educação popular não é uma dualidade entre um espaço não escolar, não formal, e um espaço escolar, mas o fato de ser uma educação destinada às camadas populares da população. Com o fim do período militar, em 1985, o Mobral, um de seus programas mais emblemático é extinto. A extinção do Mobral e criação da Fundação Educar marcam uma ruptura e a consolidação de um período de retomada de parcerias entre governos e sociedade civil. Logo, os debates que se seguem sobre a concepção de EJA, são catalisados em torno da constituinte e da constituição de 1988. O ensino fundamental é assumido como direito público subjetivo, inclusive para jovens e adultos. É nesse sentido que a Constituição de 1988 define, no artigo 208, que o dever do Estado com a Educação será efetivado mediante a garantia de ensino fundamental, obrigatório e gratuito, mesmo para os que a ele não tiveram acesso na idade própria. Os anos 1990 são marcados por tensões entre avanços conquistados na legislação educacional, ações e reações ao desmonte das políticas de EJA e mobilizações provocadas pelos apelos internacionais em torno da educação. A legislação educacional formulada no período incorpora as novas definições sobre o tema. A LDBEN 9394/96 apresenta no seu Título V (Dos Níveis e Modalidades de Educação e Ensino), capítulo II (Da Educação Básica) uma seção V denominada ―Da Educação de Jovens e Adultos‖. Portanto a lei define o público dessa modalidade como composto por jovens e adultos. A EJA também é definida como uma modalidade da educação básica, em suas duas etapas: a fundamental e a média. A ideia de que a EJA se constitua como uma modalidade da educação básica implica designar-lhe um perfil próprio diante de um processo educativo considerado como medida de referência, no caso a educação básica. Dois artigos compõem a seção da educação de jovens e adultos na LDBEN 9394/96: os artigos 37 e 38. O primeiro define e caracteriza o público da EJA, estabelecendo que ela seja destinada àqueles que não tiveram acesso ou continuidade de estudos no ensino fundamental e médio na idade própria; o segundo discute implicitamente a subalternidade da EJA com relação à educação regular, estabelecendo que os sistemas de ensino mantenham cursos e exames supletivos, que compreenderão a base nacional comum do currículo, habilitando o estudante ao prosseguimento de estudos em caráter regular. Por sua vez os cursos e exames devem oferecer oportunidades apropriadas de estudo considerando as características do alunado, seus interesses, condições de vida e trabalho. A lei determina inclusive que os exames poderão aferir e reconhecer os conhecimentos e habilidades adquiridos pelos educando por meios informais. Além disso, o poder público deve viabilizar o acesso e assegurar condições de permanência do trabalhador na escola por meio de ações integradas e complementares. Depreende-se, a partir da LDB, que a EJA corresponde a uma forma específica da educação básica, comum a todos os cidadãos, destinada ao jovem e ao adulto que não estudaram na idade apropriada, e que pode ser ofertada por meio de cursos ou exames, e cujo escopo é a habilitação dos educandos ao prosseguimento de seus estudos em caráter regular. Trata-se, portanto, de uma educação formal, com vistas à certificação e conclusão de etapas de estudo, mas que também afere e reconhece mediante exames os saberes da educação não formal ou informal. Quando consideramos o plano internacional podemos verificar que, nas conferências internacionais de educação de adultos organizadas pela UNESCO, desde 1949, tem ocorrido um processo de ampliação da concepção de educação de jovens e adultos que se traduz nos documentos oficiais da entidade. Segundo Ireland (2010): ―Ao longo da série histórica das CONFINTEAS, iniciada em 1949, com a primeira Conferência Internacional em Elsinore na Dinamarca, o conceito de educação de adultos vem ganhando abrangência. Em Elsinore, as temáticas centrais da alfabetização e educação profissional foram excluídas das discussões e recomendações finais. Em Montreal, em 1960, o presidente da II Conferência, o canadense Roby Kidd, frisou, no seu discurso final, a necessidade de reconhecer a educação como um processo que continua ao longo da vida que é, ao mesmo tempo, o direito de todos e a responsabilidade da humanidade. Nesse sentido ao longo das três CONFINTEAs subseqüentes em Tóquio, Paris, Hamburgo, os acordos estabelecidos que expressam as convergências internacionais alcançadas sobre o direito à educação em termos temporais – educação supletiva, educação continuada, educação permanente, educação ao longo da vida – em termos de público – as populações de baixa escolaridade, a população analfabeta, as populações mais vulneráveis e marginalizadas, a classe trabalhadora, e, mais recentemente, qualquer pessoa independentemente de qualquer variável – e em termos de modalidade – educações formal, não-formal, e informal – são cada vez mais abrangentes e diversificadas.‖ (IRELAND, T. D., 2010, pp.60-61) grifos do autor. Ireland (2010) destaca as convergências que historicamente foram sendo construídas ao longo das conferências internacionais em relação aos termos temporais, ao público, e modalidades da EJA. De acordo com os mais recentes consensos expressos nos documentos internacionais a concepção de EJA adota uma perspectiva generalizante e abrangente: em relação ao tempo trata-se de uma educação ao longo da vida, quanto ao público são todas as pessoas adultas, independentemente de variáveis de gênero, idade, etc.; em termos de modalidade são todas as formas de educação formal, não formal ou informal. O documento final da VI CONFINTEA, realizada no Brasil na cidade de Belém, em 2009, denominado ―Marco de Ação de Belém: aproveitando o poder e potencial da aprendizagem e educação de adultos para um futuro viável‖ representa o mais recente documento internacional sobre o tema. Ele traz em seu preâmbulo a seguinte assertiva: ―Apoiamos a definição de educação de adultos inicialmente estabelecida na Recomendação sobre o Desenvolvimento da Educação de Adultos adotada em Nairóbi em 1976 e aprofundada na Declaração de Hamburgo em 1997, qual seja, a educação de adultos engloba todo processo de aprendizagem, formal ou informal, em que pessoas consideradas adultas pela sociedade desenvolvem suas capacidades, enriquecem seu conhecimento e aperfeiçoam suas qualificações técnicas e profissionais, ou as redirecionam, para atender suas necessidades e as de sua sociedade.‖ (UNESCO, 2010, p.6) O ―Marco de Ação de Belém‖ reitera a visão ampliada da educação de adultos como uma educação pessoas consideradas adultas que ocorrem por meio de diferentes modalidades educativas. Sobressai, no entanto, a ausência nestes documentos da questão do jovem, ou pelo menos sua incorporação à denominação oficial. Essas distintas denominações dadas a esse campo educativo ao longo do tempo, no entanto, não traduzem apenas uma questão de nomenclatura. Na prática elas estão relacionadas a disputas no campo político-pedagógico da EJA entre distintos projetos de educação destinada às camadas populares que, historicamente foram formulados e implementados por diferentes grupos dentro, fora, ou com apoio do estado. Em um texto dos anos 1980, destinado a realizar um mapeamento e uma diferenciação das tendências em ação no campo da EJA, Brandão (1980) afirmava que por trás das diferentes nomenclaturas ocultavam-se intencionalidades distintas: ―Ora os nomes são muitos e debaixo deles: educação popular, educação de base, educação permanente, há coisas e intenções iguais com rótulos diferentes e ideias diferentes com rótulos iguais. Há projetos e sobretudo há propósitos, muitas vezes opostos, que se cobrem das mesmas falas e, com palavras que pela superfície parecem apontar para um mesmo horizonte, procuram envolver as mesmas pessoas, prometendo a elas mudanças nas suas vidas, ou em seus mundos.‖ (BRANDÃO, 1980, p. 15) De acordo com Baquero e Fischer (2004), efetivamente, a educação de jovens e adultos tem se constituído num campo de lutas onde diferentes atores sociais, localizados em distintas posições de poder, postulam distintos modelos educacionais frente às políticas públicas, englobando um considerável e variável número de práticas educativas com objetivos distintos. Para as autoras o terreno em que essas práticas educativas se confrontam, por sua vez, pode ser delimitado, basicamente, em dois espaços de atuação educacional: a educação formal, a educação não formal. Conforme Baquero e Fischer (2004) um primeiro espaço de disputas ocorre no â