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Insuficiência Hepática Os sinusóides hepáticos conduzem o sangue da circulação porta para a veia centrolobular (esta última pertencente ao sistema cava). Durante esta passagem, as toxinas endógenas ou exógenas podem penetrar nos hepatócitos para serem metabolizadas. Para isso, precisam passar pelas fenestras do endotélio do sinusóide e pelo espaço de Disse, entre o endotélio e o hepatócito. Este espaço representa o interstício lobular hepático e contêm as células mais importantes para a génese da cirrose hepática - as células estreladas. Estas células normalmente têm a função de armazenar vitamina A e outros derivados retinóicos, porém, podem se transformar em células altamente capazes de sintetizar colágeno e produzir citoquinas, e portanto perpetuar o processo de fibrose hepática progressiva e cirrose. Mas então o que é Cirrose Hepática? Cirrose Hepática é um processo patológico irreversível do parênquima hepático caracterizado por dois componentes: (1) fibrose hepática, (2) rearranjo da arquitetura dos hepatócitos nos chamados 'nódulos de regeneração'. É a resposta comum do parênquima hepático a qualquer estímulo lesivo persistente, representado, geralmente, por inflamação e necrose hepatocitária. O encontro dos 'nódulos de regeneração' circundados por fibrose confirma o diagnóstico histopatológico da cirrose hepática. Como a evolução da hepatite crónica para cirrose é um processo lento e progressivo, a biópsia hepática pode demonstrar áreas de cirrose lado a lado a áreas de atividade necroinflamatória. Esses 'nódulos de regeneração', na verdade, são uma 'tentativa frustrada' do fígado em recuperar a sua função. Os hepatócitos regenerados se agrupam em um novo arranjo, no qual inexiste a veia centrolobular e, portanto, não são mais capazes de substituir a função dos hepatócitos originais. O fígado com cirrose em estágio avançado é diferente do fígado normal à macroscopia. Quando o cirurgião opera o abdome de um cirrótico ou quando faz uma laparoscopia, pode notar um fígado de aspecto macronodular ou micronodular. O tamanho do fígado depende do grau de cirrose: nos casos mais avançados, a tendência é a redução e atrofia do órgão. Em relação à patogênese da cirrose hepática, muito se ganhou com o reconhecimento das células estreladas do espaço de Disse como protagonistas do processo. Pela agressão inflamatória continuada, essas células tornam-se ativadas, ou seja, perdem a capacidade de armazenar vitamina A e passam a sintetizar grande quantidade de substâncias da matriz conjuntiva, como as fibras colágenas, além de produzir e secretar citoquinas envolvidas na perpetuação da inflamação e principalmente na progressão da fibrose. São atraídas para o local diversas células que participam da gênese da cirrose: leucócitos, fibroblastos e plaquetas. Eventos que ocorrem no processo cirrótico: (1) o espaço de Disse começa a acumular uma grande quantidade de colágeno e a se espessar; (2) o endotélio sinusoidal perde as suas fenestras; (3) os hepatócitos perdem as suas microvilosidades; (4) as células estreladas contraem-se em volta dos sinusóides, reduzindo o seu calibre ou mesmo colabando-os. O resultado final é a menor captação de substâncias do sangue pelos hepatócitos e a dificuldade cada vez maior do sangue proveniente da circulação portal atingir a circulação cava. À medida que a cirrose vai se estendendo pelo fígado, o paciente vai evoluindo com a síndrome de hepatopatia crônica. A síndrome clínica da insuficiência hepática é semelhante, seja qual for a etiologia da doença hepática. Funções hepáticas: Metabolismo da bilirrubina; formação da bile Icterícia Metabolismo de carboidratos, lipídeos e proteínas Hipo e/ou hiperglicemia, redução da síntese de colesterol, redução da síntese de albumina(Ascite, edema). Síntese de fatores da coagulação coagulopatia, redução do TAP. Metabolismo de drogas e hormônios Sinais de hiperestrogenismo. Quais são as consequências da Cirrose Hepática? Encefalopatia Hepática O termo 'encefalopatia hepática' é uma síndrome neuro-psiquiátrica potencialmente reversível que pode surgir em pacientes portadores de hepatopatia crônica avançada ou na insuficiência hepática fulminante. A disfunção hepatocelular grave é um elemento primordial para o desenvolvimento da síndrome, porém, na cirrose hepática avançada, um outro fator deve ser considarado: a hipertensão portal, que desvia o sangue mesentérico para a circulação sistémica 'bypassando' os sinusóides hepáticos. Por isto a expressão tão freqüentemente usada - encefalopatia porto-sistêmica. As principais fontes de amónia intestinal são: (1) enterócitos - metabolismo do aminoácido glutamina, (2) bactérias colônicas - catabolismo de proteínas alimentares e da uréia secretada no lúmen intestinal. É importante ressaltar que o fígado normal depura quase toda a amônia presente no sistema porta. Os hepatócitos transformam este composto de alta toxicidade no aminoácido glutamina ou numa substância bem menos tóxica para o organismo - a uréia. A natureza 'metabólica' da disfunção cerebral é revelada pela sua reversibilidade (pelo menos parcial) e pela ausência de alterações neuropatológicas orgânicas que por si só poderiam explicar a síndrome. Apesar deste conceito irrefutável, a encefalopatia hepática crônica pode, de fato, produzir alterações orgânicas degenerativas no cérebro que provavelmente são consequências (e não causas) do processo patológico. Podemos citar algumas: Edema dos astrócitos protoplásmicos tipo II Necrose laminar das camadas profundas do córtex cerebral Degeneração da substância branca subcortical, dos gânglios da base e do cerebelo. Surge, nesses casos, degeneração de células nervosas e de fibras axonais do cérebro, cerebelo e medula espinhal, com áreas de cavitação microscópicas, conferindo a aparência esponjosa. Para este tipo de alteração patológica, emprega-se o termo 'degeneração hepatocerebral adquirida'. Quais são as substâncias incriminadas na gênese da encefalopatia hepática? A hiperamonemia é um achado quase universal na insuficiência hepática grave. A amônia é uma importante neurotoxina e provavelmente o mais importante 'vilão' da encefalopatia hepática. Outras neurotoxinas, como os mercaptanos e os ácidos graxos de cadeia curta potencializam o efeito neurotóxico da amônia. Vejamos alguns efeitos da amónia no metabolismo cerebral: (1) aumenta a captação de aminoácidos aromáticos pela barreira hemato-encefálica, (2) aumenta a osmolaridade das células gliais (astrócitos), fazendo com que estas células se tornem edemaciadas - edema cerebral do tipo celular, (3) inibe a atividade elétrica neuronal pós-sináptica. Os aminoácidos aromáticos dão origem aos neurotransmissores inibitórios do tipo serotonina, caracteristicamente aumentados na encefalopatia hepática. Um ponto importante da patogênese da encefalopatia hepática é a hiperatividade do sistema neutrotransmissor GABAérgico. O GABA (ácido gama-aminobutírico) é um neurotransmissor inibitório cujo receptor pós-sináptico pode ser estimulado pelos benzidiazepínicos e barbitúricos. De alguma forma as neurotoxinas e outros fatores aumentam a atividade deste sistema. Um fato curioso: foram identificados benzodiazepinas endógenas que se acumulariam em pacientes com encefalopatia hepática. Isto explica o porquê de alguns pacientes obterem melhora dos sintomas com o flumazenil - um antagonista benzodiazepínico. 2- Sinais e Sintomas São aqueles pacientes cirróticos avançados que internam com o que chamam de 'cirrose descompensada'. Na verdade, algum fator precipitante desencadeou a encefalopatia hepática e o paciente veio ao hospital, trazido por familiares, com um quadro de desorientação ou agitação psico-motora ou torpor ou estado de coma ('coma hepático'). A boa notícia é que a grande maioria destes pacientes melhora do quadro neurológico com a terapia voltada para a encefalopatia hepática e o controle do fator precipitante. Os estudos mostram que cerca de 80% dos pacientes cirróticos que 'descompensam' com encefalopatia hepática possuem um fator precipitante detectável. A encefalopatia hepática 'manifesta' compreende várias anormalidades neuropsiquiátricas tais como distúrbios de comportamento (agressividade, agitação ou letargia), inversão do ciclo sono-vigília (insónia com sonolência diurna), fala arrastada, 'hálito hepático' (ou fetor hepaticus), asterixis (= flapping), incoordenação muscular e hipertonia, escrita irregular, reflexos tendinosos exacerbados ou alentecidos, sinal de Babinski, crises convulsivas e postura de descerebração. O clássico sinal do asterixis é descrito como movimentos súbitos de contração lenta (semelhante ao 'bater de asas' =flapping) do tipo extensão-flexão do punho. O sinal é percebido quando as mãos do paciente são levemente estendidas e os dedos são abertos. As alterações eletroencefalográficas encontradas na EH (alentecimento global, ondas teta na fase précomatosa e ondas delta nas fases avançadas) não são patognomônicas, específicas ou possuem valor prognóstico, mas podem ser úteis na avaliação da resposta terapêutica. A EH manifesta é classicamente dividida em graus, que são descritos na tabela 5. Fatores precipitantes da encefalopatia: Obs.: O primeiro item está em negrito por ser a causa mais comum... O paciente cirrótico é propenso à hemorragia digestiva por vários motivos: (1) distúrbio da hemostasia – plaquetopenia + coagulopatia, (2) presença das varizes de esôfago, clássicas da hipertensão portal e (3) aumento do risco de úlcera péptica. Por que um sangramento digestivo pode desencadear encefalopatia hepática nesses doentes? O sangue liberado no tubo digestivo é digerido pelas bactérias colônicas. Do metabolismo da hemoglobina, forma-se mais amônia. Esta amônia é prontamente absorvida pelos enterócitos, desencadeando a EH. A hipocalemia promove a saída de K+ das células, em troca da entrada de H+. Consequentemente, o pH intracelular sofre uma pequena redução (acidose intracelular). Quando isto acontece nas células tubulares proximais do rim, a produção de amônia, a partir da glutamina, aumenta, já que a amônia (NH3) é uma substância fundamental para garantir a excreção renal de H+ (quando o pH intracelular está baixo, a célula tubular 'entende' que o paciente está acidótico e 'faz tudo' para aumentar a excreção renal de H+). O aumento da produção de NH3 pelos rins pode desencadear a EH. O pH plasmático mais alcalino converte a forma de amônia ligada ao H+, chamada amônio (NH4 +), na forma desligada (NH3). Esta última, por ser lipossolúvel, passa livremente na barreira hemato-encefálica, aumentando a impregnação cerebral da neurotoxina. As infecções são importantes fatores precipitantes de EH, por mecanismos pouco conhecidos. As infecções urinária e respiratória também são importantes, pela sua frequência. A dieta hiperprotêica pode desencadear EH por aumentar a produção de amônia pelas bactérias colônicas que metabolizam a proteína alimentar. A constipação intestinal, ao aumentar a proliferação dessas bactérias também pode precipitar o evento mórbido. Como Tratar a Encefalopatia Hepática? O tratamento da encefalopatia hepática baseia-se na redução da produção de amônia no cólon e no controle de qualquer fator precipitante possível. Sabemos que a amônia é produzida pelo metabolismo das bactérias colônicas, ao degradar a proteína alimentar e a uréia secretada no lúmen intestinal. Restrição Proteica: O primeiro passo, portanto, é a restrição de proteínas na dieta. Os pacientes com EH estágio III ou IV devem ficar em dieta zero nas primeiras 24-48h e, assim que começarem a se recuperar, a dieta oral deve conter cerca de 40g de proteínas por dia. Nos pacientes com EH estágio I e II ou nos pacientes 'compensados', a restrição protéica não deve ser tão importante, para evitar desnutrição. O recomendado é algo em torno de 70g/dia. Corrigir a Constipação: Como vimos, a constipação aumenta a proliferação bacteriana no cólon. Para combatê-la, o laxante mais utilizado é a lactulose oral (ver logo adiante), mas nos casos refratários, recomenda- se que a lactulose seja feita sob a forma de clister (com lactulose a 20%). Para fazer este clister, misturamos 300ml de lactulose com 700ml de água. A resposta costuma ser muito boa. Lactulose: A lactulose (ou beta-galactosidofrutose) é considerada a 'pedra mestra' na terapia da encefalopatia hepática aguda esporádica, tendo uma eficácia oscilando entre 80-90%. 2- Diagnóstico - O paciente tem Cirrose? 2.1- Anamnese e Exame Físico Os portadores de cirrose hepática podem se apresentar de variadas maneiras: — Hemorragia digestiva alta ou baixa. — Ascite. — Hepatomegalia e/ou esplenomegalia. — Detecção de estigmas periféricos de insuficiência hepatocelular crónica (FIGURA 4). — Assintomático, sendo o diagnóstico aventado à partir do achado acidental de anormalidades laboratoriais sugestivos da doença. — Sinais insipientes ou manifestos de encefalopatia hepática. — Sinais e sintomas sugestivos de carcinoma hepatocelular (CHC). Vale lembrar que os achados clínicos da síndrome de insuficiência hepatocelular crónica não são específicos de determinada etiologia, exceção feita aos seguintes sinais, que são sugestivos de etiologia alcoólica: •Entumescimento de parótidas; •Contratura palmar de Dupuytren (a palma da mão um pouco espessada) é bom ver uma imagem! •Neuropatia; •Pancreatite crônica associada. 2.2- Exames Laboratoriais Embora as alterações laboratoriais possam variar de acordo com a etiologia da cirrose hepática, existem certas anormalidades que sugerem a presença desta condição, independentemente da causa subjacente: •Aminotransferases: na cirrose inativa (ou seja, sem atividade inflamatória), as aminotransferases podem estar completamente normais. Quando aumentadas, sugerem a presença de alguma atividade inflamatória no parênquima hepático. Nesta situação, é típico o achado de uma relação AST (TGO)/ALT (TGP) > 1. 2.3- Diagnóstico por Exames de Imagem O papel da imaginologia na avaliação da cirrose hepática inclui (1) a caracterização das manifestações morfológicas da doença; (2) avaliação da vascularização hepática e extra-hepática; (3) detectar e estimar os efeitos da hipertensão portal; e (4) identificar tumores hepáticos, diferenciando o carcinoma hepatocelular (CHC) de outros tipos de tumor. Tendo estes objetivos em mente, várias técnicas de imagem podem ser utilizadas: •Ultrassonografia convencional do abdome (USG). •Ultrassonografia do abdome com Doppler (USGD). •Tomografia computadorizada do abdome (TC). •Ressonância magnética (RM). •Angiorressonância magnética (ARM). •Arteriografia com ou sem lipiodol (AG). Nas fases iniciais da cirrose hepática, todos estes exames podem ser normais. Já nas fases mais avançadas, a USG, TC e a RM podem detectar alterações sugestivas da doença: •Nodularidade da superfície hepática. •Heterogeneidade do parênquima hepático. •Redução volumétrica do lobo hepático direito e do segmento médio do lobo hepático esquerdo. •Aumento volumétrico do lobo caudado e do segmento lateral do lobo hepático esquerdo. •Identificação de nódulos regenerativos. Neste caso, a RM constitui método superior aos demais. Além disso, o carcinoma hepatocelular pode ser identificado, algumas vezes de maneira tão precoce que permita sua ressecção curativa ou transplante hepático. Neste sentido, a USG (e menos frequentemente a TC) é utilizada no rastreamento semestral de CHC em pacientes sabidamente cirróticos, juntamente com a dosagem sérica da alfafetoproteína. Em caso de dúvida diagnóstica, a AG com lipiodol pode ser empregada, dada sua alta especificidade para o diagnóstico de CHC. Este último método torna-se particularmente útil na presença de um nódulo parenquimatoso com características intermediárias entre CHC e nódulo regenerativo. A AG e a ARM podem ser usadas para o estudo do sistema porta e a identificação de possíveis shunts porto-sistêmicos secundários à hipertensão portal. 2.4- Biópsia Hepática O diagnóstico de cirrose hepática é fundamentalmente histológico, sendo baseado no achado de espessos e completos septos fibrosos porta-centro e porta-porta, os quais delimitam nódulos, resultando em uma completa desorganização da arquitetura lobular e vascular. A biópsia hepática, além de confirmar o diagnóstico presumido à partir de dados clínico-laboratoriais e imaginológicos, pode também fornecer dados sugestivos que permitam o diagnóstico etiológico com métodos imuno-histoquímicos modernos. 2.5- Classificação Funcional Embora a presença individual de complicações da cirrose hepática - hipertensão portal, ascite, encefalopatia, etc - não seja capaz de predizer acuradamente a sobrevida de um paciente cirrótico, vários autores têm proposto classificações funcionais e índices preditivos de sobrevida baseados em algumas variáveis clínicas e laboratoriais. A classificação funcional de Child-Turcotte modificada por Pugh é a mais largamente utilizada com estes objetivos. MELD O meld é um marcador de gravidade, sendo seus resultados bem reprodutíveis. Leva em consideração a creatinina, bilirrubina e o INR do paciente. Não considera ascite e encefalopatia hepática. Seus resultados vão de 6 a 40, sendo 40 um estágio eminentemente fatal. 3- Etiologia - Qual é a Causa da Cirrose? 4- Tratamento A cirrose hepática é considerada uma condição irreversível. Assim, seu tratamento seria primariamente baseado no manejo de suas complicações – encefalopatia hepática, hipertensão portal, ascite, etc. Entretanto, a eficaz abordagem dos pacientes cirróticos, realizada com o intuito de aumentar a sobrevida e melhorar sua qualidade de vida, vai além do tratamento destas complicações, englobando outras estratégias complementares. Sendo assim, o tratamento da cirrose hepática pode ser didaticamente em cinco pontos: •Terapia antifibrótica •Terapia nutricional •Tratamento específico segundo a etiologia •Tratamento das complicações da cirrose •Transplante hepático