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77 A Oxidação dos Ácidos Graxos A oxidação dos ácidos graxos de cadeia longa em acetil-CoA é uma via central liberadora de energia nos animais. Os elétrons removidos, durante a oxidação dos ácidos graxos, passam através da cadeia respiratória mitocondrial e a energia assim liberada é empregada na síntese de ATP. O produto desta oxidação, o acetil-CoA, pode ser completamente oxidado até CO2 através do ciclo do ácido cítrico, resultando na conservação de mais energia. Em alguns organismos o acetil-CoA produzido pela oxidação dos ácidos graxos tem destinos alternativos. No fígado dos animais vertebrados o acetil-CoA pode ser convertido em corpos cetônicos (combustíveis hidrossolúveis exportados para o cérebro e outros tecidos), quando a glicose não está disponível. As propriedades dos triacilgliceróis (também chamados triglicerídios ou gorduras neutras) os fazem especialmente apropriados para funcionarem como combustíveis de armazenamento. As longas cadeias alquila dos ácidos graxos que formam suas estruturas são, essencialmente, hidrocarbonetos, estruturas altamente reduzidas e com uma energia de oxidação completa, mais de duas vezes àquela derivada do mesmo peso de carboidratos ou proteínas. A relativa inércia química dos triacilgliceróis permite a sua estocagem intracelular em grandes quantidades sem o risco de ocorrerem reações químicas não desejadas com outros componentes celulares. As mesmas propriedades que fazem dos triacilgliceróis excelentes substâncias combustíveis e bons compostos de armazenamento representam problemas quando os mesmos atuam em seu papel de combustíveis. Devido à sua insolubilidade em água, os triacilgliceróis ingeridos precisam ser emulsificados antes de serem digeridos pelas enzimas intestinais hidrossolúveis e os triacilgliceróis absorvidos no intestino, ou mobilizados dos tecidos de reserva, para serem transportados pelo sangue precisam estar ligados a proteínas que contrabalancem sua insolubilidade. Digestão, mobilização e transporte dos ácidos graxos. As células que obtêm energia da oxidação de ácidos graxos podem obter esses mesmos ácidos graxos basicamente a partir de duas fontes: 1. gorduras presentes na alimentação; 2. gorduras armazenadas nas células na forma de gotículas gordurosas; e Os vertebrados obtêm gorduras através da ingestão delas na alimentação, mobilizam gorduras armazenadas em tecido especializado (tecido adiposo), e, no fígado, convertem os carboidratos em excesso da alimentação em gorduras, exportando-as para outros tecidos. Em média, nos países altamente industrializados, 40% ou mais da energia diária necessária a um ser humano é suprida pelos triacilgliceróis alimentares (embora a maioria dos guias nutricionais recomendem que não mais do que 30% da ingestão calórica diária seja constituída por gorduras). Os triacilgliceróis fornecem mais da metade das necessidades energéticas de alguns órgãos, particularmente o fígado, o coração e o músculo esquelético em repouso. Os triacilgliceróis armazenados são virtualmente a única fonte de energia dos animais em hibernação e dos pássaros durante a migração. Os protistas obtêm gorduras pelo consumo de organismos mais abaixo na cadeia alimentar, e alguns também armazenam gorduras em gotículas lipídicas citosólicas. As gorduras da dieta são absorvidas no intestino delgado Para serem absorvidos, através da parede intestinal, os triacilgliceróis ingeridos precisam ser convertidos de partículas gordurosas macroscópicas insolúveis em micelas microscópicas finamente dispersas. Os sais biliares, são sintetizados no fígado a partir do colesterol, estocados na vesícula biliar, e, depois da ingestão de uma refeição gordurosa, liberados no intestino delgado. Esses compostos anfipáticos agem como detergentes biológicos convertendo as gorduras alimentares em micelas mistas de sais biliares e triacilgliceróis. A formação de micelas aumenta enormemente a fração de moléculas lipídicas acessíveis à ação das lipases; enzimas lipossolúveis no intestino, e, a ação dessas lipases converte os triacilgliceróis em monoacilgliceróis (monoglicerídeos), diacilgliceróis (diglicerídios), ácidos graxos livres e glicerol. Esses produtos da ação das lipases difunde-se para o interior das células epiteliais que recobre a superfície intestinal interna (mucosa intestinal) (passo onde eles são reconvertidos em triacilgliceróis e agrupados com o colesterol da dieta e com proteínas específicas, formando agregados lipoprotéicos chamados quilomícrons. 78 Alguns hormônios desencadeiam a mobilização dos triacilgliceróis armazenados Quando alguns hormônios sinalizam que o organismo está necessitado de energia metabólica, os triacilgliceróis armazenados no tecido adiposo são mobilizados (quer dizer, retirados da armazenagem) e transportados para aqueles tecidos (músculo esquelético, coração e córtex renal) nos quais os ácidos graxos podem ser oxidados para a produção de energia. Os hormônios epinefrina e glucagon, secretados em resposta a níveis baixos de glicose no sangue, propiciam a ativação da lipase de triacilgliceróis hormônio-sensível, a qual catalisa a hidrólise de ligações ésteres dos triacilgliceróis. Os ácidos graxos assim liberados difundem-se do interior do adipócito para o sangue, onde se ligam à proteína soroalbumina. Esta proteína constitui perto de metade das proteínas do soro sangüíneo e, através de interações não-covalentes, liga perto de 10 moléculas de ácidos graxos por monômero. Ligados a esta proteína solúvel, os ácidos graxos, de outra forma insolúveis, são transportados para os tecidos como o músculo esquelético, o coração e o córtex renal. Aqui, os ácidos graxos dissociam-se da albumina e difundem-se para o citosol das células nas quais servirão como combustível. Perto de 95% da energia biologicamente disponível dos triacilgliceróis reside no seus três ácidos graxos de cadeia longa; apenas 5% é fornecido pelo glicerol. O glicerol liberado pela ação da lipase é fosforilado pela glicerol quinase e resulta em glicerol-3-fosfato que é oxidado em diidroxiacetona fosfato. A enzima glicolítica triose fosfato isomerase converte este composto em gliceraldeído-3-fosfato, que é oxidado através da via glicolítica. 79 Os ácidos graxos são ativados e transportados para o interior das mitocôndrías As enzimas da oxidação dos ácidos graxos nas células dos animais estão localizadas na matriz mitocondrial. Os ácidos graxos livres que, provindos do sangue, entram no citosol das células não podem passar diretamente para o interior das mitocôndrías, através de suas membranas, sem sofrerem antes uma série de três reações enzimáticas. A primeira é catalisada por uma família de isoenzimas presentes na membrana mitocondrial externa, as acil-CoA sintetases, que promovem a formação de uma ligação tioéster entre o grupo carboxila do ácido graxo e o grupo tiol da coenzima A para liberar um acil-CoA graxo; simultaneamente, o ATP sofre clivagem em AMP e PPi. Os ésteres dos acil-CoA graxos formados na membrana mitocondrial externa não cruzam a membrana mitocondrial interna intacta. Assim, o grupo acil-graxo é transientemente ligado ao grupo hidroxila da carnitina e o derivado acil-carnitina graxo é transportado através da membrana mitocondrial interna por um transportador específico acil-carnitina/carnitina. No terceiro e último passo do processo de entrada, o grupo acil-graxo é transferido enzimaticamente da carnitina para a coenzima A intramitocondrial pela carnitina aciltransferase II. Esta isoenzima está localizada na face interna da membrana mitocondrial interna, onde ela regenera o acil-CoA graxo e libera-o, juntamente coma carnitina livre, na matriz mitocondrial. A carnitina reentra no espaço entre as membranas mitocondriais interna e externa através do transportador acil- carnitina/carnitina. 80 Beta-oxidação A oxidação mitocondrial dos ácidos graxos ocorre em três estágios. No primeiro estágio, β- oxidação, os ácidos graxos sofrem a remoção oxidativa de sucessivas unidades de dois átomos de carbono na forma de acetil começando pela extremidade carboxila da cadeia do ácido graxo. Por exemplo, o ácido palmítico, que é o ácido graxo com cadeia de 16 átomos de carbono, sofre sete passagens através desta seqüência oxidativa, perdendo, em cada uma dessas passagens, dois átomos de carbono como acetil-CoA. Ao final destes sete ciclos os últimos dois carbonos do palmitato estão na forma de acetil-CoA. O resultado geral e final é a conversão da cadeia de 16 átomos de carbono do palmitato em 8 moléculas de acetil-CoA, cada uma com dois carbonos. A formação de cada molécula de acetil-CoA requer a ação de desidrogenases para a remoção de 4 átomos de hidrogênio (dois pares de elétrons e 4 H+) da porção acil-graxo da molécula. No segundo estágio da oxidação do ácido graxo os resíduos acetila do acetil-CoA são oxidados até CO2, através do ciclo do ácido cítrico, processo que também ocorre na matriz mitocondrial. As moléculas de acetil-CoA derivadas da oxidação dos ácidos graxos entram nesta via final de oxidação juntamente com as moléculas de acetil-CoA derivadas da glicose, através da glicólise e da oxidação do piruvato. Os primeiros dois estágios do processo de oxidação de um ácido graxo produzem os transportadores de elétrons reduzidos NADH e FADH2 que, em um terceiro estágio, transferem os elétrons para a cadeia respiratória mitocondrial, através da qual estes elétrons são transportados até o oxigênio. Acoplada a este fluxo de elétrons está a fosforilação do ADP para a ATP. Em um ciclo da seqüência de reações de oxidação dos ácidos graxos, a cadeia longa do acil-CoA graxo é diminuída por dois átomos de carbono, através da retirada de uma molécula de acetil-CoA, dois pares de elétrons e quatro H+. Após a remoção de uma unidade de acetil-CoA do palmitoil-CoA resta o tioéster de coenzima A do ácido graxo encurtado, neste exemplo o miristato com 14 átomos de carbono. Este miristoil-CoA pode, agora, entrar na seqüência de β-oxidação e sofrer outro conjunto de quatro reações, de forma exatamente análoga ao primeiro conjunto, liberando uma segunda molécula de acetil-CoA junto com o lauroil-CoA, o tioéster do laurato, com 12 átomos de 81 carbono. Em conjunto, são necessárias sete passagens através da seqüência de β-oxidação para oxidar uma molécula de palmitoil-CoA em 8 moléculas de acetil-CoA . A equação global final é: Palmitoil-CoA + 7CoA + 7FAD + 7NAD+ + 7H2O → 8 acetil-CoA + 7FADH2 + 7NADH + 7H+ Cada molécula de FADH2 formada durante a oxidação dos ácidos graxos doa um par de elétrons para a cadeia respiratória; gerando duas moléculas de ATP na fosforilação oxidativa. De maneira similar, cada molécula de NADH formada fornece um par de elétrons para a NADH desidrogenase mitocondrial; a transferência subseqüente de cada par de elétrons até o O2 resulta na formação de três moléculas de ATP. Desta forma, cinco moléculas de ATP são sintetizadas para cada uma das unidades de dois carbonos removidas em uma passagem através da seqüência que ocorre nos tecidos animais, tais como o fígado e o coração. Note que a água também é produzida neste processo. Cabe ressaltar que a oxidação dos ácidos graxos nos animais hibernantes fornece energia metabólica, calor e água - todos essenciais para a sobrevivência de um animal que não come e não bebe por longos períodos. Acetil-CoA pode ser completamente oxidado através da via do ácido cítrico. O acetil- CoA produzido na oxidação dos ácidos graxos pode ser oxidado a CO2 e H2O pelo ciclo do ácido cítrico. Cada grupamento acetil-CoA que entra no ciclo de Krebs para ser oxidado gerará 3NADH, 1FADH2 e 1ATP, ou seja, cada acetil CoA é capaz de gerar 12ATP. Assim sendo, o rendimento energético de oxidação de uma molécula de palmitato é de 131ATP. Entretanto, como a ativação do palmitato em palmitoil-CoA consome dois equivalentes energéticos de ATP, o ganho líquido por molécula de palmitato é igual a 129 moléculas de ATP. 82 83 A concentração do malonil-CoA, o primeiro intermediário na biossíntese citosólica dos ácidos graxos de cadeia longa, a partir do acetil-CoA (Capítulo 20), aumenta sempre que o animal é bem suprido com carboidratos; qualquer excesso de glicose que não pode ser oxidado ou armazenado como glicogênio é convertido em ácidos graxos citosólicos para estocagem, na forma de triacilglicerol. A inibição da carnitina aciltransferase I pelo malonil- CoA assegura que a oxidação dos ácidos graxos seja diminuída sempre que o fígado tenha amplo suprimento de glicose como combustível e está fabricando ativamente triacilgliceróis a partir dessa glicose em excesso. Corpos cetônicos. Durante a oxidação dos ácidos graxos no fígado dos seres humanos e da maioria dos outros mamíferos, o acetil-CoA formado pode entrar no ciclo do ácido cítrico, ou pode ser convertido nos chamados "corpos cetônicos", ou seja, em acetoacetato, D-β-hidroxibutirato e acetona, que são exportados para outros tecidos através da circulação sangüínea (o termo "corpos" é um artefato histórico; esses compostos são solúveis no sangue e na urina). A acetona, produzida em menores quantidades que outros corpos cetônicos, é exalada. O acetoacetato e o β-hidroxibutirato são transportados pelo sangue para os tecidos extra-hepáticos, por exemplo os músculos esqueléticos, cardíaco e córtex renal, onde eles são oxidados através da via do ciclo do ácido cítrico para fornecer a maior parte da energia requerida por esses mesmos tecidos. O cérebro, que normalmente utiliza apenas a glicose como combustível, em condições de fome, quando a glicose não é disponível, pode adaptar-se para usar o acetoacetato ou o hidroxibutirato na obtenção de energia. A disponibilidade de oxaloacetato para iniciar a entrada de acetil-coA no ciclo do Ácido cítrico é o principal fator determinante da via metabólica que será tomada pelo Acetil-CoA na mitocôndria hepática. Em algumas circunstâncias (como o jejum), as moléculas de oxaloacetato são retiradas do ciclo do ácido cítrico e empregadas na síntese de moléculas de glicose (gliconeogênese). Quando a concentração de oxaloacetato está muito baixa, pouco acetil-CoA entra no ciclo de Krebs e, assim, a formação de corpos cetônicos é favorecida. A produção dos corpos cetônicos pelo fígado e sua exportação para os tecidos extra-hepáticos em geral permitem a oxidação continuada dos ácidos graxos no fígado, mesmo quando o acetil-CoA não está sendo oxidado através do ciclo do ácido cítrico. A superprodução de corpos cetônicos pode ocorrer em condições de jejum severo ou de diabetes não-controlado por tratamento. No diabetes e durante o jejum a produção dos corpos cetônicos é exagerada A produção e a exportação dos corpos cetônicos pelo fígado permitem a oxidação continuada dos ácidos graxos, mesmo com uma oxidação mínima do acetil-CoA no próprio fígado. Quando, por exemplo, os intermediários do ciclo do ácido cítrico estão sendo empregados para a síntese da glicose, através da gliconeogênese, a oxidação dos intermediários do ciclo do ácido cítrico diminui e o mesmo ocorre com a oxidação do acetil-CoA. Ainda mais, o fígado contém uma quantidade limitada de coenzima A e, quando a maior parte dela está ligada nas moléculas do acetil- CoA, a β-oxidação dos ácidos graxos diminui de velocidade por falta desta coenzima livre. A produção e a exportação dos corpos cetônicos liberam a coenzima A, permitindo que a oxidação dos ácidos graxos continue. Um jejum severo e prolongado, ou um diabetes melito não-tratado, levam a uma superprodução de corpos cetônicos à qual se associam problemas médicos muito sérios, Durante o jejum, a gliconeogênese retira a maior parte dos intermediários do ciclo de Krebs, divergindo o acetil-CoA para a produção de corpos cetônicos. No diabetes não-tratado, a insulina está presente em quantidade insuficiente e os tecidos extra-hepáticos não conseguem captar a glicose do sangue de forma eficiente. Para aumentar o nível da glicose sangüínea, a gliconeogênese no fígado é acelerada, o que também ocorre com a oxidação dos ácidos graxos no fígado e nos músculos, resultando em uma produção de corpos cetônicos em quantidade acima da capacidade de sua oxidação pelos tecidos extra-hepáticos. O aumento nos níveis sangüíneos do acetoacetato e D- 84 β-hidroxibutirato diminui o pH do sangue, provocando uma condição conhecida como acidose. Uma acidose extrema pode provocar o coma e, em não raros casos, a morte. Os corpos cetônicos no sangue e na urina de diabeticos podem atingir níveis extraordinaraimente altos, esta condição é conhecida como cetose. Como as pessoas diabéticas não-tratadas produzem grandes quantidades de acetoacetato, o seu sangue contém quantidades significativas de acetona. A acetona é volátil e confere um odor característico ao ar expirado, o que, às vezes, é útil no diagnóstico da severidade da doença.