria criminológica da pena..................... ........... 472 A) A crítica negativa/agnóstica da pena criminal........... ........................... 472 B) A crítica materialista/dialética da pena criminal...................................477 1. A pena como retribuição equivalente do crime..................................477 2. A prevenção especial como garantia das relações sociais............... 483 3. A prevenção gera l como afirmação da ideologia dominante............................................................................................... 488 4. As teorias unificadas como integração das funções manifestas ou declaradas da pena criminal..........................................................493 5. Conclusão................................................................................................494 C apítulo 19 P risão e C o n tro le S o c ia l .................................................................................. 499 I. Introdução........................ .....................................................................................499 II. A relação cárcere/fábrica............................................... ...................................... 502 III. A origem da penitenciária.................................................................................503 IV. O modelo filadelfiano de penitenciária.............................................................506 V. O modelo auburniano de penitenciária......................................................... 507 VI. Indústria do encarceramento: atualidade e perspectivas........................510 VII. A privatização de presídios no Brasil........................................ ....................513 C apítulo 20 Q S iste m a P en al B rasileiro .... .... ........... .................. .................................517 , ^ I. Introdução................... ............................................................. .................... ......517 xx II. A política penal da legislação brasileira.........................................................517 III. Penas criminais.....................................................................................................520 1. Pena privativa de liberdade.......................................................................521 1.1. Regimes de execução das penas privativas de liberdade......522 a) Regime fechado.............................................................................526 b)íRegime semi-aberto..................................................................... 527 c) Regime aberto............. ...................................................527 d) Regime especial para mulheres................................................ 529 1.2. Direitos e deveres do condenado................................................ 529 a) Direitos do condenado...............................................................529 b) Deveres do condenado.............................................................. 530 c) Trabalho do condenado..............................................................531 d) Remição penal...............................................................................532 1.3. A disciplina penal..............................................................................534 1.3.1. Faltas disciplinares.................................................................535 1.3.2. Sanções disciplinares e regime disciplinar diferenciado.............................................................................535 a) Advertência verbal e repreensão..................................536 b) Suspensão ou restrição de direitos e isolamentoó celular.......... .........................................................................536 c) Regime disciplinar diferenciado.............. ....................536 1.4. Individualização da execução: classificação e exame criminológico.....................................................................................538 a) Classificação dos condenados................................................ 538 b) Exame criminológico...................... ...........................................538 1.5. Detração penal................................................................................... 540 1.6. Limite das penas privativas de liberdade.................................... 541 2. Penas restritivas de direitos..................................................................... 541 2.1. Pressupostos de aplicação das penas restritivas de direitos.................................................................................................. 542 2.2. Espécies de penas restritivas de direitos....................................544 a) Prestação pecuniária....................................................................544 b) Perda de bens e valores...............................................................545 c) Prestação de serviços à comunidade ou a entidades públicas............................................................................................546 d) Interdição temporária de direitos............................................548 e) Limitação de fim de sem ana.................................................... 549 XXI 3. Pena de multa..............................................................................................549 3.1. Cominação da pena de m ulta....................................................... 550 3.2. Aplicação da pena de multa...........................................................551 a) A quantidade de dias-multa........................................................ 551 b) O valor do dia-multa................................. ...................................551 3.3. Execução da pena de multa...........................................................552 4. Conversibilidade executiva das penas criminais............................... 554 5. Cominação das penas criminais.............................................................556 CAPÍTULO 2 1 A p lic a ç ã o das P e n a s C r im in a is .......................................................................561 I. A sentença criminal............... ..............................................................................561 1. A sentença criminal absolutória....................................................... ....561 2. A sentença criminal eondenatória.........................................................563 II. O método legal de aplicação da pena............................................................564 1. Definição da pena-base: circunstâncias judiciais.............................. 567 1.1. Elementos do agente.......................................................................568 a) Culpabilidade.............. ...... ........................................................... 568 b) Antecedentes.................................................................................571 c) Conduta social............................. ................................................572 d) Personalidade.................................................................... ......... 572 e) Motivos............. ....................... .................. ................................... 573 1.2. Elementos do fa to ..................................... .....................................574 a) Circunstâncias.............................................................................. 574 b) Conseqüências....................................... ..................................... .575 1.3. Contribuição da v ítim a.................................................................. 575 2. Circunstâncias agravantes e atenuantes genéricas........................... 576 2.1. Circunstâncias agravantes............... ................................................578 a) Reincidência.............................................. ....................................579 b) Motivo fútil ou torpe................................................................. 582 c) Facilitar ou assegurar a execução, ocultação, impunidade ou vantagem de outro crime............................582 d) Traição, emboscada, dissimulação ou outro recurso que dificulte ou impossibilite a defesa da vítima ............. 583 e) Emprego de veneno, fogo, explosivo* tortura ou outro meio insidioso ou cruel, ou de qüe possa resultar perigo comum............................................................... ............583 f) Vitimização de ascendente, descendente, irmão ou côn juge.......................................................... ................................ 584 g) Abuso de autoridade ou prevalecimento de relações domésticas, de coabitação ou de hospitalidade, ou com violência contra a mulher na forma *ijde lei específica ........................................................................... 584 h) Abuso de poder ou violação de dever inerente a cargo, ofício, ministério ou profissão ...................................587 i) Vitimização de criança, de maior de 60 anos, de enfermo ou de mulher grávida................................................587 j) Vítima sob imediata proteção da autoridade........................ 588 1) Ocasião de calamidade pública (incêndio, naufrágio, inundação etc.) ou de desgraça particular da vítima.......... 588 m) Embriaguez preordenada..........................................................589 2.2. Circunstâncias agravantes do concurso de pessoas..............590 a) Promover, organizar ou dirigir a atividade criminosa coletiva.................................................................... 590 b) Coagir ou induzir à execução material de crime.............591 c) Instigar ou determinar ao crime pessoa dependente ou impunível por condição ou qualidade, pessoal......... 591 d) Executar ou participar.de crime mediante pagamento ou promessa de recompensa........................ 592 2.3. Circunstâncias atenuantes.......... .................. ............................... 592 a) Agente menor de 21 (data do fato) ou maior de 70 anos (data da sentença)....,......................................................... 593 b) Desconhecimento da lei............................................................ 594 c) Motivo de relevante valor social ou moral............................595 d) Ação espontânea, imediata e eficiente, para evitar ou reduzir as conseqüências do crime, ou reparação do dano antes do julgamento......................................................... 596 e) Coação resistível, cumprimento de ordem de autoridade superior ou violenta emoção provocada por ato injusto da vítima............................................................ 597 f) Confissão espontânea de autoria de crime perante autoridade.......................................................................................598 g) Influência de multidão em tumulto não provocado.......598 2.4. Circunstâncias atenuantes inominadas...................................... 599 2.5. Concurso de circunstâncias legais............................................... 599 2.6. Limites de agravação e de atenuação da pena..........................600 3. Alteradores especiais da pena: causas especiais de aumento ou de diminuição da pena.............................................................................602 III. Efeitos da condenação....................................................................................... 603 1. Efeitos genéricos.......................................................................................604 a) Tornar certa a obrigação de indenizar o dano............................ 604 b) Perda dos instrumentos e do produto do crime........................604 2. Efeitos específicos............... ............................... .....................................605 a) Perda de cargo, função pública ou mandato eletivo ............... 605 b) Incapacitaçao para o pátrio poder, tutela ou curatela ............. 606 c) Inabilitação para dirigir veículo.............. .........................................606 IV. Reabilitação.................................................................... .......................................607 1. Conceito....................... ......... .................................................................... 607 2. Objeto e objetivos................................................................ .................... 607 3. Requisitos.....................................................................................................608 4. Revogação........................................................................................... .......609 C apítulo 2 2 S u b s t i t u t i v o s P e n a is ..................................... ..... ....................................... 611 I. Teoria dos substitutivos penais................... .................................................... 611 1. Teorias tradicionais...................................................................................612 a) Explicações humanitárias................................................................. 612 b) Explicações científicas....................................................................... 612 2. Teorias críticas............................................................................................ 613 a) Superlotação carcerária.......................... ...........................................613 b) Crise fiscal........................................................... .................................. 614 c) Ampliação dó controle social........................... ...............................616 3. Conclusão........... ........................................................................................617 II. Os substitutivos penais da legislação brasileira..........................................618 A) Suspensão condicional da pena........................................................... 618 1. Pressupostos específicos.......................................................619 a) Jaras comum......... :.........................................................................619 1) Pressuposto objetivo.................................................................619 2) Pressupostos subjetivos................... ........................................619 b) Sursis especial............................... ............ .....C............................ ..620 1) Pressupostos objetivos ......................................................... . . . . . . . 1 ........620 xxiv 2) Pressupostos subjetivos..............................................................620 c) Sursis etário..................................................................... ................... 621 1) Pressuposto objetivo..................................................................621 2) Pressupostos subjetivos............................................................ 622 d) Sursis por razões de saúde..............................................................622 l^Pressuposto objetivo..................................................................622 2) Pressupostos subjetivos..............................................................622 2. Pressuposto geral da suspensão condicional da p ena...............624 3. Condições legais de execução............................................................. 625 4. Condições judicia is de execução......................................................... 626 5. Modificação das condições de execução....................................... 626 6. Formalidades de concessão...............................................................627 7. Revogação............................................................................................... 628 8. Prorrogação do prazo......................................................................... 630 9. Extinção da pena .................................................................................630 B) Livramento condicional............ .............................................................. 631 1. Espécies de livramento condicional.................................................631 1.1. Pressupostos gerais......................................................................632 1.2. Pressupostos específicos ..........................................................634 2. Condições de execução....................................................................... 636 3. Formalidades de concessão............................................................... 637 4. Revogação............................................................................................... 637 5. Efeitos da revogação...........................................................................638 6. Extinção da pena...................................................................................639 C) Os substitutivos penais da Lei 9.099/95: a transação p ena l e a suspensão condicional do processo ..................................................................640 1. Transação penal......................................................................................641 1.1. Conceito....................... ....................................... ...........................641 1.2. Requisitos da transação penal...................................................641 1.2.1. Requisitos positivos......................... ............................... 641 1.2.2. Requisitos negativos........................................................642 1.3. Conseqüências jurídicas da transação penal.........................645 2. Suspensão condicional do processo................................................645 2.1. Conceito.........................................................................................645 2.2. Pressupostos de concessão ......................................................646 2.3. Condições de execução.................... ..........................................649 2.4. Revogação...................................................................................... 650 2.5. Extinção da pena.................................. ........ .............................. 651 xxv M edidas de S e g u r a n ç a ................................................. ................................653 I. As vias alternadvas do Direito Penal brasileiro...........................................653 II. Crise das medidas de segurança....................................................................... 654 III. Medidas de segurança na legislação penal brasileira.................................. 656 1. Pressupostos das medidas de segurança............................................ 658 1.1. A realização de fato previsto como crime..................................658 1.2. A periculosidade criminal do autor ............................................659 a) a presunção legal de periculosidade criminal ..........................660 b) a determinação judicia l de periculosidade criminal ...............660 2. Objetivos das medidas de segurança........................ ...........................661 3. Espécies de medidas de segurança................. ........... ......................... 662 3.1. Hospital de custódia e tratamento psiquiátrico........................663 3.2. Tratamento ambulatorial.................................................................664 4. Duração das medidas de segurança..................................................... 665 5. A verificação de cessação da periculosidade criminal.................... 667 6. Substituição e conversão das medidas de segurança.......................668 7. Prescrição das medidas de segurança................................................. 669 C apítulo 24 A ção P e n a l ................................................... ....................... .........................................671 I. As limitações democráticas do poder de punir................. ......................... 671 II. Os princípios constitucionais do processo penal........................................671 1. Princípios de formação do processo................ .......... ......... ........... 672 1. Princípio da oficialidade..................... .................. ............................. 672 2. Princípio da acusação..........................................................................673 3. Princípio da legalidade........................................................................673 4. Princípio da oportunidade.................................................................674 5. Princípio da instrução........................................................................ 674 2. Princípios da prova processual.............. ...............................................675 1. Princípio da livre valoração da prova............................................. 675 2. Princípio in dubio p ro reo...................................................................... 675 III. Ação penal............................................ .................................................................677 1. Ação penal pública ....... ................ ................. ...... .................................. 679 1.1. Ação penal pública incondicionada............... ............................679 1.2. Ação penal pública condicionada...............................................680 1.3. Ação penal pública extensiva......................................................682 C apítu lo 2 3 xxvi 2. Ação penal privada....................................................................................683 2.1. Ação penal privada subsidiária da ação pública...................... 683 2.2. Transmissão do direito de queixa.................................................683 2.3. Exdnção do direito de queixa................................................. .....684 C apítulo 25 E xtin ção da P u n ibilid a d e ................................................................................. 689 I. Morte do agen te..........................................................:.....................................689 II. Anistia, graça e indulto........................... ......................................... ....... ........ 690 1. Anistia............................................................................................................691 2. G raça............................................................................................................. 691 3. Indulto............................................................ ....................................... .....692 III. Descriminalização do fato............................... ................................................692 IV. Prescrição, decadência e perempção...............................................................693 1. Prescrição.....................................................................................................693 1.1. Prescrição antes do trânsito em julgado da sentença criminal............................................................................................... 694 1.2. Prescrição depois do trânsito em julgado da sentença condenatória.......................................................................................695 1.3. Prescrição pelos níveis de concretização da pena...........................696 1.3.1. Prescrição pela pena cominada.........................................696 1.3.2. Prescrição pela pena aplicada.................................. ........ 697 1.3.2.1. Prescrição intercorrente.......................................697 1.3.2.2. Prescrição da pena aplicada com trânsito em julgado da sentença condenatória............. 697 a) Prescroção retroativa........................................697 b) Prescrição da pretensão executória............. 698 1.3.3. Prescrição pela pena virtual (ou perspectiva)...............698 1.4. Redução e aumento dos prazos de prescrição........................ 699 1.5. Prescrição das penas restritivas de direito................................ 701 1.6. Prescrição da pena de m ulta......................................................... 701 1.7. Prescrição das medidas de segurança.........................................702 1.8. Causas impeditivas da prescrição................................................ 702 1.9. Causas interruptivas da prescrição.............................................. 703 1.10. Prescrição das penas menos graves com as mais graves....704 xxvü 2. Decadência................................................................................................. 705 3. Perempção.................................... '............................................................705 V. Renúncia e Perdão... .......................................................................................... 706 1. Renúncia....................................................... .’............................................. 706 2. Perdão........................................................................................................... 706 VI. Retratação do agente........................................................................................ 707 IX. Perdão judicial.....................................................................................................708 X. A extinção da punibilidade nos tipos complexos, nos tipos dependentes de outros tipos, nos tipos que pressupõem outros tipos, nos tipos qualificados pelo resultado e nos tipos conexos........709 XI. A extinção dà punibilidade no concurso de crimes................................ 710 CAPÍTULO 2 6 C r im in o lo g ia e P o lítica C rim in al .......................................................711 I. Política criminal alternativa..............................................................................711 1. Origens Epistemológicas........................................................................713 2. Criminalidade e imagem da criminalidade.........................................715 II. Direito Penal mínimo....................................................................................... 716 III. Propostas de reforma da legislação penal..................................................719 1. Propostas de redução do sistema de justiça criminal.....................719 2. Propostas de humanização do sistema penal...................................722 B ib lio g r a fia ................................................................................................................... 725 Í n d ice A lfabético R e m issiv o .................................................................. 743 P rim eira P arte T e o r ia d a L ei P e n a l C apítu lo 1 D i r e i t o P e n a l 4h I. Conceito de Direito Penal 1. O Direito Penal é o setor do ordenamento jurídico que define cri mes, comina penas e prevê medidas de segurança aplicáveis aos auto res das condutas incriminadas. A definição de crimes se realiza pela descrição das condutas proibidas; a cominação de penas e a previsão de medidas de segurança se realiza pela delimitação de escalas punitivas ou assecuratórias aplicáveis, respectivamente, aos autores imputáveis ou inimputáveis de fatos puníveis. A descrição de condutas proibidas aparece em modelos abstratos de condutas comissivas ou omissivas, com as escalas penais respectivas, na parte especial do Código Penal; as espécies e a duração das medidas de segurança são indicadas em capí tulo próprio da parte geral do Código Penal. 2. Assim definido, o Direito Penal tem por objeto condutas humanas des critas de forma positiva (ações) ou de forma negativa (omissão de ações) em tipos legais de condutas proibidas. O tipo legal descrito em forma positiva cria um dever jurídico de abstenção de ação — por exemplo, subtrair, para si ou para outrem, coisa alheia móvel (art. 155, CP); o tipo legal des crito em forma negativa cria um dever jurídico de ação — por exemplo, deixar de prestar assistênàa, quando possível fa^e-lo sem risco pessoal, ã criança abandonada ou extraviada, ou à pessoa inválida ou ferida... (art. 135, CP). Logo a conduta humana objeto do Direito Penal pode consisdr em ações ou em omissões de ação que constituem, por sua vez, os tipos de ação (ou dpos comissivos) e os tipos de omissão de ação (ou tipos omissivos), 3 Teoria da Lei Penal Capítulo 1 descritos na parte espeáal do Código Penal, ou em leis penais especiais. A ação ou omissão de ação dotada dos caracteres de tipo de injusto, que define o objeto de reprovação no autor (o que é reprovado), e dos caracteres da culpabilidade, que define o fundamento da reprovação do autor (por que é reprovado), realiza o conceito de fato punível, estudado na Teoria do Fato Punível\ segunda parte deste livro. 3. O Código Penal, estatuto legal que define crimes e prevê penas e medidas de segurança, é o centro do programa de política penal do Estado para controle da criminalidade. As penas criminais constituem o instrumento principal da política penal do Estado, agrupadas em três categorias no Direito Penal brasileiro: a) penas privativas de liberdade-, b) penas restritivas de direito; c) penas de multa (CP, art. 32). As medidas de segurança constituem instrumento secundário da política penal oficial, agrupadas em duas categorias: medidas de segurança detentivas e medi das de segurança não-detentivas (CP, art. 96-99). As penas e as medidas de segurança—conceito, funções, sistema, aplicação, substituição e extinção — são estudadas na Teoria da Pena, terceira parte deste livro. II. Objetivos do Direito Penal O Direito Penal possui objetivos declarados (ou manifestos), destaca dos pelo discurso oficial da teoria jurídica da pena, e objetivos reais (ou latentes), identificados pelo discurso crítico da teoria criminológica da pena, correspondentes às dimensões de ilusão e de realidade de todos os fenômenos ideológicos das sociedades capitalistas contemporâneas. 4 Capítulo 1 Direito Penal 1. Objetivos declarados do discurso jurídico oficial 1. Os objetivos declarados do Direito Penal nas sociedades contempo râneas consistem n$ proteção de bens jurídicos - ou seja, na proteção de valores relevantes para a vida humana individual ou coletiva, sob ameaça de pena.1 Os bens jurídicos protegidos pelo Direito Penal são se lecionados por critérios político-criminais fundados na Constituição, o documento fundamental do moderno Estado Democrático de Direito: realidades ou potencialidades necessárias ou úteis para a existência e desenvolvimento individual e social do ser humano2 — por exemplo, a vida, a integridade e saúde corporais, a honra, a liberdade individual, o patrimônio, a sexualidade, a família, a incolumidade, apa^ a f é e a administração públicas consdtuem os bens jurídicos protegidos contra várias formas de lesão pelo Código Penal. Como se vê, os bens jurídicos mais importantes da vida humana individual ou coledva são selecionados para proteção penal: a lesão real ou ameaçada desses bens jurídicos pode desencadear as mais graves conseqüências previstas no ordenamento jurídico, as penas criminais ou as medidas de segurança. 2. Contudo, a proteção de bens jurídicos realizada pelo Direito Pe nal é de natureza subsidiária e fragmentária — e, por isso, se diz que o Direito Penal protege bens jurídicos apenas em ulti?na ratio: por um lado, proteção subsidiária porque supõe a atuação principal de meios de proteção mais efetivos do instrumental sócio-político e jurídico do Estado; por outro lado, proteção fragmentária porque não protege todos os bens jurídicos definidos pela Constituição da República 1 A criação do conceito de bem jurídico é atribuída a BIRNBAUM, Über das Hrfordernis einer Recbtsverlet^mg %um Begriff des Verbrechens, mii besonderer Rilcksicbt au f den Begriff der Hhrenkrãnkung in Archiv des Criminalrechts, Neue Folge, v. 15 (1834), p. 149. 2 ROXIN. Strafrecht, 1997, p. 15, n. 9. 5 Teoria da Lm Penal Capítulo 1 e protege apenas parcialmente os bens jurídicos selecionados para proteção penal.3 A proteção de ultima ratio de bens jurídicos pelo Direito Penal é limitada pelo princípio da proporcionalidade, que proíbe o emprego de sanções penais desnecessárias ou inadequadas em duas direções opostas: a) primeiro, lesões de bens jurídicos com mínimo desvalor de resultado não devem ser punidas com penas criminais, mas consti tuir contravenções ou permanecer na área da responsabilidade civil, como pequenos furtos em lojas, indústrias ou empresas em geral;4 b) segundo, lesões de bens jurídicos com máximo desvalor de resultado não podem ser punidas com penas criminais desproporcionais ou absur das — como ocorre com os chamados crimes hediondos, esse grotesco produto da imaginação punidva do legislador brasileiro. 2. Objetivos reais do discurso jurídico crítico 1. A definição dos objetivos reais do Direito Penal permite compreen der o significado político desse setor do ordenamento jurídico, como centro da estratégia de controle social nas sociedades contemporâneas. Nas formações sociais capitalistas, estruturadas em classes sociais an tagônicas diferenciadas pela posição respecdva nas relações de produção e de circulação da vida material, em que os indivíduos se relacionam como proprietários do capital ou como possuidores de força de trabalho — ou seja, na posição de capitalistas ou na posição de assalariados —, todos 3 Ver BARATTA, Prinápi del dirittopenal minimo. Ver una teoria dei diritti umani come oggetti e limiti delia leggepenale, in Dei Delitti e delle Pene, 1991,-n. 1, p. 444-5; também ROXIN, Strafrecht, 1997, p. 10-11, n. 1. 4 ROXIN, Strafrecht, 1997, p. 25, n. 38-39. 6 Capítulo 1 Direito Penal os fenômenos sociais da base econômica e das instituições de contro le jurídico e político do Estado devem ser estudados na perspectiva dessas classes sociais fundamentais e da luta de classes correspondente, em que se manifestam as contradições e os antagonismos políticos que determinam ou condicionam o desenvolvimento da vida social? 2. Os sistemas jurídicos e políticos de controle social do Estado — as formas jurídicas e os aparelhos de poder do Estado — instituem e reproduzem as condições materiais da vida social, protegendo inte resses e necessidades dos grupos sociais hegemônicos da formação econômico-social, com a correspondente exclusão ou redução dos interesses e necessidades dos grupos sociais subordinados. Contudo, o Direito e o Estado não se limitam às funções reais de instituição e reprodução das relações sociais, exercendo também funções ilusórias de encobrimento da natureza dessas relações sociais, em geral apre sentadas sob forma diversa ou oposta pelo discurso jurídico oficial. Por isso, também o Direito Penal deve ser estudado do ponto de vista de seus objetivos declarados ou manifestos e de seus objetivos reais ou latentes, nos quais se manifestam as dimensões de ilusão e de realidade dos fenômenos da vida social nas sociedades contemporâneas. 3. Os objetivos declarados do Direito Penal produzem uma aparência de neutralidade do sistema de justiça criminal, promovida pela limitação da pesquisa jurídica ao nível da lei penal, única fonte formal do Direito Penal. Essa aparência de neutralidade do Direito Penal é dissolvida pelo estudo das fontes materiais do ordenamento jurídico, enraizadas no modo de produção da vida material,6 que fundamentam os interesses, necessidades e valores das classes sociais dominantes das relações de 5 MARX/ENGELS, Manifesto do partido comunista. Edições Sociais, Textos 3, p. 21. 6 Ver BOURJOL, DUJARDIN, GLEIZAL, JEAMMAUD, JEANTIN, MIAILLE e MICHEL, Pour une critique du Droit, 1978, p. 13-60; também, MIAILLE, Une introducúon critique au Droit, 1976. 7 Teoria da JLei Penal Capítulo 1 produção e hegemônicas do poder político do Estado, como indicam as teorias conflituais da Sociologia do Direito.7 4. A mudança da fonte formal (a lei) para a fonte material (o modo de produção) do Direito significa trocar a lógica formal por uma lógica material (ou lógica dialética), utilizada pela Criminologia como método de pensar o crime e o controle social nas sociedades contemporâneas, embora a dogmática jurídica permaneça sob a égide da lógica formal’ como lógica jurídica clássica. 5. O conceito de modo de produção desenvolvido pelo pensamento marxista, formado pela articulação de forças produtivas em determina das relações de produção da vida material, permite identificar os objetivos reais do Direito, em geral — cuja existência é encoberta pelos objetivos declarados do discurso jurídico oficial —, nos quais aparece o significado político do Direito Penal como instituição de garantia e de reprodução da estrutura de classes da sociedade, da desigualdade entre as classes sociais, da exploração e da opressão das classes sociais subalternas pelas classes sociais hegemônicas nas sociedades contemporâneas — esclarecendo, complementarmente, a formação econômica das classes sociais nas relações de produção e a luta política dessas classes sociais no terreno das ideologias — por exemplo, nos sistemas jurí- dico-políticos de controle social —, rompendo, assim, a “opacidade” do real produzida pelo discurso jurídico oficial dos objetivos declarados do Direito Penal. 6. O método de análise social fundado no modo de produção da vida material permite explicar o Direito — ou seja, as formas jurídicas de disciplina da vida social — e o Estado — ou seja, a organização jurídica do poder político das classes hegemônicas da formação social — pelas 7 Ver SABADELL, Manual de sociologia jurídica (introdução a uma leitura externa do Direi to), 2005, 3a edição, p. 139-140; também DIMOULIS, Manual de Introdução ao estudo do direito, 2003. p. 184. Capítulo 1 Direito Penal condições reais da sociedade civil, cuja “anatomia” é constituída pelo conjunto das relações de produção ativadas pelas forças produtivas da vida social, definíveis como a fonte material das formas jurídicas e políticas do Estado.8 7. Sem dúvida, a política de controle social instituída pelo Direito Penal e implementada pelo sistema de justiça criminal inclui o conjunto do ordenamento jurídico e político do Estado, além de outras instituições da sociedade civil, como a empresa, a família, a escola, a imprensa, a igreja, os partidos políticos, os sindicatos etc. As formas jurídicas e políticas do Estado e as organizações da sociedade civil conver gem na tarefa de instituir e reproduzir uma determinada formação econômico-social histórica, em que os homens se relacionam como integrantes de classes ou de categorias sociais estruturais da socie dade. O Direito Penal e o sistema de justiça criminal constituem, no contexto dessa formação econômico-social, o centro gravitacional do controle social: a pena criminal é o mais rigoroso instrumento de reação oficial contra as violações da ordem social, econômica e política institucionalizada, garantindo todos os sistemas e instituições particulares, bem como a existência e continuidade do próprio sistema social, como um todo.9 2.1. Direito Penal e desigualdade social 1. Os objetivos declarados do Direito Penal, legitimados pelo discurso jurídico da igualdade, da liberdade, do bem comum etc., consistem na proteção de valores essenciais para a existência do indivíduo e da so ciedade organizada, definidos pelos bens jurídicos protegidos nos tipos 8 Ver MARX, Contribuição para a crítica da economia política (Prefácio), 1973. 9 BARATTA, Criminologia crítica e crítica do direito penal’ 2000, 2a edição, p. 209 s.; FOU- CAULT, Vigiar epunir, 1977, p. 244-248. 9 Teoria da Tei Penal Capítulo 1 legais.10 Os pressupostos não questionados desses objetivos declarados são as noções de unidade (e não de divisão) social, de identidade (e não de contradição) de classes, de igualdade (e não de desigualdade real) entre as classes sociais, de liberdade (e não de opressão) individual, de salário equivalente ao trabalho (e não de expropriação de mais-valia, como trabalho excedente não remunerado) etc.11 2. O significado político do controle social realizado pelo Direito Penal e pelo sistema de justiça criminal aparece nas funções reais desse setor do Direito — encobertas pelas funções declaradas do discurso oficial: a criminali^ação primária realizada pelo Direito Penal (definição legal de crimes e de penas) e a criminali^açao secundária realizada pelo sistema de justiça criminal constituído pela polícia, justiça e prisão (aplicação e execução de penas criminais) garantem a existência e a reprodução da realidade social desigual das sociedades contemporâneas.12 O sistema de justiça criminal, operacionalizado nos limites das matrizes legais do Direito Penal, realiza a função declarada de garantir uma ordem social justa , protegendo bens jurídicos gerais e, assim, promovendo o bem comum. Essa função declarada é legitimada pelo dis curso oficial da teoria jurídica do crime, como critério de racionalidade construído com base na lei penal vigente, e pelo discurso oficial da teoria jurídica da pena, fundado nas funções de retribuição, de prevenção espeáal e de prevenção geral atribuídas à pena criminal. 3. Assim, através das definições legais de crimes e de penas o legisla dor protege interesses e necessidades das classes e categorias sociais hegemônicas, incriminando condutas lesivas das relações de produção 10 ZAFFARONI, BATISTA, ALAGIA e SLOKAR, Direito penal brasileiro, 2003, vol. I, §11, I, ns. 4-6, admitem o bem jurídico como critério de criminali-^ação, mas não como objeto de proteção do Direito Penal, que constituiria somente ato político de poder do Estado. 11 CIRINO DOS SANTOS, Direito Penal (a nova parte geral), 1985, p. 23. 12 BARATTA, Criminologia crítica e crítica do direito penal,\ 2000, 2a edição, p. 173-174. 10 Capítulo 1 Direito Penal e de circulação da riqueza material, concentradas na área da criminali dade patrimonial comum, característica das classes e categorias sociais subalternas, privadas de meios materiais de subsistência animal: os tipos legais de crimes fundados em bens jurídicos próprios das elites econômicas e políticas da formação social garantem os interesses e as condições necessárias ã existência e reprodução dessas classes sociais. Nessa medida, a proteção penal seletiva de bens jurídicos das classes e grupos sociais hegemônicos pré-seleciona os sujeitos estigmatizá- veis pela sanção penal, os indivíduos pertencentes às classes e grupos sociais subalternos, especialmente os contingentes marginalizados do mercado de trabalho e do consumo social, como sujeitos privados dos bens jurídicos econômicos e sociais protegidos na lei penal.13 4. A proteção das relações de produção e de circulação materiais da vida social abrange a proteção das forças produtivas (homens, tec nologia e natureza) e, assim, certos tipos penais parecem proteger bens jurídicos gerais, comuns a todos os homens, independente da posição social ou de classe respectiva, como a vida, a integridade física e psíquica, a liberdade individual e sexual, a honra, a ecologia etc. Entretanto, a proteção desses valores gerais é desigual,14 como demonstra qualquer pesquisa empírica: a) titulares desses bens jurí dicos pertencentes às classes ou categorias sociais hegemônicas são protegidos como seres humanos, os verdadeiros sujeitos da formação econômico-social; b) titulares desses bens jurídicos pertencentes às classes ou grupos sociais integrados nos processos de produção/ circulação material como força de trabalho assalariada, são protegidos apenas como e enquanto objetos, ou seja, como energia necessária à ativação dos meios de produção/circulação e capaz de produzir valor superior ao seu preço de mercado: a mais-valia, extraída do 13 BARATTA, Criminologia crítica e crítica do direito penal\ 2000, 2a edição, p. 164-174. 14 BARATTA, Criminologia crítica e crítica do direito penal.\ 2000, 2a edição, p. 164 s. 11 Teoria da T ei Penal Capítulo 1 tempo de trabalho excedente; c) titulares desses bens jurídicos per tencentes aos contingentes marginalizados do mercado de trabalho, sem função na reprodução do capital (a força de trabalho excedente das necessidades do mercado), não são protegidos nem como sujei tos^ nem como objetos: são destruídos ou eliminados pela violência estrutural das relações de produção, ou pela violência institucional do sistema de controle social, sem conseqüências penais. Assim, se a criminalização primária (ou abstrata) parece neutra, a criminalização secundária (ou concreta) é diferenciada pela posição social dos sujeitos respectivos.15 5. Por outro lado, condutas criminosas próprias dos segmentos sociais hegemônicos, que vitimizam o conjunto da sociedade ou amplos seto res da população, são diferenciadas ao nível da criminalização primária (tipos legais) ou da criminalização secundária (repressão penal):16ou não são definidas pelo legislador como crimes, ou são definidas de modo impreciso e vago pelo legislador — e, portanto, frustram a repressão penal —, ou a natureza irrisória das penas cominadas pelo legislador transforma essas práticas criminosas em investimentos lucrativos.17 Esse é o resultado moderno do chamado Direito Penal simbólico, representado pelos crimes contra a ordem tributária, as relações de consumo, o mercado de capitais, o meio ambiente e outras formas da criminalidade das elites econômicas e políticas da formação social — na verdade, produzido para sadsfação retórica da opinião pública, como discurso encobridor das responsabilidades do capital financeiro internacional e das elites conservadoras dos países do Terceiro Mundo, na criação das condições criminogênicas estruturais do capitalismo 15 CIRINO DOS SANTOS, Direito penal (a nova parte geral), 1985, p. 26-27. 16 SUTHERLAND, White collar crime: the uncut versions, 1983, p. 240-257. 17 BARATTA, Criminologia crítica e crítica do Direito Penal’ 1999, 2a edição, p. 165-167. 12 Capítulo 1 Direito Venal neoliberal contemporâneo.18 6. Seja como for, é no processo de criminalização que a posição social dos sujeitos criminalizáveis revela sua função determinante do resultado de condenação/absolvição criminal: a variável decisiva da criminali- zação secundaria é a posição social do autor, integrada por indivíduos vulneráveis selecionados por estereótipos, preconceitos e outros mecanismos ideológicos dos agentes de controle social — e não pela gravidade do crime ou pela extensão social do dano.19A criminalidade sistêmica econômica e financeira de autores pertencentes aos grupos sociais hegemônicos não produz conseqüências penais: não gera processos de criminalização, ou os processos de criminalização não geram conseqüências penais; ao contrário, a criminalidade individual violenta ou fraudulenta de autores dos segmentos sociais subalternos, especialmente dos contingentes marginalizados do mercado de traba lho, produz conseqüências penais: gera processos de criminalização, com conseqüências penais de rigor punitivo progressivo, na relação direta das variáveis de subocupação, desocupação e marginalização do mercado de trabalho.20 7. Enfim, o sistema penal representado pela prisão e instituições conexas consome os sujeitos criminalizados mediante supressão da liberdade e outros direitos não especificados na condenação, como direitos políticos, sociais e individuais de dignidade, sexualidade, recreação, informação etc. A prisão, justificada pelo discurso penal de retribuição e de prevenção do crime, é um mecanismo expiatório que realiza a troca jurídica do crime em tempo de liberdade suprimida, acoplado 18 ALBRECHT, Kriminologie, 1999, p. 29-30. 19 BARATTA, Criminologia crítica e crítica do Direito Penal’ 1999, 2a edição, p. 165-166; também ZAFFARONI, BATISTA, ALAGIA e SLOKAR, Direito penal brasileiro, 2003, vol. I, §2, III, n. 10. 20 BARATTA, Criminologia crítica e crítica do Direito Penal, 1999, 2a edição, p. 165-166. 13 Teoria da Tei Penal Capítulo 1 a um projeto técnico-corretivo de transformação individual,21 com regimes diferenciados de execução penal. O projeto técnico-correti- vo da prisão, cuja história registra 200 anos de fracasso reconhecido, marcado pela reproposição reiterada do mesmo projeto fracassado — o célebre isomorflsmo reformista de FOUCAULT —, se caracteriza por uma eficácia invertida, com a reprodução ampliada da criminalidade pela introdução de condenados em carreiras criminosas.22 O discurso crítico da teoria criminológica da pena mostra que a prisão não pode ser explicada pelos objetivos declarados de correção do criminoso e de prevenção da criminalidade, mas pelos objetivos reais do sistema penal, de gestão diferencial da criminalidade e de garanda das relações sociais desiguais da contradição capital/trabalho assalariado das sociedades contemporâneas.23 2.2. Bem jurídico: ainda um conceito necessário 1. Juristas e criminólogos críticos pesquisam um referente material de definição de crime, capaz de exprimir a negatividade social das situações conflituais da vida coletiva nas sociedades modernas24 e de indicar hi póteses merecedoras de criminalização legal, admitindo que o Direito Penal ainda é necessário para solução de determinados conflitos.25 Nesse sentido, a pesquisa crítica identifica na contradição capital!trabalho assalariado, que fundamenta o conflito de classes das sociedades atuais, a base concreta de interesses universais cuja lesão constituiria a negatividade social capaz de configurar o referente material do conceito de crime. Mas 21 FOUCAULT, Vigiar epunir, 1977, p. 207-223. 22 Ver BECKER, Outsiders (studies in the sociology o f deviance), 1973, p. 101 s.; também FOUCAULT, Vigiar epunir, 1977, p. 239. 23 FOUCAULT, Vigiar epunir, 1977, p. 228-239. 24 BARATTA, Che cosa è ia criminohga critica,? in Dei Delitti e delle Pene, 1991, n. 1, p. 65 s. 25 BARATTA, Criminologia crítica e crítica do direito penal, 1999, p. 260. 14 Capítulo 1 Direito Penal com uma diferença essencial em relação à teoria tradicional: na dinâmica dessa contradição fundamental, o trabalho assalariado é definido como portador de interesses comuns universali^áveis, porque sua emancipação teria o significado de conduzir, segundo a Weltanschauung marxiana, ao objetivo ainda utópico de libertação de toda humanidade.26 2. Enquanto isso, o conceito de bem jurídico continua essencial para o Estado Democrático de Direito das formações sociais fundadas na relação capital/trabalho assalariado do capitalismo neoliberal, como critério de criminalização e como objeto de proteção do Direito Penal, conforme reconhecem as teorias jurídica e criminológica mo dernas.27 3. Não obstante, respeitáveis penalistas latino-americanos28 conside ram o bemjurídico apenas como critério de criminalização, afirmando que toda lesão de bens jurídicos deve ser criminalizada (o que é correto) e negando que todo bem jurídico deva ser protegido por criminalização (o que também é correto), mas rejeitando o bemjurídico como objeto de pro teção penal, porque no homicídio e no estupro, por exemplo, a pena criminal não protegeria a vida, nem a sexualidade das vítimas.29 Na verdade, o bem jurídico é critério de criminalização porque constitui objeto de proteção penal — afinal, existe um núcleo duro de bens jurídicos individuais, como a vida, o corpo, a liberdade e a sexu alidade humanas, que configuram a base de um Direito Penal mínimo 26 Assim, BARATTA, Che cosa è la criminologia critica.? in Dei Delitti e delle Pene, 1991, n. 1, p. 66-7. 27 Em Direito Penal, por exemplo, ROXIN, Strafrecht., 1997, §2° II-XI, ns. 2-41, p. 11-27; JESCHECK/WEIGEND, hehrbucb des Strafrechts, 1966, §1° III, p. 7-8; BUSTOS RAMÍREZ, Manual de derecho penal espanol., Ariel, 1984, p. 39 e 180-183; em Criminologia, por exemplo, ALBRECHT, Kriminologie, 1999, p. 54-55; BA RATTA, Criminologia crítica e crítica do direito penal, 1999, p. 204. 28 ZAFFARONI, BATISTA, ALAGIA e SLOKAR, Direito penal brasileiro, 2003, §11,1,6. 29 ZAFFARONI, BATISTA, ALAGIA e SLOKAR, Direitopenal brasileiro, 2003, §11,1,4. 15 Teoria da Lei Penal Capítulo 1 e dependem de proteção penal, ainda uma resposta legítima para certos problemas sociais.30 Assim, evitar a criminalização da vontade do poder, ou das expectativas normativas, parece insuficiente para rejeitar o bem jurídico como objeto de proteção penal31; além disso, admidr a pro teção de bens jurídicos pela criminalização não exclui a necessidade de relevância do bem jurídico para constituir objeto de proteção penal — sempre subsidiária e fragmentária —, nem implica incluir todos os bens jurídicos como objeto de proteção penal. Mais ainda, se afonte exclusiva de bens jurídicos selecionados para proteção penal é a Constituição da República—o fundamento político do moderno Estado Democrático de Direito —, então a criminalização da vontade do poder ou de meras expectativas normativas parece remota; ao contrário, a rejeição do bem jurídico como objeto de proteção fragmentária e subsidiária da crimina lização poderia criar um vazio legal preenchível pela vontade do poder, ou pelas expectativas normativas como objetos de criminalização — sem falar na incômoda proximidade com a teoria sistêmica de JAKOBS, que despreza o bem jurídico tanto como objeto de proteção, quanto como critério de criminalização.32 Enfim, a tese do bem jurídico como critério de criminalização e como objeto de proteção penal — ainda que a concreta lesão do bem ju rídico indique eventual ineficácia da proteção —, explica o Direito Penal como garantia jurídico-política das formações sociais capitalistas. A demonstração de que o Direito Penal protege os valores fundamentais das sociedades contemporâneas constitui tese central da Criminologia Crítica: o Direito Penal garante a desigualdade social fundada na relação capital/trabalho assalariado das sociedades capitalistas.33 Essa tese tem 30 BARATTA, Criminologia crítica e crítica do direito penal’ 1999, 2a edição, p. 260. 31 ZAFFARONI, BATISTA, ALAGIA e SLOKAR, Direito penal brasileiro, 2003, §11,1,6. 32 JAKOBS, Strafrecht, 1993, ns. 3-5, p. 35-38. 33 BARATTA, Criminologia crítica e crítica do direito penal’ 1999, 2a edição, p. 207. 16 Capítulo 1 Direito Penal desdobramentos importantes: o Direito Penal garante a propriedade privada dos meios de produção e do produto do trabalho social (instituída pela Constituição e disciplinada pelo Direito Civil), que permite a sobrevivência do trabalhador nos limites do trabalho assalariado; portanto, garante a extração de mais-valia, como trabalho excedente não- remunerado, nos processos de produção e de circulação da riqueza material, deixando ao trabalhador a alternativa de vender a força de trabalho pelo preço do salário (legitimada pelo Direito do Trabalho), correspondente ao tempo de trabalho necessário, 3 4 Em síntese, a proteção de relações sociais desiguais, mediante garantia da relação capital/tra balho assalariado, significa proteção dos processos sociais de produção e de circulação de bens materiais, que determinam a concentração da riqueza e do poder no pólo do capital\ e a generalização da miséria e da dependência no pólo do trabalho assalariado. Se o objetivo real do Direito Penal consiste na proteção das condições fundamentais da sociedade de produção de mercadorias, então o bem jurídico, além de critério de criminalização, constitui objeto de proteção penal. 4. Na atualidade, juristas e criminólogos críticos propõem reservar o conceito de bem jurídico para os direitos e garantias individuais do ser humano, excluindo a criminalização (a) da vontade do poder.; (b) de papéis sistêmicos, (c) do risco abstrato, (d) ou dos interesses difusos característicos de complexosfunáonais como a economia, a ecologia, o sistema tributário etc.35 Essa posição reafirma os princípios do Direito Penal do fato, como lesão do bem jurídico, e da culpabilidade, como limitação do poder de punir,36 excluindo a estabilização das expectativas normativas das 34 MARX, Crítica ao programa de Gotha, Edições Sociais, 1975. 35 ALBRECHT, Knminologie, 1999, p. 54-55; ZAFFARONI, BATISTA, ALAGIA e SLOKAR, Direito penal brasileiro, 2003, §11,1, 6. 36 BARATTA, Integrations-Pràvention. Eine systemtheoretische Neubegründung der Strafe, 1984, p. 115; ALBRECHT, Kriminologie, 1999, p. 54-55. 17 Teoria da Lei Venal Capítulo 1 concepções autoritárias do funcionalismo de JAKOBS, por exemplo.37 Desse ponto de vista, consideradas todas as limitações e críticas, o conceito de bem jurídico, como critério de criminalização e como objeto de proteção, parece constituir garantia política irrenunciável do Direito Penal do Estado Democrático de Direito, nas formações sociais estru turadas sobre a relação capital/trabalho assalariado, em que se articulam as classes sociais fundamentais do neoliberalismo contemporâneo. 37 Assim, ALBRECHT, Kriminologie, 1999, p. 2-4. 18 C a pítu lo 2 P r in c ípio s do D ireito P en al O Direito Penal das sociedades contemporâneas é regido por princípios constituáonais sobre crimes, penas e medidas de segurança, nos níveis de criminalização primária e de criminalização secundária, indispen sáveis para garandr o indivíduo em face do poder punitivo do Estado. A distinção entre regras epnnápios jurídicos, como espécies da categoria geral normas jurídicas, é a base da teoria dos direitos fundamentais e a chave para resolver problemas centrais da dogmática penal constitu cional.1 Normas jurídicas compreendem regras e princípios jurídicos, componentes elementares do ordenamento jurídico, que determinam o que é devido no mundo real: as regras são normas de conduta realizadas ou não realizadas pelos seres humanos; os princípios são normas jurídicas de otimização (optimierungsgebote) das possibilidades de realização jurídica dos mandados, das proibições e das permissões na vida real.2 Os princípios constituáonais mais relevantes para o Direito Penal são o princípio da legalidade, o princípio da culpabilidade, o princípio da lesividade, o princípio da proporcionalidade, o princípio da huma nidade e o princípio da responsabilidade penal pessoal. 1 ALEXY, Theorie der Grundrechte, 1994, 2a edição, p. 71 ,1 e 72 ,1, 1. 2 Ver ALEXY, Theorie der Grundrechte, 1994, 2a edição, p. 75 ,1, 2. 19 \ í Teoria da T ei ~Penal Capítulo 2 L Princípio da legalidade As Constituições dos Estados americanos de Virgínia e de Maryland (1776) insdtuíram pela primeira vez o princípio da legalidade, depois repetido na Constituição americana (1787) e, mais tarde, como norma fundamental do Estado de Direito, foi inscrito na Declaração Universal dos Direitos do Homem e do Cidadão (1789). A primeira legislação penal a incorporar o princípio da legalidade foi o Código Penal da Bavária (1813), depois aPrússia (1851) e a Alemanha (1871),genera- lizando-se por todas as legislações penais ocidentais3 sob a fórmula latina do nullum crimen, nullapqena sine lege, inaugurada por FEUERBACH.4 O princípio da legalidade é o mais importante instrumento cons titucional de proteção individual no moderno Estado Democrático de Direito, porque proíbe (a) a retroatividade como criminalização ou agravação da pena de fato anterior, (b) o costume como fundamento ou agravação de crimes e penas, (c) a analogia como método de crimí- naüzação ou de punição de condutas e (d) a indeterminação dos tipos legais e das sanções penais5 (art. 5o, XL, CR). O significado político do princípio da legalidade — regra principal da teoria da validade da lei penal no tempo —, expresso nas fórmulas de lexpraevia, de lex scripta, de lex stricta e de lex certa, incidentes sobre os crimes, as penas e as medidas de segurança da legislação penal,6 pode ser assim sumariado. 3 ROXIN, strafrecht, 1997, p. 99-101, ns. 14-17; ZAFFARONI, BATISTA, ALAGIA e SLOKAR, Direito penal brasileiro, 2003, §10, II, 1. 4 FEUERBACH, luehrbuch desgemánen in Deutschlandgeltenden Peinlichen Rechts, 1801, p. 20. 5 ROXIN, Strafrecht, 1997, p. 98, ns. 8-11; JESCHECK/WEIGEND, Lehrbuch des Strafrechts, 1976, p. 131-142; GROPP, Strafrecht, 2001, p. 45,.n. 2-3. 6 Assim também ZAFFARONI, BATISTA, ALAGIA e SLOKAR, Direito penal bra sileiro, 2003, §10, V, 1. 20 Capítulo 2 Princípios do Direito Penal 1. Proibição de r e t r o a t i v i d a d e da lei penal A proibição de retroatividade. da lei penal é o principal fundamento político do principio da legalidade, regido pela fórmula lex praevia, que incide sobre a norma de conduta e sobre a sanção penal do tipo legal: a) no âmbito da norma de conduta proíbe todas as mudanças dos pressu postos de punibilidade prejudiciais ao réu, compreendendo os tipos legais, as justificações e as exculpações\ b) no âmbito da sanção penal abrange as penas (e as medidas de segurança), os efeitos da condenação, as con dições objedvas de punibilidade, as causas de extinção da punibilidade (especialmente, os prazos prescricionais), os regimes de execução (incluindo os critérios de progressão e de regressão de regimes) e todas as hipóteses de excarceração.7 A única exceção à proibição de retroatividade da lei penal é re presentada pelo princípio da leipenal mais benigna, igualmente previsto no art. 5o XL, da Constituição da República (ver Validade da lei penal, adiante). 2. Proibição de a n a lo g ia da lei penal ( in m a la m p a r t e m ) A analogia, como método de pensamento comparativo de gru pos de casos, significa aplicação da lei penal a fatos não previstos, mas semelhantes aos fatos previstos.8 O processo intelectual de analogia, fundado normalmente no chamado espírito da lei, configura significa- 7 Ver STRATENWERTH, Strafrecbt, 2000, p. 49-51, n. 7-12; também ZAFFARO- NI, BATISTA, ALAGIA e SLOKAR, Direito penal brasileiro, 2003, §10, V, 1. 8 KELSEN, AUgemeine Theorie derNormen, 1990, p. 217. SISBI/UFU 21 244152 Teoria da T ei Penal Capítulo 2 do idiossincrático que um Juiz atribuiria e outro Juiz não atribuiria ao mesmo fato concreto. A atribuição de significados fundados no espírito da lei encobre a criação judicial de direito novo, mediante juízos de probabilidade da psicologia individual,9 assim resolvidos no Direito Penal: se o significado concreto representar prejuízo para o réu, cons titui analogia proibida; se o significado concreto representar benefício para o réu, constitui analogia permitida. Hoje, a analogia pode ser equacionada deste modo:10 a) a analogia in malampartem—analogiapraepter legem e analogia contra legem—, como ana logia prejudicial ao réu, é absolutamente proibida pelo Direito Penal; b) a analogia in bonampartem—analogia intra legem—, como analogia favorável ao réu, é permitida pelo princípio da legalidade, sem nenhuma restrição: nas justificações, nas exculpações e em qualquer liipótese de extinção ou de redução da punibilidade do comportamento humano.11 3. Proibição do c o s t u m e como fonte da lei penal O princípio da legalidade proíbe o costume como fundamento de criminalização e de punição de condutas, porque exige lex scripta para os tipos legais e as sanções penais. Mas, assim como a analogia e a retroatividade da lei penal mais 9 CARNAP, On inductive logic: In Philosophy ofSãence. 1945, vol. XII, p. 72, apud KEL SEN, A-llgemeine Theorie der Normen, 1990, p. 218. 10 MAYER, Der allgermeine Teil des deutschen Strafrechts, 1915, p. 27. 11 JESCHECK/WEIGEND, Lehrbuch des Strafrechts, 1996, §15, III, n. 2 d, p. 136; MAURACH/ZIPF, Strafrecht, Io v., p. 127-128, ns. 21-22; ROXIN, Strafrecht, 1997, p. 112-114, ns. 40-44; ZAFFARONI, BATISTA, ALAGIA e SLOKAR, Direito penal brasileiro, 2003, §10, III, 4-6. 22 Capítulo 2 Princípios do Direito Penal favorável são admitidas, também o costume pode ser admitido in bonam partem, para excluir ou reduzir a pena, ou para descriminali^ar o fato, nas hipóteses indicadas pela sociologia jurídica de perda de eficácia da lei penal — e, com a perda de eficácia, a perda de validade da lei penal:12 por exemplo, a existência generalizada dos motéis indica a perda de eficácia — e portanto, a invalidade como lei penal — do tipo legal do crime de casa de prostituição P 4. Proibição de i n d e t e r m in a ç ã o da lei penal A proteção do cidadão contra o arbítrio exclui leis penais indefi nidas ou obscuras — o maior perigo para o princípio da legalidade, segundo WELZEL14 —, porque leis penais indefinidas ou obscuras favorecem interpretações judiciais idiossincráticas e impedem ou dificultam o conhecimento da proibição, favorecendo a aplicação de penas com lesão do princípio da culpabilidade15 — outro aspecto da relação entre os princípios formadores do conceito de crime. O problema de toda lei penal parece ser a inevitabilidade de certo nível de indefinição: as palavras da lei são objeto de interpreta ções diferentes, porque os juízos de valor enunciados não admitem descrições neutras — e qualquer tentativa semelhante seria monótona ou ridícula: como descrever o conceito de injúria, por exemplo? Seja como for, o princípio da legalidade pressupõe um mínimo de determinação 12 Ver KELSEN, A-llgemeine Tbeorie derNormen, 1990, p. 87. 13 ROXIN, Strafrecht, 1997, p. 115-117, ns. 45-50. 14 WELZEL, Das deutsche Strafrecht, 1969, §5, II, n. 2, p. 23. 15 Ver ROXIN, Strafrecht, 1997, p. 125, n. 67-68. No Brasil, no sentido do texto, FRAGOSO, Lições de direito penal (parte geral), 16a edição, 2003, p. 114-116. 23 Teoria da 'Lei Penal Capítulo 2 das proibições ou comandos da lei penal - em geral, conhecido como princípio da taxatividade, mas indissociável do princípio da legalidade, como exigência de certeza da lei —, cuja ausência inviabiliza o conhecimento das proibições e rompe a consdtucionalidade da lei penal, regida pela Fórmula lex certa.X(' II. Princípio da culpabilidade 1. A relação entre o princípio da legalidade e o princípio da culpabilidade pode ser assim definida: por um lado, se pena pressupõe culpabilidade, e culpabilidade se fundamenta no conhecimento (real ou possível) do tipo de injusto, então o princípio da culpabilidade pressupõe ou contém o princípio da legalidade, como definição escrita, prévia, estrita e certa de crimes e de penas; por outro lado, existe uma relação de dependência do princípio da culpabilidade em face do princípio da legalidade, porque a culpabilidade pressupõe tipo de injusto (princípio da legalidade) mas o dpo de injusto não pressupõe culpabilidade: o juí^o de reprovação, que exprime o princípio da culpabilidade, não existe sem o tipo de injusto, de finido pelo princípio da legalidade, mas o tipo de injusto, como objeto do juízo de reprovação, pode existir sem o juí^o de culpabilidade. 2, O princípio da culpabilidade, expresso na fórmula nullapoena sine culpa, é o segundo mais importante instrumento de proteção individual no moderno Estado Democrático de Direito, porque proíbe punir pesso as que não preenchem o s requisitos do juí^o de reprovação, segundo o estágio atual da teoria da culpabilidade, a saber: a) pessoas incapazes de saber o que fa%em (inimputáveis); b) pessoas imputáveis que, realmen 16 STRATENWERTH, Stajrecht, 2000, p. 58-59, ns. 28-31; ZAFFARONI, BATIS TA, ALAGIA e SLOKAR, Direito penal brasileiro, 2003, §10, III, 1 e IV, 1. 24 Capítulo 2 Princípios do Direito Penal te, nao sabem o que fa^em, porque estão em situação de erro de proibição inevitável; c) pessoas imputáveis, com conhecimento da proibição do fato, mas sem o poder de não fa%er o que fa%em, porque realizam o tipo de injusto em contextos de anormalidade definíveis como situações de exculpação. 2.1. O princípio da culpabilidade proíbe punir pessoas inimputáveis porque são incapazes de reconhecer a norma, mas não proíbe a aplicação de medidas de segurança fundadas na periculosidade criminal de autores inimputáveis de fatos puníveis: a relação culpabilidade/pena possui na tureza subjedva, mas a relação periculosidade criminal/ medida de segurança possui natureza objetiva de proteção do autor (terapia) e da sociedade (neutralização), segundo o discurso oficial da teoria jurídica das me didas de segurança. 2.2. O princípio da culpabilidade proíbe punir pessoas imputáveis em desconheámento inevitável da proibição do fato , porque o erro de proibi ção inevitável exclui a possibilidade de motivação conforme a norma jurídica, que fundamenta o juízo de reprovação — mas não proíbe punição em situação de erro evitável sobre a proibição da norma, por insuficiente reflexão ou informação do autor. 2.3. Enfim, o princípio da culpabilidade proíbe punir pessoas imputáveis, que realizam o tipo de injusto com conhecimento da proibição do fato, mas sem o poder de nãofa%ero quefa%em, porque a realização do tipo de injusto em situações anormais exclui ou reduz a exigibilidade de compòrtamento diverso. 3. Finalmente, todos os resquícios atuais do velho versari in re illicita, como os crimes qualificados pelo resultado17 e, especialmente, as 17 ROXIN, Strafrecht, 1997, n. 111, p. 277; JESCHECK/WEIGEND, Lehrbuch des Strafrechts, 1966, n. 3, p. 571. 25 Teoria da L,ei Penal Capítulo 2 versões coloniais da actio libera in causa,18 são incompatíveis com o princípio da culpabilidade e, por isso, devem ser banidos da legislação penal ou, pelo menos, despenalizados pela consciência democrática do Ministério Público e da Magistratura nacionais. III. Princípio da lesividade 1. O princípio da lesividade proíbe a cominação, a aplicação e a execução de penas e de medidas de segurança em hipóteses de lesões irrelevantes, con sumadas ou tentadas, contra bens jurídicos protegidos em tipos legais de crime. Em outras palavras, o princípio da lesividade tem por objeto o bemjurídico determinante da criminalização, em dupla dimensão: do ponto de vista qualitativo, tem por objeto a natureza do bem jurídico lesionado; do ponto de vista quantitativo, tem por objeto a extensão da lesão do bem jurídico. 2. Por um lado, do ponto de vista qualitativo da natureza do bem jurí dico lesionado, o princípio da lesividade impede criminalização primária ou secundária excludente ou redutora das liberdades constitucionais de pensamento, de consciência e de crença, de convicções filosóficas e políticas ou de expressão da atividade intelectual\ artística, dentífica ou de comunicação, garan tidas pela Constituição da República acima de qualquer restrição da legislação penal.19 Em outras palavras, essas liberdades constitucionais individuais devem ser objeto da maior garantia positiva como critério de criminalização e, inversamente, da menor limitação negativa como objeto de criminalização por parte do Estado. 18 ZAFFARONI, BATISTA, ALAGIA e SLOKAR, Direito penal brasileiro, 2003, §12, IV, 6. 19 ZAFFARONI, BATISTA, ALAGIA e SLOKAR, Direito penal brasileiro, 2003, §11,1,1. Capítulo 2 Princípios do Direito Penal Por outro lado, do ponto de vista quantitativo da extensão da lesão do bem jurídico, o princípio da lesividade exclui a criminalização primária ou secundária de lesões irrelevantes de bens jurídicos. Nessa medida, o princípio da lesividade é a expressão positiva do princípio da insignificância em Direito Penal: lesões insignificantes de bens jurídicos protegidos, como a integridade ou saúde corporal, a honra, a liberdade, a pro priedade, a sexualidade etc., não constituem crime. IV. Princípio da proporcionalidade 1. O princípio da proporcionalidade, desenvolvido pela teoria constitucional germânica — o célebre Verhàltnismãssigkeitsgrundsat^ —, é constituído por três princípios parciais: o princípio da adequação (Geeignetheü% o princípio da necessidade (Erforderlichkeit) e o princípio da proporciona lidade em sentido estrito, também chamado de princípio da avaliação (abwàgungsgebote).20 Esses princípios parciais, de aplicação sucessiva e complementar, funcionam deste modo: a) o princípio da adequação e o princípio da necessidade têm por objeto a otimização das possibilidades da realidade, do ponto de vista da adequação e da necessidade dos meios em relação aos fins pro postos, formulados em forma interrogativa: 1) a pena criminal é um meio adequado (entre outros) para realizar o fim de proteger um bem jurídico? 2) a pena criminal (meio adequado, entre outros) é, também, meio necessário (outros meios podem ser adequados, mas não seriam necessários) para realizar o fim de proteger um bem jurídico? b) o princípio da proporcionalidade em sentido estrito (ou princípio da 20 ALEXY, Theorie der Grundrechte, 1994, 2a edição, p. 100-101, n. 8. 27 Teoria da Lei Penal Capítulo 2 avaliação) tem por objeto a otimização das possibilidades jurídicas, ao nível da criminalização primária e da criminalização secundária, do ponto de vista da proporcionalidade dos meios (pena criminal) em relação aos fins propostos (proteção de bens jurídicos), também formulado em forma interrogativa: a pena criminal cominada e/ou aplicada (considerada meio adequado e necessário, ao nível da realidade) é proporcional em relação à natureza e extensão da lesão abstrata e/ou concreta do bem jurídico? Em síntese, a otimização das possibilidades reais e jurídicas objeto do Verhãltnismãssigkeitsgrundsatz—para continuar empregando a termi nologia de ALEXY — tem por objetivo integrar princípios, meios e fins em unidades jurídicas e reais coerentes21 — ou seja, harmonizar os meios e os fins da realidade com os princípios jurídicos fundamentais do povo. O princípio da proporcionalidade no Direito Penal coincide com análises da Criminologia Crítica — como Sociologia do Direito Penal —, que estuda a adequação e a necessidade da pena criminal para proteção de bens jurídicos, do ponto de vista dos princípios jurídicos do discurso punitivo. 2. Assim, o princípio da proporcionalidade — implícito no art. 5o, caput, da Constituição da República — proíbe penas excessivas ou desproporcionais em face do desvalor de ação ou do desvalor de resultado do fato punível, lesivas da função de retribuição equivalente do crime atribuída às penas criminais nas sociedades capitalistas.22 O princípio da propor cionalidade se desdobra em uma dimensão abstrata e uma dimensão concreta, com as seguintes conseqüências: 2.1. O princípio da proporcionalidade abstrata limita a criminalização primária às liipóteses de graves violações de direitos humanos — ou 21 ALEXY, Theorie der Grundrechie, 1994, 2a edição, p. 75 s. 22 CIRINO DOS SANTOS, Teoria da pena,, 2005, p. 19-24. 28 Capítulo 2 Princípios do Direito Penal seja, lesões insignificantes de bens jurídicos são excluídas, também, pelo princípio da proporcionalidade — e delimita a cominação de penas criminais conforme a natureza e extensão do dano social produzido pelo crime.23 Neste aspecto, a proposta de hierarquização da lesão de bens jurídicos é essencial para adequar as escalas penais ao princípio da proporcionalidade abstrata: por exemplo, penas por lesões contra a propriedade não podem ser superiores às penas por lesões contra a vida, como ocorre na lei penal brasileira.24 2.2. Por outro lado, o princípio da proporcionalidade concreta permite equacionar os custos individuais e sociais da criminalização secundária, em relação à aplicação e execução da pena criminal. Assim, para usar um conceito do jargão econômico, a aplicação e execução das penas criminais mostram a enorme desproporção da relação custoIbenefício entre crime e pena, além dos imensos custos sociais específicos para o condenado, para a família do condenado e para a sociedade. A relação custo/ benefício da equação crimeIpena indica que a pena criminal, como troca jurídica do crime medida em tempo de liberdade suprimida, constitui investimento deficitário da comunidade, segundo a moderna Criminologia. Os custos sociais específicos para a pessoa e a família do condenado — assim como para a sociedade, em geral — são absurdos: primeiro, porque a criminalização secundária somente agrava o conflito social representado pelo crime — especialmente em casos de aborto, de tóxicos, de crimes patrimoniais e de toda a crimi nalidade de bagatela (crimes de ação penal privada ou condicionados à representação, crimes punidos com detenção, crimes de menor potencial ofensivo etc.); segundo, porque os custos sociais da criminali zação secundária são maiores para a pessoa e a família de condenados 23 BARATTA, Principi del diritto penal minimo. Per una teoria dei diritti umani come oggetti e limiti delia leggepenale, in Dei Delitti e delle Pene, 1991, n. 1, p. 452. 24 ZAFFARONI, BATISTA, ALAGIA e SLOKAR, Direito penal brasikitv, 2003, §11, II, 2. 29 Teoria da T ei Penal Capítulo 2 de classes e categorias sociais inferiores — a clientela preferencial do sistema de justiça criminal, selecionada por estereótipos, preconcei tos, idiossincrasias e outros mecanismos ideológicos dos agentes de controle social, advados por indicadores sociais negativos de pobreza, marginalização do mercado de trabalho, moradia em favelas etc.25 Em face disso, o princípio da proporcionalidade concreta pode fun damentar critérios compensatórios das desigualdades sociais da criminalização secundária, com o objetivo de neutralizar ou de reduzir a seletividade fundada em indicadores sociais negativos de pobreza, desemprego, favelização etc., aplicáveis pelo Juiz no momento de estruturação dos processos intelectuais e afetivos do juízo de repro vação do crime e de aplicação da pena, em especial no âmbito das circunstâncias judiciais (art. 59, CP) e legais (circunstâncias agravantes e atenuantes genéricas) de aplicação da lei penal, incluindo a otimização do emprego dos substitutivos penais e dos regimes de execução da pena, com generosa ampliação das hipóteses de regime aberto etc.26 V. Princípio da humanidade 1. O principio da humanidade, deduzido da dignidade da pessoa humana como fundamento do Estado Democrático de Direito (art. Io, III, CR), exclui a cominação, aplicação e execução de penas (a) de morte, (b) perpétuas, (c) de trabalhos forçados, (d) de banimento, (e) cruéis, como castra- 25 CIRINO DOS SANTOS, Teoria da pena, 2005, p. 37. 26 Comparar BARATTA, Prindpi del dirittopenal minimo. Per una teoria dei diritti umani come oggetti e limiti delia leggepenale, in Dei Delitti e delle Pene, 1991, n. 1, p. 453-454. 30 Capítulo 2 Princípios do Direito Penal ções, mutilações, esterilizações, ou qualquer outra pena infamante ou degradante do ser humano (art. 5o, XLVII, CR). 2. A garanda da integridade física e moral Ao ser humano preso, implícita no princípio da dignidade da pessoa humana definido como fundamento do Estado Democrático de Direito (art. Io, III, CR), é instituída por norma específica da Constituição da República (art. 5o, XLIX, CR) e ratificada por disposições da lei penal (art. 38, CP) e da lei de execução penal (art. 40, LEP) — além de ser inferida da norma que assegura ao preso todos os direitos não atingidos pela sentença ou pela lei (art. 3o, LEP) — ou seja, a lesão generalizada, intensa e contínua da dignidade humana e dos direitos humanos de homens e mulheres presos nas cadeias públicas e penitenciárias do sistema penal brasileiro não ocorre por falta de princípios e de regras jurídicas. 3. Entretanto, o princípio da humanidade não se limita a proibir a abstrata cominação e aplicação de penas cruéis ao cidadão livre, mas proíbe tam bém a concreta execução cruel de penas legais ao cidadão condenado, por exemplo: a) as condições desumanas e indignas, em geral, de execução das penas na maioria absoluta das penitenciárias e cadeias públicas brasileiras;27 b) as condições desumanas e indignas, em especial, do exe crável Regime Disciplinar Diferenciado — cuja inconstitucionalidade deve ser declarada por argüição de inconstitucionalidade da norma legal no caso concreto (controle difuso, por juizes e Tribunais), ou por ação direta de inconstitucionalidade (controle concentrado, pelo Supremo Tribunal Federal).28 27 ZAFFARONI, BATISTA, ALAGIA e SLOKAR, Direito penal brasileiro, 2003, §11, III,1. 28 CIRINO DOS SANTOS, Teoria da pena, 2005, p. 77-78. 31 Teoria da T ei Penal Capítulo 2 VI. Princípio da responsabilidade penalpessoal 1. A definição de fato punível como tipo de injusto e culpabilidade contém duas garantias fundamentais: primeiro, limita a responsabi lidade penal aos autores e partícipes do fato punível, com proibição constitucional de extensão da pena além da pessoa do condenado (art. 5o, XLV, CR);29 segundo, limita a responsabilidade penal aos seres hu?nanos de carne e osso, com exclusão conceituai de pessoas jurídi cas, incapazes de realizar o conceito de fato punível — a proteção de direitos humanos contra violações produzidas por pessoas jurídicas deve ser feita por meios administrativos e civis adequados, porque a responsabilidade penal da pessoa jurídica continua inconstitucional. 2. Além desses limites negativos, o princípio da responsabilidadepenalpessoal tem objeto e fundamento constitucionais positivos, relacionados com o princípio da legalidade e com o princípio da culpabilidade, como se indica: a) o objeto da responsabilidade penal pessoal é o tipo de injusto, como realização concreta do princípio nullum crimen, nullapoena sine lege (art. 5o, XXXIX, CR, que define o princípio da legalidade), atribuído aos autores e partícipes do fato punível, segundo as regras da imputação objetiva e subjetiva definidas pela ciência do Direito Penal: somente o tipo de injusto pode ser objeto de responsabilidade penal; b) o fundamento da responsabilidade penal pessoal é a culpabi lidade, como expressão do princípio nulla poena sine culpa (derivado do art. 5o, LVII, CR, que institui apresunção de inocência), indicada pelas condições pessoais de.saber o quefa% (imputabilidade), de conheámento 29 Comparar BARATTA, Prindpi del diritto penal minimo. Per una teoria dei diritti umani come oggetti e limiti delia leggepenale, in Dei Delitti e delle Pene, 1991, n. 1, p. 459; também ZAFFARONI, BATISTA, ALAGIA e SLOKAR, Direito penal brasileiro. Revan, 2003, §11,111,1. 32 Capítulo 2 Princípios do Direito Penal real do que fa% (consciência da antijuridicidade) e do poder concreto de não fa^ero quefa^ (exigibilidade de comportamento diverso), que estrutu ram o juízo de reprovação do conceito normativo de culpabilidade: somente a culpabilidade pode fundamentar a responsabilidade penal pessoal pela realização do tipo de injusto.30 Comparar BARATTA, Principi del diritto penal minimo. Per una teoria dei dirittfumani oggetti e limiti delia leggepenale, in Dei Delitti e delle Pene, 1991, n. 1, p. 459-464. UNIVERSIDADE FEDERAL D£ UBERLÁ&IH& P S f h l i i f t t í í/ '» 33 C a pítu lo 3 V a lid ad e d a L ei P en al O comportamento humano se realiza em determinado espaço e tempo, onde se enraízam suas condições e se projetam seus efeitos. A validade das normas jurídicas que disciplinam o comportamento humano é delimitada pelas dimensões de espaço e de tempo em que se realizam os processos sociais históricos — ou seja, a relação da norma penal com o espaço e o tempo indica o âmbito espacial e temporal de validade da lei penal.1 Nessas condições, os limites espadais e temporais de validade da lei penal são os seguintes: a) o espaço de validade da lei penal é definido pelo princípio da territorialidade, que demarca os limites geopolíticos do território de jurisdição penal do Estado — a exceção da extraterritorialidade é repre sentada pelos princípios da proteção, da personalidade e da compe tência penal universal; b) o tempo de validade da lei penal é definido pelo princípio da legalidade, que demarca os limites cronológicos de leis sucessivas do ordenamento jurídico do Estado sobre objetos iguais — a exceção é representada pela retroatividade de lei penal mais favorável. 1 Comparar KELSEN, A.tlgemeine Theorie derNormen, 1990, p. 116. 35 Teoria da Lei Penal Capítulo 3 A) Validade da lei penal no espaço A validade da lei penal no espaço é delimitada pela extensão do território do Estado, como organização jurídica do poder político soberano do povo. O Estado, pessoa jurídica de direito internacio nal, é constituído de população, território e governo,2 elementos indispensáveis para a existência do Estado; a soberania do Estado, como poder exclusivo, autônomo e com plenitude de competências legislativa, administrativa e judicial, fundamenta o poder de decidir sobre investigação de fatos e sobre punição de pessoas nos limites do próprio território, onde detém o monopólio do emprego legítimo da força.3 A jurisdição penal dos Estados pode ser ampliada pela insti tuição de formas de cooperação penal internacional sobre controle e repressão de fatos puníveis de interesse comum, como o tráfico de seres humanos, de armas, de drogas etc.4 O Código Penal brasileiro delimita o espaço de validade da lei penal segundo dois critérios fundamentais: o critério da territorialidade (art. 5o, CP) e o critério da extraterritorialidade (art. 7o, CP). I. O critério da territorialidade O critério da territorialidade — fundado no conceito de território, o elemento mais característico do Estado, existente como corporação 2 ALBUQUERQUE MELLO, Curso de direito internacionalpúblico, 2001,13a edição, p. 339. 3 ALBUQUERQUE MELLO, Curso de direito internacionalpúblico, 2001, 13a edição, p. 349; comparar REZEK, Direito intemaàonalpúblico, 2000, 8a edição, p. 153. 4 STRATENWERTH, Strafrecht, 2000, p. 61, n. 3. 36 Capítulo 3 Validade da Lei Penal territorial segundo o Direito Internacional Público5 - é a principal forma de delimitação do espaço geopolítico de validade da lei penal na área das relações entre Estados soberanos. A soberania do Estado, expressão do princípio da igualdade soberana de todos os membros da comunidade internacional (art. 2o, §1°, Carta da ONU), fundamenta o exercício de todas as competências sobre fatos puníveis realizados no território respectivo. Art. 5o, CP. Aplica-se a lei brasileira, sem prejuízo de con venções, tratados e regras de direito internacional, ao crime cometido no território nacional. 1. Conceito de território O território sobre o qual o Estado exerce sua soberania política é constituído pelas áreas (a) do solo, como extensão de terra contínua ou descontínua, com os rios, lagos e mares existentes dentro do território, (b) do subsolo, compreendendo a profundidade cônica do território em relação ao centro do Planeta, (c) do mar territorial, compreendendo 12 (doze) milhas marítimas a partir do litoral brasileiro, definido pela Lei 8.617/93, (d) da plataforma continental' medindo 200 (duzentas) milhas marítimas a partir do litoral brasileiro (ou 188 milhas, deduzidas as 12 milhas do mar territorial), como %pna econômica exclusiva, igualmente instituído pela Lei 8.617/93, que incorporou a Convenção da ONU de 1982, sobre o direito do mar, (e) do espaço aéreo correspondente ao conjunto do território, ainda regido pelas Convenções de Chicago 5 ALBUQUERQUE MELLO, Curso de direito internacionalpúblico, 2001,13a edição, p. 351. 37 Teoria da Lei Penal Capítulo 3 de 1944 e pela Convenção de Varsóvia de 1929, ambas sobre aviação civil internacional.6 2. Imunidades diplomáticas As imunidades diplomáticas têm por objeto os agentes diplomá ticos e existem sob as formas de inviolabilidades e de imunidades de jurisdição criminal, civil, administrativa e tributária perante o Estado acreditante.7 Os agentes diplomáticos são pessoas enviadas pelo Chefe de Estado para representar o seu Estado perante um governo estran geiro.8 A inviolabilidade dos agentes diplomáticos abrange a Missão Diplomática e as residências particulares dos agentes diplomáticos, compreendendo mobiliário, arquivos, correspondência, meios de transporte e de comunicação; a imunidade de jurisdição e de execução penal, civil, administrativa e tributária incide sobre o agente diplomático e sua família, os adidos militares e o pessoal técnico e administrativo, como secretárias, criptógrafos etc.9 Os cônsules são funcionários públicos de carreira (cônsules “missi”) ou honorários (cônsules “electi”), designados para o exercício 6 Ver REZEK, Direito internacionalpúblico, 2000, 8a edição, p. 153-154, 296-301, 304- 306 e 318-319; DIMOULIS. Manual de introdução ao estudo do direito, 2003, p. 221-2; FRAGOSO, Lições de direito penal (parte geral), 2003, p. 133-135, n. 103; MAYRINK DA COSTA, Direito Penal (parte geral), 2005, p. 501-504; MESTIERI, Manual de direito penal, 1999, p. 79. 7 ALBUQUERQUE MELLO, Curso de direito intemaáonalpúblico, 2001, p. 1316. 8 ALBUQUERQUE MELLO, Curso de direito intemaáonal público, 2001, p. 1309. 9 ALBUQUERQUE MELLO, Curso de direito intemaáonal público, 2001, p. 1317-1320; REZEK, Direito intemaáonal público, 2000, 8a edição, p. 161-164; DIMOULIS, Ma nual de introdução ao estudo do direito, 2003, p. 221-2. FRAGOSO, Lições de direito penal (partegeral), 2003, p. 149-154, n. 112; STRATENWERTH, Strafrecht, 2000, p. 62, 9. 38 Capítulo 3 Validade da Lei Penal de determinadas funções no exterior, com imunidades e privilégios inferiores aos dos agentes diplomáticos — por exemplo, a imunidade penal é relativa e limitada aos atos de ofício (outorga de passapor tes falsos, expedição de falsas guias de exportação etc.), podendo ser processados e punidos por outros crimes.10 O fundamento dos privilégios e imunidades diplomáticas é ainda objeto de controvérsia: a) a teoria da extraterritorialidade afirma que o espaço físico da Embaixada seria uma extensão do território do Estado acreditado — atualmente em declínio na literatura e na jurisprudência; b) a teoria do interesse da função fundamenta os privilégios e imunidades na necessidade de garantir o desempenho eficaz das funções das Missões Diplomáticas — atualmente dominante na literatura e consagrada na ju risprudência internacional.11 3. Navios e aviões públicos e privados 1. Os navios, definidos como engenhos construídos para navegar no mar,12 se classificam em públicos e privados: os navios públicos compreendem (a) os navios públicos de guerra, que pertencem à Marinha de um Estado, com os sinais exteriores dos navios de guerra e de sua nacionalidade, e (b) os navios públicos civis, que exercem serviços públicos como navios alfandegários, navios-faróis, navios de saúde e navios que transportam Chefes de Estado; os navios privados são os utilizados para fins comer 10 ALBUQUERQUE MELLO, Curso de direito internacional público, 2001, p. 1337- 1340; REZEK, Direito intemaáonalpúblico, 2000, 8a edição, p. 161-164. 11 ALBUQUERQUE MELLO, Curso de direito intemaáonal público, 2001, p. 1315-1316. 12 Convenção de Bruxelas de 1924 e Convenção de Genebra de 1924. 39 Teoria da T ei Penal Capítulo 3 ciais ou particulares.13 Os navios públicos de guerra e civis estão sob a jurisdição exclusiva do Estado de origem, com absoluta e ilimitada imunida de perante outros Estados, mesmo em mar territorial ou atracados em portos estrangeiros. Os navios privados, assim como os navios públicos destinados exclusivamente a fins comerciais, permanecem sob jurisdição do Estado de origem em águas territoriais respectivas ou em alto-mar, mas subordinam-se à lei penal de outros Estados — respeitado o direito de passagem inocente —, quando em águas territo riais ou em portos estrangeiros.14 2. As aeronaves também podem ser classificadas em públicas e pri vadas: as aeronaves públicas compreendem (a) as aeronaves públicas militares, que pertencem às Forças Armadas ou requisitadas para missões militares, e (b) as aeronaves públicas civis, que exercem serviços públicos de natureza não militar (por exemplo, serviços de fiscalização alfandegária); as aeronaves privadas ou civis são destinadas a atividades comerciais.15 As aeronaves públicas militares ou civis podem sobrevoar no espaço aéreo do território do Estado respectivo ou no espaço aéreo internacional, mas não possuem o direito de passagem inocente sobre o território de outros Estados, como ocorre com os navios — exceto mediante prévia autorização. As aeronaves privadas ou civis de tráfe go internacional possuem a nacionalidade do Estado de registro ou de matrícula e são regidas por liberdades técnicas e comerciais, assim definidas: a) as liberdades técnicas compreendem o sobrevôo do território de outros Estados, admitida a restrição de certas áreas por razões de 13 ALBUQUERQUE MELLO, Curso de direito intemaáonalpúblico, 2001, p. 1211-1212. 14 ALBUQUERQUE MELLO, Curso de direito intemaáonal público, 2001, p. 1211- 1212; REZEK, Direito intemaáonalpúblico, 2000, 8a edição, p. 295-296. 15 ALBUQUERQUE MELLO, Curso de direito intemaáonalpúblico, 2001, p. 1247. Capítulo 3 Validade da l^ei Penal segurança, e a escala técnica nas hipóteses de pouso necessário; b) as liberdades comerciais, geralmente asseguradas em tratados bilaterais, compreendem o desembarque e o embarque de passageiros e de mercadorias provenientes do ou com destino ao Estado de matrícula, podendo-se admitir o desembarque e embarque de passageiros e de mercadorias de qualquer parte e para qualquer parte do mundo.16 (Art. 5o, CP) §1°. Para os efeitospenais consideram-se como extensão do território naáonal as embarcações e aeronaves brasileiras, de natureza pública ou a serviço do governo bra sileiro onde quer que se encontrem, bem como as aeronaves e embarcações brasileiras, mercantes ou de propriedade privada, que se achem, respectivamente, no espaço aéreo correspondente ou em alto-mar. §2°. E também aplicável a lei brasileira aos crimes praticados a bordo de aeronaves ou embarcações estrangeiras de pro priedade privada, achando-se aquelas em pouso no território nacional ou em vôo no espaço aéreo correspondente, e estas em porto ou mar territorial do Brasil 4. Lugar do crime A lei penal brasileira adota a teoria da ubiqüidade para definir lugar do crime: o espaço físico em que foi realizada, no todo ou em parte, a ação ou a omissão de ação, ou em que se produziu ou deveria 16 ALBUQUERQUE MELLO, Curso de direito internacional público, 2001, p. 1247- 1251; REZEK, Direito internacionalpúblico, 2000, 8a edição, p. 317-321. 41 Teoria da T ei Penal Capítulo 3 produzir-se o resultado.17 Art. 6o, CP. Considera-se praticado o crime no lugar em que ocorreu a ação ou omissão, no todo ou em parte, bem como onde se produziu ou deveria produ^jr-se o resultado. Logo as condutas definidas como crimes em leis penais brasilei ras, realizadas no todo ou em parte no território do Estado brasileiro, ou que produzam — ou devam produzir — o resultado nesse território, são submetidas à jurisdição penal brasileira. A necessidade de definir lugar do crime se fundamenta na hipótese de ações criminosas se realizarem no espaço territorial de dois ou mais Estados, por exemplo: a ação se realiza no Brasil, mas o resultado ocorre na Argentina ou no Uruguai, ou vice-versa.18 Nessas hipóteses, a duplici dade de punição é evitada por norma expressa da lei penal brasileira: Art. 8o, CP. A pena cumprida no estrangeiro atenua a pena imposta no Brasilpelo mesmo crime, quando diversas, ou nela é computada, quando idênticas. IL Critério da extraterritorialidade O critério da extraterritorialidade compreende um conjunto de exceções à regra da territorialidade, definidas pelos princípios da proteção (ou da defesa), da personalidade (ou da nacionalidade) e da competência penal universal (òu da cooperação penal internaáonal). 17 MESTIERI, Manual de direito penal, 1999, p. 84. 18 Ver FRAGOSO. Uções de direito penal (parte geral), 2003, p. 138-140, n. 106. 42 Capítulo 3 Validade da Vei Penal 1. Princípio da proteção O princípio da proteção (òu da defesa) permite submeter à jurisdi ção penal brasileira fatos puníveis cometidos, no estrangeiro, lesivos de bens jurídicos pertencentes ao Estado brasileiro (art. 7o, I a, b, c, CP), compreendendo os crimes (a) contra a vida ou liberdade do Presidente da República, (b) contra o patrimônio ou a fé pública da União, Distrito Federal, Estados e Municípios, de empresa pública, sociedade de economia mista, autarquia ou fundação do Poder Público, (c) contra a administração pública, por autor a serviço público.19 Art. 7o, CP. Ficam sujeitos à lei brasileira, embora cometidos no estrangeiro: I — os crimes: a) contra a vida ou a liberdade do Presidente da República; b) contra o patrimônio ou a fépública da União, do Distrito Federal\ de Estado, de Território, de Município, de empresa pública, sociedade de economia mista, autarquia ou fundação instituída pelo Poder Público; c) contra a administração pública, por quem está a seu serviço; Nesses casos, a punição do agente pela lei brasileira independe de absolvição ou de condenação no estrangeiro. Art. 7o §1°, CP. Nos casos do ináso I, o agente épunido segundo a lei brasileira, ainda que absolvido ou condenado no estrangeiro. 19 ALBUQUERQUE MELLO, Curso de direito intemaáonalpúblico, 2001,13a edição, p. 951. 43 Teoria da T ei Penal Capítulo 3 2. Princípio da personalidade 1. O princípio da personalidade (ou da nacionalidade) permite submeter à lei penal brasileira os fatos puníveis praticados no estrangeiro (a) por autor brasileiro (forma ativa) ou (b) contra vítima brasileira (forma passiva).20 A personalidade ou a nacionalidade brasileira pode ser ad quirida pelo nascimento no território brasileiro, ou pela naturalização de estrangeiro, garantida a igualdade de direitos entre brasileiros natos e naturalizados, exceto para o exercício de determinados cargos e fun ções públicas, a propriedade de meios de comunicação e a extradição, reservados a brasileiros natos: a) são brasileiros natos (al) os nascidos no território brasileiro (ainda que de pais estrangeiros, se não estiverem a serviço de seu País), bem como (a2) os nascidos no estrangeiro, de pai ou mãe brasileiros a serviço do Brasil ou, na hipótese contrária, se vierem a residir no território nacional e optarem pela nacionalidade brasileira; b) são brasileiros naturalizados os que adquirem a nacionali dade brasileira mediante requerimento, preenchidas certas condições: bl) imigrantes residentes no País por 15 anos consecutivos e sem condenação penal; b2) súditos de países de língua portuguesa, com idoneidade moral e residência ininterrupta de 1 ano no Brasil; b3) demais casos, exigência de 4 anos de residência no País, idoneidade moral, boa saúde e domínio do idioma.21 2. O princípio da personalidade (ou da nacionalidade) conhece uma forma ativa e uma forma passiva, assim disciplinadas pela lei penal brasileira: 20 ALBUQUERQUE MELLO, Curso de direito internacional público, 2001, 13a edição, p. 950-951. 21 REZEK, Direito internacionalpúblico, 2000, 8a edição, p. 177-180. 44 Capítulo 3 Validade da Lei Penal a) o princípio da personalidade ativa compreende os crimes praticados por brasileiros (art. 7o, II b, CP) e os crimes de genocídio cometidos por agentes brasileiros (art.7o, I d, primeira parte, CP) em território estrangeiro. Art. 7o, CP. Vicam sujeitos à lei brasileira, embora cometidos no estrangeiro: I — os crimes: d) de genocídio, quando o agente fo r brasileiro (...); II — os crimes: b) praticados por brasileiro. b) o princípio da personalidade passiva permite aplicar a lei penal brasileira a crimes cometidos por autores estrangeiros contra vítimas brasileiras, fora do País. Art. 7o §3°, CP. A lei brasileira aplica-se também ao crime cometido por estrangeiro contra brasileiro fora do Brasil, se, reunidas as condições previstas no parágrafo anterior: a) não fo i pedida ou fo i negada a extradição; b) houve requisição do Ministro da Justiça. As condições “previstas no parágrafo anterior” são as condições objetivas de punibilidade do art. 7o §2°, CP, adiante transcrito. 3. Princípio da competência universal O princípio da competência penal universal é característico da coo peração penal internacional, porque todos os Estados da comunidade internacional podem punir todos os autores de determinados crimes, 45 Teoria da Lxi Venal Capítulo 3 segundo tratados ou convenções internacionais (art. 7o, I, d e II a e c, CP) — por exemplo, o genocídio, o tráfico de drogas, o comércio de seres humanos etc.22 Art. 7o, CP. Ficam sujeitos à lei brasileira, embora cometidos no estrangeiro: I — os crimes: d) de genocídio, quando o agentefor (...) domiciliado no Brasil II — os crimes: a) que, por tratado ou convenção, o Brasil se obrigou a re primir. c)praticados em aeronaves ou embarcações brasileiras, mercan tes ou de propriedade privada, quando em território estrangeiro e aí não sejam julgados. Nessas hipóteses, a aplicação da lei penal brasileira depende de determinadas condições objetivas de punibilidade, expressamente indicadas na lei: a) ingresso do autor no território brasileiro; b) punibilidade do fato no Brasil e no país estrangeiro respectivo; c) fato punível perten cente à categoria dos crimes extraditáveis, segundo a lei brasileira; d) ausência de absolvição ou de cumprimento de pena no estrangeiro; e) ausência de perdão no estrangeiro, ou de extinção da punibilidade, segundo a lei mais favorável. Art. 7o §2°, CP. Nos casos do inciso II, a aplicação da lei brasileira depende do concurso das seguintes condições: a) entrar o agente no território nacional; b) ser o fato punível também no país em que fo i praticado; 22 ALBUQUERQUE MELLO, Curso de direito intemaàonalpúblico, 2001,13a edição, p. 951; também MAYRINK DA COSTA, Direito Penal (partegeral), 2005, p. 509-510. 46 Capítulo 3 Validade da Lei Penal c) estar o crime incluído entre aqueles pelos quais a lei brasi leira autoriza a extradição; d) não ter sido o agente absolvido no estrangeiro ou não ter aí cumprido a pena; e) não ter sido o agente perdoado no estrangeiro ou, p or outro motivo, não estar extinta a punibilidade, segundo a lei mais favorável. III. Extradição A extradição é o processo jurídico-político pelo qual um Estado entrega o autor de fato punível a outro Estado, competente para aplicar ou para executara pena criminal respectiva, fundado em tratado bilateral ou promessa de reciprocidade, observadas determinadas condições (art. 76, da Lei 6.815/80).23 1. Condições de concessão. A concessão da extradição exige as se guintes condições cumulativas: a) competência jurisdicional do Estado requerente para aplicação e execução da pena; b) condenação a pena privadva de liberdade transitada em julgado, ou prisão autorizada por Juiz, Tribunal ou autoridade competente do Estado requerente (art. 78 ,1 e II, da Lei 6.815/80). 2. Compromissos do Estado requerente. A entrega do extraditando é condicionada aos seguintes compromissos do Estado requerente (art. 91, da Lei 6.815/80): a) não prender ou julgar o extraditando por fato diverso do pedido; b) computar o tempo de prisão no Bra 23 REZEK, Direito intemaáonalpúblico, 2000, 8a edição, p. 189. 47 Teoria da T ei Penal Capítulo 3 sil, por causa da extradição (no Brasil, o extraditando aguarda preso a decisão definitiva do Supremo Tribunal Federal sobre o pedido de extradição); c) comutar eventual pena de morte ou pena corporal em pena privativa de liberdade; d) não entregar o extraditando a outro Estado, exceto com consentimento do Brasil; e) excluir agravação da pena por motivos políticos. 3. Exclusão da extradição. A extradição, instituto jurídico-político reservado a estrangeiros, é excluída nas seguintes hipóteses (art. 77, Lei 6.815/80): a) autor brasileiro do fato punível, exceto brasileiro naturalizado, por fato anterior à aquisição da nacionalidade, ou por tráfico de drogas (neste caso, art. 5o LI, CR); b) fato atípico segundo a lei penal brasileira, ou do Estado requerente (observação: fato atípico do Estado requerente exclui a formulação do pedido de extradição); c) competência da justiça brasileira para julgar o fato objeto do pedido de extradição; d) fato punível com pena de prisão igual ou inferior a 1 ano, pela lei penal brasileira; e) existência de processo criminal, ou de anterior condenação ou absolvição criminal da justiça brasileira, pelo fato objeto do pedido de extradição; f) extinção da punibilidade por prescrição, segundo a lei mais favorável; g) crimes políticos, ou de opinião (neste caso, art. 5o, LII, CR); g) julgamento por Tribunal ou Juízo de exceção, no Estado requerente. 4. Proibição de extradição dissimulada. A legislação brasileira também exclui a extradição dissimulada, nas hipóteses em que a depor tação (art. 63, Lei 8.615/80) ou a expulsão (art. 75 ,1, Lei 8.615/80) de estrangeiro tenha o significado de extradição proibida, como ocorre nos casos em que a alternativa compulsória do estrangeiro deportado ou expulso seja o ingresso no Estado de sua nacionalidade, ou em outro Estado que concederia a extradição. 5. Um caso histórico. O cidadão britânico Ronald Biggs, condenado por roubo pela justiça inglesa, fugiu da prisão e ingressou no Brasil com o nome falso de Michael Haynes. No Brasil, preso por' ordem 48 Capítulo 3 Validade da Lei Penal do Ministro da Jusdça do Governo Mülitar em 1974 e, por ausência de tratado bilateral de extradição entre Brasil e Inglaterra, submetido a processo de deportação, impetrou habeas corpus no antigo Tribunal Federal de Recursos (HC 3.345/74, TFR), sob alegação de iminente paternidade de brasileiro e de extradição dissimulada sob a forma de deportação. O Tribunal negou o habeas corpus, mas reconheceu a possibilidade de extradição dissimulada, excluindo a deportação para a Inglaterra, ou para qualquer outro Estado de onde fosse possível extradição, com o resultado da posterior libertação de Ronald Biggs, pela óbvia impossibilidade de execução da deportação. Em 1997, após formalização de tratado bilateral de extradição entre Brasil e Inglaterra, o Supremo Tribunal Federal negou pedido de extradição do governo britânico contra Ronald Biggs (Extradição 721 /97, STF), fundado na extinção da punibilidade da pretensão executória, segundo a lei penal brasileira. B) Validade da lei penal no tempo 1. Em regra, a lei penal tem por objeto exclusivamente comportamen tos futuros, ou seja, comportamentos realizados após a entrada em vigor da lei penal; por exceção, a lei penal pode ter efeitos retroativos a fatos anteriores à sua vigência, nas hipóteses em que, de qualquer modo, a lei penal posterior é mais favorável ao réu.24 2. A validade da lei penal no tempo pode ser esclarecida por duas pergun tas: a) qual a lei penal vigente ao tempo do fato punível? b) existem leis penais posteriores mais favoráveis? 24 Comparar KELSEN, A.llgemeine Theorèe der Normen, 1990, p. 117; para mais deta lhes, ver MAYRINK DA COSTA, Direito Penal (partegeral), 2005, p. 443 s. 49 Teoria da T ei Penal Capítulo 3 Assim posta a questão, a resposta é simples: o critério geral de validade da lei penal no tempo é definido pelo princípio da legalidade, como fonte exclusiva e limite intransponível do poder de punir; o critério específico de validade da lei penal no tempo é definido pela retroativi dade da lei penal maisfavorável’ aplicável sem exceção em crimes, penas e medidas de segurança. 2.1. No Brasil, a norma fundamental do princípio da legalidade foi intro duzida na Constituição de 1824, e hoje está inscrita no art. 5o, XXXIX, da Constituição da República: Art. 5o, XXXIX - não há crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem prévia cominação legai A lei penal brasileira contém disposição idêntica, que inaugura o Código Penal: Art. Io, CP. Não há crime sem lei anterior que o defina. Não há pena sem prévia cominação legal 2.2. A norma jurídica que institui o critério específico da lei penal mais favorável' aplicável em todas as hipóteses de crimes, penas e medidas de segurança, está definida no art. 5o, XL, da Constituição da República: Art. 5o, XL - a kipenal não retroagirá, salvo para beneficiar o réu. A aplicação combinada do princípio da legalidade e do derivado constitucional da lei penal mais favorável' ligados entre si por relação de generalidade e especificidade e enunciados como garantias fundamentais na Constituição da República, permite resolver todos os casos con cretos. 50 Capítulo 3 Validade da Lei Penal I. O critério geral: princípio da legalidade O critério geral de validade, da lei penal no tempo é definido pelo princípio da legalidade, na plenitude de suas dimensões constitucionais incidentes sobre crimes, penas e medidas de segurança, definidas como (a) lexpraevia, que proíbe a retroatividade da lei penal para crimi nalizar ou penalizar fato anterior, (b) lex scripta, que proíbe o costume como fundamento de crimes ou de penas, (c) lex stricta, que proíbe a analogia como método de criminalização ou de penalização de ações humanas e (d) lex certa, que proíbe indefinições nos dpos legais e nas sanções penais, determinantes de aplicações idiossincráticas da lei penal2" (ver Princípios do Direito Penal, acima). II. O critério específico: lei penal mais benigna A proibição de retroatividade tem por objeto os crimes, as penas e as medidas de segurançafuturas, mas admite uma exceção fundamental: a retroadvidade da lei penal mais benigna, inscrita na Constituição da República e na legislação ordinária. A Constituição da República contém norma específica sobre a regra e a exceção, assim redigida: Art. 5o, XL - a lei penal não retroagirá, salvo para benefiáar o réu. 25 ROXIN, Strafrecbt, 1997, p. 98, ns. 8-11; ZAFFARONI, BATISTA, ALAGIA e SLOKAR, Direito penal brasileiro, 2003, §10, II, 1; JESCHECK/WEIGEND, Lehrbu- cb des Deutscben Strafrecbtrs, 1976, p. 131-142; GROPP, Strafrecbt, 2001, p. 45, n. 2-3. 51 Teoria da Lei Penal Capítulo 3 O Código Penal contém disposição mais detalhada sobre a retroatividade de lei penal mais favorável.' nestes termos: Art. 2o, parágrafo único. A lei posterior que, de qualquer modo favorecer o agente, aplica-se aos fatos anteriores, ainda que decididos por sentença condenatória transitada em julgado. A aplicação da lei penal mais favorável resolve conflitos de leis penais no tempo, segundo os critérios de comparação de leis diferentes ou de combinação de leis sucessivas: a) a hipótese de comparação de leis diferentes trabalha com um critério concreto, que inclui circunstâncias legais agravantes e atenuantes e causas especiais de aumento ou de diminuição de pena, mediante um método de ensaio I erro capaz de indicar o resultado mais favorável para o caso concreto, definido como lex mitior: al) pena menor; no caso de penas iguais; a2) pena menos grave, no caso de penas diferentes; a3) substitu tivos penais com pra%o menor.; ou sob condições mais favoráveis; a4) regime de execução menos rigoroso etc.26 b) a hipótese de combinação de leis sucessivas é objeto de contro vérsia: bl) posição tradicional rejeita a combinação de leis sucessivas, sob o argumento de construção de uma lextertia, proibida ao intérprete;27 b2) posição moderna admite a combinação de leis sucessivas, sob o argumento convincente de que a expressão “de qualquer modo” (art. 2o, parágrafo único, CP), não conhece exceções.28 26 ROXIN, Strafrecht, 1997, p. 122-24, ns. 62-65; ZAFFARONI, BATISTA, ALA GIA e SLOKAR, Direito penal brasileiro, 2003, §10, V, 2. 27 Nesse sentido, HUNGRIA, Comentários ao Código Penal, v. 1, p. 121; FRAGOSO, Lições de direito penal., parte geral, p. 107. 28 Assim ZAFFARONI, BATISTA, ALAGIA e SLOKAR, Direito penal brasileiro, 2003, §10, V, 2, que referem decisão do ex-Tribunal de Alçada Criminal de São Paulo (TACrimSP 50/392), com aplicação de pena de multa de uma lei e pena privativa de liberdade de outra lei, no conflito entre leis de tóxico anteriores (Lei 5.726/71 e Lei 6.368/76); também DOTTI, Curso de direito penal, 2001, p. 271. 52 Capítulo 3 Validade da Lei Penal A retroatividade da lei penal mais favorável incide sobre todas as hipóteses: leis penais em branco, leis penais temporárias ou excepcio nais, leis processuais penais, lei de execução penal e jurisprudência. 1. Leis penais em branco. As leis penais em branco são tipos legais com sanção penal determinada e preceito indeterminado, dependente de complementação por outro ato legislativo ou administrativo — como a identificação das doenças de notificação compulsória (art. 269, CP). As leis penais em branco exprimem a tendência moderna de administra- tivi%ação do Direito Penal, com transferência de poderes punitivos a funcionários do Poder Executivo, ou a modalidades inferiores de atos normativos (Decreto, Resolução etc.), com os seguintes problemas: a) primeiro, um problema político: a transferência da compe tência legislativa para definir a conduta proibida para o Poder Executivo, ou para níveis inferiores de atos legislativos, infringe o princípio da lega lidade, como afirma um setor avançado da literatura penal — afinal, o emprego instrumental do Direito Penal para realizar políticas públicas emergenciais é inconstitucional.29 b) segundo, um problema prático — porque a inconstituciona lidade da lei penal em branco não exclui sua eficácia concreta enquanto integrar a legislação penal: em cada caso é necessário definir se o complemento posterior favorável ao autor (por exemplo, a doença foi excluída do catálogo) é retroativo ao fato realizado na vigência de complemento anterior prejudicial ao autor (na época do fato, a doença constava do catálogo).j0 29 Ver ZAFFARONI, BATISTA, ALAGIA e SLOKAR, Direito penal brasileiro, 2003, §10, II, 7; igualmente, PIZZA PELUSO, Retroatividade da lei penal benéfica: a causa da diminuição de pena do art. 33, §4°, da Lei n. 11.343/06 (Lei de tóxicos), in Boletim IBCCRIM, ano 15, n. 175, junho/2007, p. 2-3. 30 A favor da retroatividade do complemento maisfavorável, CIRINO DOS SANTOS, Direito penal (a nova parte geral), 1985, p. 52; contra a retroatividade do complemento mais favorável, MESTTERI, Manual de direito penal (parte geral), 1999, p. 75. 53 Teoria da Tei Penal Capítulo 3 Atualmente, a controvérsia é decidida pela retroatividade da lei penal mais benigna, porque o complemento da lei penal em branco é elemento do tipo objetivo e, portanto, integra a lei penal, segundo a seguinte lógica: se o tipo legal não existe sem o complemento legal ou administrativo — e o Poder Legislativo, independente da inconstitucionalidade da delegação de poderes, autoriza a edição do complemento da lei penal, por outra lei ou por ato administrativo —, então o complemento é elemento do tipo de injusto e, na hipótese de complemento posterior mais favorável’ retroativo.31 2. Leis penais temporárias e excepcionais. As leis penais temporárias, editadas para vigência durante tempo determinado, e as leis penais excepcionais, editadas para vigência durante acontecimento determina do (calamidades públicas, como inundações, terremotos, epidemias etc.), estariam subtraídas da exceção de retroatividade da lei penal mais favorável, porque teriam ultratividade segundo norma específica da legislação penal: Art. 3o, CP. A lei excepcional ou temporária, embora decorrido o período de sua duração ou cessadas as circunstánáas que a de terminaram, aplica-se ao fato praticado durante sua vigênáa. Não obstante, a eficácia dessa norma específica sobre a chama da ultratividade da lei excepcional ou temporária é controvertida, como indicam as seguintes teorias: a) a teoria dominante admite a ultratividade das leis penais tem porárias ou excepcionais em prejuízo do réu, sob o argumento utilitário de que inevitáveis dilações processuais excluiriam a aplicação da lei durante o tempo ou o aconteámento determinados/2 ou sob o argumen- 51 Nesse sentido, STRATENWERTH, Strafrecht, 2000, p. 50, n. 8. j2 HUNGRIA/FRAGOSO, Comentários ao Código Penal, 1977, vol. 1, p. 139, n. 30; MAYRINK DA COSTA, Direito Penal (partegeral), 2005, p. 457-459. 54 Capítulo 3 Validade da Lei Penal to técnico de que o tempo ou o acontecimento integrariam o dpo legal,33 excluindo, em ambas hipóteses, a retroatividade da lei penal mais favorável; b) respeitável teoria minoritária rejeita o atributo de ultrativida- de das leis penais temporárias ou excepcionais em prejuízo do réu, sob o argumento sistemádco convincente da natureza incondicional da exceção constitucional de retroatividade da lei penal maisfavorável (art. 5o, XL), com a invalidação do art. 3o, do Código Penal, que não teria sido recepcionado pela Constituição da República de 1988.34 3. Leis processuais penais. A submissão das leis processuais penais ao princípio constitucional da proibição de retroatividade da lei penal em prejuízo do réu, também é controvertida: a) a teoria dominante exclui as leis processuais penais da proibição de retroatividade em prejuízo do réu, porque seriam regidas pelo prin cípio tempus regit actum, com aplicação da lei vigente no momento do ato processual respectivo, e não da lei processual vigente ao tempo do fato punível objeto do processo penal;35 b) a teoria minoritária subordina as leis processuais penais à proi bição de retroatividade em prejuízo do réu, sob o argumento de que o princípio constitucional da leipenal maisfavorável condiciona a legalidade processual penal, sob dois pontos de vista: bl) primeiro, o primado do direito penal substanáal determina a extensão das garantias do princípio da legalidade ao subsistema de imputação (assim como aos subsistemas de indiciamento e de execução penal), porque a coerção processual é a própria realização da coação punitiva;36 b2) segundo, o gênero leipenal abrange as espécies lei penal material e lei penal processual., regidas pelo mesmo 33 MESTIERI, Manual de direito penal’ 1999, p.74. 34 Nesse sentido, ZAFFARONI, BATISTA, ALAGIA e SLOKAR, Direito penal brasi leiro, 2003, §10, V, 5; também LUISI, Os princípios constitucionais penais, 1991, p. 23. 35 Por todos, MARQUES, Elementos de direito processual penal, 1961, v. I, p. 48. 36 BARATTA, Principi del diritto penal minimo. Per una teoria dei diritti umani come oggetti e limiti delia leggepenale, in Dei Delitti e delle Pene, 1991, n. 1, p. 450. 55 Teoria da JLei Venal Capítulo 3 princípio fundamental.37 4. Lei de execução penal. A lei de execução penal (Lei 7.210/84) também está submedda ao princípio constitucional da lei penal mais favorável— ou da proibição de retroatividade em prejuízo do réu, apesar de controvérsia insustentável: a) o argumento de que a ressociali^ação do condenado prevalece sobre o princípio constitucional da lei penal mais favorável é morali- zador, repressivo e anti-científico: ninguém pode ser ressocializado segundo critérios morais alheios, a prevenção especial negativa (re pressão neutralizadora) é incompatível com a prevenção especial positiva (execução ressocializadora) e, por último, a história do sistema penal indica o fracasso irreversível do projeto técnico- corretivo da prisão; b) ao contrário, leis de execução penal são leis penais em sentido estrito, porque a execução da pena, como objetivo concreto da cominação e da aplicação da pena, é o centro nuclear do princípio da legalidade e seus incondicionais derivados constitucionais, como a aplicação retroativa da lei penal maisfavorável aos fatos anteriores “ainda que decididos por sen tença condenatória transitada emjulgado” (art. 2o, parágrafo único, CP);38 c) finalmente, o primado do direito penal substancial estende as ga rantias do princípio da legalidade ao subsistema de execução penal’ com a limitação dos poderes discricionários da prisão.39 5. Jurisprudência. A literatura penal admite a extensão do princípio da legalidade e seus derivados constitucionais à Jurisprudênáa dos Tribunais, 37 ZAFFARONI, BATISTA, ALAGIA e SLOKAR, Direito penal brasileiro, 2003, §10, V, 8. 38 ZAFFARONI, BATISTA, ALAGIA e SLOKAR, Direito penal brasikiro, 2003, §10, V, 9. 39 BARATTA, Principi del diritto penal minimo. Per una teoria dei diritti umani come oggetti e limiti delia kggepenale, in Dei Delitti e delle Pene, 1991, n. 1, p. 450. 56 Capítulo 3 Validade da L ei Penal embora a opinião majoritária rejeite essa extensão.40 A teoria majoritária rejeita subordinar a Jurisprudência ao princí pio da proibição de retroatividade em prejuízo do autor., sob o argumento de que a lei penal somente agora seria corretamente conhecida — mas admite a possibilidade de erro de proibição inevitável fundado na confiança do cidadão na Jurisprudência anterior.41 Segundo a teoria minoritária, a aplicação da lei penal não é produto asséptico de regras lógicas de subsunção, mas atividade cria dora de construção da realidade social por juízos atributivos fundados em regras legais (tipos de injusto e normas processuais) e meta-regras (estereótipos e outros mecanismos inconscientes do psiquismo do intérprete), capazes de transformar o cidadão em criminoso, com estigmatização social, mudança de status e formação de carreiras criminosas definitivas.42 A mudança de jurisprudência em prejuízo do réu — a inversão de posição absolutória para posição condenatória, por exemplo — representa lesão do princípio da confiança nas manifestações dos Tribunais (porque a Jurisprudência é a lei do caso concreto), com conseqüências para a vida real de seres humanos de carne e osso, equivalentes à retroatividade da lei penal em prejuízo do réu, proibida pela Constituição da República. Afinal, manifestações do Poder Judi ciário não são indiferentes ao homem do povo e, portanto, a proibição de retroatividade inclui mudanças de jurisprudência firme em prejuízo do autor, sob o argumento de que a confiança na jurisprudência eqüivale 4" Ver STRATENWERTH, Strafrecbt, 2001, 4a edição, p. 58-59, ns. 28-31; também ZAFFARONI, BATISTA, ALAGIA e SLOKAR, Direito penal brasileiro, 2003, §10, VII, 2-3. 41 ROXIN, Strafrecbt, 1997, p. 122, n. 61; STRATENWERTH, Strafrecbt, 2001, 4a edição, p. 58, n. 30; também ZAFFARONI, BATISTA, ALAGIA e SLOKAR, Direito penal brasileiro, 2003, §10, VII, 2-3. 42 BARATTA, Criminologia crítica e crítica do direito penal, 2000, p. 104-106; ALBRE- CHT, Kríminologie, 1999, p. 41-43. 57 Teoria da T ei Penai Capítulo 3 à confiança na leP - por essa razão, a alternadva da exculpação por erro de proibição inevitável — admidda pela teoria majoritária — deve perma necer como ratio subsidiária, somente aplicável na ausência de lesão da proibição de retroatividade penal em prejuízo do réu, por mudança de Jurisprudência absolutória para condenatória.44 43 Nesse sentido, MAURACH/ZIPF, Strafrecht, 1,1992, 8a edição, 12, II n. 8, p. 159: “Mas existem casos de firmejurisprudênàa superior, que tem função equivalente ou complemen tar da lei (...); porque, em tais casos, a unitáriajurisprudênàa superior preenche a mesma função de orientação da lei, também aqui a proibição de retroatividade precisa ter lugar. ” 44 Incisivo e esclarecedor, ZAFFARONI, BATISTA, ALAGIA e SLOKAR, Direito penal brasileiro, 2003, §10, VII, 2-3. 58 C a pítu lo 4 In te r pr e t a çã o d a L ei P e n al A interpretação de normas jurídicas é um exercício de lógica como método de pensamento, cuja natureza geral (lógica formal), ou específica (lógica jurídica) é objeto de controvérsia na literatura: a) um setor da literatura afirma a existência de uma lógica jurídica específica empregada no raciocínio jurídico e prático, em geral, diferente da lógica empregada na matemática ou na filosofia, por exemplo;1 b) outro setor da literatura nega a existência de lógicas especiais (lógica matemática, filosófica, jurídica etc.), mas reconhece aplicações parti culares das regras gerais da lógica formal: assim a lógica jurídica seria uma aplicação especial da lógica formal.' utilizada pelo operador do direito para construção de raciocínios jurídicos.2 A norma penal deve ser examinada de quatro diferentes pontos de vista, capazes de esclarecer as seguintes questões: a) o signifi cado de norma jurídica; b) as técnicas de interpretação da norma penal; c) o silogismo de aplicação da norma jurídica; d) as fontes da norma penal. I. O significado de norma jurídica A etimologia da palavra norma explica sua função de unidade ele 1 PERELMAN, Logique formelle, logiquejuridique, 1969, p. 230. 2 KELSEN, Allgemeine Tbeorie derNormen, 1990, p. 216 e 220. 59 Teoria da "Lei Penal Capítulo 4 mentar do Direito: em ladm, a palavra norma significa esquadro — assim como a palavra regra (em latim, regula) significa medida—, significados que exprimem a natureza do conceito de norma (ou de regra) jurídica no Direito moderno.3 Aqui, é indispensável uma distinção fundamental: a norma jurídica não descreve realidades do ser, como propriedades físicas descritas pelas ciências da natureza, ou como tendências sociais descritas pela sociologia, por exemplo; ao contrário, a norma jurídica prescreve im perativos do dever ser, definíveis sob a forma de proibições, de mandados e de permissões de ações dirigidas aos seres humanos. Por isso, pode-se dizer que as proibições, mandados e permissões de ações prescritas pelas normas jurídicas pressupõem o poder dos seres humanos de configurar o futuro, segundo finalidades ou objetivos individuais ou co letivos.4 Logo, como indica fCELSEN, a norma jurídica diríge-se a um ser humano, prescrevendo como devidas determinadas condutas.5 II. A. interpretação da norma penal A interpretação da norma penal — ou da norma jurídica, em geral — designa o processo intelectual de determinação do significado da lei penal. Como a lei penal existe sob a forma de linguagem escrita, a interpretação da lei penal tem por objeto a linguagem que exprime a lei, abordada sob três pontos de vista: semântico, sintático e pragmático. A linguagem é um instrumento de comunicação constituído de 3 DIMOULIS, Manual de introdução ao estudo do direito, 2003, p. 60-61. 4 Ver WELZEL, Das Deutsche Strafrecht, 11a edição, 1969, §8, II, p. 37; também EBERT, Strafrecht, 1994, p. 22-23. 5 KELSEN, Algemeine Tbeorie derNormen, 1979, p. 7. 60 Capítulo 4 Interpretação da Lei Penal signos, representados por palavras ou gestos, portadores de conteúdos cujo sentido é comunicado através do discurso, que exprime o con junto de signos da linguagem no processo de comunicação social. A abordagem semântica da linguagem jurídica tem por finalidade de terminar o significado isolado das palavras da lei; a abordagem sintática da linguagem jurídica tem por finalidade determinar o significado conjunto das palavras correlacionadas da lei; a abordagem pragmática da linguagem jurídica tem por finalidade esclarecer a adequação prática das palavras empregadas na lei.6 1. Técnicas de interpretação A abordagem semântica, sintática e pragmádca da linguagem jurídica não evita problemas de ambigüidades — também chamadas po- lissemias — nas palavras da lei, sendo necessário o emprego de técnicas especíjicas de interpretação da lei, conhecidas como (a) interpretação literal’ (b) interpretação sistemática, (c) interpretação histórica e (d) inter pretação teleológica da lei, para eliminar ou reduzir esses problemas. A interpretação literalé uma aplicação especial da abordagem semânti ca, cujo objetivo é esclarecer o significado das palavras da lei, que podem ser empregadas em sentido comum ou em sentido técnico na norma jurídica; a interpretação sistemática tem por objetivo esclarecer o significado da norma isolada no contexto do sistema de normas respectivo, que estrutura os conceitos e os institutos jurídicos; a interpretação histórica tem por objetivo esclarecer a intenção do legislador n o processo de criação da norma jurídica, mediante análise dos debates parlamentares, dos anteprojetos de lei e das exposições 6 Ver DIMOULIS, Manual de introdução ao estudo do direito., 2003, p. 149-150; FRAGO SO, Uções de direito penal (parte geral), 2003,16a edição, p. 100-103. 61 Teoria da T ei Penal Capítulo 4 de motivos que caracterizam o processo legislativo; a interpretação teleológica tem por objetivo esclarecer a finalidade social da lei, como realização de proibições, mandados e permissões prescritas pelo legislador.7 2. Sujeitos da interpretação A interpretação da norma jurídica pode ser realizada pelo Po der Legislativo, pelo Poder Judiciário e por especialistas do Direito (ou Juristas), originando três segmentos principais de interpretação segundo o sujeito respectivo: interpretação autêntica, interpretação judicial e interpretação áentífica do Direito.8 A interpretação autêntica é produzida pelo legislador em dois momentos principais: a) a interpretação autêntica contextual' como definições de conceitos empregados na lei, aparece no próprio texto da lei — por exemplo, o conceito de causa definido no art. 13, CP; b) a interpretação autêntica paralela, como esclarecimento dos motivos e indicação dos propósitos do legislador, aparece nas Exposições de Motivos que acompanham as leis penais mais importantes — por exemplo, a Exposição de Motivos do Código Penal. A interpretação jud iáa l é produzida pelo Poder Judiciário nos processos criminais, civis e outros submetidos à sua competência ju- risdicional, em que aparecem os sentidos ou tendências das decisões dos Tribunais em casos concretos, sob a forma de Jurisprudência crimi nal, civil etc, definíveis como decisões isoladas, como jurisprudência 7 DIMOULIS, Manual de introdução ao estudo do direito, 2003, p. 159-170. Comparar MAYRINK DA COSTA, Direito Penal (partegeral), 2005, p. 425-428. 8 Comparar MAYRINK DA COSTA, Direito Penal (parte geral), 2005, p. 424. 62 Capítulo 4 Interpretação da Lei Venal dominante, como súmulas da jurisprudência dominante e, atualmente, também como súmulas vinculantes do Supremo Tribunal Federal. A interpretação científica é produzida pelos especialistas da ciência jurídica penal, civil etc., representados por autores de livros, artigos, conferências e aulas de Direito Penal, de Direito Civil etc., que definem ou desenvolvem categorias científicas necessárias ou úteis para conhe cer e aplicar as normas e institutos jurídicos em casos concretos. 3. Resultados da interpretação A aplicação das técnicas de interpretação para esclarecer o senddo da lei produz resultados (a) declarativos, (b) extensivos ou (c) restriti vos do significado da lei, assim explicados: a) resultados declarativos definem liipóteses de significado normal da linguagem da lei, no sentido de que lex dixit quam voluit (a lei disse o que queria dizer); b) resultados extensivos definem hipóteses de ampliação do significado da linguagem da lei, no sentido de que lex dixit minus quam voluit (a lei disse menos do que queria dizer) — interpretação proibida pelo princípio da legalidade em matéria de crimes e de penas; c) resultados restritivos definem lúpóteses de redução do significado da linguagem da lei, no sentido de que lex dixitplus quam voluit (a lei disse mais do que queria dizer).9 9 DIMOULIS, Manual de introdução ao estudo do direito, 2003, p. 168-170; FRAGOSO, Lições de direito pena l (parte geral), 2003, 16a edição, p. 104. 63 Teoria da T ei Penal l Capítulo 4 4. Analogia e interpretação 1. O conceito de analogia deve ser definido em comparação com o conceito de interpretação da lei penal, para diferenciar entre interpretação admissível e analogia proibida da lei penal.10 A moderna teoria da lei penal afirma a igualdade lógica entre a estrutura da interpretação e a estrutura da analogia jurídica: a interpretação consiste em idendficar grupos de casos regulados e não regulados pela lei penal — portanto, atua pela comparação de grupos de casos; a analogia consiste em aplicar a lei penal a grupos de casos não previstos, mas semelhantes aos casos previstos na lei penal — assim, também a analogia atua pela comparação de grupos de casos, como método de pensamento comparativo necessário ao trabalho jurídico.11 Mas essa igualdade lógica não permite confundir os conceitos de interpretação e de analogia da lei penal, como se demonstra. 2. O limite da interpretação da lei penal é determinado pelo significado das palavras empregadas na linguagem da lei penal, que não indicam quantidades expressas em números, medidas ou pesos, mas valores cujos sentidos devem ser determinados pelo intérprete: por um lado, o legis lador define normas penais utilizando palavras para construir a lei penal; por outro lado, o juiz decide casos concretos fundado no significado das palavras empregadas pelo legislador para definir a lei penal. Como indicado, as técnicas empregadas pelo intérprete para determinar o significado dos valores da lei penal (literal, sistemática, histórica e teleológica) pesquisam o significado das palavras da lei penal, a função da norma isolada no sistema de normas penais, as 10 Assim ROXIN, Strafrecbt, 1997, p. 104-5, n. 26. 11 Ver HAFT, Strafrecbt, 1994, 6a edição, p. 49; STRATENWERTH, Stafrecht, 2000,' p. 58-59, n. 31; ZAFFARONI, BATISTA, ALAGIA e SLOKAR, Direito penal brasileiro, 2003, §10, III, 4-6. 64 Capítulo 4 Interpretação da Lxi Penal representações do legislador no processo legislativo de criação da lei penal e a finalidade social da lei penal.12 3. A igualdade lógica entre interpretação e analogia da lei penal coloca a questão central dos limites da interpretação permitida e da analogia proibida em Direito Penal, o que pressupõe a delimitação do objeto da interpretação e da analogia. A delimitação do objeto da interpretação da lei penal é disputada por duas teorias: a) a primeira, propõe o critério do sentido da lei penal como objeto da interpretação: o que está conforme o sentido da lei penal, é permitido; o que discrepa do sentido da lei penal, é proibido13 — um critério problemático pela subjetividade do sentido atribuído à lei penal; b) a segunda, propõe a literalidade da lei como objeto de interpretação: o que é compatível com a literalidade da lei penal, constitui interpretação permitida', o que é incompatível com a literalidade da lei penal, constitui analogia proibidalA — um critério adequado aos princípios do Estado Democrático de Direito, porque as palavras possuem significados objetivos responsáveis pela comunicação social. Por outro lado, a teoria da literalidade como objeto de interpretação também resolve o dilema entre interpretação restritiva e interpretação extensiva da lei penal: o princípio da legalidade proíbe qualquer interpretação extensiva da lei penal, resolvendo todos os casos de dúvida conforme a interpretação restritiva da lei penal — aliás, a única compatível com o princípio in dubio pro reo, hoje de aplicação universal no Direito Penal.15 12 Ver DIMOULIS, Introdução ao estudo do direito, 2003, p. 159-170; também ROXIN, Strafrecht, 1997, p. 105-6, n. 28. 13 STRATENWERTH, Stafrecht, 2000, p. 59, n. 31; JAKOBS, Strafrecht, 1993, 4/37; SCHMIDHÀUSER, Lebrbuch, 1975, 2a edição, 2/4. 14 JESCHECK/WEIGEND, Lehrbuch des Strafrechts, 1996, p. 159; ROXIN, Strafrecht, , 1997, §5, n. 28. 15 Assim, ZAFFARONI, BATISTA, ALAGIA e SLOKAR, Direito pena l brasileiro, 2003, §10, III, 8. 65 Teoria da L ei Penal Capítulo 4 4. A analogia como argumento a simile significa a aplicação da lei penal a fatos diferentes dos previstos, mas semelhantes aos previstos.16 Nesse sentido, a analogia constitui um juí^o de probabilidade próprio da psicologia individual, que não pertence nem à lógica clássica/dedu tiva, nem à lógica moderna/indutiva.17 Ao contrário, a analogia como argumento a maiori ad minus significa que a norma jurídica válida para uma classe geral de fatos é igualmente válida para fatos especiais da mesma categoria. Aqui, a teoria da igualdade lógica entre interpretação e analogia da lei penal mostra que o problema da analogia (assim como da interpretação) reside no significado da analogia (ou da interpretação) para o caso concreto: se o significado concreto representar prejuízo para o réu, constitui analogia (ou interpretação) proibida; se o signi ficado concreto representar benefício para o réu, constitui analogia (ou interpretação) permitida. Essa teoria remonta à distinção de MAYER,18 hoje generali zada na literatura penal, que definiu as bases da analogia proibida e da analogia permitida em Direito Penal: a) a analogia in malampartem — compreensiva da analogia praepter legem e da analogia contra legem —, é absolutamente proibida pelo Direito Penal: a subsunção de ações ou de omissão de ações nos tipos legais e a aplicação ou agravação de sanções penais em casos concretos excluem a analogia em todas as liipóteses; b) a analogia in bonam partem — a chamada analogia intra legem—é perm itida pelo princípio da legalidade, sem nenhuma restrição: nas justificações de ações típicas, nas exculpações de ações típicas e antijurídicas e em qualquer outra hipótese de extinção ou de redução 16 KELSEN, Allgemeine Theorie derNormen, 1990, p. 217. 17 CARNAP, On inductive logic, in Philosophy o f Science, 1945, vol. XII, p. 72, apud KEL SEN, AJlgemeine Theorie der Normen, 1990, p. 218. 18 MAYER, Der allgemeine Teil des deutschen Strafrechts, 1915, p. 27. 66 Capítulo 4 Interpretação da L ei Penal da punibilidade do comportamento humano.19 5. Não obstante — e como se sabe —, a analogia é necessária para o funcionamento do ordenamento jurídico de determinados Estados nacionais — assim como para a aplicação de alguns ramos do próprio ordenamento jurídico brasileiro: a) nos países anglo-saxônicos, as decisões dos Tribunais em processos criminais são fundadas em analogias construídas com base nos precedentes legais: o sistema do case law, vigente na Inglaterra e nos Estados Unidos, por exemplo;20 b) no ordenamento jurídico brasileiro, a analogia é expressamente admitida no Direito Civil, para solução de casos não disciplinados em lei. III. O silogismo como lógica de subsunção jurídica 1. A subsunção jurídica é regida pelo silogismo, procedimento lógico pelo qual a conclusão é verdadeira se a premissa maior (norma) e a premissa menor (conduta) são demonstráveis.21 Ou, dito de outro modo: se as premissas são verdadeiras e se a conclusão está implícita nas premissas, então a conclusão é verdadeira.22 Ou, ainda de outro modo: o silogismo é uma seqüência de declarações em que a verdade do conteúdo da conclusão é extraída da verdade do conteúdo das premissas.23 19 JESCHECK/WEIGEND, Lehrbuch des Strafrechts, 1996, §15, III, n. 2 d, p. 136; MAURACH/ZIPF, Strafrecht, 1992, p. 127-128, ns. 21-22; ROXIN, Strafrecbt, 1997, p. 112-114, ns. .40-44; ZAFFARONI, BATISTA, ALAGIA e SLOKAR, Direito pena l brasileiro, 2003, §10, III, 4-6. 20 STRATENWERTH, Strafrecbt, 2000, p. 58-59, n. 31. 21 Ver HAT.DER, Philosophisches Wórterbuch, 2000, p. 280. 22 Assm, SUSAN STEBBING, A. modem elementaiy logic, 1957, p. 159. 23 KELSEN, A.llgemeine Theorie derNormen, 1990, p. 181-182. 67 Teoria da jLei Penal Capítulo 4 1.1. Exemplo de silogismo clássico: a) todos os homens são mortais (pre missa maior); b) Sócrates é um homem (premissa menor); c) Sócrates é mortal (conclusão). 1.2. Exemplo de silogismo jurídico: a) homicídios são punidos com pena de reclusão de 6 a 20 anos (premissa maior); b) Ypraticou homicídio contra X (premissa menor); c) a pena de reclusão de 6 a 20 anos é aplicável contra Y (conclusão). A lógica do silogismo, como lógica da subsunção jurídica, está presente em toda decisão judicial. 2. Porém, não é difícil perceber que a lógica de subsunção jurídica do silogismo pode apresentar problemas relacionados com a subjetividade do julgador, produzidos por duas espécies de erros, incidentes sobre objetos diferentes: a) o erro de interpretação das normas jurídicas; b) o erro de análise da prova processual. O erro de interpretação da norma jurídica pode ser explicado por falhas ou defeitos de co nhecimento científico do Direito; mas o erro de análise da prova — também definido como silogismo regressivo24 — é conhecido em criminologia como meta-regras (ou basic rules, segundo a fenomenolo- gia), produzido por mecanismos psíquicos inconsáentes que determinam o significado concreto da decisão judicial: preconceitos, estereótipos, traumas e outras idiossincrasias originárias da experiência pessoal do julgador, desencadeados por indicadores sociais negativos de pobreza, desemprego, marginalização, moradia em favelas etc., constituiriam as determinações emocionais decisivas do processo de criminalização25 — e não a dogmática jurídica, como critério de racionalidade. 24 Assim, BERGEL, Methodologie juridique, 2001, p 147, apud DIMOULIS, Manual de Introdução ao estudo do direito, 2003. p. 93. 25 Ver SACK, Neue Perspektiven in Kriminologie. In Krim inalsoziologie, organizado por R. Konig e F. Sack, 1968, p. 469; também, CIRINO DOS SANTOS, Teoria da pena , 2005, p. 27-28. 68 Capítuh 4 Interpretação da L ei Penal IV. Fontes da norma pena l O Direito, em geral, possui fontes materiais e fontes formais. A definição das fontes materiais do Direito depende de pressupostos ideológicos ou políticos de abordagem do fenômeno jurídico, mas é possível classificar as definições em dois grupos: a) as teorias consensu ais definem os interesses, necessidades ou valores gerais da sociedade como fontes materiais do Direito; b) as teorias conflituais definem os interesses, necessidades e valores de classes sociais detentoras do poder do Estado como fontes materiais do Direito.26 As fontes formais do Direito, em geral, também podem ser classificadas em dois grupos: as fontes escritas e as fontes nao-escritas do Direito. As fontes escritas compreendem a lei, a jurisprudênàa e a doutrina; as fontes não escritas compreendem os costumes, os princípios gerais do direito e o poder negociai entre cidadãos.27 Mas o Direito Penal possui uma única e exclusiva fonte: a lei penal, nas dimensões características do princípio da legalidade, como lex scripta, lex praevia, lex stricta e lex certa (ver Validade da lei penal no tempo, acima). 26 Ver SABADELL, Manual de sociologiajurídica (introdução a uma kitura externa do Direito), 2002, p. 67-69; também DIMOULIS, Manual de Introdução ao estudo do direito, 2003, p. 184. 27 Assim, DIMOULIS, Manual de Introdução ao estudo do direito, 2003, p. 184-211. i í í ( S e g u n d a P arte T e o r ia d o F a t o P u n ív e l C apítu lo 5 F a t o P u n í v e l I. Definições de crime A teoria do fa to punível é o segmento principal da dogmática penal.’ o sistema de conceitos construído para descrever o ser do Direito Penal, esse setor do ordenamento jurídico que institui a política cri minal — rectius, política penal — do Estado, como programa oficial de retribuição e de prevenção do crime. Nesse sentido, parece não haver contradição entre dogmática penal e política criminal.\ que se comportam como as faces de uma só e mesma moeda, integradas numa relação de recíproca complementação: (a dogmática penal é a sistematização de conceitos extraídos de um programa de política criminal formalizado em lei, e todo programa legislado de política criminal depende de uma dogmática específica para racionalizar e disciplinar sua aplicação Uma teoria do fato punível deve começar pela definição de seu objeto de estudo, o conceito de fato punível. As definições de um conceito podem ter natureza real.’ material.\ form al ou operacional' conforme mostrem a origem, os efeitos, a natureza ou os caracteres constitutivos da realidade conceituada.2 Assim, definições reais expli 1 Comparar ROXIN, Strafrecht, 1997, §7, I, n. 1, p. 145 e V, ns. 69-70, p. 174-175; também, GIMBERNAT ORDEIG, Hat die Strafrechtsdogmatik eine Xukunftl, ZStW 82 (1970), p. 405 s. 2 Ver SCHWENDIN GER, Defensores da ordem ou guardiães dos direitos humanos? In Crimino logia crítica, de Ian Taylor, Paul Walton e Jock Young (editores), 1980, p. 144, (tradução de Juarez Cirino dos Santos e Sérgio Tancredo). 73 Teoria do Fato Punível Capítulo 5 cariam a gênese do fato punível, importantes para delimitar o objeto de estudo da criminologia; definições materiais indicariam a gravidade do dano social produzido pelo fato punível, como lesões de bens jurídicos capazes de orientar a formulação de políticas criminais; de finições formais revelariam a essência do fato punível, como violação da norma legal ameaçada com pena; enfim, definições operacionais identificariam os elementos constitutivos do fato punível, necessários como método analítico para determinar a existência concreta de ações criminosas! Este livro trabalha com uma definição operacional de fato punível — também denominada definição analítica de crime -[capaz de indicar os pressupostos de punibilidade das ações descritas na lei penal como crimes, de funcionar como critério de raáonalidade da jurispru dência criminal e de contribuir para a segurança jurídica do cidadão no Estado Democrático de Direito.j' A dogmática penal contemporânea coincide na admissão de duas categorias elementares do fato punível: o tipo de injusto e a culpabilidade.4 Essas categorias elementares concentram todos os elementos da de finição analítica de fato punível, mas a operacionalização da definição analítica requer o desdobramento daquelas categorias gerais nas catego rias mais simples que as constituem: a) o conceito de tipo de injusto é constituído pelos conceitos de ação, de tipicidade e de antijuridicidade; b) o conceito de culpabilidade é constituído pelos conceitos de capacidade penal' de conhedmento da antijuridicidade (real ou potencial) e de exigibi lidade de comportamento diverso (ou normalidade das circunstâncias da ação).5 3 JESCHECK/WEIGEND, Lehrbuch des Strafrechts, 1996, §21,12, p. 195. No Brasil, ver FRAGOSO, Lições de Direito Penal’ 1985, n. 119, p. 146-147. 4 Assim, por exemplo, JESCHECK/WEIGEND, Lehrbuch des Strafrechts, 1996, §39,1 1, p. 425; OT1O, Grundkurs Strafrecbt, 1996, §5, III 1, n. 23, p. 46. 5 Ver JESCHECK/WEIGEND, Lehrbuch des Strafrechts, 1996, §39,1, p. 194-195; ROXIN, Strafrecht, 1997, §7, n. 7-8, p. 148; WESSELS/BEUKE, Strafrecht, 1998, n. 83, p. 22. No Brasil, FRAGOSO, Lições de Direito Penal.’ 1985, n. 122, p. 148-151; MESTIERI, Manual de Direito Penal I, 1999, p. 105. 74 Capítulo 5 Fato Punível Existe evidente consenso sobre a natureza das categorias gerais do fato punível, bem como sobre as categorias mais simples resultantes de sua decomposição analítica, mas existe um ponto de discordância radical situado na área do tipo de injusto, responsável pela existência diferenciada dos sistemas bipartido e tripartido de fato punível: a relação entre os conceitos de tipo legal e de antijuridicidade. II. Os sistemas de fa to punível 1. O sistema bipartido de fato punível afirma a unidade conceituai de tipicidade e antijuridicidade, como elementos integrantes do tipo de injusto, que admitem operacionalização analítica separada, mas não constituem categorias estruturais diferentes do fato punível.6ÍO tipo legal é a descrição da lesão de bensjurídicos e a antijuridicidade é um juí^o de valoração do comportamento descrito no tipo legal, formando o conceito de tipo de i^kfto.^jNesse sentido, também a teoria dos elementos negativos do tipo:9, tipo legal e antijuridicidade são, respectivamente, as dimensões de descrição e de valoração do conceito de tipo geral de injusto e, na verdade, as causas de justificação estariam separadas dos tipos legais apQ«as por motivos técnicos, porque todo tipo de injusto deveria ser lido assim: matar alguém, exceto em legítima defesa, em estado de neces sidade etc\A inclusão das causas de justificação no tipo legal transforma os preceitos permissivos em características negativas Ao tipo de injusto, enquanto o tipo legal descreve as características positivas do tipo de 6 Ver OTTO, Grundkurs Strafrecht, 1996, §5°, n. 28, p: 47. 7 OTTO, Grundkurs Strafrecht, 1996, §5°, n. 24, p. 46. 8 Concepção originária de ADOLF MERKEL, Lehrbuch des deutschen Strafrechts, 1889, p. 82. 75 Teoria do Fato Punível Capítulo 5 injusto^um homicídio em legítima defesa seria uma ação atípica — e não uma ação típica justificada. Assimj^a teoria dos elementos negativos do tipo fundamenta um sistema de fato punível com duas categorias principais: o tipo de injusto (constituído de tipo legal.\ como fundamento positivo, e de ausência de justificação, como fundamento negativo do conceito) e a culpabilidade^ O sistema bipartido de fato punível tem partidários de prestígio na dogmática moderna,10 e parece lógico, porque, freqüentemente, o tipo legal exige elementos da antijuridicidade, cuja ausência exclui o próprio tipo (por exemplo, o caráter injusto do mal, na ameaça) e, além disso, existem tipos legais que não admitem causas de justificação (por exemplo, o estupro e o atentado violento ao pudor), nos quais tipicidade e antijuridicidade se confundem.11 2. O sistema tripartido de fato punível também admite os conceitos de tipo de injusto e de culpabilidade como categorias elementares do fato punível, mas afirma a autonomia do conceito da tipicidade em relação à antijuridicidade no âmbito do tipo de injusto, sob o argumento de que tipicidade e antijuridicidade não se esgotam na tarefa de constituir o tipo de injusto, mas realizam funções político-criminais independentes: o tipo legal descreve ações proibidas sob ameaça de pena e, portanto, realiza o princípio da legalidade; a antijuridicidade define preceitos permissivos que excluem a contradição da ação típica com o orde namento jurídico — mas a permissão concreta de realizar proibições 9 ROXIN, Strafrecht, 1997, §10, n. 14, p. 231. No Brasil, ver TAVARES, Teoria do injusto penal, 2000, p. 165 s. 10 ENGISCH, Tatbestandsirrtum und Verbotsirrtum bei Rechtfertigungsgründen, ZStW 70,1958, p. 56; ARTHUR KAUFMANN, Tatbestand, Rechtfertigungsgründe und Irrtum,\L 1956, p. 353 e 393; OTTO, Grundkurs Strafrecht, 1996, §5, n. 23 s., p. 46 s.; SCHÜNEMANN, Einjuhrungin das Strafrechtliche Sjstemdenken, 1994; HERZBERG, E rlaubnistatbestandsirrtum und Deliktsaufbau, J A 1989, p. 243 s. No Brasil, MACHADO, Direito criminal:parte geral, 1987, p. 119; REALE JR., Instituições de direito penal (partegeral), 2002, p. 139-140. 11 HERZBERG, Erlaubnistatbestandsirrtum und Deliktsaujbau, JA 1989, p. 245. 76 Capítulo 5 Fato Punível abstratas do tipo legal não autoriza identificar ações atípicas com ações típicas justificadas, como ocorre no sistema bipartido: matar alguém em legítima defesa não parece o mesmo que matar um inseto.12 A validade do conceito de tipo de injusto, como unidade superior compreensiva do tipo legal e da antijuridicidade, não permite nivelar diferenças entre comportamentos justificados, que devem ser suportados, e compor tamentos atípicos, que podem variar desde ações insignificantes até ações antijurídicas.13 O sistema tripartido de fato punível, dominante na dogmática contemporânea,14 define crime como ação típica, antijurídica e culpável.' um conceito formado por um substantivo qualificado pelos atributos da adequação ao modelo legal, da contradição aos preceitos proibitivos e permissivos e da reprovação de culpabilidade. Na linha do sistema tripar tido de fato punível, a dogmática penal conhece três modelos sucessivos de fato punível: o modelo clássico, o modelo neo-clássico e o modelo finalista, cujos traços essenciais podem ser assim enunciados: 2.1. O modelo clássico de~fato punível, conhecido como modelo de LISZT/BELING/RADBRUCH, originário da filosofia naturalista do século XIX, parece claro e simples: a ação é um movimento corporal causador de um resultado no mundo exterior; a tipicidade é a descrição objetiva do acontecimento;15 a antijuridicidade é a valoração de um 12 Ver WELZEL, Das Deutsche Strafrecht, 1969, §14,1 1, p. 81. 13 ROXIN, Strafrecht, 1997, §10, ns. 16-23, p. 232-236. 14 BAUMANN / WEBER/MITSCH, Strafrecht, 1995, §16, n. 14,25; BOCKELMANN / VOLK, Strafrecht, 1987, §10; DREHER/TRÕNDLE, Strafgeset^buch, 1995, nota preliminar ao §13, n. 8; JACKOBS, Strafrecht, 1993, 6/51s., p. 155 s.; JESCHEK/ WEIGEND, Strafrecht, 1996, §25,1, III, p. 244 s.; LACKNER, Strafgeset^buch, nota preliminar ao §13, n. 17; MAURACH/ZIPF, Strafrecht 1, 1992, §24, I 2, p. 333; ROXIN, Strafrecht, 1997, §10, n. 16 s., p. 232; WELZEL, D as Deutsche Strafrecht, 1969, §10, III, p. 52 s.; WESSELS/BEULKE, Strafrecht, 1998, n. 129, p. 38. No Brasil, MESTTERI, Manual de Direito P enall, 1999, p. 106-107; também, ZAFFARONI/ PIERANGELI, Manual de Direito Penal brasileiro, 1997, n. 179-189, p. 390-406. 15 BELING, DielLehre vom Verbrechen, 1906, p. 178 s. 77 Teoria do Fato Punível Capítulo 5 acontecimento contrário às proibições e permissões do ordenamento jurídico; a culpabilidade é um conceito psicológico, sob as formas de dolo e imprudência, que concentra todos os elementos subjetivos do fato punível.16 2.2. O modelo neo-clássico de fato punível, fundado no método neo- kantiano de observação/descrição e de compreensao/valoração é o produto da desintegração do modelo clássico de fato punível17 e, simultaneamente, de sua reorganização teleológica, conforme fins e valores do Direito Penal:18 a ação deixa de ser naturalista para assumir significado valorativo, redefinida como comportamento humano voluntário;19 a tipicidade perde a natureza descritiva e livre-de-valor para admitir ele mentos normativos (documento, motivo torpe etc.) e subjetivos (a intenção de apropriação, no furto, por exemplo);20 a antijuridicidade troca o signifi cado formal de infração da norma jurídica pelo significado material de danosidade social' admitindo graduação do injusto conforme a gravidade do interesse lesionado; a culpabilidade psicológica assume, também, signi ficado normativo, com a reprovação do autor pela formação de vontade contrária ao dever: se o comportamento proibido pode ser reprovado, então pode ser atribuído à culpabilidade do autor.21 2.3. O modelo finalista de fato punível, desenvolvido por WELZEL na primeira metade do século XX, revolucionou todas as áreas do conceito de crime, com base no seguinte princípio metodológico: a ação é o conceito central do fato punível, a psicologia demonstra a 16 LISZT, Lehrbuch des Deutschen Strafrechts, 1881, p. 105 s. 17 ROXIN, Strafrecht, 1997, §7, III, 14-5, p. 151-152. 18 Ver JESCHECK/WEIGEND, Lehrbuch des Strafrechts, 1996, §22, III, p. 204-208. 19 Assim, MEZGER, Modeme Wege der Strafrechtsdogmatik, 1950, p. 12. 20 FISCHER, Die 'Kechtsmdrigkeit mit besonderer Berücksichtigung des Privatrechts, 1911, p. 138; HEGLER, Die Merkmale des Verbrechens, ZStW 36 (1915) p. 27; MEZGER, Die subjektiven Unrechtselemente, GS 89 (1924), p. 207. 21 Nesse sentido, FRANK, Über den A.ufbau des Schuldbegrijfs, 1907, p. 11. 78 Capítulo 5 Fato Punível estrutura fina l da ação humana e a lei penal não pode desconhecer a existência de estruturas ontológicas independentes do direito.22 A ação humana é exercido de atividade final ou, como objetivação da subjetividade, realização do propósito: o homem pode, em certos limites, por causa de seu saber causai, controlar os acontecimentos e dirigir a ação, planificadamente, para o fim proposto.23 A ação final consiste na proposição do fim , na escolha dos meios de ação necessários e na realização da ação no mundo real.24 O conceito de ação fina l introduziu o dolo (e outros elementos subjetivos) no tipo subjetivo dos delitos dolosos, com as seguintes conseqüências sistemáticas: a) separação entre dolo, como vontade de realização do fato, e consciência da antijuridicidade, como elemento central da culpabilidade, que fundamenta a reprovação do autor pela formação defeituosa da vontade;25 b) disciplina do erro em correspondência com essas mudanças sistemáticas: na área do tipo, o erro de tipo excludente do dolo e, por extensão, excludente do tipo; na área da culpabilidade, o erro de proibição, que exclui a reprovação de culpabilidade (se inevitável), ou reduz a reprovação de culpabilidade (se evitável);26 c) subjetivação da antijuridicidade, constituída pelo desvalor de ação, como injusto pessoal representado pelo dolo e outros elementos subjetivos, e pelo desvalor de resultado, como lesão do obje to da ação expressivo do dano social produzido; d) normativização integral da culpabilidade, como reprovação de um sujeito capaz culpabilidade, pela realização não justificada de üm tipo de crime, com consciência da antijuridicidade (real ou possível) e em situação de exigi 22 Ver ARTHUR KAUFMANN, Die Ontologsche Begründung des Rechts, 1965; JESCHECK/ WEIGEND, Lehrbuch des Strafrechts, 1996, §22, V 1, p. 210. No Brasil, MESTIERI, Manual de Direito P enall, 1999, p. 112-114; comparar, também, ZAFFARONI/PIE- RANGELI, Manual de Direito Penal brasileiro, 1997, n. 198-199, p. 416-419. 23 WELZEL, Das Deutsche Strafrecht, 1969, §8, p. 33. 24 WELZEL, Das Deutsche Strafrecht, 1969, §8, p. 34. 25 JESCHECK/WEIGEND, Lehrbuch des Strafrechts, 1996, §22, V 3, p. 211-212. 26 JESCHECK/WEIGEND, 'Lehrbuch des Strafrechts, 1996, §22, V 3b, p. 212. 79 Teoria do Fato Punível Capítulo 5 bilidade de comportamento diverso.21 Complementarmente, a frustração da expectativa de uma ação determinada constitui a omissão de ação, uma construção sistemática inversa aos tipos de ação;28 a imprudência é redefinida como evitável lesão do bem jurídico pela realização de feituosa de uma ação, com lesão do dever de cuidado ou do risco permitido no âmbito do tipo de injusto, e reprovação pessoal pela falta de cuidado, no âmbito da culpabilidade.29 O modelo finalista de fato punível se generalizou na literatura e na jurisprudência contemporâneas, com diferenças de detalhe que não afetam a estrutura do paradigma, além de influenciar diretamente algumas legislações modernas, como a reforma penal alemã (1975) e a nova parte geral do Código Penal brasileiro (1984). Por isso, o texto trabalha com um modelo de fato punível construído pelo finalismo — como, aliás, fazem todas as teorias pós-finalistas —, mas incorporando importantes contribuições científicas produzidas pela teoria posterior, como, por exemplo, a categoria da imputação objetiva do resultado e a teo ria correlacionada da elevação do risco, desenvolvidas, basicamente, por ROXIN,30 que simplificam o método de compreensão e aprofundam o nível de conhecimento dogmático do conceito de crime. 3. O modelo de fato punível desenhado no texto é formado pelos con ceitos de tipo de injusto e de culpabilidade, cujos elementos constitutivos são assim distribuídos: 3.1. O tipo de injusto compreende os seguintes elementos: a) a ação como realidade psicossomática do conceito de crime; b) a tipiádade como 27 Comparar ROXIN, Strafrecht,, 1997, §7, III, 17-20, p. 152-153. 28 Ver ARMIN KAUFMANN, Die Dogmatik der Unterlassungsdelikte, 1959, p. 92 s. 29 Ver JESCHECK/WEIGEND, Lehrbuch des Strafrechts, 1996, §22, V 4, p. 212; MAU- RACH/ZIPF, Strafrecht 1, 1992, §16, n. 48, p. 205. 30 Ver ROXIN, Strafrecht, 1997, §11, ns. 39-136, p. 310 s.; do mesmo, Gedanken %ur Problematik derZurechnungim Strafrecht, Honig-FS, 1970; PfUchtmdrigkeitundFrfolg bei fahrlassigen Delikten, ZStW 74, 1962. 80 Capítulo 5 Fato Punível ação humana adequada ao tipo legal, nas dimensões de (1) tipo objetivo, constituído de causação do resultado e de imputação do resultado, e de (2) tipo subjetivo, formado pelas categorias do dolo — e outros elementos subjetivos especiais — e da imprudência; c) a antijuridicidade, afirmada nas proibições e excluída nas permissões, como categoria dogmática compre ensiva das justificações, estudadas nas dimensões correspondentes de situação justificante e de ação justificada (subjetiva e objetiva). 3.2. A culpabilidade como juízo de reprovação pela realização não justificada do tipo de injusto, compreende (1) a imputabilidade (excluída ou reduzida por menoridade ou doenças mentais), (2) a consáênáa da antiju ridicidade (excluída ou reduzida em liipóteses de erro de proibição) e (3) a exigibilidade de comportamento diverso (excluída ou reduzida em situações de exculpação legais e supralegais). 3.3. Finalmente, a autoria eparticipação, a tentativa e consumação e a unidade e pluralidade de fatos puníveis, como desenvolvimentos da teoria do tipo, são apresentadas em capítulos independentes. 81 C apítu lo 6 T e o r i a d a A ç ã o I. Introdução Meio século de controvérsia dos modelos causai e final sobre o conceito de ação não conseguiu reduzir a discussão da matéria. Ao contrário, com o surgimento de outras definições de ação, qualquer consenso sobre o tema parece mais distante do que nunca: o modelo social de ação, uma espécie de tentativa de conciliação dos modelos causai e final, define ação como comportamento humano socialmente relevante, o modelo negativo de ação define ação como não evitação do comportamento proibido; o modelo pessoal de ação define ação como manifestação da personalidade humana. E existem, também, o modelo lógico-analítico, que define ação como emprego de regras da experiên cia, da lógica, da linguagem etc.,1 e o modelo de ação intenáonal' que a define como atuação decisiva para o acontecimento2 — cujo interesse científico, ainda restrito aos respectivos autores, parece não exigir imediata tomada de posição. Considerando que aqueles modelos estão vivos na doutrina e na jurisprudência contemporâneas, estru turando diferentes sistemas de fato punível, com soluções, às vezes, divergentes, é necessário descrever a controvérsia entre as diferentes definições do conceito de ação, bem como mostrar a importância teórica e prática do conceito de ação para compreensão e aplicação do Direito Penal.3 1 Ver HRUSCHKA, Strukturen der Zurechnung, 1976, p. 13; do mesmo, Strafrecht nach logsch-analytischer Methode, 1988. 2 KINDHÀUSER, Intentionale Handlung, 1980, p. 202 s. 3 Para uma exposição crítica de alguns desses modelos, ver TAVARES, A s controvérsias em tomo dos crimes omissivos, 1996, p. 13-30. 83 Teoria do Tato Punível Capítulo 6 II. Definições do conceito de ação l. Modelo causai de ação A teoria causai da ação, elaborada basicamente por LISZT, BELING e RADBRUCH — os fundadores do sistema clássico de fato punível, uma construção teórica estruturada com base nas categorias científicas do mecanicismo do século XIX —, define ação como pro dução causai de um resultado de modificação no mundo exterior,4 hoje conhecido como modelo clássico de ação. O modelo causai de ação possui estrutura exclusivamente objetiva: a ação humana, mutilada da vontade consciente do autor, determinaria o resultado como uma forma sem conteúdo, ou um fantasma sem sangue, conforme a expressão do próprio BELING; a voluntariedade da ação indicaria, apenas, ausência de coação física ab soluta; o resultado de modificação no mundo exterior seria elemento constitutivo do conceito — e, assim, não existiria ação sem resultado.5 Como afirmaria, mais tarde, WELZEL, a teoria causai da ação des conhece a função constitutiva da vontade dirigente da ação e, por isso, transforma a ação em simples processo causai desencadeado por um ato de vontade qualquer.6 O modelo clássico de ação estrutura o sistema clássico de crime, baseado na separação entre processo causai exterior (causação do 4 LISZT, Strafrecht, 1891, p. 128. 5 Nesse sentido, WELZEL, Das Deutsche Strafrecht, 1969, §8, III 2, p. 39-42; ROXIN, Strafrecht, 1997, §8, n. 10-16, p. 187-189. 6 WELZEL, Das Deutsche Strafrecht, 1969, §8, III 2, p. 40. No Brasil, ver a crítica de MESTTERI, Manual de Direito Penal 1 ,1999, p. 111-112; também, ZAFFARONI/ PIERANGELI, Manual de Direito Penal brasileiro, 1997, n. 203-204, p. 421-427. 84 Capítulo 6 Teoria da A.çao resultado) e relação psíquica do autor com o resultado (conteúdo da vontade, sob as formas de dolo e imprudência), que fundamenta a concentração dos elementos causais/objetivos na antijuridicidade típica, e dos elementos psíquicos/ subjetivos na culpabilidade.7 O sistema clássico de crime se desintegra, progressivamente, a partir de descobertas científicas que revelam contradições metodológicas insanáveis: a) na teoria do tipo, a verificação da necessidade do dolo para caracterizar a tentativa de qualquer crime doloso — se presente na tentativa, não pode desaparecer no fato consumado —, mostra que o tipo de conduta proibida não contém, exclusivamente, elementos objetivos; b) na teoria da antijuridicidade, a descoberta dos elementos subjetivos do injusto (hoje, elementos subjetivos especiais do tipo e da culpabilidade, como intenções, ten dências e atitudes especiais), revela a existência de uma dimensão subjetiva na área do injusto, então reservada aos elementos objetivos; c) na teo ria da culpabilidade, a verificação de que a imprudência inconsciente não contém elementos psíquicos mostra um defeito da definição de culpabilidade como relação psíquica do autor com o fato, próprio do conceito psicológico de culpabilidade da teoria causai.8 A desintegração do sistema clássico de fato punível do modelo causai de ação originou o atual sistema neo-clássico de fato punível,9 um produto da reorganização teleológica do modelo causai de ação segundo fins e valores do Direito Penal:10 o conceito de ação deixa de ser apenas naturalista para ser, também, normativo, redefinido como comportamento humano voluntário'f a tipicidade perde a natureza livre-de- m/brpara incluir elementos normativos, como documento, motivo torpe 7 Ver TAVARES, Teorias do delito, 1980, n. 22, p. 20. 8 Ver WELZEL, Das Deutsche Strafrecht, 1969, §8, III 2, p. 39-40. 9 ROXIN, Strafrecht, 1997, §7, III, 14-15, p. 151-2. 10 JESCHECK/WEIGEND, Lehrbuch des Strafrechts, 1996, §22, III, p. 204-208. No Brasil, ver TAVARES, Teorias do delito, 1980, n. 42-45, p. 42-43. 11 Assim, MEZGER, Modeme Wege der Strafrechtsdogmatik, 1950, p. 12. 85 Teoria do Fato Punível Capítulo 6 etc., e elementos subjetivos, como a intenção de apropriação no furto e, até mesmo, o dolo na tentativa;12 a antijuridicidade indica não apenas a infração formal da norma jurídica, mas o significado material de dano social' admitindo graduação do injusto conforme o valor lesionado;13 a culpabilidade, sensível a juízos de valor, se estrutura como conceito psicológico-normativo, com a reprovação do autor pela formação de vontade contrária ao dever: somente comportamentos reprováveis podem ser atribuídos à culpabilidade do autor.14 O sistema neo-clássico de fato punível está presente em comentários famosos da legislação penal, como DREHER-TRÕNDLE,15 ou em autores modernos como NAUCKE,16 por exemplo, e na jurisprudência dominante dos tribunais alemães, com resultados muito semelhantes aos dos demais modelos — o que parece demonstrar que não existiriam métodos certos ou errados, apenas métodos melhores ou piores. 2. Modelo final de ação A teoria fina l da ação, desenvolvida por WELZEL com contri buições de MAURACH-ZIPF,17 ARMIN KAUFMANN,18 STRA- 12 Na base dessas mudanças estão os trabalhos de FISCHER, Die Rechtsmdrigkeit mii besonderer Berücksichtigung des Privatrecbts, 1911, p. 138; HEGLER, Die Merkmale des Verbrechens, ZStW 36 (1915) p. 27; MEZGER, Die subjektiven Unrecbtselemente, GS 89 (1924), p. 207. 13 Ver JESCHECK/WEIGEND, Lehrbuch des Strafrechts, 1996, §22, II c, p. 206-207. 14 Assim, FRANK, Über den A.ufbau des Schuldbegriffs, 1907, p. 11. No Brasil, ver TA VARES, Teorias do delito, 1980, n. 48, p. 45-46. 15 DREHER-TRÕNDLE, Strafgeset^buch und Nebengeset^e, 1995. 16 NAUCKE, Strafrecht, eine einfuhrung, 2000, n. 151-161, p. 258-261. 17 MAURACH/ZIPF, Strafrecht 1 ,1992, §16, n. 38-42, p. 201-203. 18 ARMIN KAUFMANN, Zum Stand derLehre vom Personalen Unrecbt, Welzel-FS, 1974, p. 393. 86 Capítulo 6 Teoria da A.ção TENWERTFi,19 HIRSCH20 e outros, surge como crítica ao modelo causai e define ação como realização de atividade final: o saber causai, adquirido pela experiência e preservado como ciência, fundamenta a capacidade humana de prever as conseqüências possíveis da ação, de propor diferentes fins e de dirigir planiíicadamente a atividade para realização do fim. Assim, na formulação clássica de WELZEL:21 ‘lAção humana é exercido de atividade final. Ação é, p or isso, acontedmento final, não meramente causai. A finalidade ou o sentido fina l da ação se baseia no poder humano de prever, em deteminados limites, p or força de seu saber causai, os possíveis efeitos de sua atividade, propor-se diferentes fins e dirigir; planificadamente, sua atividadepara realização destes fins. (...) Porque a finalidade se baseia na capaddade da von tade de prever, em determinados limites, as conseqüêndas da intervenção causai\ e através desta, dirigi-la planificadamente para a realização do fim, a vontade consdente do fim, que dirige o acontecer causai, é a espinha dorsal da ação final. ” O ponto de partida do modelo final de ação é a distinção entre fato naturale ação humana: o fato natural é fenômeno determinado pela causalidade, um produto mecânico de relações causais cegas; a ação humana é acontecimento dirigido pela vontade consciente do fim.22 Na ação humana, a vontade é a energia produtora da ação, enquanto a consciência do fim é sua direção inteligente: a finalidade dirige a causalidade para configurar o futuro conforme o plano do autor. Na 19 STRATENWERTH, Strafrecht 1 ,1981, n. 140. 20 HIRSCH, Der Streit um Handlungs- und Unrechtskhre, ZStW 93 (1981), p. 831. 21 WELZEL, Das Deutsche Strafrecht, 1969, §8 ,1, p. 33-34. No Brasil, ver a excelente descrição do desenvolvimento do modelo final de ação, em TAVARES, Teorias do delito, 1980, n. 57-64, p. 52-60. 22 Assim, MAURACH/ZIPF, 1992, Strafrecht I, §16, n. 41, p. 202; WELZEL, Das Deutsche Strafrecht, 1969, §8 ,1, p. 34. Teoria do Fato Punível Capítulo 6 teoria de WELZEL a vontade consciente do fim é a espinha dorsal da ação,21 enquanto o acontecimento causai é a resultante casual de com ponentes causais preexistentes. A. finalidade é, por isso — figurativamente falando — v id en te , a causalidade, c e g a .2A A unidade subjetiva e objetiva da ação humana é o fundamento real da estrutura subjetiva e objetiva do tipo de injusto. A homogenia entre teoria da ação e teoria da ação típica (ação concreta adequada a um tipo legal, portanto, substantivo adjetivado) é um dos méritos do modelo final de ação. No âmbito da ação, a dimensão subjetiva da ação (ouprojeto de realização), cuja espinha dorsalé a vontade consciente do fim, compreende: 1) a proposição do fim , como conteúdo principal da vontade cons ciente, que unifica e estrutura a ação (no tipo subjetivo, constitui o dolo direto de primeiro grau); 2) a seleção dos meios de ação para realizar o fim , determinados regressivamente pela natureza do fim proposto (no tipo subjetivo, integram o dolo direto de segundo grau, se configuram resultados típicos). Como a utilização dos meios escolhidos pode determinar outros efeitos diversos do fim, surge o problema da relação desses efeitos colaterais ou secundários com a ação: objetivamente, em relação à natu reza dos meios, os efeitos colaterais podem ser necessários ou possíveis; subjetivamente, em relação à vontade consciente do autor, os efeitos colaterais podem ser (a) incluídos na vontade consciente, (b) incluídos na consciência, mas excluídos da vontade, ou (c) excluídos da consci ência e da vontade. Assim, a dimensão subjetiva da ação compreende, secundariamente: 23 Ver WELZEL, Das Deutsche Strafrecht, 1969, §8 ,1, p. 34; MAURACH/ZIPF, 1992, Strafrechtl, §16, n. 41, p. 202. 24 WELZEL, Das Deutsche Strafrecht, 1969, §8 ,1, p. 33. Capítulo 6 Teoria da Ação 3) a representação dos efeitos colaterais necessários ou possíveis ligados causalmente aos meios selecionados: o autor pode dirigir a ação para incluir ou para excluir esses efeitos colaterais, conforme as seguintes alternativas: a) os efeitos colaterais representados como necessários integram a vontade consciente do autor, ainda que lastimados ou indesejados: se o autor os representa como necessários e realiza a ação, integram sua vontade consciente e, conseqüentemente, a ação (no tipo subjetivo constituem, também, dolo direto de segundo grau); b) os efeitos colaterais representados como possíveis integram a consciência do autor, mas dependem da atitude pessoal deste para integrarem, também, a vontade: 1) se o autor consente na produção dos efeitos colaterais representados como possíveis (conforma-se ou concorda com eles), então, eventualmente, esses efeitos integram também a vontade do autor e, por extensão, a ação como acontecimento final (no tipo subjetivo, constituem dolo eventual, também chamado dolo condicionado); 2) se o autor não consente na produção desses efeitos colaterais representados como possíveis (não se conforma ou não concorda com eles), mas, ao contrário, confia em sua não-ocorrênçia, ou espera, honestamente, poder evitá-los pelo modo concreto de execução da ação, então esses efeitos não integram a vontade do autor, nem a ação como fenômeno estruturado pela finalidade (podem ser atribuídos ao autor como imprudência consciente, se existir o tipo respectivo); 3) enfim, efeitos colaterais necessários ou possíveis não-representados pelo sujeito não podem integrar nenhuma vontade consciente do autor e, assim, estão excluídos da ação como realização do propósito (podem ser atribuídos ao autor como imprudência inconsciente, se existir o tipo respectivo). Por outro lado, a dimensão objetiva da ação (ou realização do projeto) representa sua materialização no mundo real, com a utilização dos meios selecionados para realizar o fim proposto, mediatizada pela 89 Teoria do Fato Punível Capítulo 6 representação (ou não) dos efeitos colaterais necessários ou possíveis25 (constitui a matéria do tipo objetivo). A teoria final da ação contribuiu, decisivamente, para identificar o fundamento psicossomático do conceito de crime: a unidade subjetiva e objetiva da ação humana, qualificada pelos atributos axiológicos da tipicidade, da antijuridicidade e da culpabilidade, como base real do conceito de fato punível. Além disso, a estrutura final da ação seria pressuposta na função atribuída às normas penais, que se dirigem à vontade humana como proibições ou como determinações de ação: a estrutura final da ação humana seria constitutiva para o Direito Penal, cujas proibições ou mandados não se dirigem a processos causais cegos, mas a ações humanas que configuram finalisticamente o futuro.26 A validade dessa tese parece reconhecida por setores significa tivos da doutrina moderna. MAURACH/ZIPF definem a estrutura final da ação humana como o componente antropológico da respon sabilidade penal;27 EBERT destaca a concordância entre o conceito final de ação e afunção das normas penais, como proibições e determinações de ação dirigidas à vontade humana, acrescentando que a inclusão do conteúdo da vontade no conceito de ação permite compreender o seu significado como ação típica e como ação injusta,28 Por último, a crítica de que o modelo final — cuja capacidade ex plicativa da ação dolosa é amplamente reconhecida — teria dificuldades para explicar a ação imprudente e a omissão de ação,29 é inconsisten te. A ação imprudente é definível como execução defeituosa de uma ação perigosa, ou como execução de uma ação defeituosa (a ação deveria ser realizada de modo diferente): o defeito da ação (final) reside no modo 25 Assim, WELZEL, Das Deutsche Strafrecht, 1969, §8 ,1, p. 34-35. 26 Assim, WELZEL, Das Deutsche Strafrecht, 1969, §8, II, p. 37. 27 MAURACH/ZIPF, 1992, Strafrecht I, §16, n. 48, p. 205. 28 EBERT, Strafrecht, 1994, p. 22-3. 29 Nesse sentido, a crítica de JESCHECK/WEIGEND, Lehrbuch des Strafrechts, 1996, §23, m , 2 b, p. 221; também, ROXIN, Strafrecht, 1994, §8, n. 18-25, p. 185-188. 90 Capítulo 6 Teoria da A.ção concreto de sua realização, lesivo do cuidado objetivo exigido ou do risco permitido em ações socialmente perigosas, porque o autor confia na evitação de conseqüências sociais indesejáveis, ou simplesmente não pensa nelas.30 A omissão de ação, ao contrário da ação dolosa (que não deveria ter sido realizada) ou da ação imprudente (que não deveria ser realizada daquele modo), deve ser pensada a partir do conceito de ação mandada, como acontecimento social construído pela finalidade de proteger bens jurídicos em situação de perigo: a inexecução da ação mandada por um sujeito capaz de agir para impedir o resultado e proteger o bem jurídico caracteriza a omissão de ação. Nessa pers pectiva, a teoria final da ação permite compreender as ações dolosas como execução de açõesproibidas, as ações imprudentes como execução defeituosa de ação perigosa e a omissão de ação como inexecução de ação mandada, dolosa ou imprudente.31 3. Modelo social de ação A teoria social da ação, fundada por EBERPLARD SCHMIDT e desenvolvida por JESCHECK e WESSELS, entre outros, representa posição de compromisso entre os modelos causai e final de ação e, talvez por causa disso, parece ser a mais difundida teoria da ação humana — assim como parece ser, também, o modelo com maiores problemas de definição de conceitos e de uniformização de linguagem. 30 Ver MAURACH/ZIPF, Strafrecht I, 1992, §16, n. 40-41, n. 202; WELZEL, Das Deutsche Strafrecht, 1969, §8, II, p. 37-38 e §18, p. 129 s. No Brasil, ver ZAFFARO- NI/PIERANGELI, Manual de Direito Penal brasileiro, 1997, n. 201, p. 421. 31 Ver WELZEL, Das Deutsche Strafrecht, 1969, §8, II, p. 38. No Brasil, também assim, CIRINO DOS SANTOS, Teoria do Crime, 1993, p. 41-42; MESTIERI, Manual de Direito Penal1 ,1999, p. 113; ZAFFARONI/PIERANGELI, Manual de Direito Penal brasileiro, 1997, n. 202, p. 422. 91 Teoria do Tato Punível Capítulo 6 Nesse sentido, HAFT destaca a múltipla diversidade de definições do conceito social de ação, ora apresentada como fenômeno social.' ora como comportamento humano socialmente relevante, sem esclarecer, imediata mente, em que consiste o fenômeno social ou a relevância social da ação;32 essa relativa imprecisão do conceito parece inevitável, porque as teorias sociais da ação seriam teorias conciliadoras, que não excluem, mas incluem as teorias causai e final da ação.33 Não é estranhável que as ênfases recaiam, variavelmente, em pólos diferentes desse conceito difuso, com resultados, às vezes, di vergentes, como observa EBERT: a teoria social da ação seria uma moldura preenchível, às vezes, pelo conceito causai de ação, como cau- sação de resultados socialmente relevantes e, às vezes, pelo conceito fina l de ação, como fa tor formador de sentido da realidade social\ ambos incluídos na teoria social da ação.34 Essa característica permanece em definições atuais, com o acento sobre o componente final do conceito, qualificado pela relevância social da ação, como WESSELS/BEULKE, por exemplo: a ação constitui comportamento soáalmente relevante d o m in a d o o u d om in á v e lp e la vontade humana — um fator formador de sentido da realidade social, com todos os seus aspectos pessoais, finais, causais e normativos. 3 5 Por outro lado, 32 TAVARES, Teorias ão delito, 1980, n. 100, p. 92, já indicava os problemas do modelo. 33 HAFT, Strafrecht, 1994, p. 31: “A teoria social da ação é, hoje, defendida p or numerosos autores, com ênfases diferenciadas, pelas quais existem muitas definições parecidas, geralmente não muito compreensíveis, nas quais a ação, p o r exemplo, é definida como fenômeno social na sua produção de efeitos dentro da realidade social (Eb. Schmidt), ou como comportamento humano socialmente relevante (Jescheck), pelas quais não se escla rece imediatamente o que se deve entenderpor fenômeno social ou p o r relevância social. A coisa fica mais clara quando se compreende que as teorias sociais da ação são teorias conciliadoras que, em conclusão, não excluem, mas incluem as teorias causai e fina l de ação. Por este esforço de mediação resulta inevitável uma certa impreásão de conceito. ” 34 EBERT, Strafrecht, 1994, p. 23. 35 WESSELS/BEULKE, Strafrecht, 1998, n. 91, p. 24-25 e n. 93, p. 26. No Brasil, TAVARES, As controvérsias em tomo dos crimes omissivos, 1996, p. 30. 92 Capítulo 6 'Teoria da Ação JESCHECK/WEIGEND mostram como o modelo social de ação se origina da busca de um conceito unitário superior compreensivo da ação e da omissão de ação, que não seriam formas estruturalmente di ferentes,36 nem formas equivalentes do comportamento humano:37 “as formas em que se realiza o intercâmbio do homem com seu meio (finalidade no atuar positivo e dirigibilidade na omissão de ação) não são unificáveis ao nível ontológico, por que a omissão mesma não é final, pois o emprego esperado da finalidade não existe nela. Ação e omissão de ação podem, contudo, ser compreendidas em um conceito de ação unitário, se conseguirmos encontrar um ponto de vista valorativo superior, que unifique no âmbito normativo elementos não-unificáveis no âmbito do ser. Esta síntese deve serprocurada na relação do comportamento humano com seu meio. Este é o sentido do conceito social de ação. A ção é c o m p o r ta m e n t o h u m a n o d e r e l e v â n c ia so c ia l. Conceitualmente, o atributo da relevância social introduzido pelo modelo social de ação não integra a realidade descritível pela observação sensorial: é uma qualidade da ação atribuível por juí^o de valor próprio dos conceitos axiológicos que qualificam a ação como crime — e, desse ponto de vista, a relevânáa social é atributo do tipo de injusto, responsável pela seleção de ações e de omissões de ação no tipo legal. Como esclarece ROXIN, o conceito de relevância social designa, apenas, uma propriedade necessária para valorar o injusto, porque exis tiriam ações socialmente relevantes e ações socialmente não-relevantes, ou seja, a relevânáa social é uma propriedade que a ação pode ter ou pode 36 Assim, RADBRUCH, Der Handlungsbegrijf in seiner Bedeutungfur das Strafrechtssjstem, 1904, p. 131. 37 Nesse sentido, BAUMAN/WEBER, Strafrecht, 1985, p. 191; também, MEZGER, Strafrecht, 1949, p. 132. 38 JESCHECK/WEIGEND, Lehrbuch des Strafrechts, 1996, §23, VI, p. 223. 93 Teoria do Fato Punível Capítulo 6 não ter e, ausente essa propriedade, não desaparece a ação, mas somente sua significação social?9 Enfim, não obstante juízos complacentes de que a imprecisão do conceito social de ação deveria ser tolerada,40 ou juízos críticos de que o conceito social de ação ainda não está claramente delineado como os conceitos causai e final de ação,41 alguns autores — como, por exemplo, EBERT — são mais incisivos, afirmando a existência de somente dois sistemas de fato punível: o sistema causai e o sistema final, porque o conceito social de ação não desenvolveu um sistema próprio, vin- culando-se ora com o sistema causai, ora com o sistema final.A1 Seja como for, a única diferença entre os conceitos social e final de ação — pelo menos. em relação às definições formuladas por JESCHECK/ WEIGEND e por WESSELS/BEULKE, talvez os mais prestigiados representantes da teoria social da ação, na atualidade —, fica por conta daquela atribuída relevância social.' uma característica normativa buscada para construir um conceito superior unitário compreensivo da ação e da omissão de ação. Na verdade, não existe nenhuma razão científica para rejeitar o modelo social de ação, que utiliza as mesmas categorias conceituais e adota os mesmos princípios metodológicos do modelo final de ação para construir o conceito de fato punível: as teorias social e fina l de ação não diferem em relação à natureza e à ordenação dos elementos conceituais do fato punível, especialmente em relação à posição do dolo e da imprudência no tipo de injusto.43 39 ROXIN, Strafrecht, 1997, §8, n. 32, p. 196. No Brasil, ver a crítica de ZAFFARO- NI/PIERANGELI, Manual de Direito Penal brasileiro, 1997, n. 206, p. 429. 40 Nesse sentido, HAFT, Strafrecht, 1994, p. 32-33. 41 Assim, NAUCKE, Strafrecht, 1995, n. 240, p. 250. 42 EBERT, Strafrecht., 1994, p. 24. 43 Ver, por exemplo, MAURACH/ZIPF, Strafrecht!, 1992, §16, n. 68, p. 211. 94 Capítuk 6 Teoria da Ação 4. Modelo negativo de ação A teoria negativa de ação, elaborada principalmente por HERZ- BERG44 e BEHRENDT45 — e cuja aplicação sistemática mais notável parece ser a obra de HARRO OTTO46 —, integra a categoria da ação na categoria do tipo, excluindo qualquer definição ontológica ou pré- jurídica do conceito de ação. O modelo negativo de ação tem como núcleo fundamental o principio da evitabilidade, segundo o qual um resultado é atribuível ao autor se o direito ordena sua evitação e o autor não o evita, embora possa evitá-lo.47 Comportamentos penalmente relevantes são comportamen tos acessíveis à direção da vontade, definidos como evitàvelnão-evitação do resultado na posição de garantidor.,48 ou como omissão da contradireção mandada,49 em que o autor realiza o que não deve realizar, ou não realiza o que deve realizar. Fundamento do conceito negativo de ação é a possibilidade de direção da vontade em comportamentos contrários ao dever socialmente danosos: o autor deve ter a possibilidade de cumprir o dever, mediante evitação do comportamento proibido, por ação ou omissão de ação, ou seja, deve ter o poder de influir sobre o curso causai concreto de terminante do resultado.50 A possibilidade de evitar o comportamento proibido constituiria o pressuposto da obrigatoriedade da norma penal, 44 HERZBERG, Die Unterlassung im Strafrecht und das Garantenprin^p, 1972. 45 BEHRENDT, Die Unterlassung im Strafrecht, 1979. 46 OTTO, Grundkurs Strafrecht, 1996, IV, n. 32-42, p. 48-51. 47 KAHRS, Das Vermeidbarkeitsprin^ip und die condicio-sine-Qua-non-Formel im Strafrecht., 1968, p. 36. 48 HERZBERG, Die Unterlassung im Strafrecht und das Garantenprin^ip, 1972, p. 174. 49 BEHRENDT, Die Unterlassung im Strafrecht, 1979, p. 143. 50 Ver OTTO, Grundkurs Strafrecht, 1996, §5, n. 39-40, p. 50. 95 Teoria do Fato Punível Capítulo 6 independente de ser norma de proibição ou norma de comandoz51 ação e omissão de ação não seriam conceitos pré-típicos, elaborados por uma teoria pré-jurídica ou ontológica da ação, mas conceitos perten centes ao tipo de injusto. O ponto de pardda do conceito negativo de ação, portanto, seria o exame da ação dentro do tipo de injusto, para saber se o autor teria a possibilidade de influenàaro curso causai concreto conducente ao resultado, mediante conduta dirigida pela vontade.52 Do ponto de vista teórico, o modelo negativo de ação inverte o si nal da categoria positiva da ação — na verdade, substituída pela categoria negativa da evitável não-evitação — e, do ponto de vista metodológico, o modelo negativo de ação desloca a discussão de questões específi cas do conceito pré-jurídico de ação para a categoria jurídica da ação típica concreta. Essas inovações parecem criticáveis: conceitualmente, a existência da ação humana independe da existência do tipo legal; metodologicamente, é desaconselhável congestionar a área complexa do tipo legal com problemas ou questões de natureza extra-típica. Uma variantepsicanalítica do modelo proposta por BEHRENDT,53 relaciona o conceito da evitãvel não-evitação do resultado com as manifesta ções da destrutividade humana, que exprimem as pulsões instintivas do id sem o controle do superego. Não obstante a honestidade de propósitos, parece impróprio reduzir os conceitos fundamentais da psicanálise aos limites funcionais do conceito de ação (ou de ação típica): as categorias psicanalíticas contêm um potencial teórico-explicativo de natureza criminológica que transcende os limites do conceito de ação (ou de ação típica), para tentar apreender o sentido concreto das ações humanas na plenitude do significado incorporado por todos os atributos do conceito de crime. 51 Assim, OTTO, Grundkurs Strafrecht, 1996, §5, n. 39, p. 50. 52 OTTO, Grundkurs Strafrecht, 1996, §5, n. 40, p. 50. 53 BEHRENDT, Die Unterlassungim Strafrecht, 1979, 132. 96 Capítulo 6 Teoria da Ação Em conclusão, o princípio da evitabilidade que fundamenta o con ceito negativo de ação, integra todas as categorias do conceito de crime, constituindo, portanto, um princípio geral de atribuição que não pode ser apresentado como característica específica do conceito de ação.54 5. Modelo pessoal de ação A teoria pessoal de ação, que identifica o substrato material do sistema de fato punível de ROXIN, define ação como manifestação da personalidade, um conceito compreensivo de todo acontecimento atri buível ao centro de açãopsíquico-espiritualdo homem. A definição de ação como manifestação da personalidade permitiria excluir, por um lado, todos os fenômenos somático-corporais insuscetíveis de controle do ego e, portanto, não-dominados ou não-domináveis pela vontade humana: força física absoluta, convulsões, movimentos reflexos etc., não constituem manifestação da p e r s o n a l id a d e , por outro lado, exclui pensamentos e emoções encerrados na esfera psíquico-espiritual do ser humano, porque não representam m a n i f e s ta ç ã o da personalidade,55 A ação como manifestação da personalidade constitui a mais geral e, por isso mesmo, a menos específica definição do conceito de ação, ca paz de apreender todas as modalidades de objetivações da personalidade — para usar a fórmula semelhante de ARTHUR KAUFMANN56 —, 54 Ver a crítica de ROXIN, Strafrecht, 1997, §8, n. 40, p. 200. Outros detalhes, TAVA RES, As controvérsias em tomo dos crimes omissivos, Rio, 1996, p. 23-26. 55 ROXIN, Strafrecht, 1997, §8, n. 44, p. 202. No Brasil, ver TAVARES, A s controvérsias em tomo dos crimes omissivos, 1996, p. 27-29. 56 ARTHUR KAUFMANN, Die ontohgische Struktur derHandtung Ski%%e einerpersonakn TLandlugnslehre, H. Mayer-FS, 1966, p. 79. 97 Teoria do Fato Punível Capítulo 6 mas parece excluir o traço humano especifico que distingue a ação de qualquer outro fenômeno natural ou social: a realização do propósito. Em outras palavras, a manifestação da personalidade como mera relação entre pensamentos/emoções e acontecimentos exteriores, parece negligenciar a natureza constitutiva dos atos psíquicos para a estrutura da ação humana, conhecimento já incorporado à teoria científica da ação. Além disso, os limites incertos ou difusos do conceito de personalida de57 não permitem atribuir todos os fenômenos definíveis como suas manifestações ao controle do ego — a instância perceptiva-consciente que controla o movimento conforme exigências do superego —, porque pulsões instintuais reprimidas do id podem assaltar o ego sob a forma de obsessões, fobias e, mesmo, atos falhos ou sintomáticos, que são manifestações da personalidade independentes de controle do ego e indiferentes às conveniências do superego,58 na dinâmica das relações entre os segmentos do aparelho psíquico que constituem a persona lidade humana.59 Em suma, nem a personalidade, cujas manifesta ções constituem ação, se reduz ao ego, nem todas as manifestações atribuíveis à personalidade “estão sob controle do ego., a instância de governo psíquico-espiritualdo homem”^ como afirma ROXIN. Não obstante, é necessário reconhecer a simpliádade da definição de ação como manifestação da personalidade, bem como a capacidade dessa definição para executar as funções atribuídas ao conceito de ação em face do conceito de fato punível. 57 Ver EYSENCK, Crime and Personality, 1977, p. 19. 58 Nesse sentido, FREUD, Inibições, sintomas e ansiedade, 1976, IMAGO, vol. XX, p. 95-200. 59 Ver FREUD, O Ego e o Id, 1976, IMAGO, vol. XIX, p. 23-83. 60 ROXIN, Strafrecht, 1997, §8, I I I1, n. 44, p. 202. 98 Capítulo 6 Teoria da A.cão III. Funções do conceito de ação O conceito de ação realiza, no sistema de fato punível, funções teóricas, metodológicas e práticas de unificação, de fundamentação e de delimitação das ações humanas, que não podem ser cumpridas no âmbito das categorias constitutivas do conceito de crime.61 1. A função teórica de unificação do conceito de ação refere-se à sua capacidade de compreender a ação e a omissão de ação, sob as formas dolosa e imprudente, como espécies de comportamentos humanos. Em geral, o conceito de conduta é empregado como gênero de ação e de omissão de ação, dolosa e imprudente, mas esse conceito superior — cuja busca engendrou o conceito social de ação, por exemplo — parece desnecessário: a ação realizada ou omitida é o núcleo positivo ou negativo de todos os tipos de crimes dolosos e imprudentes e, portanto, cons titui o objeto material exclusivo da pesquisa jurídico-penal. De fato, a pesquisa no processo penal não tem por objeto verificar a existência do gênero conduta, mas a realização de uma ação proibida ou a omissão de uma ação mandada, dolosa ou imprudente. 2. A função metodológica de fundamentação do conceito de ação refere-se ao poder de constituir a base psicossomática real do con ceito de crime, como unidade subjetiva e objetiva quaüfiçável pelos atributos de tipicidade, de antijuridicidade e de culpabilidade. A ação representa a substância capaz de portar os predicados valorativos do conceito analítico de crime, fundamentando o fato punível como adequação ao tipo legal, como contradição com o conjunto de proibições e de permissões do ordenamento jurídico e como objeto de reprovação de culpabilidade sobre um sujeito que realiza, sem justificação, um 61 Assim, JESCHECK/WEIGEND, Tehrbuch des Strafrechts, 1996, §23,1 2, p. 219. 99 Teoria do Fato Punível Capítulo 6 tipo de crime, com consciência real ou possível da antijuridicidade, em condições de exigibilidade de conduta diversa (ou de normalidade das circunstâncias da ação). Desse ponto de vista, a teoria da ação é a chave para compreender a teoria do fato punível, como ação dolosa ou imprudente, proibida ou mandada, descrita sob as formas positiva ou negativa do tipo legal. 3. A função prática de delimitação do conceito de ação refere-se às tarefas complementares de incluir objetivações da subjetividade hu mana que apresentam os requisitos do conceito de ação, e de excluir fenômenos, movimentos ou comportamentos que não apresentam esses requisitos, como situações de ausênáa de ação. A ação é fenômeno exclusivo de pessoas naturais, independente da idade ou da saúde mental, porque capacidade de ação é atributo natural de seres humanos, inconfundível com capacidade de culpa bilidade, condição de responsabilidade penal.62 Conseqüentemente, é importante identificar hipóteses que não atingem o status de ação e, por isso, não podem ser ações típicas. 3.1. Assim, não constituem ação: a) acontecimentos da natureza, como terremotos, inundações, tempestades, desabamentos, raios etc.; b) ataques de animais ferozes — que podem, contudo, ser usados como instrumentos de agressão; c) atos de pessoas jurídicas: somente as pessoas naturais, como órgãos representativos das pessoas jurídicas, podem realizar ações; d) pensamentos, atitudes e emoções como atos psíquicos sem objetivação; e) movimentos do corpo como massa mecânica: estados de inconsci 62 Ver WESSELS/BEULKE, Strafrecht, 1998, n. 94, p. 26-27. 100 Capítulo 6 Teoria da Ação ência, como desmaios, delírios ou convulsões epilépticas (a mãe sufoca ou lesiona o filho na amamentação, ao sofrer desmaio ou convulsão epiléptica); movimentos sob força física absoluta (A empurra B sobre uma vitrine, quebrando-a) — mas não sob força compulsiva, que não exclui a ação, mas permite exculpação (B quebra a vitrine sob ameaça séria de agressão de A). 3.2. A natureza de movimentos reflexos, ações automatizadas, reações instintivas de afeto e ações sob hipnose pode ser controvertida. a) Hipótese de movimento reflexo: motorista realiza movimento manual para proteger olho atingido por inseto em curva de rodovia, perde o controle do veículo e produz acidente. Ação, segundo a teoria pessoal de ação: movimento de proteção dirigido a finalidade psiquicamente intermediada constitui manifestação da personalidadef0 não-ação, con forme a teoria fina l da ação: movimentos reflexos desencadeados por estímulos sensoriais ou fisiológicos a partir do sistema nervoso periférico, em geral incorporados filogeneticamente como reações motoras de defesa ou auto-proteção, sem o concurso da vontade consciente do autor, não constituem ação. b) Hipótese de ações automatizadas, ou de curto-circuito: motorista de automóvel, em velocidade aproximada de 90km/h, vê animal do ta manho de cachorro 10 a 15 metros à frente do veículo, gira o volante, bate na proteção lateral de cimento e passageiro morre. Disposições automatizadas aprendidas constituem ação, independente de sua utilidade ou dano.64 c) Hipótese de reações instintivas de afeto: em movimento compulsivo, vendedor beija e morde seios de mulher, súbita e involuntariamente expostos próximos à sua boca, durante ajuste de medidas de vestido, 63 ROXIN, Strafrecht,, 1997, §8, n. 66, p. 211-212. 64 ROXIN, Strafrecht, 1997, §8, n. 67, p. 212. 101 Teoria do Tato Punível Capítulo 6 na loja. A satisfação de impulsos instintivos de afeto constitui ação segundo qualquer dos modelos. d) Hipótese de ações sob hipnose: cumprindo sugestão hipnótica, hipno tizado realiza fato definido como crime. A teoria dominante admite ação, porque o hipnotizado não pode realizar ações reprovadas pela censura pessoal,65 mas um segmento respeitável fala em não-ação.66 IV. Conclusão Considerando as funções teóricas, metodológicas e práticas do conceito de ação, definido causalmente como causação de resultado exterior por comportamento humano voluntário, finalisticamente como realização de atividade final, soáalmente como comportamento social mente relevante dominado ou dominável pela vontade, negativamente como evitável não-evitação na posição de garantidor e pessoalmente como manifestação da personalidade, é possível concluir que a defi nição capaz de identificar o traço mais específico e, ao mesmo tempo, a característica mais geral da ação humana, parece ser a definição do modelo final de ação. A definição de ação como atividade dirigida pelo fim (nobre ou abjeto, altruísta ou egoísta, legal ou criminoso) destaca o traço que diferencia a ação de todos os demais fenômenos humanos ou naturais, e permite delimitar a base real capaz de incorporar os atributos axio- lógicos do conceito de crime, como ação típica, antijurídica e culpável. 65 Assim, MAURACH-ZIPF, Strafrecht, 1992, §16, n. 19, p. 195; também, ROXIN, Strafrecht, 1997, §8, n. 71, p. 214. 66 WESSELS/BEULKE, Strafrecht, 1998, n. 98, p. 27. 102 Capítulo 6 Teoria da A.ção Ao contrário, a exclusão da finalidade, como propósito consciente que unifica os movimentos particulares em um conjunto significativo, des- trói a especificidade da ação como fenômeno exclusivamente humano. Os critérios da causalidade, da relevância social' da evitável não-evitação ou da manifestação da personalidade não parecem possuir o poder definidor próprio do critério da finalidade, que permite integrar qualquer seqü ência de atos isolados na unidade psicossomática da ação humana. A causalidade é uma lei geral da natureza, a relevânáa social pode existir ou não existir na ação, a evitável não-evitação é um nó conceituai e a manifestação da personalidade parece transcender os limites do ego, como personalidade consciente, para incluir fenômenos do id e do superego, dimensões insconscientes da personalidade, cujas manifestações definem conflitos humanos incontroláveis. C apítu lo 7 T e o r i a d o T ip o I. Conceito e funções do tipo O conceito de tipo, introduzido por BELING na dogmática pe nal,1 pode ser definido de três diferentes pontos de vista: a) como tipo legal constitui a descrição do comportamento proibido, com todas suas características subjetivas, objetivas, descritivas e normativas, realizada na parte especial do CP (e leis complementares); b) como tipo de injusto representa a descrição da lesão do bem jurídico, compreendendo os fundamentos positivos da tipicidade (descrição do comportamento proibido) e os fundamentos negativos da antijuridicidade (ausência de causas de justificação); c) como tipo de garantia (tipo em sentido amplo) realiza a função político-criminal atribuída ao princípio da legalidade (art. 5o, XXXIX, CR), expressa na fórmula nullum crimen, nullapoena sine lege, e compreende todos os pressupostos da punibüidade: além dos caracteres do tipo de injusto (tipicidade e antijuridicidade), também os caracteres da culpabilidade como fundamentos de reprovação do autor pela realização do tipo de injusto, assim como as condições objetivas de punibilidade e os pressupostos processuais.2 1 BELING, Die Lebre von Verbrechen, 1906. 2 OTTO, Grundkurs Strafrecht, 1996, §5, n. 20, p. 45; ROXIN, Strafrecht, 1997, §10 I, n. 1 s., p. 225; WESSELS/BEULKE, Strafrecht, 1998, n. 117, p. 35. No Brasil, ver ZAFFARONI/PIERANGELI, Manual de Direito Penal brasileiro, 1997, n. 210-220, p. 445-447; TAVARES, Teoria do injusto penal.\ 2002, p. 172 s. 105 Teoria do Fato Punível Capítulo 7 II. Desenvolvimento do conceito de tipo O conceito de tipo definido por BELING como Tatbestand (situ ação de fato), fundado no modelo causai da filosofia naturalista do sé culo XIX, é objetivo e livre-de-valor: objetivo, porque todos os elementos subjetivos integram a culpabilidade; livre-de-valor, porque a tipicidade é neutra, e toda valoração legal pertence à antijuridicidade.3 O descobrimento de elementos subjetivos por FISCHER,4 MAYER5 e MEZGER,6 mostra que o tipo de injusto pode depender da direção de vontade do autor, como se comprovou, primeiro, em relação aos elementos subjetivos das causas de justificação, e depois, em relação ao próprio tipo legal, como a intenção de apropriação nos crimes patrimoniais, ou a tendência lasciva nos crimes sexuais.7 De pois, com o advento da teoria final da ação, preparada por WEBER8 e GRAF ZU DOHNA9 e desenvolvida plenamente por WELZEL,10 completa-se a subjetivação do conceito de tipo: a vontade consciente de realizar os elementos objetivos do fato é retirada da culpabilidade para integrar a dimensão subjetiva do tipo legal, como dolo de tipo. Assim, embora a ação descrita no tipo constitua uma unidade inter na e externa incindível, generaliza-se o modelo de compreensão dos 3 BELING, Die Lehre von Verbrecben, 1906, p. 112 e 147. No Brasil, ver MESTIERI, Manual de Direito Penall, 1999,p. 118-119; também, ZAFFARONI/PIERANGELI, Manual de Direito Penal brasileiro, 1997, n. 227-229, p. 452-456. 4 FISCHER, Die Rechtsmdrigkeit mit besonderer Berücksichtigung des Privatrechts, 1911. 5 M. E. MAYER, Strafhcht, 1915, p. 185-188. 6 MEZGER, Die subjektiven Unrechtselemente, GerS 89,1924, p. 109 s. 7 Assim, ROXIN, Strafrecht, 1997, §10, n. 8, p. 228. 8 WEBER, Zum A.ufbau des Strajrechtssystems, 1935. 9 GRAF ZU DOHNA, DerA.ujbau de Verbrechenslehre, 1936. 10 WELZEL, Das neue Bild des Strafrechtssystems, 1961, 4a. ed. No Brasil, ver MESTIERI, Manual de Direito P enall, 1999, p. 119. 106 Capítulo 7 Teoria do Tipo tipos de ação proibida ou mandada nas correspondentes dimensões subjetiva e objetiva, sob as designações simplificadas de tipo subjetivo e tipo objetivo. Por outro lado, a existência de elementos normativos no tipo legal, identificada por MAYER11 (por exemplo, o caráter alheio da coisa, no furto), descaracteriza a neutralidade do tipo livre-de-valor, de BELING. Os elementos normativos do tipo legal são elementos próprios da antijuridicidade, que integram a tipicidade porque de vem constituir objeto do dolo,12 subordinados, portanto, juntamente com os elementos descritivos, às conseqüências do erro de tipo. Os elementos normativos do tipo legal são muito mais numerosos do que originalmente se supunha, como demonstrou WOLF,13 porque mesmo supostos puros conceitos descritivos, como homem ou coisa, são conceitos normativos, ou seja, exigem uma valoração jurídica orientada para a antijuridicidade: a extensão do conceito de coisa em relação aos animais e à energia, por exemplo, assim como o juízo sobre a existência (já ou ainda) de um ser humano ^como objetos de proteção do Direito Penal, não podem ser reduzidos a elementos meramente descritivos.14 O tipo legal é uma complexa estrutura de elementos pertencentes às categorias neokantianas do ser e do valor, conforme demonstrou MEZGER:15 “O ato de criação legislativa do tipo (...) contém imediatamente a declaração de antijuridicidade, a fundamentação do injusto como injusto espeáalmente tipificado. O legislador cria, através da formação do tipo, a antijuridicidade específica: a tipicidade 11 M. E. MAYER, Strafrecht, 1915, p. 182-185. 12 ROXIN, Strafrecht, 1997, §10, n. 10, p. 229. 13 WOLF, Die Tjpen derTatbestandsmãssigkeit, 1931, p. 56-61. 14 ROXIN, Strafrecht, 1997, §10, n. 11, p. 229. 15 MEZGER, Vom Sinn der strafrechtlichen Tatbestànde, 1926, p. 187. 107 Teoria do Fato Punível Capítulo 7 da ação não é, de modo algum, a mera ratio cognoscendi, mas a própria ratio essendi da (especial) antijuridicidade. A. tipicidade transforma a ação em ação antijurídica, sem dúvida não por si só, mas em vinculação com a ausência de fundamentos especiais excludentes do injusto. ” A teoria do ripo como ratio essendi da antijuridicidade — e não simples ratio cognoscendi, predominante na literatura brasileira — é muito difundida na ciência moderna do Direito Penal e conduziu à teoria dos elementos negativos do tipo, bem como à discussão da autonomia da tipicidade em relação à antijuridicidade, como categoria sistemática do conceito de crime, com as resultantes concepções bipartida e tripartida do sistema de fato punível.16 A teoria dos elementos negativos do tipo unifica o tipo legal e a antijuridicidade, como descrição e valoração da ação humana realizada ou omitida, no conceito de tipo de injusto, porque o tipo legal descreve as características positivas Ao tipo de injus to, enquanto os preceitos permissivos excludentes da antijuridicidade constituem características negativas do tipo de injusto, separadas dos tipos legais por motivos técnicos, porque seria impraticável ler o tipo de injusto deste modo: matar alguém, exceto em legítima defesa, em estado de necessidade etc. — ou seja, homicídio em legítima defesa seria ação atípica e não ação típicajustificada17 (ver Conceito de Fato Punível, acima). 16 Comparar ROXIN, Strafrecht, 1997, §10, n. 12, p. 230; OTTO, Grundkurs Strafrecht, 1996, §5, n. 23, p. 46. No Brasil, apenas para exemplificar, BRANDÃO, Introdução ao Direito Penal, 2002, p. 115, entende que “a tipicidade, p o r ser portadora de uma valoração inicial, condu^ à antyuridiàdade, sendo o meio através do qual ela pode ser conhecida, sua ratio cognoscendi”; também MESTIERI, Manual de Direito P enall, 1999, p. 119, admite apenas a função de ratio cognoscendi da tipicididade em relação à antijuridicidade. Em posição contrária, MACHADO, Direito criminal: parte geral, 1987, p. 90-91, considera o tipo ratio essendi da antijuridicidade, conforme a teoria dos elementos negativos do tipo-, igualmente, REALE JR., Instituições de Direito Penal (parte geral), 2002, v. 1, p. 139-140, considera que o tipo “não é apenas a ratio cognoscendi da antijuridicidade, mas a sua ratio essendi.” 17 ROXIN, Strafrecht, 1997, §10, n. 14, p. 231. , 108 Capítulo 7 Teoria do Tipo III. Adequação social e exclusão de tipicidade A teoria da adequação social,' formulada por WELZEL, exprime o pensamento de que ações realizadas no contexto da ordem social histórica da vida18 são ações socialmente adequadas — e, portanto, atípicas, ainda que correspondam à descrição do tipo legal. As lesões corporais ou homicídios compreendidos nos limites do dever de cuidado ou do risco permitido na circulação de veículos, no funcionamento de indústrias, ou na prática de esportes, por exemplo, não preenchem nenhum tipo legal de lesão, por força de sua adequa ção social. Igualmente, ações abrangidas pelo princípio da insignificânáa (Geringfugigkeitsprinzip) não são típicas: a entrega de pequenos pre sentes de final-de-ano a empregados em serviços públicos de coleta de lixo ou de correios, em face de sua generalizada aprovação, não constituem corrupção; jogos de azar com pequenas perdas ou ganhos não são puníveis; manifestações injuriosas ou difamatórias no âmbito familiar são atípicas.19 Se o tipo legal descreve injustos penais, então, evidentemente, não pode incluir ações socialmente adequadas. A opinião dominante compreende a adequação social como liipó- tese de exclusão de tipicidade,20 mas existem setores que a consideram como justificante,21 como exculpante,22 ou como princípio geral de interpretação da lei penal.23 Sem dúvida, a adequação socialé um princí 18 WELZEL, Das Deutsches Strafrecht, 1969, §10, p. 56. 19 ROXIN, Strafrecht, 1997, §10, n. 40, p. 243. No Brasil, comparar MESTIERI, Manual de Direito Penal 1 ,1999, p. 138-139. 20 JESCHECK/WEINGEND, Strafrecht, §25 IV, p. 251 s.; MAURACH-ZIPF, Stra frech t 1,1992, §17, n. 23, p. 222; HAFT, Strafrecht, 1994, p. 53. 21 SCHMIDHÀUSER, Lehrbuch, 1975, p. 9-26. 22 ROEDER, Die Einhaltung des so^aladàquaten Risikos, 1969. 23 HIRSCH, So^iale A.dãquan^ und Unrechtslehre, ZStW 74, 1962. DÕLLING, Die Behandlung derKorperverlet^ungim Sportim System derStrafrechtlichen So^ialkontrole, STsW 96,1984, p. 55. 109 Teoria do Fato Punível Capítulo 7 pio geral que orienta a criação e a interpretação da lei penal, mas sua atribuição à antijuridicidade pressupõe a ultrapassada concepção do tipo livre-de-valor, e sua compreensão como exculpante pressupõe uma inaceitável identificação entre a adequação social de determinadas ações e a natureza proibida do injusto.24 IV, Hlementos constitutivos do tipo legal: elementos obje tivos, subjetivos, descritivos e normativos O tipo de conduta proibida constitui uma unidade subjetiva e objetiva de elementos descritivos e normativos. O estudo do tipo legal como tipo objetivo e tipo subjetivo, integrado por componen tes descritivos e normativos, hoje generalizado na ciência do Direito Penal, parece uma necessidade metodológica para compreensão de conceitos fundados em relações de congruência subjetiva e objetiva, como dolo e erro de tipo, por exemplo. E importante destacar que os elementos constitutivos do tipo se entrecruzam, de modo que ele mentos objetivos podem ser descritivos (coisa), ou normativos (alheia)', igualmente, elementos subjetivos também podem ser descritivos (o dolo) ou normativos (a intenção de apropriação, na expressão para si ou para outrem, do furto). Em alguns tipos legais as dimensões subjetiva e objetiva estão entrelaçadas: assim, o artifício, ardil ou fraude, no estelio nato (art. 17.1), referem acontecimentos externos impensáveis sem a consciência interna do engano;25 por outro lado, elementos descritivos possuem, também, componentes normativos, porque dependentes de valorações jurídicas (o mencionado conceito de coisa, por exemplo). 24 ROXIN, Strafrecht, 1997, §10, n. 36, p. 241. 25 ROXIN, Strafrecht, 1997, §10, n. 53, p. 250. No Brasil, ver BRANDÃO, Introdução ao Direito Penal, 2002, p. 112-117. 110 Capítulo 7 S1SBI/UFU 244152 Teoria do Tipo V. Modalidades de tipos Além do agrupamento dos tipos legais pela natureza do bem jurídico protegido, característica dos códigos penais, em geral, os tipos legais podem ser classificados segundo outros critérios. 1. T ip o s d e r e su l ta d o e d e s im p l e s a tiv idade. Segundo a relação entre ação e resultado, os tipos podem ser de resultado ou de simples atividade: a) os tipos de resultado compreendem uma separação espaço- temporal entre ação e resultado, ligados por uma relação de causalida de, como o homicídio (art. 121), o furto (art. 155), o estelionato (art. 171); uma categoria especial de tipos de resultado é formada pelos tipos qualificadospelo resultado, em que a realização de um tipo-base (lesão corporal simples, roubo etc.) produz, adicionalmente, pelo menos de forma imprudente — apesar de sua inconstitucionalidade —, determi nadas conseqüências especialmente graves, como a morte da vítima (129, §3° e 157, §3°); b) os tipos de simples atividade se completam com a realização da ação, sem qualquer resultado independente, como a violação de domicílio (art. 150), o falso testemunho (art. 342) etc. A distinção possui interesse prático, porque relação de causalidade (entre ação e resultado) somente existe nos tipos de resultado, não nos tipos de simples atividade.26 2. T ip o s s im p l e s e c o m p o s t o s . Segundo a quantidade de bens jurídicos protegidos os tipos podem ser simples e compostos: a) os tipos simples protegem apenas um bem jurídico, como o homicídio (vida), a lesão corporal (integridade ou saúde corporal), o dano (patrimônio) etc. b) os tipos compostos protegem mais de um bem jurídico, como o roubo, a extorsão mediante seqüestro etc., que protegem o patrimônio 26 OTTO, Grundkurs Strafrecht, 1996, §4, n. 8-10, p. 40; ROXIN, Strafrecht, 1997, §10, n. 102-104, p. 274; WESSELS/BEULKE, Strafrecht, 1998, n. 22-24, p. 7. 1 1 1 Teoria do Fato Punível Capítulo 7 e a liberdade individual, assim como a integridade corporal e a vida, nas modalidades qualificadas pelo resultado (art. 157, §3° e 159, §§2° e 3o).27 3. T ip o s d e l e s ã o e d e p e r i g o . Conforme o tipo descreva uma lesão do objeto de proteção, ou um perigo para a integridade do objeto de proteção, distingue-se entre tipos de lesão e tipos de perigo: a) os tipos de lesão — a maioria dos tipos legais — se caracterizam pela lesão real do objeto da ação, como o homicídio, a lesão corporal etc.; b) os tipos de perigo descrevem somente a produção de um perigo para o objeto de proteção, distinguindo-se, por sua vez, em tipos de perigo concreto e tipos de perigo abstrato. Nos tipos de perigo concreto, a realização do tipo pressupõe a efetiva produção de perigo para o objeto da ação, de modo que a au sência de lesão do bem jurídico pareça meramente acidental, como o perigo de contágio venéreo (art. 130), o perigo para a vida ou a saúde de outrem (art. 132), o incêndio (art. 250), a explosão (art. 251) etc. Segundo a moderna teoria normativa do resultado de perigo, de SCHÜ- NEMANN, o perigo concreto se caracteriza pela ausência casual do resultado, e a casualidade representa circunstância em cuja ocorrência não se pode confiar.28 Nos tipos de perigo abstrato, a presunção de perigo da ação para o objeto de proteção é suficiente para sua penaüzação, independente da produção real de perigo para o bem jurídico protegido, como o abandono de incapaz (art. 133), a difusão de doença ou praga (art. 259) etc.29 Atualmente, discute-se a constitucionaüdade dos tipos de 27 ROXIN, Strafrecht, 1997, §10, n. 125, p. 282. 28 SCHÜNEMANN, Modeme Tenden^en in der Dogmatik der Fahrlãssigkeits- und Gefàhr- dungsdelikte, JA 1975, p. 793 s. 29 ROXIN, Strafrecht, 1997, §10, n. 122-123, p. 281; WESSELS/BEULKE, Strafrecht, 1998, n. 25-30, p. 7-8. 112 Capítulo 7 Teoria do Tipo perigo abstrato: JAKOBS30 afirmou a ilegitimidade da incriminação em áreas adjacentes à lesão do bem jurídico; GRAUL31 rejeita a presun ção de perigo dos crimes de perigo abstrato; SCHRÕDER32 propôs admitir a prova da ausência de perigo; CRAMER33 pretendeu redefinir o perigo abstrato como probabilidade de perigo concreto. Por outro lado, destacando a finalidade de proteção de bens jurídicos atribuída aos tipos de perigo abstrato, aparentemente indissociáveis de políticas comprometidas com o equilíbrio ecológico, o controle das atividades econômicas e, de modo geral, a garantia do futuro da humanidade no planeta, HORN e BREHM34 propõem fundar a punibilidade do perigo abstrato na contrariedade ao dever; como um perigo de resultado (e não como um resultado de perigo) e FRISCH35 pretende compreender os delitos de perigo abstrato como delitos de aptidão (Eignungsdelikte), fundado na aptidão concreta ex ante da conduta para produzir a con seqüência lesiva. 4. Tipos instantâneos (ou de estado) epermanentes (ou duráveis). Do ponto de vista da conclusão imediata ou da manutenção tempo ral da situação típica, os tipos podem ser instantâneos (ou de estado) e permanentes (ou duráveis): a) os tipos instantâneos se completam com a produção de determinados estados, como o homicídio (art. 121), a lesão corporal (art. 129), o dano (art. 163); tipos como os de biga mia (art. 235) ou contra o estado de filiação (art. 241, 242 e 243), ao contrário do que se poderia pensar, são instantâneos, porque embora o autor aproveite a situação criada, não existe nenhuma constante 30 JAKOBS, Kriminalisierungim l/orfeldeinerRechtsgutsverlet^ung, ZStW 97,1985, p. 751 s. 31 GRAUL, Abstrakte Gefãhrdungsdelikte und Pràsumtionen im Strafrecht, 1991. 32 SCHRÕDER, Die Gefãhrdungsdelikte im Strafrecht, ZStW 81,1969, p. 14 s. 33 CRAMER, Der Vollrauschtatbestand ais abstraktes Gefãhrdungsdelikte 1962, p. 67 s. 34 HORN, Konkrete Gefãhrdungsdelikte, 1973, p. 28 s.; BREHM, Zur Dogmatik des abs- trakten Gefãhrdungsdelikts, 1973, p. 126 s. 35 FRISCH, A.n den Gren^en des Strafrechts, Stree/Wessels-FS, 1993, p. 69. 113 Teoria do Tato Tunível Capítulo 7 repedçao do casamento ou de falsas declarações sobre o estado das pessoas.36 b) os tipos permanentes não se completam na produção de determinados estados, porque a situação típica criada se prolonga no tempo conforme a vontade do autor, como o seqüestro ou cárcere privado (art. 148), a violação de domicílio (art. 150), em que a con sumação já ocorre com a realização da ação típica, mas permanece em estado de consumação enquanto dura a invasão da área protegida pelo tipo legal. O interesse prático da distinção relaciona-se à autoria e parti- cipação, assim como ao concurso de tipos: nos tipos permanentes é possível a co-autoria e a participação por cumplicidade após a consumação, porque o tipo não está, ainda, terminado ou exaurido; igualmente, durante a realização de um tipo permanente podem ser realizados tipos instantâneos, em concurso material, como, por exem plo, estupro da vítima do seqüestro ou da violação de domicílio.37 5. T ip o s g e r a i s , e s p e c ia i s e d e m ã o p róp r ia . Do ponto de vista do círculo de autores, os tipos classificam-se cm gerais e especiais: a) os tipos gerais podem ser realizados por qualquer pessoa, como homicídio, lesão corporal, furto; b) os tipos espeáais somente podem ser realizados por sujeitos portadores de qualidades descritas ou pressupostas no tipo legal, como a qualificação de funcionário público no peculato (art. 312), na concussão (art. 316), na corrupção passiva (art. 317) etc. Complementarmente, distinguem-se os tipos especiais em próprios e impróprios: a) tipo especial próprio, se a qualidade especial do autor fun damenta a punibilidade, como os crimes do funcionário público contra a administração em geral; b) tipo especial impróprio, se a qualidade especial do autor apenas agrava a punibilidade, como a qualidade de 36 ROXIN, Strafrecht, 1997, §10, n. 106, p. 275. 37 ROXIN, Strafrecht, 1997, n. 106-107, p. 275; WESSELS/BEULKE, Strafrecht, 1998, n. 31-33, p. 8. 114 Capítulo 7 Teoria do Tipo funcionário público na falsificação de documento público (art. 297, §1°) ou na falsidade ideológica (art. 299, parágrafo único).38 Finalmente, tipos de mão própria somente podem ser realizados por autoria direta, como o falso testemunho (art. 342) — e, portanto, consdtuem exceção à regra de que os tipos penais podem ser realizados por autoria direta ou mediata.39 6. Tipo básico, variações do tipo básico e tipos independentes. O tipo básico representa a forma fundamental do tipo de injusto, contendo os pressupostos mínimos de punibilidade que determinam seu caráter de injusto típico, como a lesão corporal (art. 129), o furto (art. 155) etc. Freqüentemente, vinculadas ao tipo básico, aparecem variações típicas qualificadoras ou privilegiantes do tipo básico, pelo acréscimo de características ligadas ao modo de execução, ao emprego de certos meios, às relações entre autor e vítima ou a circunstâncias de tempo ou de lugar, que agravam ou atenuam a punibilidade do fato, como o homicídio qualificado (art. 121, §2°) ou privilegiado (art. 121, §1°) em relação ao homicídio simples (art. 121). A dependência das variações típicas, qualificadoras ou privilegiantes, em relação ao tipo básico, significa, por um lado, que as características do tipo bá sico permanecem inalteradas nas formas qualificadas e privilegiadas e, por outro lado, que essas variações típicas constituem lex specialis em relação ao tipo básico, excluído como norma geral. Em caso de existência simultânea de características de formas qualificadoras e de formas privilegiantes reciprocamente excludentes, prevalecem as formas privilegiantes, como, por exemplo, o homicídio por motivo de relevante valor social ou moral (art. 121, §1°), realizado com emprego 38 OTTO, Grundkurs Strafrecht, 1996, §4, n. 19-20, p. 41; ROXIN, Strafrecht, 1997, §10, n. 129-130, p. 283; WESSELS/BEULKE, Strafrecht, 1998, n. 39-40, p. 9. 39 OTTO, Grundkurs Strafrecht, 1996, §4, n. 21, p. 41; WESSELS/BEULKE, Strafrecht, 1998, n. 40, p. 9. 115 Teoria do Fato Punível Capítulo 7 de veneno (art. 121, 52o).40 Os tipos independentes (também chamados delictum suigeneris) não se confundem com variações típicas qualificadoras ou privilegiantes, porque possuem seu próprio conteúdo típico: o roubo (art. 157) em relação ao furto (art. 155) e ao constrangimento ilegal (art. 146), contém as características destes últimos dois tipos, mas através da combinação dessas características constitui um tipo legal próprio e independente; igualmente, o infanticídio (art. 123) em relação ao homicídio (art. 121).41 7. T ip o s d e a ç ã o e d e o m is s ã o d e a çã o . Do ponto de vista das for mas básicas do comportamento humano, os tipos podem ser de ação ou de omissão de ação: a) os tipos de ação correspondem a comportamentos ativos, descritos em forma positiva no tipo legal, como o furto (art. 155), o estupro (art. 213); b) os tipos de omissão de ação correspondem a comportamentos passivos que podem se apresentar como omissão própria ou como omissão ir?jprópria: a omissão própria é descrita de forma negativa no tipo legal e se caracteriza pela simples omissão da ação mandada, que infringe o dever jurídico de agir, como a omissão de socorro (art. 135), ou a omissão de notificação de doença (art. 269); a omissão imprópria (ou comissão por omissão) constitui o reverso dos tipos de ação e se caracteriza pela atribuição do resultado típico a sujeitos em posição de garantidor do bem jurídico que, com infração do dever jurídico de agir, omitem a ação mandada para impedir o re sultado, como o pai que, podendo salvar o filho que caiu na piscina, conscientemente não impede sua morte por afogamento.42 40 ROXIN, Strafrecht, 1997, §10, n. 131-132, p. 284; WESSELS/BEULKE, Strafrecht, 1998, n. 107-109, p. 31. 41 ROXIN, Strafrecht, 1997, §10, n. 134, p. 285. 42 OTTO, Grundkurs Strafrecht, 1996, §4, ns. 3-7, p. 39; WESSELS/BEULKE, Strafrecht, 1998, n. 34 s., p. 8-9. 116 Capítulo 7 Teoria do Tipo 8. Tipos dolosos eimprudentes. Por outro lado, a ação e a omissão de ação podem ser classificadas em dolosas e imprudentes: a) as ações e omissões dolosas são produzidas pela vontade conciente do autor; b) as ações e omissões imprudentes são produzidas pela lesão do dever de cuidado ou do risco permitido. Esta classificação permite siste matizar o estudo dos tipos legais em estruturas típicas diferenciadas, cada uma delas com características próprias, que compreendem todos os tipos de crimes: a) o tipo de injusto doloso de ação; b) o tipo de injusto imprudente; c) o tipo de injusto de omissão de ação (doloso e imprudente). O estudo das estruturas típicas fundamentais do Direito Penal brasileiro obedecerá esse sistema de classificação. 117 C apítu lo 8 O T ipo d e In ju st o D o lo so d e A ção Os crimes dolosos cometidos por ação representam o segmento principal da criminalidade, compreendendo a violência pessoal, sexual e patrimonial e a fraude em geral, que exprimem a imagem estereoti pada de crime da psicologia social, pois as formas de comportamentos imprudentes e omissivos não impressionam o sentimento popular e, afinal, são punidos por exceção. O estudo da estrutura dos tipos de injustos dolosos de ação utiliza as categorias de tipo objetivo e tipo subjetivo introduzidas pelo finalismo na moderna sistemática dos fatos puníveis. Do ponto de vista da gênese da ação típica, esse estudo deveria começar pelo tipo subjetivo, porque o dolo, constituído pela vontade consciente de realizar o tipo objetivo de um crime, representa a energia psíquica dirigida ã produção da ação incriminada e, portanto, o tipo subjetivo precede funcional e logicamente o tipo objetivo. Todavia, porque as ações típicas manifestam sua existência como realidade objetivada, cuja configuração concreta é o ponto de partida da pesquisa empírica do fato criminoso, o tipo objetivo deve constituir a base do processo analítico de (re) construção do conceito de crime.1 1 Ver JAKOBS, Strafrecht., 1993, 7/1, p. 183; também, WELZEL, Das Deutsche Stra frecht, 1969, p. 63. 119 Teoria do Fato Punível Capítulo 8 II. Tipo objetivo Nos tipos dolosos de resultado, a atribuição do tipo objetivo pressupõe dois momentos essenciais, constituídos pela causação do resultado, explicada pela lógica da determinação causai.’ e pela imputação do resultado, fundada no critério da realização do risco, examinados nesta seqüência: primeiro, verificar se existe relação de causalidade entre ação e resultado; segundo, decidir se o resultado é definível como realização do risco criado pelo autor e, assim, imputável ao autor como obra dele.2 Ao contrário, nos tipos dolosos de simples atividade, como a violação de domicílio, por exemplo, a tarefa de atribuição do tipo objetivo se esgota na subsunção da ação ao tipo legal respectivo, porque não existe um resultado exterior imputável ao autor. Neste ponto, é preciso reconhecer o seguinte: a) não parece mais possível confundir questões de causalidade e questões de imputação do resultado, como ainda faz a dogmática tradicional: a distinção entre causação e imputação do resultado, fundada na diversidade dos processos naturais de determinação causai (causação do resultado) e dos proces sos valorativos de atribuição típica (imputação do resultado), já está incorporada ao sistema conceituai da dogmática penal contemporânea; b) a imputação do resultado deve ser decidida pelo critério da realização do risco, formulado pela teoria da elevação do risco (Risikoerhõhungslehre) de ROXIN,3 cada vez .mais difundida na moderna literatura jurídi 2 ROXIN, Strafrecht, 1997, §11, n. 1, p. 291; JAKOBS, Strafrecht, 1993, 7/4b, p. 185. 3 ROXIN, Strafrecht, 1997, §11, n. 39-136, p. 310 s.; do mesmo, Gedanken ^urProblematik der Zurechnung im Strafrecht, Honig-FS, 1970; Pflichtmdrigkeit und Etfolg beifahrlãssigen Delikten, ZStW 74,1962. 120 Capítulo 8 O Tipo de Injusto Doloso de Ação co-penal como critério de atribuição do dpo objetivo:4 a relação de causalidade é o primeiro, mas não o único pressuposto de imputação objetiva do resultado típico.5 1. Causação do resultado O conceito de causalidade encontra-se em crise desde que a física quântica demonstrou que a emissão de eletrons, no interior da estrutura atômica, não é determinada por leis causais, mas por leis estatísticas de natureza probabilística, pondo em xeque não apenas o conhecimento científico anterior sobre relações de causa e efeito dos fenômenos naturais — definidas como categorias do ser—, mas também a concepção filosófica kantiana, segundo a qual a causalidade, como pressuposto de toda experiência, não seria mera determinação empírica do ser., mas categoria apriorística do pensamento.6 Todavia, a controvérsia 4 Ver, entre outros, BURGSTALLER, Das Fahrlãssigkeítsdelikt im Strafrecht, 1974; OTTO, Grundkurs Strafrecht, 1996, §6, p. 52 s.; RUDOLPHI, Vorhersehbarkeit und Schut^weck derN orm in der strafrechtlichen Fahrlàssigkeitslehre, JuS 1969; SCHÜNE- MANN, Modeme Tenden^en in der Dogmatik der Fahrlàssigkeits und Gefãhrdungsdelikte, JA, 1975; STRATENWERTH, Bemerkungen %um Prin^ip derRisikoerhõhung, Gallas-FS, 1973; WOLTER, Objektive undpersonale Zurechnung von Verhalten, Gefahrund Verlet^ung in einem funktionalen Strafiatssystem, 1981; FRISCH, Tathestandsmàssiges Verhalten und Zurechnung des Eífolgs, 1988; no Brasil, TAVARES, A s controvérsias em tomo dos crimes omissivos, 1996, p. 57-59. 5 Assim, ROXIN, Strafrecht, 1997, §11, n. 1, p. 291-292; WESSELS/BEULKE, Stra frech t, 1998, n. 48, p. 48. 6 Ver a monografia clássica de WERNER HEISENBERG, Quantentheorie und Philoso- phie, 1979, p. 63-64; também, TAVARES, A s controvérsias em tomo dos crimes omissivos, 1996, p. 15-18. 121. Teoria do Tato Punível Capítulo 8 sobre leis causais ou probabilísticas da física nuclear não parece pre judicar o poder explicativo do conceito de causalidade como categoria filosófica e científica utilizada pelo jurista para compreender os fatos da vida diária.7 No Direito Penal, as duas mais importantes teorias sobre relação de causalidade são a teoria da equivalênda das condições e a teoria da adequação, a seguir descritas. 1.1. Teoria da equivalência das condições A teoria da equivalência das condições,8 dominante na literatura e jurisprudência contemporâneas, pode ser reduzida a dois conceitos centrais: a) todas as condições determinantes de um resultado são necessárias e, por isso, equivalentes; b) causa é a condição que não pode ser excluída hipoteticamente sem excluir o resultado.9 Nesse sentido, causa é uma condião sine qua non do resultado, ou seja, a condição sem a qual o resultado não pode existir: se um motorista embriagado dirige na contramão e provoca uma colisão, a ingestão de álcool deve ser definida como causa do acidente, porque excluída mentalmente essa condição, o motorista teria dirigido na correta mão de direção, e o acidente não teria ocorrido. O método da teoria da equivalência das condições para determi nar relações de causalidade sofreu críticas contundentes, mas parece ter sobrevivido a todas elas. Primeiro, o critério da exclusão hipotética seria excessivo: no exemplo acima referido também seriam definíveis 7 Instrutivo, ROXIN, Strafrecht., 1997, §11, n. 3, p. 292. 8 Fundada por JULIUS GLASER, Abhandlungen aus dem Õsterreichischen Strafrecht, 1858 e desenvolvida por MAXIMILIAN VON BURI, Über Causalitàt und deren Veran- twortung, 1873. No Brasil, ver a excelente exposição de TAVARES, Teoria do injusto penal, 2002, p. 256-268. 9 Ver, por todos, KÜHL, Strafrecht, 1997, §4, n. 9, p. 25. 122 Capítulo 8 O Tipo de Injusto Doloso de Ação como causas a vítima, os fabricantes dos veículos, os engenheiros que planejaram e construíram a rodovia, os pais dos protagonistas, a in venção do motor a explosão, e assim por diante, porque excluídas suas contribuições, o resultado igualmente não teria ocorrido.10 Segundo, o método conduziria a erro em situações de, causalidades hipotéticas e alternativas: no caso de causalidades hipotéticas, o argumento de mé dicos acusados de execução de doentes mentais, em cumprimento de ordens superiores do regime nazista, de que em caso de recusa pessoal de cumprir tais ordens outros médicos as cumpririam exata mente do mesmo modo, conduziria a conclusões absurdas: excluído o comportamento dos médicos acusados, o resultado permaneceria idêntico pela ação hipotética dos médicos substitutos — logo o com portamento daqueles não seria causa do resultado; como, por outro lado, a ação hipotética dos médicos substitutos não constitui causa de nenhum resultado, conclui-se que a morte das vítimas teria sido sem causa; no caso de causalidades alternativas, se A e B adicionam, independentemente um do outro, doses igualmente mortais de veneno na bebida de C, o resultado não desaparece com a exclusão alternativa daquelas ações: as doses individuais de veneno teriam eficácia real e, isoladamente, determinariam o resultado.11 Terceiro, a teoria seria inútil para pesquisa da causalidade, porque pressupõe precisamente o que deveria demonstrar: para saber, por exemplo, se o calmante Contergan (ou Talidomida), tomado durante a gravidez, teria causado deforma ções no feto, de nada adiantaria excluir hipoteticamente a ingestão do medicamento, e perguntar se o resultado, então, desapareceria; para responder esta pergunta seria preciso saber se aquele medicamento é causador de deformações no feto e, se já existe esse conhecimento, a pergunta seria ociosa: assim, a fórmula da exclusão hipotética parece 10 Mais detalhes, ROXIN, Strafrecht, 1997, §11, n. 5, p. 293. No Brasil, ver TAVARES, Teoria do injusto penal, 2002, p. 23. 11 Ver ROXIN, Strafrecht, 1997, §11, n. 12, p. 296. 123 Teoria do Fato Punível Capítulo 8 pressupor o que somente através dela deveria ser pesquisado}2 A crítica de ser excessiva — no caso do regresso ao infinito — ou de ser insuficiente—no caso das causalidades hipotéticas — foram refutadas por SPENDEL13 e, depois, por WELZEL,14 ao mostrarem que a teoria da equivalência trabalha somente com condições concretamente reali%adas:xs o resultado é o produto concreto de condições reais, e não de condições hipotéticas possíveis ou prováveis, que não são ações reais, nem integram processos históricos concretos; além disso, a alteração de qualquer condição implicaria mudança do resultado concreto, que jamais seria igual, como observa SCHLÜCHTER16 sobre o exemplo de ENGIS- CH: B utilizaria a arma de A, se não tivesse utilizado a arma fornecida por C, para agredir D. Por outro lado, a fórmula aperfeiçoada da teoria resolve o problema das causalidades alternativas, como demonstrou também WELZEL:17 se o resultado não desaparece com a exclusão alternativa, mas desaparece com a exclusão cumulativa das condições, então ambas condições são causas do resultado. Finalmente, a crítica de ser inútil para pesquisa da causalidade é injusta: para demonstrar se determinado fator ou meio pode ser considerado causa concreta de um resultado, é indispensável prévio conhecimento abstrato da eficá cia causai geral desse fator ou meio, pressuposto lógico da fórmula de pesquisa causai da teoria da equivalência, que não se confunde com pesquisa de propriedades físicas ou químicas de elementos naturais. 12 ROXIN, Strafrecht, 1997, §11, n. 11, p. 295-296, que, na área da causalidade, trabalha com a teoria da equivalência; TAVÀRES, -As controvérsias em tomo dos crimes omissivos, 1996, p. 53-54. 13 SPENDÉL, Die Kausaãtatsformel des Bedingungstheoriejur die Handlungsdelikte, 1948, p. 38. 14 WELZEL, Das Deutsche Strafrecht, 1969, §9, p. 44. 15 SPENDEL, Die Kausaütãtsformel des Bedingungstheoriefurdie Handlungsdelikte, 1948, p. 38. 16 SCHLÜCHTER, Grundfàlle %ur hehre von derKausalitàt, 1976, p. 518. 17 WELZEL, Das Deutsche Strafrecht, 1969, §9, p. 45. No Brasil, ver TAVARES, Teoria do injusto penal, 2000, p. 211-212. 124 Capítulo 8 0 Tipo de Injusto Doloso de Ação Para evitar essas críticas JESCHECK/WEIGEND18 trabalham com o critério da relação regular entre ação e resultado: o critério da condição regular permitiria fixar relações de causalidade em hipóteses de certeza sobre sua existência, mas seria passível das mesmas críticas para identificar a causa do resultado em hipóteses de dúvida sobre os efeitos reais da condição considerada (caso do Contergan)P De qualquer modo, no Direito Penal brasileiro o critério da condição regular poderia funcionar apenas como critério auxiliar, porque o legislador adotou, no art. 13, do Código Penal, a fórmula da exclusão hipotética da con dição para determinar a relação de causalidade — embora critérios científicos devam ser elaborados pela doutrina e pela jurisprudência, nunca pela lei. Art. 13. O resultado, de que depende a existência do crime, somente é imputável a quem lhe deu causa. Considera-se causa a ação ou omissão sem a qual o resultado não teria ocorrido. A moderna distinção entre causação e imputação do resultado, ex pressões dos processos de determinação causai e de atribuição pessoal do resultado, parece ter ajudado a resolver problemas antigos da teoria da equivalência das condições, observados os seguintes princípios: 1. O resultado é o produto real de todos os fatores que o constituem: no limite, a ação do médico que protela a morte inevitável do paciente é condição do resultado de morte deste, porque influi na existência real do acontecimento concreto; contudo, como a causalidade não é o único critério de atribuição, a mera existência da condição não permite atribuir o resultado de morte ao médico.20 2. A relação de causalidade é interrompida somente por curso causai 18 JESCHECK/WEIGEND, Tehrbuch des Strafrechts, 1996, §28,1-V, p. 277-289. 19 ROXIN, Strafrecht, 1997, §11, n. 14, p. 297. 20 Para uma análise abrangente, ROXIN, Strafrecht, 1997, §11, n. 20, p. 301. 125 Teoria do Fato Punível Capítulo 8 posterior absolutamente independente, que produz diretamente o resul tado, anulando ou destruindo os efeitos do curso causai anterior: antes de qualquer ação do veneno colocado por A na comida de B, este morre em acidente de trânsito ao sair do restaurante, ou varado pelo projétil disparado por C. Essa independência do novo curso causai deve ser absoluta, não basta independência relativa: se o acidente ocorre por causa do mal-estar produzido pela ação do veneno, então a ação de A é fator constitutivo do resultado concreto e, desse modo, causa do resultado. Essa conseqüência decorre da separação entre causação e imputação do resultado, que permite admitir, sem necessidade de disfarces ou razões artificiosas, relações causais realmente existentes — como é o caso das liipóteses da chamada independência relativa —, deixando a questão da atribuição do resultado para ser decidida por outros critérios.21 E importante notar que a lei brasileira considera a independência relativa do novo curso causai como excludente da impu tação do resultado — e não como excludente da relação de causalidade, admitindo, portanto, a moderna distinção entre causação e imputação do resultado (art. 13, §1°). Art. 13, §1°. A superveniência de causa relativamente in dependente exclui a imputação quando, p or si só, produziu o resultado; os fatos anteriores, entretanto, imputam-se a quem os praticou. 3. Conseqüentemente, embora o resultado ainda não possa ser imputado ao autor, não se interrompe a relação de causalidade nas seguintes situações: a) por encadeamentos anormais ou incomuns de condições: 1) A fere B, que morre no hospital por conseqüência da anestesia, de erro médico ou intoxicado pela fumaça de incêndio no hospital; 2) A dá um murro 21 Instrutivo, ROXIN, Strafrecht, 1997, §11, n. 29, p. 305. 126 Capítulo 8 O Tipo de Injusto Doloso de Ação em B, que morre ao bater a cabeça, fortuitamente, contra o meio-fio do passeio; 3) A produz pequeno ferimento em B, que morre por efeito de condição preexistente (como a hemofilia) ou posterior (como a gangrena, por negligência da vítima);22 b) por ações dolosas ou imprudentes de terceiros entre a ação e o resultado: 1) se o marido mata a mulher com veneno entregue pela amante, a ação dolosa daquele não interrompe a relação de causalidade entre a ação da amante e a morte da esposa, mesmo que aquela desconheça a finalidade do veneno; 2) se o hóspede entrega ao camareiro casaco com revólver no bolso, e este mata o colega de serviço ao pressionar, por brincadeira, o gatilho da arma em direção deste, a ação imprudente do camareiro não interrompe a relação de causalidade entre a ação do hóspede e a morte da vítima;23 c) por mediação do psiquismo de outrem entre ação e resultado, como indicam as hipóteses de instigação, ou de lesão patrimonial fraudulenta por erro da vítima, independente do ponto de vista so bre determinação ou liberdade dos atos psíquicos: a possibilidade de outra decisão, que poderia ter existido mas que não existiu, não exclui a causalidade, porque a decisão concreta é sempre motivada por este ou por aquele fator.24 4. Ações que impedem ou excluem cursos causais de salvação da ví tima são causa do resultado, se aqueles cursos causais possuem, com probabilidade próxima da certeza, eficácia (liipotética) para evitar o resultado típico: B morre porque A retém ou desvia a bóia lançada para salvá-lo, ou porque C destrói o frasco do único medicamento capaz de impedir sua morte.25 Estas são hipóteses de interrupção de 22 ROXIN, Strafrecht, 1997, §11, n. 26, p. 303-304. 23 Mais exemplos, ROXIN, Strafrecht, 1997, §11, n. 27-28, p. 304. 24 ROXIN, Strafrecht, 1997, §11, n. 30, p. 305. 25 ENGISCH, Die Kausaãtãt ais Merkmal der strafrechtlichen Tatbestànde, 1931; ARMIN KAUFMANN, DieDogmatik derUnterlassungsdelikte, 1959; ROXIN, Strafrecht, 1997, §11, n. 32-33, p. 306-307. 127 Teoria do Fato Punível Capítulo 8 causalidades dirigidas à proteção do bem jurídico: impedir a ação de processos ativados para proteção do bem jurídico tem a mesma eficácia causai que acionar processos de destruição do bem jurídico, se ocorre o resultado de lesão pela exclusão daqueles ou atuação destes. Ao contrário, inexiste relação de causalidade se a ação obstada é ineficaz para excluir o resultado: o medicamento já está estragado, a força das águas não permite que a bóia alcance a vítima etc. Esta reformulação da teoria da equivalência das condições, à luz da distinção entre causação e imputação do resultado, conduz, na prática, a soluções semelhantes às da teoria seguida em texto anterior,26 mas sob nova linguagem e com argumentos mais convincentes. 1.2. Teoria da adequação A teoria da adequação27 considera causa a conduta adequada para produzir o resultado típico, excluindo condutas que produzem o resultado por acidente. A condição adequada eleva a possibilidade de produção do resultado, segundo uma prognose objetiva posterior, do ponto de vista de um observador inteligente colocado antes do fato, com os conhecimentos gerais de um homem informado pertencente ao círculo social do autor, além dos conhecimentos especiais deste: persuadir alguém a uma viagem de avião, que cai no mar pela explo são de uma bomba, não constitui condição adequada para a morte da vítima, porque um observador inteligente consideraria esse evento, antes da viagem, como inteiramente improvável — exceto se tivesse 26 Ver, por exemplo, CIRINO DOS SANTOS, Teoria do Crime, 1993, p. 31-32, que resolve esses problemas no âmbito do dolo, como é próprio do finalismo. 27 Fundada por JOHANNES VON KRIES, Die Prin^ipien der Warscbeinlichkátsrechnung, 1886, muito influente no direito civil; no Direito Penal, seguida por autores impor tantes, como ENGISCH, Die Kausalitãt ais Merkmal der strafrechtlichen Tatbestãnde, e MAURACH /ZIPF, Strafrecht, 1992, §18, p. 240-263. 128 Capítulo 8 O Tipo de Injusto Doloso de Ação conhecimento da existência da bomba.28 Contudo, se causa é condição adequada para produzir o resultado típico, então a teoria da adequação não seria simples teoria da causa lidade:29 pretende resolver, simultaneamente, questões de causalidade e questões de imputação, porque identificar a causa adequada para o resultado típico é, também, identificar o fundamento da atribuição do resultado ao autor, como obra dele. Como nota ROXIN, a teoria da adequação não é apenas uma teoria específica da causalidade, mas não constitui, ainda, uma teoria da imputação típica. MEZGER30 redefiniu a teoria da adequação como teoria da relevância jurídica, com o propósito de distinguir entre causação e imputação do resultado: a causação do resultado, fundada na teoria da equivalência; a imputação do resultado, fundada na relevância jurídica da causalidade, definida por sua adequação ao tipo legal.31 Hoje, enquanto setores da doutrina consideram a teoria da relevância capaz de permitir precisa separação entre causação e imputação objetiva do resultado,32 outros a consi deram (assim como a teoria da adequação) simples precursora de uma teoria geral da atribuição típica.33 28 ROXIN, Strafrecht, 1997, §11, n. 34-35, p. 308-309; WESSELS/BEULKE, Strafrecht, 1998, n. 169, p. 52. 29 Mais detalhes em ROXIN, Strafrecht, 1997, §11, n. 36-38, p. 309-310. 30 MEZGER, Strafrecht, 1949, p. 122. 31 Ver ROXIN, Strafrecht, 1997, §11, n. 38, p. 310; também, WESSELS/BEULKE, Strafrecht, 1998, n. 172, p. 53. 32 Ver, por exemplo, JESCHECK/WEIGEND, Lehrbuch des Strafrechts, 1996, §28, III, p. 284 s.; BLEI, Strafrecht 1,1983, §28; WESSELS/BEULKE, Strafrecht, 1998, n. 173, p. 53. 33 Assim, ROXIN, Strafrecht, 1997, §11, n. 38, p. 310. 129 Teoria do Tato Punível Capítulo 8 2. Imputação objetiva do resultado A imputação do resultado constitui juízo de valoração realizado em dois níveis, segundo critérios distintos: primeiro, a atribuição do tipo objetivo, conforme o critério da realização do risco\ segundo, a atribuição do tipo subjetivo, conforme o critério da realização do plano, especialmente relevante em relação aos desvios causais34 (cf. Atribuição subjetiva em desvios causais, adiante). A imputação do tipo objetivo consiste na atribuição do resultado de lesão do bem jurídico ao autor, como obra dele. A atribuição do resultado de lesão do bem jurídico pressupõe, primeiro, a criação de risco para o bem jurídico pela ação do autor e, segundo, a realização do risco criado pelo autor no resultado de lesão do bem jurídico. Em regra, a relação de causalidade entre ação e resultado representa realização do risco criado pela ação do autor e constitui fundamento suficiente para atribuir o resultado ao autor, como obra dele — mesmo na hipótese de desvios causais cuja verificação concreta amplia o risco de lesão do bem jurídico: a) a vítima é lançada do alto da ponte para se afogar nas águas do rio, mas morre ao esfacelar a cabeça na base de concreto de um dos pilares daquela; b) a vítima não morre por efeito dos disparos de arma de fogo, mas por infecção determinada pela assepsia inadequada dos ferimentos. Nessas hipóteses, o resultado não é um produto acidental,' mas a realização normal do perigo criado pelo autor e, portanto, obra dele?5 34 ROXIN, Strafrecht, 1997, §11, n. 6, p. 365-366 e §12, n. 144-145, p. 434-435; JAKOBS, Strafrecht, 1993,7/4a, p. 184. No Brasil, TAVARES, Teoria do injusto penal.\ 2002, p. 252-254. 35 ROXIN, Strafrecht, 1997, §11, n. 63, p. 321-322. No Brasil, ver TAVARES, Teoria do injusto penal.\ 2002, p. 279. 130 Capítulo 8 O Tipo de Injusto Doloso de Ação Cursos causais hipotéticos36 também não excluem a imputação do resultado ao autor: a atribuição do tipo objetivo não é excluída porque, na hipotética falta do autor real, supostos autores substitutos teriam realizado a ação (homicídios injustificados na guerra, sob o pressuposto de que, em qualquer caso, outros, os executariam; furtos cometidos sob a alegação de que outros o realizariam e, portanto, a coisa seria subtraída ao proprietário, deste modo ou daquele). Afinal, o ordenamento jurídico não pode anular suas proibições porque hi potéticas pessoas estariam igualmente dispostas à sua violação: nesses casos, o resultado aparece, sempre, como realização de risco criado exclusivamente pelo autor. Igualmente, não se exclui a atribuição do resultado nos casos em que o autor substituto teria agido em situação justificada (por exemplo, o particular que toma o lugar do carrasco e dispara a guilhotina, ou liga a energia da cadeira elétrica, ou libera as cápsulas de cianureto na câmara de gás, executando a pena de morte): somente as pessoas autorizadas pelo legislador podem realizar a ação típica, permanecendo a proibição em relação aos demais.37 O princípio de atribuição do tipo objetivo, definido como reali zação de risco criado pelo autor, significa que a atribuição é excluída se a ação do autor não cria risco do resultado, ou se o risco criado pelo autor não se realiza no resultado. 2.1. Ausência de risco do resultado A hipótese de ausênáa de risco do resultado abrange as situações em que a ação do autor não cria risco do resultado, ou reduz 0 ^sco Pre~ existente de resultado, assim exemplificadas: a) A envia B à floresta durante tempestade, na esperança de que um raio o fulmine: a casual 36 SAMSON, Hypothetische Kausakerlãufe im Strafrecht, 1972. 37 ROXIN, Strafrecht, 1997, §11, n. 53, p. 316-317. 131 Teoria do Tato Punível Capítulo 8 ocorrência desse resultado não constitui risco criado pelo autor e, portanto, o resultado não é atribuível ao autor como obra dele (embora causalmente relacionado à sua ação), porque acontecimentos baseados na mera casualidade não criam risco juridicamente relevante de lesão do bem jurídico; b) B consegue desviar da cabeça para o ombro de A, viga que despencava da parede de uma construção: a ação do autor redu% o preexistente perigo para a vítima e, assim, o resultado não pode ser atribuído ao autor como obra dele (embora causalmente relacionado à sua ação). Situações de redução de risco também podem ser resolvidas no âmbito da antijuridicidade, justificadas pelo estado de necessidade ou pelo consentimento presumido do ofendido, mas esse critério pressupõe definir como típicas ações que melhoram a situação do bem jurídico protegido, o que parece impróprio. Hipóteses de redução do risco nos limites entre exclusão da atribuição típica e ação justificada aparecem nas situações de substituição de um perigo por outro menos danoso para a vítima: o bombeiro lança a criança da janela superior da casa em chamas, ferindo-a gravemente, mas salvando-a de morte certa pelo fogo.38 2.2. Risco não realizado no resultado O resultado não pode ser atribuído se não constitui realização do risco criado pelo autor, embora relacionado causalmente com este: A fere B com dolo de homicídio, que morre em incêndio no hospital após bem sucedida intervenção cirúrgica. Neste caso, a ação do autor cria risco de lesão do bem jurídico, mas esse risco não se realiza no re sultado concreto, que não pode ser atribuído ao autor como obra dele (apenas, tentativa de homicídio): afirmar a realização do risco criado 38 Mais detalhes, ROXIN, Strafrecht, 1997, §11, n. 47-48, p. 314-315. 132 Capítulo 8 O Tipo de Injusto Doloso de A.ção pelo autor no resultado de morte da vítima significaria admitir que o ferimento da vítima teria aumentado o risco de seu perecimento em incêndio, o que é absurdo.39 O resultado também não pode ser atribuído ao autor como rea lização do risco de lesão do bem jurídico nos casos de substituição de um risco p or outro e em hipóteses de contribuição da vítima para o resultado. No caso de substituição de um risco p or outro, o risco de ação pos terior substitui ou desloca risco anterior: a vítima ferida pelo autor com dolo de homicídio, morre (a) com o crânio esmagado no célebre acidente de trânsito da ambulância que o transporta para o hospital, (b) por erro médico na cirurgia (hemorragia por incisão inadvertida de artéria, administração de medicamento contra-indicado, parada cardíaca determinada pela anestesia etc.). No caso de erro médico, é preciso distinguir: se o resultado é produto exclusivo do risco poste rior, então é atribuído ao autor do risco posterior (o responsável pela falha médica, por exemplo); se o resultado é produto combinado de ambos os riscos (as lesões da vítima e a falha médica), então pode ser atribuído aos respectivos autores, embora sob rubricas diversas: dolo e imprudência.40 No caso de contribuição da vítima para o resultado, a atribuição des se resultado obedece ao seguinte: se o resultado é realização exclusiva de risco criado pela vítima, então é atribuível à vítima (por exemplo, resultado produzido pela troca despercebida de medicamento); se o resultado é produto de transformação ou desenvolvimento do risco criado pelo autor (gangrena do ferimento, por exemplo), então é atribuível ao autor — exceto em caso de conduta inteiramente irres ponsável da vítima (no caso da gangrena, se a vítima recusa socorro médico, apesar da evidência dos sintomas).41 39 ROXIN, Strafrecht, 1997, §11, ns. 39-42, p. 310-312, e n. 60, p. 320. 40 ROXIN, Strafrecht,, 1997, §11, n. 113, p. 348. 41 ROXIN, Strafrecht, 1997, §11, ns. 115-117, p. 349. 133 Teoria do Fato Punível Capítulo 8 III. Tipo subjetivo O elemento subjetivo geral àos tipos dolosos é o dolo, a energia psíquica fundamental dos crimes dolosos,42 que normalmente preen che todo o tipo subjetivo; freqüentemente, em conjunto com o dolo aparecem elementos subjetivos especiais, sob a forma de intenções ou de tendênáas especiais, ou de atitudes pessoais necessárias para precisar a imagem do crime ou para qualificar ou privilegiar certas formas básicas de comportamentos criminosos, que também integram o tipo subjetivo.43 Assim, o estudo do tipo subjetivo dos crimes dolosos tem por objeto (a) o dolo, como elemento subjetivo geral.\ excluído nas hipóteses de erro de tipo, e (b) as intenções, tendências ou atitudes pessoais, como elementos subjetivos especiais existentes em conjunto com o dolo em determinados delitos. 1. Dolo O dolo, conforme um conceito generalizado, é a vontade cons ciente de realizar um crime, ou, mais tecnicamente, vontade consciente de realizar o tipo objetivo de um crime, também definível como saber e q u e r e r em relação às circunstâncias de fato do tipo legal. Assim, o dolo é composto de um elemento intelectual (consciência, no sentido de representação psíquica) e de um elemento volitivo (vontade, no sentido 42 MAURACH/ZIPF, Strafrecht 1 ,1992, n. 51, p. 317. 43 JESCHECK/WEIGEND, Lehrbuch des Strafrechts, 1996, §30, I-III, p. 316-321; MAURACH/ZIPF, Strafrecht, 1992, §22, ns. 51-56, p. 317-319; WELZEL, Das Deutsche Strafrecht, 1969, §13, p. 77-80; também, CIRINO DOS SANTOS, Teoria do Crime, 1993, p. 23. 134 Capítulo 8 O Tipo de Injusto Doloso de Ação de decisão de agir), como fatores formadores da ação típica dolosa.44 O componente intelectual do dolo consiste no conhecimento atual das circunstâncias de fato do dpo objetivo, como representação ou percepção real da ação típica: não basta uma consciência potencial.’ ca paz de atualização, mas também não se exige uma consciência refletida, expressa pela verbalização45 (cf. A intensidade de representação das circunstâncias de fato, adiante). Esse elemento intelectual do dolo pode ser deduzido da regra sobre o erro de tipo: se o erro sobre ele mento constitutivo do tipo legal exclui o dolo, então o conhecimento das circunstâncias do tipo legal é componente do dolo.46 O componente volitivo do dolo (indicado na definição legal de crime doloso, art. 181, CP) consiste na vontade, informada pelo conhe- ámento atual.\ de realizar o tipo objetivo de um crime. O verbo querer; empregado para exprimir a vontade humana, é um verbo auxiliar que necessita de um verbo principal para explicitar seu conteúdo; neste caso, o verbo querer deve ser completado com o verbo realizar, por que o Direito Penal proíbe realizar crimes e, portanto, o componente volitivo do dolo define-se como querer realizar o tipo objetivo de um crime.47 A vontade, definida como querer realizar o tipo objetivo de um crime, deve apresentar duas características para constituir elemento do dolo: primeiro, a vontade deve ser incondicionada, no sentido de constituir uma decisão de ação já definida (se A pega uma arma sem saber se fere ou ameaça B, não há, ainda, vontade como querer reali- 44 Ver, como representantes da teoria dominante, JESCHECK/WEIGEND, Lehrbuch des Strafrechts, 1996, §29, II 2, p. 293; ROXIN, Strafrecht, 1997, §12, n. 4, p. 364; WELZEL, Das Deutsche Strafrecht, 1969, §13, p. 64; WESSELS/BEULKE, Sfrafncht, 1998, n. 203, p. 64 45 ROXIN, Strafrecht, 1997, §12, n. 111, p. 418; WELZEL, Das Deutsche Strafrecht, 1969, §13, p. 65. 46 JESCHECK/WEIGEND, Lehrbuch des Strafrechts, 1996, §29, II 2, p. 293. 47 WELZEL, Das Deutsche Strafrecht, 1969, §13, p. 66. 135 Teoria do Fato Punível Capítulo 8 %ar o ripo objetivo de um crime); segundo, a vontade deve ser capa^ de influenciar o acontecimento real, de modo que o resultado típico possa ser definido como obra do autor., e não como mera esperança ou simples desejo deste (se A envia B à floresta, durante a formação de uma tempestade, na esperança de que um raio o fulmine, não existe vontade como elemento do dolo, ainda que, de fato, B seja fulminado por um raio, porque o acontecimento concreto situa-se além do poder de influência do autor).48 Conseqüentemente, o dolo formado pelo conhecimento e pela vontade do autor tem por objeto a realização do tipo objetivo de um crime, como lesão ou perigo de lesão do bem jurídico protegido. O conheámento atual das circunstâncias de fato do tipo objetivo deve abranger os elementos presentes (a vítima, a coisa, o documento etc.) e futuros (o curso causai e o resultado) do tipo objetivo, mas não precisa apreender as condições objetivas de punibilidade (que não são circuns tâncias de fato), nem o resultado qualificador dos tipos qualificados pelo resultado (na hipótese de resultado qualificador imprudente).49 A delimitação do objeto do conhecimento — e, portanto, do alcance do dolo —, requer alguns esclarecimentos relacionados à natureza desse objeto: a) os elementos descritivos do tipo legal (homem, coisa etc.), como realidades concretas perceptíveis pelos sentidos, devem ser apreendidos na forma de sua existência natural; b) os elementos normativos do tipo legal (coisa alheia, documento etc.), como con ceitos jurídicos empregados pelo legislador, devem ser apreendidos conforme seu significado comum, segundo uma valoração paralela ao nível do leigo — a célebre fórmula de MEZGER —, e não no sentido da definição jurídica respectiva, porque, então, somente juristas seriam 48 WELZEL, Das Deutsche Strafrecht, 1969, §13, p. 66. 49 WELZEL, Das Deutsche Strafrecht, 1969, §13, p. 72-73. . 136 Capítulo 8 O Tipo de Injusto Doloso de A.cão capazes de dolo.50 Enfim, a vontade definida formalmente como deásão incondiáonada de realizar a ação típica representada pode ser concebida materialmente como projeção de energia psíquica lesiva de objetos protegidos no tipo legal. 1.1. Espécies de dolo A lei penal brasileira define duas espécies de dolo, delimitando as formas possíveis de realização dos crimes dolosos: dolo direto e dolo eventual (art. 18 1, CP). A definição legal de categorias científicas é inconveniente, pelo risco de fixar conceitos em definições contro vertidas ou defeituosas, como é o caso da lei penal brasileira: nem o dolo direto é definível pela expressão querer o resultado, porque existem resultados que o agente não quer,, ou mesmo lamenta, atribuíveis como dolo direto; nem a fórmula de assumir o risco de produzir o resultado, que reduz o conceito de dolo ao elemento volitivo, parece suficiente para definir o dolo eventual. Art. 18. Di%-se o crime: I — doloso, quando o agente quis o resultado ou assumiu o risco de produ%i-lo; Para começar, a teoria penal moderna distingue três espécies de dolo: a) a intenção, também denominada dolus directus de Io grau; b) o propósito direto, também denominado dolus directus de 2o grau; c) o propósito condicionado, ou dolus eventualis.51 Em linhas gerais, a intenção designa o que o autor pretende realizar; o propósito direto abrange as 50 MEZGER, Strafrecht., 1949, p. 328; também,JESCHECK/WEIGEND, Ijehrbuch des Strafrechts, 1996, §29, II 3, p. 295; MAURACH/ZIPF, Strafrecht, 1992, §22, n. 49. 51 Nesse sentido, JESCHECK/WEIGEND, Lehrbuch des Strafrechts, 1996, §29, in , p. 297-304;-JAKOBS, Strafrecht, 1993, 8/15-32, p. 266-278; MAURACH/ZIPF, Strafrecht, 1992, §22, n. 23-40; ROXIN, Strafrecht, 1997, §12, ns. 1-20, p. 366-371; STRATENWERTH, Strafrecht, 1981, n. 250; WELZEL, Das Deutsche Strafrecht, 1969, §13, p. 67-68; WESSELS/BEULKE, Strafrecht, 1998, ns. 210-230, p. 66-71. 137 Teoria do Fato Punível Capítulo 8 conseqüências típicas previstas como certas ou necessárias; o propósito condicionado — ou dolo eventual — indica aceitação das ou conformação com conseqüências típicas previstas como possíveis,52 Algumas variações de nomenclatura não alteram a estrutura dessa sistematização: BLEY53 define intenção como propósito imediato e propósito direto como propósito mediato\ SCHONKE/SCHRODER/ CRAMER,54 somente distinguem entrzpropósito direto (ou dolo direto, compreendendo a intenção e os efeitos considerados como certos ou necessários) epropósito condicionado (ou dolo eventual), como, aliás, antes deles, WELZEL;55 enfim, SAMSON56 rejeita o termo intenção para o dolo direto de Io grau, reservando aquele conceito para indicar a chamada tendência interna transcendente, elemento subjetivo especial do tipo, diverso do dolo. Essa tríplice configuração do dolo constitui avanço da ciência do Direito Penal, porque permite agrupar diferentes conteúdos da consciência e da vontade em distintas categorias dogmáticas, conforme variações de intensidade dos elementos intelectual e volitivo do dolo e, portanto, de comprometimento subjetivo do autor com o tipo de crime 52 Ver, por todos, ROXIN, Strafrecht, 1997, §12, n. 2, p. 364. No Brasil, alguns au tores, como JESUS, Direito P enall, 1999, p. 286, e MIRABETE, Manual de Direito Penal.\ 2000, p. 143, distinguem, por um lado, dolo direto ou indeterminado e, por outro lado, dolo indireto ou indeterminado, uma nomenclatura que pode engendrar equívo cos, porque o dolo, mesmo como dolo eventual ou como dolo alternativo é, sempre, determinado: no dolo eventual, o autor aceita (ou se conforma com) a produção de determinado resultado representado como possível; no dolo alternativo, ambos os resultados representados pela consciência do autor são determinados, apenas sua produção é alternativa, ou seja, reciprocamente excludente (ver dolo eventual e, também, dolo alternativo, adiante). 53 BLEY, Strafrecht, 1983, p. 113. 54 SCHÕNKE/SCHRÕDER/CRAMER, Strafgeset^buch, Kommentar, 1991, §15, n. 64. 55 WELZEL, Das Deutsche Strafrecht, 1969, §13, p. 65-68. 56 SAMSON, Absicht und direkter Vorsat^ im Strafrecht,}A 1989, p. 452. 138 Capítulo 8 O Tipo de Injusto Doloso de Ação respectivo; além disso, representa desejável e necessária integração da teoria do tipo com a teoria da ação, cuja dimensão subjetiva compreende esses diferentes conteúdos do dolo como distintos objetos da vontade consciente do fim.5/ O fundamento metodológico dessa sistematiza ção do dolo nos crimes comissivos parece ser o modelo fina l de ação, cuja estrutura destaca a base real daquelas categorias dogmáticas: a proposição do fim, como vontade consciente que dirige a ação; a escolha dos meios para realizar o fim, como fatores causais necessários determi nados pelo fim; e os efeitos secundários representados como necessários ou como possíveis em face dos meios empregados ou do fim proposto58 — eis o substrato ontológico das categorias do dolo direto de Io grau, dolo direto de 2o grau e dolo eventual. Conceitos científicos incorporados na legislação devem ser interpretados de acordo com o progresso da ciência: o dolo direto indicado na expressão querer o resultado compreende as categorias de d o lo d ir e t o d e I og r a u e de d o l o d ir e t o d e 2 og r a u (expressões melhores do que intenção e propósito mediato, respectivamente); o dolo eventual indicado na fórmula assumir o risco de produzir o resultado pode ser interpretado no sentido de conformação com o (ou aceitação do) resultado típico representado como possív eis 57 Sobre a teoria da ação, ver WELZEL, Das Deutsche Strafrecht, 1969, §8, p. 33 s. e §13, p. 65 s. 58 CIRINO DOS SANTOS, Teoria do Crime, 1993, p. 26; do mesmo, A polêm ica atual sobre o conceito de ação, in Discursos sediciosos — crime, direito e sociedade, 1998, n. 3, p. 25 s. 59 Nesse sentido, também, ZAFFARONI/PIERANGELI, Manual de Direito Penal brasileiro, 1997, n. 265, p. 502. 139 Teoria do Fato Punível Capítulo 8 a) dolo direto de Io grau O dolo direto de 1ograu tem por conteúdo o fim proposto pelo autor,60 que pode ser entendido como pretensão dirigida ao fim ou ao resultado típico,61 ou como pretensão de realizar a ação ou o resultado típico.62 O fim constituído pela ação ou resultado típi co pode ser representado pelo autor como certo ou como possíveP (acontecimentos futuros são, geralmente, somente possíveis), desde que o autor se atribua uma chance mínima de produzi-lo,64 de modo que consdtua risco juridicamente relevante,65 excluídos resultados meramente acidentais: existe dolo em disparo de arma de fogo a grande distância com intenção de homicídio, mas não existe dolo em convencer alguém a passear na tempestade na esperança de vir a ser fulminado por um raio. O fim ou resultado típico pode, indiferentemente, constituir o motivo da ação, o fim último desta ou apenas um fim intermediário, como meio para outros fins,66 embora essas situações sejam conceitualmente distintas: alguém ateia fogo na própria casa (fim intermediário ou meio para outros fins) para receber o valor do seguro (fim últimò) e, desse modo, resguardar a credibilidade financeira e evitar boatos de insolvência (motivo).67 60 WELZEL, Das Deutsche Strafrecht, 1969, §13, p. 67. 61 ROXIN, Strafrecht, 1997, §12, n. 7, p. 366. 62 JESCHECK/WEIGEND, Lehrbuch des Strafrechts, 1996, §29, n. 1, p. 297. 63 Nesse sentido, JESCHECK/WEIGEND, Lehrbuch des Strafrechts, 1996, §29, n. 1, p. 297; ROXIN, Strafrecht, 1997, §12, ns. 7-8, p. 366-367; WELZEL, Das Deutsche Strafrecht, 1969, §13, p. 67; WESSELS/BEULKE, Strafrecht, 1998, n. 211, p. 66. 64 WELZEL, Das Deutsche Strafrecht, 1969, §13, p. 67. 65 ROXIN, Strafrecht, 1997, §12, n. 8, p. 367. 66 Ver, por exemplo, JESCHECK/WEIGEND, Lehrbuch des Strafrechts, 1996, §29, n. 1, p. 297; ROXIN, Strafrecht, 1997, §12, ns. 10-11, p. 367; WESSELS/BEULKE, Strafrecht, 1998, n. 211, p. 66. 67 Comparar WESSELS/BEULKE, Strafrecht, 1998, n. 211, p. 66. 140 Capítulo 8 0 Tipo de Injusto Doloso de Ação b) dolo direto de 2o grau O dolo direto de 2ograu compreende os meios de ação escolhi dos para realizar o fim e, de modo especial, os efeitos secundários representados como certos ou necessários68 (ou as conseqüências e circunstâncias representadas como certas ou necessárias, segundo ROXIN,69 ou a existência de circunstâncias e a produção de outros resultados típicos considerados como certos ou prováveis, conforme JESCHECK/WEIGEND70) — independentemente de serem esses efeitos ou resultados desejados ou indesejados pelo autor: os efeitos secundários (conseqüências, circunstâncias ou resultados típicos) da ação reconhecidos como certos ou necessários pelo autor são atribuíveis como dolo direto de 2ograu, ainda que indesejados ou lamentados por este, como demonstram muitos exemplos (o famoso caso Thomas [Alemanha, 1875], em que Alexander Keith decidiu explodir o próprio navio com o objetivo de fraudar o seguro, apesar de representar como certa a morte da tripulação e de passageiros; ou a hipótese da morte do morador paralítico, representada como certa pelo autor do incêndio, também fraudulento, da própria casa). Como se vê, a fórmula querer o resultado não abrange todas as hipóteses de dolo direto. c) dolo eventual A definição do dolo eventuale sua distinção da imprudência consciente, como conceitos simultaneamente excludentes e complementares, é uma das mais controvertidas e difíceis questões do Direito Penal,71 68 Ilustrativo, WELZEL, Das Deutsche Strafrecht, 1969, §13, p. 67. 69 ROXIN, Strafrecht, 1997, §12, n. 18, p. 371-372. 70 JESCHECK/WEIGEND, Lehrbuch des Strafrechts, 1996, §29, III 2, p. 298. 71 WELZEL, Das Deutsche Strafrecht, 1969, §13, p. 68. No Brasil, compatar a descrição das teorias sobre dob eventuale imprudência consciente, em TAVARES, Teoria do injusíopenal, 2000, p. 272-290. 141 Teoria do Tato Punível Capítulo 8 porque se fundamenta na identificação de atitudes diferenciáveis, em última instância, pela situação afetiva do autor. De modo geral, o dolo eventual constitui decisão pela possível lesão do bem jurídico protegi do no tipo, e a imprudência consciente representa leviana confiança na exclusão do resultado de lesão,72 mas a determinação das identidades e das diferenças entre dolo eventual e imprudência consciente requer a utilização de critérios mais precisos. O setor dos efeitos secundários representados como possíveis pelo autor parece constituir a base empírica mínima de consenso das te orias sobre dolo eventual e imprudência consciente: detalhes ou elementos particulares situados nas dimensões intelectual e emocional desses conceitos marcam a especificidade própria de cada uma dessas teorias. A controvérsia sobre a questão é a história inacabada da criação e do conflito desses critérios — cujas diferenças, na verdade, são mais ver bais do que reais, e que representam, afinal e apenas, meras indicações da existência de uma decisão pela possível lesão do bem jurídico, na precisa formulação de ROXIN.73 Modelos úteis para discussão da matéria são as definições dos projetos ofiáal e alternativo da reforma penal alemã — definições, aliás, convenientemente não incorporadas na legislação penal germânica, incumbindo à jurisprudência e à doutrina fixar o conceito de dolo eventual e de imprudência consciente (assim como os conceitos de intenção e de propósito direto, igualmente excluídos da legislação). No projeto oficial o dolo eventual é definido como conformação do autor com a realização do tipo legal representada como possível; no projeto alternativo o dolo eventual consiste na aceitação da realização de uma situação típica representada seriamente como possívelJ4 72 ROXIN, Strafrecht,, 1997, §12, ns. 25-26, p. 374. 73 ROXIN, Strafrecht,, 1997, §12, n. 29, p. 376. 74 Comparar JESCHECK/WEIGEND, Tehrbuch des Strafrechts, 1996, §29, III 3, p. 300-301; ROXIN, Strafrecht,, 1997, §12, n. 29, p. 376. 142 Capítulo 8 O Tipo de Injusto Doloso de Ação A literatura contemporânea trabalha, no setor dos efeitos secundários {colaterais ou paralelos) típicos representados como possíveis, com os seguin tes conceitos-pares para definir dolo eventual e imprudência consciente.-1^ a) o dolo eventual se caracteriza, no nível intelectual, por levar a sério a possível produção do resultado típico e, no nível da atitude emocional, por conformar-se com a eventual produção desse resultado — às vezes, com variação para as situações respectivas de contar com o resultado típico possível' cuja eventual produção o autor aceita; b) a imprudência consciente se caracteriza, no nível intelectual, pela representação da possível produção do resultado típico e, no nível da atitude emocional, pela leviana confiança na ausência ou evitação desse resultado, por força da habilidade, atenção, cuidado etc. na realização concreta da ação. O caráter complementar-excludente desses conceitos aparece nas seguintes correlações, ao nível da atitude emocional: quem se conforma com (ou aceita) o resultado típico possível não pode, simul taneamente, confiarem sua evitação ou ausência (dolo eventual); in versamente, quem confia na evitação ou ausência do resultado típico possível não pode, simultaneamente, conformar-se com (ou aceitar) sua produção (imprudência consciente).76 O caso-paradigma da jurisprudência alemã sobre dolo eventual e imprudênáaconsáenteé o famoso ljederriemenfalt\ de 1955 (BGHSt 7/365), cuja discussão permite concretizar o significado daqueles conceitos: X e Y decidem praticar roubo contra Z, apertando um cinto de couro no pescoço da vítima para fazê-la desmaiar e cessar a resistência, mas a representação da possível morte de Z com o emprego desse meio leva à substituição do cinto de couro por um pequeno saco de areia, 75 Ver ROXIN, Strafrecht, 1997, §12, n. 29, p. 376; JESCHECK/WEIGEND, Lehrbuch des Strafrechts,, 1996, §29, III 3, p. 299. 76 Representativos da opinião dom inante, JESCHECK/WEIGEND, Lehrbuch des Stra frechts, 1996, §29, m 3c, p. 301; WELZEL, Das Deutsche Strafrecht, 1969, §13, p. 68. 143 Teoria do Fato Punível Capítulo 8 em tecido de pano e forma cilíndrica, com que pretendem golpear a cabeça de Z, com o mesmo objedvo. Na execução do plano alterna tivo rompe-se o saco de areia e, por isso, os autores retomam o plano original (o cinto de couro), fazendo cessar a resistência da vítima e subtraindo os valores. Então, desafivelam o cinto do pescoço da vítima e tentam reanimá-la, sem êxito: como previsto, a vítima está morta. Do ponto de vista intelectual, X e Y levam a sério a possível pro dução do resultado típico e, inicialmente, no nível emocional (pela alteração da forma concreta da ação), confiam na evitação do resul tado representado como possível, o que exclui conformação com (ou aceitação de) sua eventual produção; mas, o retorno ao plano original indica mudança dessa atitude emocional, mostrando conformação com o (ou aceitação do) resultado típico previsto como possível (ainda que indesejável ou desagradável, como revela o esforço de reanimação da vítima), com lógica exclusão da atitude primitiva de confiança na evi tação do resultado: se os autores executam o plano, apesar de levarem a sério a possibilidade do resultado típico, então conformam-se com (ou aceitam) sua eventual produção, decidindo-se pela possível lesão do bem jurídico, que marca o dolo eventual. Esse critério de diferenciação de dolo eventual e imprudência consciente, conhecido como teoria de levar a sério (Urnstnahmetbeorie) a possível produção do resultado típico, é dominante na jurisprudência e doutrina alemã contemporâneas,77 mas não é exclusivo. Existem várias teorias diferenciadoras fundadas ou na vontade ou na representação do autor e, até mesmo, teorias unificadoras que propõem a abolição dos critérios diferenciadores. A descrição dessas teorias se justifica não só pelo interesse acadêfnico de mostrar o estado atual de discussão da matéria, mas pelo interesse científico em precisar o significado das 77 JESCHECK/WEIGEND, Uhrbuch des Strafrechts, 1996, §29, III 3a, p. 299-300; ROXIN, Strafrecht, 1997, §12, ns. 27-29, p. 375-376. 144 Capítulo 8 0 Tipo de Injusto Doloso de Ação categorias desenvolvidas para pensar a questão do dolo eventual e da imprudência consciente. 1. Entre as teorias que trabalham com critérios fundados na vontade estão a teoria do consentimento (ou aprovação), a teoria da indiferença e a teoria da vontade de evitação não-comprovada. a) A teoria do consentimento, elaborada por MEZGER,78 define dolo eventual pela atitude de aprovação do resultado típico previsto como possível, que deve agradar ao autor. Assim, não age com dolo eventual o médico que realiza intervenção cirúrgica indicada pela experiência profissional, mas leva a sério a possibilidade de morte do paciente, ou alguém que atira para salvar o amigo vítima de agressão e leva a sério a possibilidade de atingir o amigo. Mas, como demonstra a crítica, a aprovação do resultado é própria do dolo direto e não do dolo even tual (que pode compreender, também, resultados desagradáveis ou lamentados), implicando, portanto, transformar o dolo eventual numa liipótese de dolo direto, como afirmam JESCHECK/WEIGEND79 (segundo a teoria, o~caso do cinto de couro configuraria mera impru dência consciente); por outro lado, os exemplos citados seriam ações objetivamente conformes ao direito e, subjetivamente, realizadas sem dolo, como mostra ROXIN.80 A reelaboração moderna dessa teoria, por BAUMANN/WEBER81 e, especialmente, por MAURACH/ ZIPF,82 atribuindo à aprovação do resultado o sentido de inclusão deste na vontade do autor, parece conferir-lhe significado prático próximo à teoria dominante.83 78 MEZGER, Strafrecht, 1949, p. 347. 79 JESCHECK/WEIGEND, Lehrbuch des Strafrechts, 1996, §29, III, p. 302-303. 80 ROXIN, Strafrecht, 1997, §12, tx. 34, p. 379. 81 BAUMANN/WEBER, Strafrecht, 1985, p. 402. 82 MAURACH/ZIPF, Strafncht, 1992, §22, n. 34. 83 Ver ROXIN, Strafrecht, 1997, §12, n. 36, p. 379-380. 145 Teoria do Tato Punível Capítulo 8 b) A teoria da indiferença ao bem jurídico, desenvolvida por ENGISCH,84 identifica dolo eventual na atitude de indiferença do autor quanto a possíveis resultados colaterais típicos, excluídos os resultados indese jados., marcados pela expectativa de ausência. Contudo, a crítica indica que a indesejabilidade do resultado não exclui o dolo eventual, como mostra o caso do cinto de couro — que a teoria da indiferença resolveria como hipótese de imprudência consciente;85 além disso, a ausência de representação do resultado, própria da imprudência inconsciente, pode indicar o mais elevado grau de indiferença em relação ao bem jurídico protegido.86 c) A teoria da não-comprovada vontade de evitação do resultado (também conhecida como teoria da objetivação da vontade de evitação do resultado), desenvolvida por ARMIN KAUFMANN87 em bases finalistas, coloca o dolo eventual e a imprudência consciente na dependência da ativa ção de contrafatores para evitar o resultado representado como possível: imprudência consciente se o autor ativa contra-fatores, dolo eventual se não ativa contra-fatores para evitação do resultado. A crítica indica que a não-ativação de contra-fatores pode, também, ser explicada pela leviandade humana de confiar na própria estrela e, por outro lado, a ativação de contra-fatores não significa, necessariamente, confiança na evitação do resultado típico — como mostra, por exemplo, o caso do ánto de couro, em que os autores se esforçam, concretamente, para evitar o resultado.88 84 ENGISCH, Untersucbungen über Vorsat\ und ¥ahrlãssigkeit im Strafrecht., 1930. 85 JESCHECK/WEIGEND, Lehrbuch des Strafrechts, 1996, §29, III, p. 303; ROXIN, Strafrecht, 1997, §12, n. 37, p. 380. 86 Ilustrativo, WELZEL, Das Deutsche Strafrecht, 1969, §13, p. 70. 87 ARMIN KAUFMANN, Der dolus eventualis im Deliktsaufbau. Die A.usmrkungen der Handlungs- und der Schuldlehre au f die Vorsat^gren^e, ZStW 70 (1958), p. 73. 88 Ver JESCHECK/WEIGEND, Lehrbuch des Strafrechts, 1996, §29, III, p. 302-303; também, ROXIN, Strafrecht, 1997, §12, n. 48, p. 385. 146 Capítulo 8 O Tipo de Injusto Doloso de Amo 2. Entre as teorias que trabalham com critérios fundados na repre sentação, hoje com prestígio crescente, podem ser referidas a teoria da possibilidade, a teoria da probabilidade, a teoria do risco e a teoria do perigo protegido. a) A teoria da possibilidade simplifica o problema, reduzindo a dis tinção entre dolo e imprudência ao conhecimento da possibilidade de ocorrência do resultado,89 eliminando a categoria jurídica da imprudên cia consciente, porque toda imprudência seria imprudência inconsciente:90 a mera representação da possibilidade do resultado típico já constituiria dolo, porque uma tal representação deveria inibir a realização da ação; a não-representação dessa possibilidade constituiria imprudênáa (incons ciente). A crítica fala do intelectualismo da teoria, que reduz o dolo ao componente intelectual, sem qualquer conteúdo volitivo, mas seus resultados práticos seriam semelhantes aos da teoria dominante,91 embora mais rigorosos, porque admite dolo eventual em situações definíveis como imprudência consciente. b) A teoria da probabilidade define dolo eventual, variavelmente, ou pela representação de um perigo concreto para o bemjurídico (JOERDEN),92 ou pela consciência de um q u a n tu m de fatores causais produtor de sério risco do resultado (SCHUMANN),93 ou como (t€)conhecimento de um perigo qualificado para o bem jurídico (PUPPE)94 — para mencionar apenas suas formulações mais modernas. A crítica aponta o cará ter de prognose intelectual dessas definições95 — um fenômeno de 89 Assim, SCHMIDHÀUSER, Strafrecht,, 1984,10-89 s. 90 Ver SCHRÕDER, Aujbau und Gren^en des Vorsat^begriffes, Sauer-FS (1949), p. 207 s. 91 Comparar ROXIN, Strafrecht, 1997, §12, ns. 39-40, p. 381. 92 JOERDEN, Strukturen des Strafrechtlichen Verantwortlichkeitsbegrijfes, 1980, p. 151. 93 SCHUMANN, ZurWiederbelebungdes “voluntativen ” Vorsat^element durch den BGH, JZ 1989, p. 433. 94 PUPPE, Der Vorstellungsinhalt des dolus eventualis, ZStW 102 (1991), 1 s. 95 ROXIN, Strafrecht, 1997, §12, n. 43, p. 382. 147 Teoria do Fato Punível Capítulo 8 reflexão raro em eventos dominados pelas emoções, como são os comportamentos criminosos —, capazes de servir como indícios da atitude pessoal de levar a sério o perigo, mas incapazes de funcionar como critério do dolo eventual.96 WELZEL — ora arrolado na teoria da probabilidade (ROXIN),97 ora incluído na teoria da possibilidade (JESCHECK/WEIGEND)98 - afirma que a teoria da probabilidade tem um aspecto positivo, porque a representação da possibilidade de influenciar o resultado permite distinguir o simples desejar do verda deiro querer; e um aspecto negativo, porque a vontade de realização não seria simples efeito do ato psíquico de representar a probabilidade do resultado, mas de contar com a produção de resultado representado como provável (confiar na evitação desse resultado constituiria imprudência consciente).99 c) A teoria do risco de FRISCH100 (às vezes classificada como variante da teoria da possibilidade),101 define dolo pelo conhecimento da conduta típica, excluindo do objeto do dolo o resultado típico porque a ação de conhecer não pode ter por objeto realidades ainda inexistentes no momento da ação; não obstante, trabalha com o critério de tomara sério o e de confiar na evitação do resultado típico para distinguir a decisão pela possível lesão do bem jurídico (dolo eventual) da mera imprudência consciente, aproximan- do-se, por isso, da teoria dominante. A crítica à teoria se concentra na questão do objeto do dolo: a ausência do elemento volitivo tornaria artificiosa a atitude do autor; depois, seria inaceitável um dolo sem conhecimento das circunstâncias de fato, especialmente do resultado típico, definido pela teoria como mero prognóstico — embora seja nesse 96 JESCHECK/WEIGEND, Lebrbuch des Strafrechts, 1996, §29, III, p. 302. 97 ROXIN, Strafrecht, 1997, §12, ns. 42-44, p: 382-383. 98 JESCHECK/WEIGEND, Lehrbuch des Strafrechts, 1996, §29, III, p. 302. 99 WELZEL, Das Deutsche Strafrecht, 1969, §13, p. 70. 100 FRISCH, VorsatzundRísíko, 1983, p. 97 s. 101 JESCHECK/WEIGEND, Lehrbuch des Strafrechts, 1996, §29, III, p. 302, 148 Capítulo 8 O Tipo de Injusto Doloso de Ação sentido que o resultado típico constitui objeto do dolo.102 d) A teoria do perigo desprotegido de HERZBERG103 (classificada, tam bém, como variante da teoria da probabilidade)™ igualmente retira o elemento volitivo do conteúdo do dolo — a principal característica da teoria da representação — e fundamenta a distinção entre dolo eventual e imprudência consciente com base na natureza do perigo, definido como desprotegido, protegido e desprotegido distante: a) o perigo desprotegido, caracterizado pela dependência de meros fatores de sorte-a^ar.; configura dolo eventual, ainda que o autor confie na ausên cia do resultado, como jogar roleta russa (com risco de resultado na proporção de 1:5), ou praticar sexo com meninas de idade presumível inferior a 14 anos; b) o perigo protegido, caracterizado pela evitação do possível resultado mediante cuidado ou atenção do autor; da vítima potenáal ou de terceiro, configura imprudência consciente, com homi cídio imprudente em hipótese de resultado de morte, nos seguintes exemplos: o inexperiente servente de pedreiro cai de andaime de prédio em construção, onde subira por ordem do mestre-de-obras, sem usar qualquer dispositivo de segurança; o professor permite aos alunos nadarem em rio perigoso, apesar da placa de advertência do perigo e aluno morre afogado; c) o perigo desprotegido distante se asse melha ao perigo protegido, excluindo o dolo: o inquilino do apartamento joga objeto pesado pela janela, consciente da possibilidade de atingir alguém; a mãe deixa medicamento tóxico no armário, consciente de que o filho poderia ingeri-lo. A noção de perigo desprotegido pretende fundamentar uma construção objetiva da teoria subjetiva de levar a sério o perigo: trata-se de reconhecer um perigo digno de ser levado a sério, e não 102 Ver, sobretudo, ROXIN, Strafrecht, 1997, §12, ns. 54-55, p. 387-388. 103 HERZBERG, Die Abgren^ung von Vorsat.^ und bewusster Fahrlãssigkeit - ein Problem des objektiven Tatbestandes, JuS, 1986, p. 249 s.; também, Das Wollen beim Vorsat^delikt und dessen Unterscheidung vom bewussten fahrlãssigen Verhalten,)Z , 1988, p. 573 s. 104 JESCHECK/WEIGEND, Lehrbuch des Strafrechts, 1996, §29, III, p. 302. 149 Teoria do Fato Punível Capítulo 8 de levar a sério um perigo reconhecido}05 A crítica afirma não ser evidente que um perigo protegido exclua e um perigo desprotegido constitua dolo eventual, mas parece digno de aplauso o esforço de construir a base objetiva de critérios tradicionalmente subjetivos. A proposta de eliminar o elemento volitivo do dolo, própria das teorias da representação, exclui o fundamento emoáonal distintivo das atitudes de levar a sério o ou de confiar na ausênáa do perigo, que marca a teoria dominante; contudo, se o dolo não exige aprovação do resultado, também não pode ser reduzido à atitude de indiferença absoluta em face desse resultado.106 A exclusão do elemento volitivo-emocionaldo dolo — que HERZBERG define como elemento deprognose irracional — reduz o dolo ao elemento intelectuale, desse modo, a desejável busca de critérios objetivos acaba por desfigurar o próprio fenômeno real.107 3. Finalmente, teorias igualitárias desenvolvidas por ESER108 e WEI- GEND,109 fundadas nas dificuldades práticas dos critérios diferen- ciadores, propõem a unificação do dolo eventual e da imprudência consciente em uma terceira categoria subjetiva (ou de culpabilida de), situada entre o dolo e a imprudência. A crítica reconhece certas 105 Ilustrativos, HERZBERG, Die Abgren^ung von Vorsat% und bewusster Fahrlassigkeit - ein Problem des objektiven Tatbestandes, JuS, 1986, p. 262; ROXIN, Strafrecht, §12, ns. 59-63, p. 390-392. 106 Outros modernos opositores do elemento volitivo: SCHMOLLER, Das voluntative Vorsat^element, ÕJZ 1982, p. 259 s.; KINDHÀUSER, Der Vorsat^als Zurechnungskri- terium, ZStW 96 (1984), p. 1 s.; SCHUMANN, Zur Wiederbelebung des “voluntativen” Vorsat^element durch den BGH, JZ 1989, p. 427. Outros modernos defensores, do elemento volitivo: ZIEGERT, 1Sonata^ Schuld und Vorverschulden, 1987; SPENDEL, Zum Begriff des Vorsat^ Lackner-FS, 1987, p. 167 s.; PRITTWITZ, Die Ansteckun- gsgefabr beiAIDS,]A 1988, p. 427 s.; KÜPPER, Zum Verhãltnis von dolus eventualis, Gefãhrdungsvorsat^und bewusster Fahrlassigkeit, ZStW 100 (1988), p. 758; HASSEMER, Kenn^eichen des 'Vorsat^es, Arm. Kaufmann-GS, 1989, p. 289. 107 Instrutivo, ROXIN, Strafrecht, 1997, §12, ns. 66-67, p. 393. 108 ESER, Strafrecht 1,1980, n. 35 a. 509 WEIGEND, Zmschen Vorsat^undFahrlãssigkeit, ZStW, 93 (1981), p. 657 s. 150 Capítulo 8 O Tipo de Injusto Doloso de A.cão vantagens, como a simplificação da aplicação do Direito Penal, mas destaca desvantagens, como a nivelação de diferenças qualitativas entre liipóteses de decisão contra o bem jurídico protegido (dolo eventual) e hipóteses de leviana confiança na evitação do resultado (imprudência consciente).110 1.2. Dolo alternativo Todas as espécies de dolo podem existir sob a forma de dolo alternativo, caracterizado por uma ação com alternativas típicas exclu- dentes. Exemplos: a) A atira em B para matar ou, simplesmente, ferir; b) A atira para matar B ou, pelo menos, o cachorro de B; c) A atira para matar o cachorro de B, mas conforma-se com a possibilidade prevista de matar B, próximo do animal.111 A controvérsia sobre dolo alternativo aparece na diversidade de soluções para as situações acima exemplificadas: a) punição somente pelo tipo realizado, sob o argumento de que o autor pretende apenas um resultado típico;112 essa teoria apresenta alguns problemas inso lúveis: se nenhum resultado é produzido, não se sabe por qual crime punir, e, no exemplo da letra c, se o autor mata o cachorro, parece inconcebível a impunidade da tentativa de homicídio só porque, com petentemente, matou o animal; b) punição pelo tipo mais grave, ou seja, por homicídio (consumado ou tentado), em todas as hipóteses;113 110 ROXIN, Strafrecht, 1997, §12, n. 68, p. 394. 111 JESCHECK/WEIGEND, Lehrbuch des Strafrechts, 1996, §29, III, p. 304; WELZEL, Das Deutsche Strafrecht, 1969, §13, p. 72. No Brasil, ver MESTIERI, Manual de Direito Penal 1, 1999, p. 132. 112 Assim, MEZGER, Strafgeset^buch, 1957, §59. 113 Nesse sentido, NOWAKOWSKI, Deraltemative V orsat^JBl, 1937, p. 465; OTTO, Grundkurs Strafrecht, 1996, §7, ns. 22-26, p. 76;JOERDEN, D eraufdie Verwirklichung von %wei Tatbestànden gerichtete Vorsat^. Zugkich eine Grundlegung %um Problem des dolus altemativus, ZStW 95 (1983), p. 565. 151 Teoria do Fato Punível Capítulo 8 aqui, a crítica inverte o argumento: se o autor atirou no cachorro e, efetivamente, matou o cachorro, por que punir por homicídio tentado? c) punição, em concurso formal, por cada tipo alternativo tentado, ou tentado e consumado114 — uma solução que parece ser dominante na dogmática moderna. 1.3. A dimensão temporal do dolo O dolo, como fundamento subjetivo da realização do plano delituoso, deve existir durante a realização da ação, o que não significa durante toda a realização da ação planejada, mas durante a realização da ação que desencadeia o processo causai típico (a bomba, colocada no automóvel com dolo de homicídio, somente explode quando o autor já está em casa, dormindo). Conseqüentemente, não existe dolo anterior,, nem dolo posterior à realização da ação: as situações referidas como dolus antecedens (a arma empunhada por B para ser usada contra A, depois de prévia conversação, dispara acidentalmente e mata a vítima) ou como dolus subsequens (ao reconhecer um inimigo na vítima de acidente de trânsito, o autor se alegra com o resultado) constituem meras hipóteses de fatos imprudentes.115 2. Erro de tipo O conceito de dolo, definido como conhecer e querer as circuns tâncias de fato do tipo legal, está exposto à relação de lógica exclusão 114 Ver, entre outros, WELZEL, Das Deutsche Strafrecht, 1969, §13, p. 72; JAKOBS, Strafrecht, 1993,8/33, p. 278-279; JESCHECK/WEIGEND, Lehrbuch des Strafrechts, 1996, §29, III, 4, p. 304; ROXIN, Strafrecht, 1997, §12, n. 85, p. 403. 115 ROXIN, Strafrecht, 1997, §12, ns. 80-81, p. 401; WELZEL, Das Deutsche Strafrecht, 1969, §13, p. 71. 152 Capítulo 8 0 Tipo de Injusto Doloso de Ação entre conhecimento e erro: se o dolo exige conhecimento das circunstâncias de fato do tipo legal, então o erro sobre circunstâncias de fato do tipo legal exclui o dolo.116 Em qualquer caso, o erro de tipo significa defeito de conhecimento do tipo legal e, assim, exclui o dolo, porque uma repre sentação ausente ou incompleta não pode informar qualquer dolo de tipo, mas é preciso distinguir: o erro inevitável exclui o dolo e a imprudência, enquanto o erro evitável exclui apenas o dolo, admitindo punição por imprudência.117 Essa regra está inscrita no Código Penal: Art. 20, CP. O erro sobre elemento constitutivo do tipo legal de cnme exclui o dolo, mas permite a punição por crime culposo, se previsto em lei. Os problemas mais importantes desse setor parecem ser os seguintes: primeiro, definir o conceito de erro de tipo, diferenciando-o do simples erro de subsunção, sem relevância penal; segundo, determinar a intensidade de representação (das circunstâncias de fato) necessária para configurar o conheámento como elemento intelectual do dolo. 2.1. Erro de tipo e erro de subsunção O objeto do erro de tipo não tem a extensão sugerida pela lei penal: o tipo legal é um conceito constituído de elementos subjetivos e objetivos, mas o erro de tipo só pode incidir sobre elemento objetivo do tipo legal — um conceito menos abrangente do que elemento cons titutivo do tipo legal, que inclui a dimensão subjetiva do tipo. Assim delimitado o problema, pode-se dizer que o erro de tipo representa defeito na formação intelectual do dolo, que tem por objeto os ele mentos objetivos do tipo legal, presentes ou futuros: a ação, o resultado, 1,6 ROXIN, Strafrecht, 1997, §12, n. 86, p. 405. 117 CIRINO DOS SANTOS, Teoria do cnme, 1993, p. 24. 153 Teoria do Fato Punível Capítulo 8 certas características de autor, às vezes alguns fenômenos subjetivos da vítima (o erro de representação, no estelionato); conseqüente mente, os elementos subjetivos do tipo, como o próprio dolo e as intenções, tendências e atitudes especiais de ação, não podem ser objeto de erro de tipo; também não podem ser objeto de erro de tipo as condições objetivas de punibilidade, os fundamentos pesso ais de exclusão de pena e os pressupostos processuais, que não são elementos objetivos do tipo.118 O conhecimento das circunstâncias de fato formadoras do tipo objetivo implica representação da possibilidade de realização concreta do tipo legal; o erro sobre as circunstâncias de fato do tipo objetivo exclui a representação dessa possibilidade e, por isso, configura erro de tipo. O erro de tipo pode ocorrer sob as formas de falsa representação ou de ausênáa de representação das circunstâncias de fato do tipo objetivo: a) A dispara sua arma contra o que supõe ser um espantalho, sendo, na verdade, B que fazia exercícios de tai chi chuan no meio da horta (falsa representação); b) C mantém relações sexuais com D (menor de 14 anos, mas com aparência de idade superior), sem pensar na idade da moça (ausência de representação). O erro de tipo, como defeito do dolo e, por extensão, do tipo subjetivo, pode incidir sobre elemento descritivo ou normativo do tipo objetivo. A confusão de erro de tipo (excludente do dolo) e erro de subsunção (penalmente irrelevante) é mais freqüente nos elementos normativos do tipo, porque o cidadão comum não pode conhecer todos os conceitos jurídicos empregados pelo legislador; contudo, mediante a chamada valoração paralela na esfera do leigo pode esse cida dão identificar os significados sociais subjacentes aos conceitos jurí dicos, porque integrantes da cultura comum que orienta as decisões da vida diária, como ocorre em relação ao conceito de documento, por 118 Com mais detalhes, ROXEN, Strafrecht, 1997, §12, ns. 119-120, p. 423 e n. 138, p. 430. 154 Capítulo 8 O Tipo de Injusto Doloso de Ação exemplo: os traços deixados pelo garçom no suporte de papelão do chope são sinais corporificados para prova da quantidade consumida; se o consumidor apaga alguns desses traços para reduzir a conta, age com dolo de falsificação de documento particular, porque sua valoração paralela reproduz, ao nível do leigo, o conceito jurídico de documento: a opinião de que documentos seriam escritos com forma predeterminada constituiria mero erro de subsunção, sem relevância penal119 — caso a hipótese não seja abrangida pelo princípio da insig nificância. Valorações jurídicas errôneas representam, em regra, erro de subsunção (às vezes, erro de proibição), mas podem significar, excepcionalmente, erro de tipo, como na subtração de coisa alheia suposta como própria, por errônea interpretação jurídica.120 O erro de subsunção também pode ter por objeto elementos descritivos do tipo: se A esvazia o pneu do veículo de B, convencido de que o dano exige destruição da substância da coisa, incide em simples erro de subsunção, sem prejuízo do dolo.121 Formulações modernas tentam simplificar as dificuldades do tema, redefinindo conceitos e clarificando as hipóteses de erro: DARNSTADT122 relaciona os elementos descritivos a realidades naturais, representadas por situações ou propriedades físicas, e os elementos normativos a realidades institucionais, dotadas de características sociais ou comunitárias, que a valoração paralela reconhece como realidades de relevânáa social; HAFT123 distingue entre erro sobre objeto e erro sobre conceito: o erro sobre objeto constitui erro de tipo, como na apropriação de coisa alheia tomada como própria; o erro sobre conceito constitui 119 ROXIN, Strafrecht, 1997, §12, ns. 89-91, p. 407-408. 120 ROXIN, Strafrecht, 1997, §12, ns. 91-3, p. 408-409. 121 WESSELS/BEULKE, Strafrecht, 1998, n. 242, p. 74. 122 DARNSTADT, Derlrrtum übernormaáve Tcribestandsmerkmak im Strafrecht,]^ 1978, p. 441. 123 HAFT, Strafrecht, Fallrepetitorium %um Allgemeinen und Besonderen Teil, 1996, ns. 590 s., p. 113-114. 155 Teoria do Tato Punível Capítulo 8 erro de subsunção, como negar o conceito de coisa aos animais furtados; KUHLEN,124 enfim, propõe o retorno aos conceitos de erro de fato e erro de direito extra-penal (o caráter alheio da coisa, por exemplo), como espécies de erro de tipo excludente do dolo, e de erro de Direito Penal.’ como modalidade de erro de subsunção, penalmente irrelevante. 2.2. A intensidade de representação das circunstâncias de fato O conhecimento de elementos objetivos do tipo legal pressu põe certo nível de intensidade de representação, antes do qual não se constitui como componente intelectual do dolo. A dogmática penal moderna rejeita posições extremas, que ou exigem nível de consáênáa refletida, ou aceitam mera consáênáapotenáal das circunstâncias de fato do tipo objetivo:125 uma consáênáa refletida dos elementos objetivos (coisa móvel.\ por exemplo), no sentido de pensar expressamente nisso, parece contradizer a psicologia da vida cotidiana, como observa SCHEWE,126 porque as ações humanas (em especial, as ações criminosas) não são o resultado de refletida ponderação, mas expressão irracional de instin tos e emoções; por outro lado, uma consáênáa potenáal dos elementos objetivos, no sentido de um conhecimento latente não-atualizado, parece insuficiente, como»mostra PLATZGUMMER:127 o caçador 124 KUHLEN, Die Unterscheindung von vorsat^ausschliessendem und nichtvorsat^ausschliessendem Irrtum, 1987. 125 Ver JESCHECK/WEIGEND, Lehrbuch des Strafrechts, 1996, §29, I I 2, p. 293; RO- XIN, Strafrecht, 1997, §12, n. 111, p. 418; WELZEL, Das Deutsche Strafrecht, 1969, §13, p. 64; WESSELS/BEULKE, Strafrecht, 1998, ns. 238-240, p. 73. 126 SCHEWE, Reflexbemgung Handlung Vorsat.^ Strafrechtsdogmatische Aspekte des Wil- lensproblems aus medi^nisch-psychologischer Sicht, 1972, p. 85. 127 PLATZGUMMER, Die Beivusstseinsfonn des Vorsat^es, 1964, p. 4 e 83. 156 Capítulo 8 O Tipo de Injusto Doloso de A.cão que dispara sua arma sobre um batedor, porque esqueceu, na emoção da caçada, comunicação anterior sobre a presença desse batedor em determinado lugar, não atua com dolo. Hoje, admite-se que o conhecimento dos elementos objetivos do tipo pode existir como consáênáa implíáta no contexto das repre sentações do autor, segundo a fórmula da chamada co-consáênáa: por exemplo, no furto de mercadorias em lojas comerciais, a consciência do caráter alheio da coisa permeia o conjunto das representações do autor — o que é mais do que uma consáênáa latente, mas não chega a ser uma consáênáa refletida; o advogado que trai o dever profissional, prejudicando interesse de cliente, não precisa pensar, especificamente, em sua qualidade de advogado, para agir com dolo etc. Neste ponto, parece útil a distinção de SCHMIDHÀUSER,128 a partir de pesquisas sobre psicologia da linguagem, entre pensamento em coisas e pensamento em palavras (apesar da crítica correta de ARTHUR KAUFMANN,129 de que não existe pensamento sem palavras): o conhecimento, como elemento do dolo, pode existir sob forma de pensamento em coisas — ou sob forma de linguagem reduzida, em que um sinal lingüístico evoca um complexo de significados, como prefere ROXIN130 —, sem necessidade de existir na forma de pensamento empalavras, como, por exemplo, esta coisa é alheia (no furto), ou eu atuo como advogado (no patrocínio infiel) etc. 128 SCHMIDHÀUSER, Über Aktualitãt und Potentialitãt des Unrechtsbewusstseins, H. Mayer-FS, 1966, p. 317. 129 ARTHUR KAUFMANN, Die Parallehvertungin der Laiensphãre, 1982. 130 ROXIN, Strafrecht, 1997, §12, nota 216, p. 419. 157 Teoria do Tato Punível Capítulo 8 3. Atribuição subjetiva do resultado em desvios causais Sob o conceito de desvios causais aparecem diversas formas de alteração ou mudança no curso de acontecimentos típicos, cada qual com peculiaridades e critérios próprios, classificáveis nas rubricas es pecíficas de desvios causais regulares, situações de aberratio ictus, hipóteses de troca de dolo, o chamado dolo geral e casos de erro sobre o objeto, assim regulados no Código Penal: Art. 20, §3°. O erro quanto àpessoa contra a qual o crime é praticado não isenta depena. Não se consideram, neste caso, as condições ou qualidades da vítima, senão as da pessoa contra quem o agente queria praticar o crime. 1. D esv io s ca u sa is r e g u la r e s . O curso causai do acontecimento típico, como uma circunstância de fato, constitui elemento objeti vo do tipo, cuja atribuição ao dolo depende da previsibilidade de seu desdobramento.131 Desvios causais previsíveis conforme a experiência geral da vida constituem, segundo a teoria dominante, cursos causais regulares atribuíveis ao dolo do autor: se A lança B da ponte para morrer afogado no rio, mas B morre durante a queda, ao esfacelar a cabeça no pilar da ponte, existe homicídio doloso consumado, porque o pre visível resultado concreto é conseqüência do perigo criado, atribuível ao autor como obra dele; desvios causais imprevisíveis constituem cursos causais irregulares ou anormais, não atribuíveis ao dolo do autor: se B, ferido por A com dolo de homicídio, morre em incêndio do hospital após a cirurgia, o imprevisível resultado concreto não é produto do 131 Representativo da opinião dominante, WELZEL, Das Deutsche Strafrecht.; 1969, §13, p. 73. 158 Capítulo 8 O Tipo de Injusto Doloso de Ação perigo criado, e não pode ser atribuído ao autor como obra dele}02 Na verdade, como mostra ROXIN, desvios causais previsíveis são atribuí veis ao tipo objetivo (e, por isso, também ao dolo do autor), enquanto desvios causais imprevisíveis não são atribuíveis ao tipo objetivo (e, por isso, também nao constituem objeto do dolo do autor). Se o critério de atribuição do dpo objetivo é a realização do perigo, o critério de atribuição do tipo subjetivo é a realização do plano: no exemplo da ponte, o possível e previsível resultado concreto (realização do perigo) corresponde à realização do plano (dolo do autor), porque a morte por afogamento ou a morte por esfacelamento do crânio são resul tados equivalentes; no caso do incêndio do hospital, o imprevisível resultado concreto não representa realização do perigo criado, nem corresponde à realização do plano do autor.133 Como se vê, a solução do problema se desloca da área do erro de tipo (onde a teoria dominante ainda o situa) para a área dos critérios de atribuição do tipo objetivo e subjetivo134 (ver Imputação objetiva do resultado, acima). 2. A berra tio i c tu s . As hipóteses de aberratio ictus constituem casos especiais de desvio causai do objeto desejado para objeto diferente: o disparo de arma de fogo contra B, atinge mortalmente C, postado atrás de B. As soluções tradicionais dos casos de aberratio ictus são representadas pela teoria da concretização e pela teoria da equivalênáa: a) para a teoria da concretização, dominante na literatura contemporâ nea,135 o dolo deve se concretizar em objeto determinado: na hipótese, 132 ROXIN, Strafrecht, 1997, §12, ns. 140-142, p. 432-434; WELZEL, Das Deutsche Strafrecht, 1969, §13, p. 73. 133 ROXIN, Strafrecht, 1997, §12, n. 144, p. 434; também, WOLTER, Objektive Zure- chnung und modemes Strafrechtssystem, 1995. 134 ROXIN, Strafrecht, 1997, §12, n. 148, p. 437. 135 Ver, entre outros, BAUMANN/WEBER, Strafrecht, 1985, §21, n. 13; JAKOBS, Strafrecht, 1993,8/80, p. 303; MAURACH/ZIPF, Strafrecht, 1992, §23, n. 30; OTTO, Grundkurs Strafrecht, 1996, §7, VI, ns 93s.; STRATENWERTH, Strafrecht, 1991, n. 284; WESSELS/BEULKE, Strafrecht, 1998, n. 250, p. 76. 159 Teoria do Fato Punível Capítulo 8 tentativa de homicídio contra B e homicídio imprudente contra C; b) para a teoria da equivalênáa,136 o dolo pode admitir resultado típico genérico: na hipótese, homicídio doloso consumado, porque B e C são igualmente seres humanos (teoria adotada pelo art. 20, §3°, CP, que engloba liipóteses de aberratio ictus e de erro sobre a pessoa). A regra da relevância da aberratio ictus sobre objetos típicos diferentes (A joga pedra para destruir vaso de porcelana cliinesa, mas atinge o proprietário B, postado ao lado do vaso) parece incontroversa, mas a irrelevância da aberratio ictus sobre objetos típicos iguais admite exceções em situações de desvios causais anormais:137 a) em caso de resultado imprevisível por força de curso causai inadequado (A erra o tiro contra B, mas o projétil ricocheteia na parede do pré dio e, após bater no hidrômetro da calçada, fere C, que transitava em rua transversal): apenas tentativa de homicídio contra B, porque a anormalidade do desvio torna imprevisível o resultado lesivo contra C, excluindo atribuição de fato imprudente (a regra do art. 20, §3°, CP, parece excessiva); b) em caso de objetos em situação jurídica distinta (A atira contra B em legítima defesa, mas atinge C sem justificação, situado atrás de B): tentativa justificada de homicídio contra B e homicídio imprudente contra C (igualmente, parece inadmissível a solução do art. 20, §3°, CP, porque a natureza antijurídica do excesso extensivo excluiria a justificação do homicídio imprudente); c) em caso de resultado trágico para o autor (em briga de bar, A atira 136 Embora minoritária, tem adeptos respeitáveis: WELZEL, Das Deutsche Strafrecht, 1969, §13, p. 72-74; KUHLEN, Die Unterscheindung von vorsat^ausschliessendem und nichtvorsat^ausschliessendem Irrtum, 1987, p. 479 s. No Brasil, ver MESTIERI, Manual de Direito Penal 1, 1999, p. 137. 137 ROXIN, Strafrecht, 1997, §12, ns. 151-153, p. 438. No Brasil, comparar ZAFFA- RONI/PIERANGELI, Manual de Direito Penal brasileiro, 1997, n. 257, p. 490-492. 160 Capítulo 8 O Tipo de Injusto Doloso de A,ção sobre B e, por infelicidade, mata o próprio filho C, que saltara sobre B para defender o pai): apenas tentativa de homicídio contra B (pa rece cruel a regra do art. 20, §3°, CP, que pune por crime consumado porque o autor mata o próprio filho, e não o adversário). 3. Hipóteses de troca de dolo. A troca de dolo, que pode ocorrer no curso da realização do tipo, constitui geralmente situação de mudança ' de objeto do dolo (A derruba a jovem B, no parque, para roubar-lhe o relógio, mas prefere subtrair o valioso colar de pérolas, descoberto durante o fato): não há mudança no plano do fato, apenas troca de objeto do dolo, em geral irrelevante. A situação seria relevante se a troca de objeto representasse mudança no plano do fato capaz de descaracterizar o dolo (no exemplo citado, enfeitiçado pela beleza do rosto da vítima, o autor decide subtrair-lhe a carteira de identidade para admirar, depois, a fotografia dela):138 a mudança no plano do fato, como desistênáa voluntária do roubo tentado, desfaz o dolo de roubo, subsistindo, apenas, o constrangimento ilegal. 4. O chamado dolo geral. O conceito de dolo geral foi desenvolvido tendo em vista acontecimentos típicos realizados em dois atos: no primeiro, o autor supõe consumar o fato que, na verdade, só ocorre com o segundo ato, realizado para encobrir o fato (A, com dolo de homicídio, dispara o revólver contra B, que cai ao chão, inconsciente; em seguida, para ocultar o homicídio que pensa ter consumado, A lança o suposto cadáver de B no rio, determinando, então, a morte da vítima). Atualmente, um setor da doutrina resolve a hipótese como tentativa de homicídio, em concurso com homicídio imprudente, sob o argumento de que o dolo deve existir ao tempo do fato.139 A teoria dominante, contudo, define a hipótese como homicídio doloso 138 ROXIN, Strafrecht, 1997, §12, n. 160, p. 441-442. 139 Assim, KÜHL, Strafrecht, 1994, §13, ns. 46-48, p. 448; MAURACH/ZIPF, Strafrecht, 1992, §23, n. 33, entre outros. 161 Teoria do Fato Punível Capítulo 8 consumado, não mais sob o fundamento de dolo geral — um conceito ultrapassado, porque a ausência de dolo (de homicídio) no segundo fato não é suprível pela extensão do dolo de homicídio do primeiro fato —, mas sob o argumento da natureza não-essendaldo desvio causai. Contudo, é preciso distinguir: WELZEL,140 por exemplo, exige dolo unitário, abrangendo o primeiro e o segundo fato; ROXIN141 condiciona a solução à natureza do dolo do primeiro fato: a) se dolo direto, o resul tado corresponde ao plano do autor (que, certamente, terá pensado no modo de se livrar do cadáver) e, portanto, o desvio causai é irrelevante, configurando homicídio doloso consumado: A pretendeu matar B e, de fato, matou B; b) se dolo eventual.’ o resultado não parece corresponder ao plano do autor (que, certamente, não deverá ter pensado no modo de se desfazer do cadáver) e, por isso, o desvio causai torna-se relevante, configurando, então, homicídio doloso tentado em concurso com homicídio imprudente. Casos assemelhados, em que o autor pretende consumar o fato somente no segundo ato, mas produz o resultado já na tentativa do primeiro ato, seriam resolvidos, também, segundo as regras do desvio causai: A quer matar B somente depois de atordoá-lo com algumas pancadas na cabeça, mas o resultado já ocorre por efeito das pancadas para atordoar a vítima. A teoria resolve a hipótese como homicídio doloso consumado, porque o resultado corresponde ao plano do autor e, portanto, o desvio causai é irrelevante — desde que o resultado ocorra no âmbito da tentativa, e não como efeito de meras ações pre paratórias, que poderia engendrar, apenas, fato imprudente: a vítima morre de disparo acidental durante operação de limpeza da arma, que o autor pretende usar, depois, contra a mesma vítima.142 140 WELZEL, jDas Deutsche Strafrecht, 1969, §13, p. 74. No Brasil, MESTIERI, Manual de Direito Penal I, 1999, p. 132. 141 ROXIN, Strafrecht, 1997, §12, n. 165, p. 444. 142 Ver MAURACH/ZIPF, Strafrecht, 1992, §23, n. 36; ROXIN, Strafrecht, 1997, §12, n. 170, p. 446; WELZEL, Das Deutsche Strafrecht, 1969, §13, p. 74-75. 162 Capítulo 8 O Tipo de Injusto Doloso de Ação 5. E rro s o b r e o o b je to . Os casos de erro sobre o objeto [errorin objeto velpersona) constituem hipóteses de confusão ou equívoco do autor sobre o objeto do fato, cuja solução depende, também, da equivalência ou não-equivalência típica do objeto: a) erro sobre objeto tipicamente igual é irrelevante (A, pensando atirar contra B mata C, confundido com B, na escuridão da noite): o dolo deve apreender as circunstâncias do fato em gênero e, portanto, erro sobre a identidade concreta de objeto tipicamente equivalente, é irre levante143 (teoria adotada pelo art. 20, §3°, CP, que engloba liipóteses de erro sobre o objeto e de aberratio ictus). b) erro sobre objeto tipicamente diferente é relevante (A, na escuridão da noite, pensando atirar contra B, mata o cão pastor deste, confundido com B porque dormia na cama do dono): a hipótese configura um erro de tipo invertido, também definível como ausência de tipo, ou situação de crime im possív e l — que representa, na verdade, erro sobre a natureza (e não sobre a identidade) do objeto (art. 17, CP). 4. Elementos subjetivos especiais O dolo é o elemento subjetivo geral Aos fatos dolosos, o progra ma psíquico que produz a ação típica, mas não é o único componente subjetivo dos crimes dolosos. O legislador penal contemporâneo inscreve, freqüentemente, na dimensão subjetiva dos crimes dolosos, determinadas características psíquicas complementares diferentes do 143 ROXIN, Strafrecht,, 1997, §12, n. 174, p. 448. 144 ROXIN, Strafrecht, 1997, §12, n. 181, p. 452; CIRINO DOS SANTOS, Teoria do Crime, 1993, p. 25. 163 Teoria do Fato Punível Capítulo 8 dolo, sob a forma de intenções ou de tendênáas especiais, ou de atitudes pessoais necessárias para precisar a imagem do crime ou para qualificar ou privilegiar certas formas básicas de comportamentos criminosos.145 Assim, não há furto na subtração de coisa alheia móvel sem intenção de apropriação; não há crime sexual se a ação típica não aparece im pregnada de libido, como tendência interna voluptuosa etc. Hoje, já não se discute a existência dessas características subjetivas especiais, mas apenas sua inserção sistemática: o debate atual é polarizado por autores que distribuem referidas características entre o tipo subjetivo e a culpabilidade, e autores que atribuem tais características exclusi vamente ao tipo subjetivo. JESCHECK/WEIGEND146 e ROXIN,147 por exemplo, repre sentam a moderna corrente dogmática que insere no tipo subjetivo as características psíquicas relacionadas com o bem jurídico protegido, e na culpabilidade as características psíquicas relacionadas aos motivos, sentimentos e atitudes do autor, que qualificam o fato típico. Certas ati tudes pessoais são ainda diferenciadas em autênticas (por exemplo, má-fé, motivo torpe etc.), que pertenceriam à culpabilidade, e não-autênticas (a crueldade, por exemplo), que pertenceriam ao tipo e à culpabilidade, simultaneamente: ao tipo, o sofrimento da vítima; à culpabilidade, o sentimento desumano do autor. A utilidade da atribuição ao tipo subjetivo e/ou à culpabilidade residiria na solução de problemas de participação: por exemplo, a intenção de apropriação, como característica psíquica especial do tipo subjetivo do furto, é atribuível ao partícipe; entretanto, a cobiça, como característica psíquica qualificadora do ho 143 Nesse sentido, embora com diferenças, JESCHECK/WEIGEND, Lehrbuch des Strafrechts, 1996, §30,1-III, p. 317-321; MAURACH/ZIPF, Strafrecht,, 1992, §22, ns. 51-6, p. 317-319; ROXIN, Strafrecht, 1997, §10, ns. 70-86, p. 257-260; WELZEL, Das Deutsche Strafrecht, 1969, §13, p. 77-80. No Brasil, comparar ZAFFARONI/ PIERANGELI, Manual de Direito Penal brasileiro, 1997, 266-268, p. 502-507. 146 JESCHECK/WEIGEND, Lehrbuch des Strafrechts, 1996, §30,1 3, p. 318. 147 ROXIN, Strafrecht, 1997, §10, n. 71, p. 258. 164 Capítulo 8 O Tipo de Injusto Doloso de Ação micídio (espécie de motivo torpe) integra a culpabilidade e, portanto, não é atribuível ao partícipe. Esse argumento não seria relevante no Direito Penal brasileiro, porque árcunstânáas ou condições de caráter pessoal (ou seja, características subjetivas) somente são atribuíveis ao partícipe se elementares do tipo (art. 30, CP). WELZEL148 e MAURACH/ZIPF,149 entre outros, representam o segmento doutrinário que incorpora esses elementos psíquicos especiais ao tipo subjetivo, sob o argumento de que realizam funções de fundamentação ou de reforço do desvalor social do fato: as intenções e tendências especiais fundamentam o desvalor social do fato; os motivos e as atitudes do autor, como caracteres subjetivos qualificadores do dolo, reforçam o desvalor social do fato. Realmente, não parece con veniente implantar características subjetivas relacionadas ao conteúdo ou à gravidade da lesão do bem jurídico — ou seja, ao desvalor social do fato — na culpabilidade, porque tais características devem, preci samente, integrar o tipo de injusto para poderem constituir objeto do juízo de reprovação. A identificação dos tipos penais portadores de características subjetivas especiais é tarefa de interpretação da parte especial do Código Penal, mas como a execução dessa tarefa deve seguir princípios fixados na parte geral, parece útil adotar um esquema originário de MEZGER,150 seguido por ROXIN151 e ampliado por JESCHECK/WEIGEND,152 que classifica os tipos penais com características subjetivas especiais em tipos penais de intenção, de tendência, de atitudes e de expressão. Os tipos penais de intenção, também chamados crimes de tendência 148 WELZEL, Das Deutsche Strafrecht, 1969, §13, p. 77. 149 MAURACH/ZIPF, Strafrecht, 1992, §22, n. 52, p. 318. 150 MEZGER, Strafrecht, 1949, p. 172 s. 151 ROXIN, Strafrecht, 1997, §10, ns. 83- 87, p. 263-264. 152 JESCHECK/WEIGEND, Lehrbuch des Strafrechts, 1996, §30, II, p. 319-320. 165 Teoria do Tato Punível Capítulo 8 interna transcendente, se caracterizam por uma intenção que ultrapassa o tipo objetivo para se fixar em resultados que não precisam se rea lizar concretamente, mas que devem existir no psiquismo do autor. Aqui, é necessário distinguir entre tipos de resultado cortado, em que o resultado pretendido não exige uma ação complementar do autor (a intenção de apropriação, no furto), e tipos i?nperfeitos de dois atos, em que o resultado pretendido exige uma ação complementar (a falsificação do documento e a circulação do documento falsificado no tráfego jurídico). A intenção, como característica psíquica especial do tipo, aparece, geralmente, nas conjunções subordinativas finais para, a fim de, com o fim de etc., indicativas de finalidades transcendentes do tipo, como ocorre com a maioria dos crimes patrimoniais.153 Os tipos penais de tendência se caracterizam por uma tendência afetiva do autor que impregna a ação típica: nos crimes sexuais, a tendência voluptuosa adere à ação típica, atribuindo o caráter sexual ao comportamento do autor, cuja ação aparece carregada de libido. A presença dessas características psíquicas especiais decide sobre a definição jurídica de ações objetivamente idênticas: agarrar com violência os seios de uma mulher no elevador pode constituir crime sexual (se com tendência lasciva), crime de injúria (se com intenção de ofender a honra) ou crime de lesões corporais (se ausente qualquer dessas características psíquicas). Os tipos penais de atitudes se caracterizam pela existência de esta dos anímicos que informam a dimensão subjetiva do tipo e intensificam ou agravam o conteúdo do injusto, mas não representam um desvalor social independente, como a crueldade, a má-fé, a traição etc.154 Os tipos penais de expressão se caracterizam pela existência de 153 CIRINO DOS SANTOS, Teoria do Crime, 1993, p. 29-30. 154 JESCHECK/WEIGEND, Lehrbuch des Strafrechts, 1996, §30, II, n. 4, p. 320. 166 Capítulo 8 O Tipo de Injusto Doloso de Ação um processo intelectual interno do autor, como no falso testemunho: a ação incriminada não se funda na correção ou incorreção objetiva da informação, mas na desconformidade entre a informação e a convicção interna do autor.155 A descrição dos elementos subjetivos especiais, último capítulo da dimensão subjetiva do tipo, conclui o estudo do tipo dos crimes dolosos de ação, acontecimento humano real objeto das subseqüen tes valoração de antijuridicidade e reprovação de culpabilidade, que completam o conceito jurídico de crime. 155 ROXIN, Strafrecht, 1997, §10, n. 86, p. 263-264. 167 C apítu lo 9 O T ipo d e In ju st o I m p r u d e n t e * I. Introdução Os crimes cometidos por imprudência constituem, do ponto de vista da definição legal, exceções à regra da criminalidade dolosa, apa recendo na lei penal como liipóteses acessórias de menor significação: se o homicídio é culposo (art. 121, §3°), se a lesão corporal é culposa (art. 129, §6°) etc. Contudo, do ponto de vista de sua freqüência real, crimes de homicídio e de lesão corporal imprudentes representam a maioria absoluta dos fatos puníveis1 e, do ponto de vista dos bens jurídicos lesionados, integram a criminalidade mais relevante, de modo que se pode dizer que a antiga exceção é, atualmente, a regra da criminalidade. De fato, as sociedades contemporâneas se caracterizam por intensa e generalizada produção de ações perigosas para a vida, .o corpo e a saúde do homem e para a integridade do meio ambiente (destruição do * O substantivo culpa e o adjetivo culposo são inadequados por várias razões: primeiro, confundem culpa, modalidade subjetiva do tipo, com culpabilidade, elemento do conceito de crime, exigindo a distinção complementar de culpa em sentido estrito e culpa em sentido amplo, o que é anti-científico; segundo, induzem perplexidade no cidadão comum, para o qual crime culposo parece mais grave que crime doloso, ampli ando a incompreensão de conceitos jurídicos; terceiro, o substantivo imprudência e o adjetivo imprudente exprimem a idéia de lesão do dever de cuidado ou do risco permitido com maior precisão do que os correspondentes culpa e culposo\ quarto, a dogmática alemã usa o termo Fahrlãssigkeit, que significa negligência ou imprudência, mas a natureza da maioria absoluta dos fatos lesivos do dever de cuidado ou do risco permitido, na circulação de veículos ou na indústria moderna, parece melhor definível como imprudência. 1 ROXIN, Strafrecht, 1997, §24, n. 1, p. 919. 169 Teoria do Fato Punível Capítulo 9 solo, flora e fauna, e poluição do ar, rios e mares), com conseqüências catastróficas para o futuro da humanidade no planeta. A tecnologia moderna, especialmente na área do capital produtivo, em relação com os acidentes do trabalho, e a circulação de veículos automotores nas áreas urbanas e rurais, em relação com os acidentes de trânsito, são claros indicadores da extensão da violênáa imprudente que permeia as relações sociais.2 Por essa razão, a teoria dos crimes de imprudência se transformou, na bela comparação de SCHUNEMANN,3 de enteada em filha predileta do trabalho científico no Direito Penal. A grande mudança na teoria da imprudência é representada pela deslocação de sua posição sistemática, de forma de culpabilidade segundo o modelo causai, para tipo de injusto conforme a concepção moderna de crime. Embora ENGISCH4 já tivesse observado que a inobservância do cuidado exigido, que define o conceito de imprudência, seria característica do tipo, o impulso decisivo da mudança viria do modelo finalista de fato punível, ao desenvolver a teoria do injusto pessoal e consolidar a tendência de situar o desvalor da ação, como dolo ou imprudência, no tipo de injusto.5 II. O tipo de injusto de imprudência Os tipos de imprudência, devido à variabilidade das condições ou circunstâncias de sua realização, são tipos abertos que devem ser 2 Ver CIRINO DOS SANTOS, Teoria do crime, 1993, p. 35; também, Direito Venal, a nova parte geral, 1985, p. 165; e ainda, A s origens dos delitos de imprudência, in Avista de Direito Penal, 23 (1977), p. 55-65. 3 SCHÜNEMANN, Modeme Tenden^en in der Dogmatik der Fahrlãssigkeits- und Gefàhr- dungsdelikte, JA 1975, p. 435 s. 4 ENGISCH, Untersuchungen über Vorsat^ und Fahrlãssigkeit im Strafrecht, 1930. 5 ROXIN, Strafrecht, 1997, §24, n. 4, p. 920-1; HAFT, Strafrecht, 1994, p. 162. 170 Capítulo 9 O Tipo de Injusto Imprudente preenchidos ou completados por uma valoração judicial e, por isso, não apresentam o mesmo rigor de definição legal dos dpos dolo sos.6 Entretanto, como o tipo objedvo do injusto de imprudência é idêntico ao tipo objetivo do injusto doloso correspondente, e os cri térios de definição da imprudência se enraízam em normas jurídicas, regras profissionais e dados da experiência, não parece haver lesão ao princípio constitucional da legalidade.7 Afinal, como observam JESCHECK/WEIGEND, o leigo é capaz de compreender melhor o comportamento imprudente do que alguns conceitos jurídicos como dolo eventual, legítima defesa etc.8 A definição de imprudência se fundamenta em critérios objetivos e pressupõe uma relação de correspondência com a capacidade indivi dual do ser humano, em geral; entretanto, a capacidade individual do cidadão pode, concretamente, ser inferior (um motorista com visão fraca, por exemplo) ou superior (o motorista é um piloto de corridas) à medida pressuposta na definição. A variação da capacidade individual concreta em relação à medida abstrata de definição da imprudência está na origem da controvérsia sobre o momento sistemático de avaliação dessas diferenças pessoais: se as diferenças de capacidade individual devem ser consideradas somente na culpabilidade, segundo o critério da generalização, ou se devem ser consideradas já no tipo de injusto, conforme o critério da individualização. O critério da generalização, também conhecido como critério 6 Nesse sentido, JESCHECK/WEIGEND, Lehrbuch des Strafrechts, 1996, §54,1 3, p. 564; WELZEL, Das Deutsche Strafrecht, 1969, p. 131; ROXIN, Strafrecht, 1997, §24, n. 87, p. 950. No Brasil, HEITOR COSTA JR., Teoria dos delitos culposos, 1988, p. 55; ZAFFARONI/PIERANGELI, Manual de Direito Penal brasileiro, 1997, n. 271, p. 510-511; em posição diferente, TAVARES, Direito Penal da negligênàa, 1985, p. i 131-133, afirma o caráter fechado do tipo de imprudência e admite sua inadequação ao princípio da legalidade. 7 ROXIN, Strafrecht, 1997, §24, n. 87-88, p. 951; JESCHECK/WEIGEND, Lehrbuch des Strafrechts, 1996, §54,1 3, p. 564. 8 JESCHECK/WEIGEND, Lehrbuch des Strafrechts, 1996, §54,1 3, p. 564; BOCKEL- MANN, Verkehrsrechtliche A.ufsàt^ und Vortrãge, 1967, p. 208 s. 171 Teoria do Fato Punível Capítulo 9 duplo, porque trabalha com uma combinação de tipo de imprudência e culpabilidade de imprudência, seguido por WELZEL, JESCHE CK/WEIGEND, HAFT etc., generaliza a medida objetiva do tipo de injusto e, portanto, não considera no tipo de injusto diferenças de capacidade individual, deslocando para a culpabilidade a aprecia ção dessas diferenças, avaliadas conforme inteligência, escolaridade, habilidades, experiência de vida e posição social do autor,9 com as seguintes conseqüências práticas: a) ao nível superior da capacidade individual (o autor é um piloto de rallj), exige menos de quem pode mais do que a medida geral do tipo (o acidente só poderia ser evitado por um piloto de rallj), porque não seria exigível de um o que não é exigível de outros; b) ao nível inferior da capacidade individual (o autor é um motorista de idade avançada ou visão fraca), exige mais de quem pode menos do que a medida geral do tipo (um motorista idoso ou com vista fraca não evitaria o acidente), porque capacidade de agir conforme ao direito é problema de culpabilidade. O critério da individualização, representado por STRATÉNWER- TH e JAKOBS, entre outros, individualiza a medida objetiva do tipo de injusto e, portanto, considera no tipo de injusto as diferenças de capacidade individual (inteligência, escolaridade, habilidades etc.), com as seguintes conseqüências práticas: a) se a capacidade individual é superior à medida do tipo de injusto (o piloto de rallj), então exige mais de quem pode mais, aplicando pena em situações impuníveis pelo critério da generalização; b) se a capacidade individual é inferior à medida do tipo de injusto (o motorista de visão fraca), então exige menos de quem pode menos e, conseqüentemente, são impuníveis ações 9 WELZEL, Das Deutsche Strafrecht, 1969, §18,1 , p. 131; JESCHECK/WEIGEND, Lehrbuch des Strafrechts, 1996, §54, I 2, p. 563; HAFT, Strafrecht, 1994, p. 160-161. No Brasil, ver HEITOR COSTA JR., Teoria dos delitos culposos, 1988, p. 58. 172 Capítulo 9 O Tipo de Injusto Imprudente puníveis pelo critério da generalização.10 Nessa controvérsia, a proposta alternadva de ROXIN11 com bina o rigor dos critérios da generalização e da individualização, porque exige mais de quem pode mais e, também, de quem pode menos*, a) se a capacidade individual é inferior à exigência geral do tipo de injusto, prevalece a medida do tipo de injusto, segundo o critério da genera lização, sob o argumento de que a incapacidade de agir diferente é um problema de culpabilidade; b) se a capacidade individual é superior à exigência geral do tipo de injusto, o autor deve empregar essa maior capacidade, segundo o princípio da individualização, sob o argumento de que outra interpretação significaria vitimização desnecessária de vidas humanas: um piloto de rally deve empregar suas habilidades especiais para evitar um atropelamento, o que seria impossível a um condutor comum; um cirurgião de competência reconhecida deve empregar sua capacidade especial para salvar uma vida, o que está além do poder de um cirurgião comum etc. III. Critérios de definição da imprudência A lei penal brasileira define o chamado crime culposo como resul tado causado por imprudência, negligência ou imperícia (art. 18 II, CP) — na verdade, uma enumeração de hipóteses de comportamentos culposos herdada do modelo causai, em contradição com os fundamentos 10 JAKOBS, Strafrecht, 1993, 9/5, p. 318 s.; STRATENWERTH, Zur Individualisierung der Sorgfaltsmasstabes beimFahrlãssigkeitsdeãkte,]e.sch.eck.-VS>, 1985, p. 285. No Brasil, HEITOR COSTA JR., Teoria dos delitos culposos, 1988, p. 58-59, manifesta-se a favor do critério da individualização. 11 ROXIN, Strafrecht, 1997, §24, n. 50-4, p. 937-939. 173 Teoria do Fato Punível Capítulo 9 metodológicos do modelo final, paradigma teórico da reforma da parte geral do Código Penal.12 Art. 18. Di^-se o crime: II — culposoquando o agente deu causa ao resultado por imprudência, negligênáa ou imperíáa. A literatura jurídico-penal contemporânea trabalha com dois critérios principais para definir imprudência: a) o critério fundado no conceito de dever de cuidado, próprio da posição dominante desde WELZEL13 até JESCHECK/WEIGEND,14 que define imprudên cia como lesão do dever de cuidado objetivo exigido;15 b) o critério fundado no conceito de risco permitido, relacionado à teoria da elevação do risco desenvolvida por ROXIN,16 que define imprudência como lesão do risco permitido. As abordagens do fenômeno da imprudência promovidas por esses critérios são complementares e, por isso, a divergência é mais aparente do que real: o conceito de dever de cuidado define imprudência do ponto de vista do autor individual e indica a atitude exigida para situar a conduta nos limites do risco permitido; o conceito de risco permitido define imprudência do ponto de vista do ordenamento jurídico e indica os limites objetivos que condicionam o dever de cuidado do autor individual. Assim, pode-se dizer que o risco permitido, definido pelo ordenamento jurídico, constitui a moldura típica primária de adequação do dever de cuidado, de modo que a lesão do dever de cuidado sempre aparece sob a forma de criação ou de 12 CIRINO DOS SANTOS, Teoria do crime,, 1993, p. 36. 13 WELZEL, Das Deutsche Strafrecht, 1969, §18,1 1 b, p. 134 s. 14 JESCHECK/WEIGEND, Lehrbuch des Strafrechts, 1996, §55,1, p. 577 s. 15 Critério dominante no Brasil: HEITOR COSTA JR., Teoria dos delitos culposos, 1988, p. 60-64; MESTIERI, Manual de Direito P enall, 1999, p. 189-190; TAVARES, Di reito Penal da negligênáa, 1985, p. 138-144; ZAFFARONI/PIERANGELI, Manual de Direito Penal brasileiro, 1997, n. 275-276, p. 514-517. 16 ROXIN, Strafrecht, 1997, §24, n. 14, p. 924. 174 Capítulo 9 O Tipo de Injusto Imprudente realização de risco não permiddo. Como se vê, esses critérios não se excluem, mas se integram em uma unidade superior, e sua utilização combinada parece contribuir para melhor compreensão do conceito de imprudência. Sob qualquer desses critérios, o tipo de injusto de imprudência é formado por dois elementos correlacionados: a) em primeiro lugar, a lesão do dever de cuidado objetivo, como criação de risco não permitido, que define o desvalor de ação; b) em segundo lugar, o resultado de lesão do bemjurídico, como produto da violação do dever de cuidado objetivo ou realização de risco não permitido, que define o desvalor de resultado. 1. Ação lesiva do dever de cuidado ou do risco per mitido O dever de cuidado é delimitado principalmente por normas ju rídicas, que definem o risco permitido em ações perigosas para bens jurídicos na circulação de veículos, na indústria, no meio ambiente, no esporte etc. A atual legislação de trânsito brasileira (Lei 9.503/97) é a mais perfeita ilustração dessa tese: primeiro, institui o dever geral de atenção e cuidado na direção de veículo (art. 28); depois, delimita esse dever de cuidado pelas normas jurídicas que definem o risco permitido na circulação de veículos (arts. 29 a 67): a circulação pelo lado direito, as distâncias de segurança, a preferência dos veículos em rotatórias ou procedentes da direita, a prioridade, livre circulação, parada e estacionamento de veículos de bombeiros, polícia e ambulâncias, o procedimento nos deslocamentos laterais, retornos, conversões à esquerda e nos cruzamentos, os limites máximos de velocidade em vias urbanas e rurais, a ultrapassagem pela esquerda, as hipóteses de proibição de ultrapassagem e o comportamento do veículo ultrapas 175 Teoria do Tato Punível Capítulo 9 sado, os sinais de trânsito e a ordem de prioridade entre eles, o uso do cinto de segurança e o lugar das crianças nos veículos, as condições de circulação e de segurança dos veículos de duas rodas, o princípio de responsabilidade decrescente de segurança no trânsito, dos veículos maiores pelos menores, dos motorizados pelos não motorizados e de todos pelo pedestre. Em todas essas situações, a definição do risco permitido delimita, concretamente, o dever de cuidado exigido para rea lizar a ação perigosa de dirigir veículo automotor em vias urbanas e rurais, explicando o atributo de objetivo contido no conceito de dever de cuidado objetivo. A infringência de uma norma jurídica isolada constitui, em regra, criação de risco não permitido e, assim, caracteriza lesão do dever de cuidado, mas, excepcionalmente, pode ser insuficiente para indicar lesão do risco permitido ou do dever de cuidado — assim como a observação estrita da norma não garante conduta conforme ao cuidado objetivo, ou nos limites do risco permitido, se a observância concreta da regra eleva o perigo de um acidente, por exemplo.17 Por isso, a jurisprudência e a pesquisa científica desenvolveram alguns conceitos e diretrizes úteis para caracterizar a lesão do dever de cuidado ou — o que é a mesma coisa — a criação de risco não permitido, que definem o desvalor de ação nos crimes de imprudência, como o modelo de homem prudente, o princípio da confiança, certas correlações de risco/utilidade etc. a) O modelo de homem prudente. O conceito de homem prudente, construído como modelo para determinar lesões do dever de cuidado ou do risco permitido,18 é um referencial valioso para definir a natureza de comportamentos humanos. Um homem prudente é capaz de reconhecer e avaliar situações de perigo para bens jurídicos protegidos, mediante 17 ROXIN, Strafrecht, 1997, §24, n. 15-16, p. 924; JESCHECK/WEIGEND, Lehrbuch des Strafrechts, 1996, §55,1 3d, p. 582. 18 Ver BURGSTALLER, Das Fahrlãssigkeitsdelikt im Strafrecht, 1974. 176 Capítulo 9 O Tipo de Injusto Imprudente observação das condições de realização da ação e reflexão sobre os proces sos subjacentes de criação e de realização do perigo: por exemplo, um motorista prudente pode prever a possibilidade de crianças, pedestres desatentos ou pessoas idosas ou deficientes ingressarem, inesperada mente, na pista de rolamento das vias urbanas, e agir em conformidade com essa previsão. Esse modelo é construído perguntando-se como agiria, na situação concreta, um homem prudente pertencente ao círculo de relações do autor e dotado dos conhecimentos especiais deste (por exemplo, sobre os perigos de determinado cruzamento, ou sobre a presença de escolares na rua, em determinados locais e horários etc.): se a construída ação do modelo divergir da ação real, existe lesão do dever de cuidado ou do risco permitido.19 O problema principal resi de na dificuldade de definir o modelo adequado, em geral influenciado pelas experiências e distorções subjetivas do intérprete e, assim, evitar exigências excessivas, porque ações socialmente perigosas são normais dentro de determinados limites e, portanto, lesões do dever de cuidado somente são admissíveis em hipóteses de excedência do risco permiti do:20 se, em condições normais, o motorista urbano devesse considerar, sempre, a hipótese de pedestres invadirem a pista de rolamento, o tráfego urbano seria impossível. b) O dever de informação sobre riscos e de abstenção de ações perigosas. A realização de ações perigosas, especialmente em certas áreas ou setores especializados das atividades humanas, impõe o de ver de informação sobre riscos para bensjurídicos,21 com a omissão da ação perigosa em hipóteses de impossibilidade de informação, ou de 19 JESCHECK/WEIGEND, Lehrbuch des Strafrechts, 1996, §55,1 2b, p. 578; ROXIN, Strafrecht, 1997, §24, n. 32, p. 931. WELZEL, Das Deutsche Strafrechts, 1969, §18 ,1 la , p. 132. No Brasil, HEITOR COSTA JR., Teoria dos delitos culposos, 1'988, p. 60; TAVARES, Direito Penal da negligênáa, 2003, p. 275-276, rejeita o conceito de homem prudente e consáenáoso porque seria equivalente ao conceito de homo medius. 20 JESCHECK/WEIGEND, Lehrbuch des Strafrechts, 1996, §55,1 2b, p. 579. 21 ENGISCH, Untersuchungen über Vorsat^ undFahrlassigkeit im Strafrecht, 1930, p. 306. 177 Teoria do Tato Punível Capítulo 9 informação indicadora de risco excessivo, ou de incapacidade pessoal de controle do risco por defeitos físicos, habilidade insuficiente, como dirigir veículo com defeito de visão, dificuldade de movimentos, experi ência insuficiente, em estado de cansaço excessivo ou com informação deficiente sobre regras de circulação (especialmente no estrangeiro); realizar tratamento médico de doença grave sem adequada informação sobre processos de tratamento, desenvolvimento de medicamentos etc.; aplicar anestesia total, sem prévio exame, em paciente com indicações explícitas ou implícitas de problemas cardíacos — todas essas situações configuram lesões do dever de cuidado e, portanto, hipóteses de risco não permitido, subsumíveis na chamada “culpa de empreendimento” (Übernahmeverschulden), regida pelo seguinte princípio: quem não sabe, deve se informar; quem não pode, deve se omitir}1 c) O binômio rísco/utilidade na avaliação de ações perigosas. As sociedades contemporâneas não podem sobreviver sem a reali zação permanente de ações normalmente perigosas, como o funcio namento de máquinas pesadas na indústria, a utilização de meios de transporte rápidos, as pistas autorizadas de alta velocidade, o uso de medicamentos tóxicos na medicina, a difusão dos defensivos agrícolas, a crescente utilização da energia nuclear etc., cujo funcionamento, produção ou emprego deve observar o necessário cuidado, controle ou vigilância para excluir ou minimizar os perigos correlacionados.23 Contudo, algumas ações extremamente perigosas são autorizadas, ainda que fora dos limites normais do risco permitido, tendo em vista sua significação social, como a prioridade de trânsito e livre cir culação de ambulâncias, veículos de bombeiros ou carros de polícia no tráfego urbano, por exemplo, cuja necessidade e utilidade social 22 ROXIN, Strafrecht, 1997, §24, n. 343-346, p. 932; também, JESCHECK/WEI GEND, Lehrbuch des Strafrechts, 1996, §55,1 3, p. 580. No Brasil, TAVARES, Direito Penal da negügênáa, 2003, p. 280-283. 23 JESCHECK/WEIGEND, Lehrbuch des Strafrechts, 1996, §55,1 3b, p. 580. 178 I Capítulo 9 O Tipo de Injusto Imprudente são indiscutíveis.24 A permissibilidade de ações perigosas depende do significado da correlação risco!utilidade: se o risco tem utilidade social, então o maior risco pode ser permitido; se o risco tem utilidade me ramente individual, então o menor risco é proibido. Nesse sentido, é interessante o critério que classifica as ações perigosas em ações de luxo ou supérfluas, cuja realização pode configurar risco não permitido, e ações socialmente úteis ou necessárias, normalmente abrangidas pelo risco permitido.25 d) O princípio da confiança. A área de influência do princípio da confiança na construção dogmática do conceito de imprudência varia conforme sua definição como simples regra costumeira comple mentar, segundo JESCHECK/WEIGEND,26 ou como princípio de orientação capaz de indicar os limites do dever de cuidado ou do risco permitido no trânsito, no trabalho cooperado e, até mesmo, em relação a possíveis fatos dolosos de terceiros, conforme ROXIN.27 E genera lizada a noção de que o princípio da confiança significa a expectativa, por quem se conduz nos limites do risco permitido, de comportamentos alheios adequados ao cuidado objetivo, exceto indicações concretas em contrário.28 Assim, veículos com preferência de passagem em cruzamentos ou de circulação em rótulas, por exemplo, podem confiar que outros 24 ROXIN, Strafrecht, 1997, §24, n. 37, p. 933. 25 BURGSTALLER, Das Fahrlãssigkeitsdelikt im Strafrecht, 1974, p. 58; também, SCHÜ- NEMANN, Modeme Tenden^en in derDogmatik derFahrlãssigkeits- und Gefàhrdungsdelikte. JA 1975, p. 575 s. 26 JESCHECK/WEIGEND, Lehrbuch des Strafrechts, 1996, §55 ,1 3d, p. 581. 27 ROXIN, Strafrecht, 1997, §24, n. 21-30, p. 926-930. No Brasil, TAVARES, Direito Penal da negligência, 2003, p. 294. 28 JESCHECK/WEIGEND, Lehrbuch des Strafrechts, 1996, §55,1 3d, p. 581; também, ROXIN, Strafrecht, 1997, §24, n. 21, p. 926. WELZEL, Das Deutsche Strafrecht, 1969, §18,1 la ,p . 132-134.No Brasil, TAVARES, Direito Penal da negligência, 1985,p. 148; HEITOR COSTA JR., Teoria dos delitos culposos, 1988, p. 61. 179 Teoria do Tato Punível Capítulo 9 condutores respeitarão a preferência, sob pena de in viabilização do trá fego por subversão das regras que disciplinam a circulação de veículos. Admite-se ação em conformidade com o princípio da confiança mesmo na hipótese de pequenas lesões do risco permitido ou do dever de cuidado: se a preferência de passagem pertence ao motorista alcoolizado A e o condutor B desrespeita essa preferência determinando um acidente de trânsito, inevitável mesmo na hipótese de A não estar alcoolizado, a punição de A somente poderia se fundar no inadmissível versari in re illi- citaP Todavia, o princípio da confiança não pode prevalecer contra crianças, idosos ou doentes, contra adolescentes com comportamentos estranhos, contra pedestres evidentemente desorientados ou outras situações de injustificável expectativa de comportamentos adequados.30 Igualmente, o princípio da confiança exerce função relevante no tra balho cooperado ou de equipe, com distribuição de tarefas integradas na realização de obra coletiva, como nas cirurgias médicas, por exemplo: os superiores são responsáveis pela escolha, direção e supervisão dos auxiliares, os auxiliares devem observar as instruções recebidas, cada especialista pode confiar no trabalho livre-de-falhas de outro especialista e, em qualquer caso, a correção de falhas alheias é sempre limitada pela necessidade de realização correta do próprio trabalho.31 Enfim, o princípio da confiança permite definir como adequadas ao dever de cuidado ou ao risco permitido ações que podem se relacionar com fatos dolosos de terceiros, comò a venda de armas de fogo, de be bidas alcoólicas etc., porque a exigência de omitir ações hipoteticamente relacionadas a crimes futuros teria igual efeito inviabilizador da vida 29 ROXIN, Strafrecht, 1997, §24, n. 24, p. 927-928. 30 ROXIN, Strafrecht, 1997, §24, n. 23, p. 927. No Brasil, TAVARES, Direito Penal da negligênáa, 2003, p. 295. 31 JESCHECK/WEIGEND, Lehrbuch des Strafrechts, 1996, §55, I 3de, p. 581-582; também, ROXIN, Strafrecht, 1997, §24, n. 25, p. 928. 180 Capítulo 9 O Tipo de Injusto Imprudente social moderna que a renúncia à circulação de veículos, por exemplo.32 Exceções seriam as hipóteses de promoção de disposição reconhecível para fato doloso, mediante contribuições causais imprudentes, como entregar faca a partícipe de briga (com a qual comete homicídio); entregar veneno, em condições suspeitas, ao amante (que envenena a esposa); emprestar espingarda a amigo, cujas intenções agressivas são reconhecíveis pela observação atenta de certas indicações (que comete homicídio); retirar- se a mãe da casa, durante parto de filha solteira, sendo previsível infan- ticídio se a parturiente for deixada sozinha (que mata o próprio filho): em todas essas hipóteses, o conceito unitário de autor de fato imprudente determina a punição por homicídio imprudente (na última hipótese, cometido por omissão) — e não por participação imprudente em fato doloso33 —, porque a ação não é coberta pelo princípio da confiança. 2. Resultado de lesão do bem jurídico O resultado nos crimes de imprudência consiste na lesão do bem jurídico protegido no tipo legal: a vida, a integridade ou a saúde corporal do homem, o meio ambiente etc.34 A maioria absoluta dos crimes de imprudência exige resultado de dano, como o homicídio ou a lesão corporal imprudentes (arts. 121, §3° e 129, §6°, do Có digo Penal; arts. 302 e 303, do Código de Trânsito Brasileiro), ou o incêndio culposo em mata ou floresta (art. 41, parágrafo único, da 32 ROXIN, Strafrecht, 1997, §24, n. 26, p. 928-929. No Brasil, TAVARES, Direito Penal da negligência, 2003, p. 299-300. 33 ROXIN, Strafrecht, 1997, §24, n. 26-30, p. 928-930; JESCHECK/WEIGEND, luehrbuch des Strafrechts, 1996, §54, IV 2, p. 573. 34 JESCHECK/WEIGEND, Lehrbuch des Strafrechts, 1996, §55, I I 1, p. 582. No Brasil, TAVARES, Direito Penal da negligênàa, 2003, p. 301. 181 Teoria do Fato Punível Capítulo 9 Lei 9.605/98); mas é crescente a criminalização da imprudência com resultado de perigo, em que o tipo de injusto se exaure na ação lesiva do risco permitido ou do cuidado objetivo exigido, como, por exem plo, o crime de substâncias tóxicas à saúde humana ou meio ambiente (art. 56, §3°, da Lei 9.605/98). O resultado nos crimes de imprudência é, para a opinião domi nante, elemento do tipo de injusto,35 mas um segmento minoritário o define como condição objetiva de punibilidade, fora do tipo de injusto, sob o argumento de que a norma implícita no tipo legal somente pode proibir ações, nunca resultados típicos.36 JESCHECK/WEIGEND, entre outros,37 rejeitam essa teoria, mostrando a ligação entre ação e resultado nos tipos de imprudência: o dever de cuidado é projetado para evitar determinados resultados típicos; o resultado deve ser o produto específico da lesão do dever de cuidado; o resultado deve ser previsível no momento da ação; finalmente, o resultado determina se, porque e como o autor deve ser punido. 3. Imputação do resultado ao autor A atribuição do resultado ao autor depende da verificação dos seguintes pressupostos: primeiro, o resultado deve ser o efeito causai da 35 JESCHECK/WEIGEND, Lehrbuch des Strafrechts, 1996, §55, II 1, p. 582-583; ROXIN, Strafrecht, 1997, §24, n. 7, p. 921; WELZEL, Das Deutsche Strafrecht, 1969, §18,12, p. 135. 35 ARMIN KAUFMANN, Das Fahrlàssige Delikt, ZfRv 1964, p. 41; do mesmo, Zum Stande der Lehre vom personalen Unrecht., FS fíir WelzeL, 1974, p. 393; ZIELINSKI, Handlungs- und Jürfolgsunwert im Unrechtsbegriff, 1973, p. 128 s. e 200 s. 37 JESCHECK/WEIGEND, Lehrbuch des Strafrechts, 1996, §55, II 1, p. 583; também, ROXIN, Strafrecht, 1997, §24, n. 7, p. 921. No Brasil, TAVARES, Direito Penal da negligênáa, 2003, p. 302-303; HEITOR COSTA JR , Teoria dos delitos culposos, 1988, p. 69-70. 182 i Capítulo 9 O Tipo de Injusto Imprudente ação do autor; segundo, o resultado deve ser o produto especifico da lesão f do cuidado objetivo exigido ou—o que é a mesma coisa, de outro ângulo — a realização concreta de risco não permitido;38 terceiro (pelo menos para o setor dominante da teoria), o resultado deve ser previsível?9 v A relação de causalidade entre ação e resultado é regida pela teoria da equivalência das condições, válida para os crimes dolosos como para os crimes imprudentes. Entretanto, a imputação do resulta do ao autor, como obra dele, exige mais do que a simples causalidade: o resultado deve ser o produto específico da lesão do cuidado objetivo exigido40 ou a realização concreta de risco não permitido.41 Assim, o simples desaparecimento do resultado pela exclusão hipotética da 5 ação é insuficiente para imputar o resultado ao autor: é necessário que o resultado seja o produto específico da ação contrária ao dever de cuidado e, por isso, lesiva do risco permitido. f A questão da imputação do resultado pode ser simplificada pelo exame de situações que excluem a atribuição do resultado ao autor — indicadas por ROXIN como hipóteses de exclusão da imputação do tipo objetivo, em geral42 (com exceção dos danos resultantes de traumas x sobre terceiros e das conseqüências danosasposteriores, modalidades de resul tados fora do âmbito de proteção do tipo, exclusivos da imprudência) e referidas por JESCHECK/WEIGEND43 como situações negativas ■ da relação de antijuridicidade — o que mostra a extensão em que o tipo de imprudência existe como tipo de injusto