Raras as obras que abordam a história da EJA, ainda que a maioria dos trabalhos acadêmicos apresente um capítulo protocolar sobre sua trajetória, desde os jesuítas até nossos dias. Assim, para uma problematização dos marcos periodizadores da história da EJA selecionamos dois trabalhos fundamentais produzidos em meados da década de 70, a obra de Vanilda Paiva – História da Educação Popular, e o livro de Celso de Rui Beisiegel – Estado e Educação Popular. Finalizamos esse tópico com novos aportes trazidos por um manual de história da educação, produzido em 2009, por Marcos Cezar Freitas e Maurilane de Souza Biccas - História Social da Educação no Brasil (1926-1996). Nosso propósito é identificar, a partir do diálogo com esses autores, quais são os momentos significativos história da EJA, e identificar os principais marcos temporais para compreender suas relações com a produção didática. Fávero (2010) indica a obra de Vanilda Paiva como a mais abrangente história da educação popular e educação de adultos no Brasil. A obra escrita no início da década de 1970, reflete segundo a autora ―um momento de transição entre a tradição liberal e os primeiros passos em direção a uma história da educação no interior da história da formação social brasileira‖ (PAIVA, 1983, prefácio). Como uma história da educação popular e de adultos no Brasil a autora subdivide a obra em duas partes: uma dedicada à educação popular, e outra à educação dos adultos. Na parte relativa à educação popular apresenta sua análise adotando os seguintes períodos e marcos históricos: 1- Colônia; 2- Século XIX; 3- Primeira metade da República Velha; 4- Anos 1920: final da Primeira República; 4- Revolução de 1930: Segunda República e Estado Novo. Na parte que aborda a educação dos adultos a autora define os seguintes períodos: 1- Primeiras iniciativas (em que realiza uma síntese histórica da questão da educação de adultos do período colonial até o Estado Novo); 2- O período 1946/1958: primeiras iniciativas oficiais (onde analisa a Campanha de Alfabetização de Adolescentes e Adultos, o Seminário Interamericano de Educação de Adultos, e a Campanha Nacional de Educação Rural); 3- O período 1958/1964: novas ideias em matéria de educação de adultos (onde trata do II Congresso Nacional de Educação de Adultos, a Campanha Nacional de Erradicação do Analfabetismo, a mobilização governamental no início dos anos 1960, os movimentos da Cultura Popular, o I Encontro Nacional de Alfabetização e Cultura Popular, e a Difusão e prática das novas ideias - sistema Paulo Freire, e Plano Nacional de Alfabetização); 4- O período pós-64: uma nova fase na educação de adultos (em que trata do Plano complementar do MEC, da Cruzada ABC, da retração do MEB, do Seminário sobre Educação e Desenvolvimento e do Movimento Brasileiro de Alfabetização – MOBRAL). Segundo Paiva, a subdivisão da estrutura do trabalho em duas partes (educação popular e educação dos adultos) se explica porque a educação de adultos é, de início, parte da educação popular, ―pois a difusão da escola elementar inclui as escolas noturnas para adultos, que durante muito tempo foram a única forma de educação de adultos praticada no país‖. Sua hipótese é que acontecimentos relevantes no interior do próprio setor educacional provocaram uma diferenciação que tornaram a educação popular uma categoria distinta da educação de adultos. Mais tarde, ―quando ganha autonomia e pretende-se que sua duração seja menor que aquela oferecida à população em idade escolar, ela passa a ser tratada como alfabetização e educação de base.‖ O marco histórico desse processo de autonomização da educação de adultos, no âmbito da educação popular, é a criação, em 1942, durante o Estado Novo, do Fundo Nacional do Ensino Primário - FNEP, cujo funcionamento inicia-se apenas em 1946. Assim, segundo Paiva esse ano se constitui num marco divisor a partir do qual a educação dos adultos se constitui um problema independente da educação popular. (PAIVA, 1983, pp.47-49). A trajetória da EJA, na perspectiva de Paiva, é marcada, portanto, por três momentos fundamentais. O primeiro compreende o período das primeiras iniciativas oficiais que ocorrem entre 1946 e1958; o segundo se dá entre 1958 e 1964; e o terceiro é o período pós-64. Outra obra fundamental para o estudo da história da EJA no Brasil é a do professor Celso Beisiegel (2004), Estado e Educação Popular: um estudo sobre a educação de adultos. O livro, publicado em 1974, resulta da tese intitulada ―A Educação de Adultos no Estado de São Paulo‖. Na apresentação da edição de 2004, Beisiegel explica que para responder às questões sobre a educação de adultos em São Paulo ―era necessário situar as origens e as vicissitudes, das idéias, das leis e das práticas da educação de adultos no âmbito de outros processos ideológicos e jurídico-políticos mais abrangentes‖, e compreendê-la ―mediante o estudo das orientações de uma política federal responsável pela inauguração desse processo educativo em todas as regiões do país.‖ O capítulo três do livro traz como título ―a educação de adultos: uma variante recente da educação comum para todos os cidadãos‖. Segundo Beisiegel, a educação de adultos só inicia a sua história, no Brasil, em meados dos anos 1940. Essa educação não mais se confunde com as práticas anteriores, pois deixa de ter uma legislação fragmentária e apoio reduzido das administrações públicas, passando a ser um ―empreendimento global do governo‖, uma ―tarefa do estado‖ que se obriga à oferta de vagas, cria um arcabouço legal, e assegura as condições para o investimento assumindo a educação de adultos como um ―problema nacional‖. Nas palavras de Beisiegel: Há diversos marcos significativos neste processo de inclusão da educação de todos os adolescentes e adultos analfabetos entre os objetivos da atuação do Estado no Brasil: a criação do Ministério da Educação e Saúde Pública, em 1930; a fixação da ideia de um plano nacional de educação, na constituição de 1934; a criação do Instituto Nacional de Estudos Pedagógicos, mo Ministério da Educação e Saúde, em 1938; os resultados do Recenseamento Geral do Brasil, de 1940; a instituição do Fundo Nacional de Ensino Primário, em 1942, e sua regulamentação em 1945; e acima de tudo, a criação de um Serviço de Educação e Saúde, em 1947, e a aprovação, nesse mesmo ano, de um plano nacional de educação supletiva para adolescentes e adultos analfabetos. Portanto, segundo Beisiegel, desde meados dos anos 1930, vários elementos prenunciam a entrada da educação de adultos na pauta nacional, mas é apenas em 1947 que ocorre um ―movimento nacional de mobilização de recursos contra o analfabetismo‖. Conta ainda para isso a influência da UNESCO, que nos anos posteriores à Segunda Guerra Mundial, vinha estimulando a realização de programas nacionais de educação de adultos analfabetos. A Campanha de Educação de Adultos, denominação geral que recebeu o conjunto de atuações desenvolvidas no campo da educação de adultos, sob coordenação do Ministério da Educação e Saúde, realizou-se em duas etapas: a primeira entre 1947 e 1950, quando se efetuaram as principais conquistas do movimento e a segunda entre 1951 e 1954, quando ela perde as características de um movimento de mobilização nacional assumindo a feição das práticas regulares das administrações públicas. Após o encerramento da existência oficial da Campanha em 1954, ―um outro empreendimento de maior vulto somente seria inaugurado em 1958‖, quando o Ministério da Educação e Cultura instituiu a Campanha Nacional de Erradicação do Analfabetismo. No início da década de 1960, as iniciativas relacionadas a educação de adultos tem como pano de fundo as chamadas ―Reformas de Base‖. Destacam-se no período a atuação do MEB; a propagação do Método Paulo Freire desenvolvido no Movimento de Cultura Popular de Recife/PE; a atuação movimento estudantil que, por meio da Comissão de Alfabetização da UNE, formulou uma Campanha Nacional de Educação de Adultos; as iniciativas do Governo Goulart que evoluíram para instituição do Programa Nacional de Alfabetização, em 1964. Na perspectiva de Beisiegel, o golpe militar de 1964 não encerra de forma abrupta todas as inciativas que se desenvolviam no campo da educação de adultos. Todavia, em