O compromisso de Dakar definiu marcos importantes na luta pela universalização da educação básica, compreendida como elemento central na conquista da cidadania. Todo objeto, quer seja de origem material, natural, industrializado, ou produzido pelo professor ou pelo aluno, criado para fins pedagógicos ou simplesmente criado para outros fins e apropriado pela escola, ao receber uma ação educativa pode proporcionar um conhecimento e estruturar o nosso pensamento acerca do mundo que nos rodeia. Não só os objetos, mas as expressões humanas como a música, o teatro, o cinema, com suas características artísticas próprias, também são utilizadas em nossas escolas como materiais didáticos, na busca de melhor transmissão dos conteúdos que devem ser ensinados aos alunos. A concepção apresentada por Fiscarelli alarga de modo bastante considerável o conceito de material didático, na medida em que abrange a totalidade dos objetos materiais, naturais, industrializados, ou produzidos pelo professor ou pelo aluno, com finalidade pedagógica ou outra, aproveitados pela escola e inseridos numa ação educativa. Uma acepção ampliada de material didático aparece também em um documento elaborado pelos pesquisadores do 'Institut National de Recherche Pédagogique' - INRP, da França, no qual, o universo de materiais didáticos que circulam no meio escolar, é organizado em três grupos de materiais: os suportes informativos, os documentos e as produções dos alunos. Os suportes informativos correspondem a todo produto impresso ou audiovisual elaborado com a intenção de comunicar elementos do saber das disciplinas escolares. Sua origem é a indústria cultural e são produzidos especialmente para a escola, caracterizando-se por uma linguagem própria, por uma construção técnica que obedece a critérios de idade, como vocabulários, extensão e formatação de acordo com princípios pedagógicos. Os documentos são todo o conjunto de signos, visuais ou textuais, que são produzidos em uma perspectiva diferente dos saberes das disciplinas escolares e posteriormente passam a ser utilizados com finalidade didática. Os documentos, diferentemente dos suportes informativos, foram produzidos inicialmente sem a intenção didática, almejando atingir um público mais amplo e que, por intermédio do professor e seu método, se transformam em materiais didáticos. As produções dos alunos são constituídas de textos escritos diversos como dissertações, narrativas, relatórios ou esquemas, painéis, mapas, maquetes, jogos, etc. Este tipo de produção por parte dos alunos consiste numa forma de criação de material didático resultante do domínio do conhecimento obtido no decorrer do processo de aprendizagem. (BITTENCOURT, 2008, pp 296-298) Nesse trabalho adotamos a concepção de que todo artefato, utilizado para fins educativos numa situação de ensino-aprendizagem é um material didático, seja ela uma situação de ensino numa instituição escolar ou não-escolar, como ocorre, por exemplo, na EJA, com as situações de educação informal, ou de educação não-formal. O conceito adotado possui uma abrangência significativa, permitindo incluir uma diversidade de sujeitos que atuam em sua produção, desde o professor e aluno em sala de aula, até os profissionais da editoração, ou produtores de tecnologias digitais. Isso não significa afirmar que o escopo desse trabalho seja mapear, na multiplicidade de experiências da EJA, ao longo de sua trajetória histórica, como essa ampla diversidade de recursos vem sendo produzida. Essa tarefa que, a nosso ver, é fundamental, exige um esforço coletivo de pesquisa, de levantamento e referenciamento de informações e documentos sobre a produção didática da EJA ao longo da história da educação. Como veremos, na maioria dos estudos consultados, as informações sobre os materiais didáticos, ocupam, por vezes, um espaço menor, ainda que valioso, para o pesquisador, tendo como foco os materiais impressos destinados à alfabetização. De modo geral, os métodos, as teorias, os relatos de experiências prevalecem nas abordagens. Os materiais didáticos ocupam, assim, um lugar secundário nos estudos. Também são escassas as menções a materiais didáticos que não sejam impressos como, por exemplo, as produções de alunos e professores e os objetos de manipulação. Os motivos para isso são vários, a começar pela dificuldade de preservação dos materiais visuais e audiovisuais, mas também certa mentalidade de que materiais mimeografados, manuscritos, elaborados por professores e de uso cotidiano, não eram documentos relevantes. Assim muitos materiais se perderam, ou foram destruídos, alguns pelo tempo, mas outros também em decorrência da repressão política aos movimentos de promoção da cultura popular durante a ditadura militar. Além disso, o mapeamento da produção de materiais didáticos para a EJA deve incluir os materiais utilizados em espaços não-escolares, o que exigiria a identificação de uma multiplicidade de movimentos e ações desenvolvidas por vários agentes. Por isso, mesmo reconhecendo que falar da EJA é dizer de ações de múltiplos sujeitos em muitos espaços, e que, pensar sobre o material didático da EJA, é conceber uma grande diversidade de suportes, as informações que obtivemos sobre a trajetória da produção de materiais didáticos para EJA, são na realidade, apenas uma visão parcial do quadro. Em geral, as experiências que deixaram produções didáticas vinculam-se a atuações do Estado, e de alguns sujeitos da sociedade civil, que melhor souberam deixar registros de sua atuação, ou que alcançaram escala, visibilidade e importância. É sobre este universo que desenvolvemos a seguir um relato dos momentos significativos de um processo marcado por intensificações e descontinuidades de ações de EJA. 1.2. Produção didática para a Educação de adultos: momentos significativos 1.2.1. Os anos 1940 e 1950: as primeiras iniciativas de âmbito nacional Na primeira Campanha de Educação de Adultos (CEA) lançada em 1947, a atuação do poder público, na produção ou no fomento à produção de materiais didáticos para o desenvolvimento da leitura, escrita, operações básicas de matemática, noções de cidadania, higiene e saúde, geografia e história, dentre outros, foi significativa. No período da realização da CEA, que se estende até meados dos anos 1950, a União realizou a articulação com os governos estaduais e municipais, e arregimentou o apoio da sociedade civil organizada envolvendo diferentes sujeitos na produção de recursos didáticos. Para coordenação da CEA foi organizado, e instalado no âmbito do Departamento Nacional de Educação, o Serviço de Educação de Adultos - SEA, que se desdobrava internamente nos setores de Administração, Planejamento e Controle, de Orientação Pedagógica e Relações com o Público. O objetivo primordial da CEA era a extensão das oportunidades de escolarização a todos os adolescentes e adultos analfabetos, principalmente, a difusão da aprendizagem da leitura e escrita, por meio do ensino supletivo. Além disso, entendia-se que a oferta do ensino supletivo deveria associar-se a outras dimensões da realidade para promoção social das comunidades. De acordo com Beisiegel (2004): 'Tratava-se, em primeiro lugar, de estender igualmente a todos os indivíduos (...) o acesso ao ensino primário. Ao promover esta extensão de oportunidades educacionais à massa iletrada, a direção central do movimento tinha em vista a mobilização das possibilidades de atuação do processo educativo na promoção do homem 'socialmente marginalizado'. A ação educativa da Campanha integraria o processo de elevação das condições gerais de vida do adulto iletrado de várias maneiras e em diferentes níveis de profundidade: mediante a difusão das técnicas básicas de comunicação – escrita e leitura – poria ao alcance de todos as possibilidades de acesso aos conhecimentos acumulados pela sociedade moderna nos diversos setores de atividades. De outro lado, acrescentando ao aprendizado destas técnicas um outro conjunto de conhecimentos básicos, especialmente nos campos de higiene, alimentação, saúde, cooperação no trabalho, conservação do solo e aproveitamento racional dos recursos da natureza, colocaria ao alcance de todos novas possibilidades de luta pela valorização das condições de produção de vida.' A produção do material didático destinado à CEA coube ao setor de Orientação Pedagógica do SEA. A produção e distribuição dos materiais didáticos era um dos compromissos assumido pela União, por meio de um acordo de cooperação, instrumento legal de relação entre o Ministério da Educação e Saúde com os estados da federação. A segunda cláusula dos 'Acordos Especiais' estabelecia como obrigação da União 'fornecer textos para a aprendizagem de leitura, educação da saúde, educação cívica'