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ISBN: 85-11-12010-6 Conversas sobre o Invisivel Cole@o Primeiros Passos Especrrla@es sohe o rrniverso J. AdouzelM. CasEl 0 que i Ci9ncia J.-C. Carrisre Carlos Lungarzo 0 Culto da Informa@o Theodore Roszak 0 que 6 Dialitica Leandro Konder A Demoli@o do Homem 0 que i Filosofia Komad hrenz Caio Prado Jr . Dialitica do Conhecimento 0 que i Wgica Caio Prado Jr. Carlos Lungarzo 0 s Oito Pecados Mo& do 0 que i Realidade Homem Civilizado J o a Francisco Duarte Jr . Komad hrenz' 0 que i Teoria Primeira Filosofia Otaviano Pereua Vol. 1 - kpectos histo'ricos Vol. 2 - Tcipicos gerais Vkios autores A Sociedade Infodt ica Adam Schaff Trabalho e Refleso Josi Arthur Gianotti RUBEM A LVES FILOSOFIA D A CIENCIA INTRODUCAO A 0 JOG0 E SUAS REGRAS 20g rdicdo editora brasiliense 0 SENSO COMUM E A CIBNCIA (I) A . 1 0 que 6 que as pessoas comuns pensam quando as palavras citncia ou cientista s6o mencionadas? Fasa voct mesmo um exercicio. Feche os olhos e veja que imagens vtm B sua mente. A .2 As imagens mais comuns s5o as seguintes: o gtnio louco, que inventa coisas fanthsticas; o tipo exctntrico, ex-ctntrico, fora do centro, manso, distrafdo; o individuo que pensa o tempo todo sobre f6rmulas incompre- ensiveis ao comum dos mortais; alguem que fala com autoridade, que sabe sobre que esti falando, a quem os outros devem ouvir e . . . obedecer. A . 3 Veja as imagens da citncia e do cientista que aparecem na televis60. 0 s agentes de propaganda n6o s8o bobos. Se eles usam tais ims- gens 6 porque eles sabem que elas $60 eficientes para desencadear decis6es e comportamentos. B o que foi dito antes: cientista tem autoridade, sabe sobre o que esti falando e os outros devem ouvi- lo e obedect-lo. Dai que imagem de citncia e cientista pode e 6 usada para ajudar a vender cigarro. Veja, por exemplo, os novos tipos de cigarro, produzidos cientificamente. E os laborat6rios, microsc6pios e cientistas de aventais imaculadamente brancos 0 SENSO COMUM E A CIENCIA (I) 11 olhos e a c a b e ~ a dos telespectadores. E hb cientistas iam pasta de dente, rem6dios para caspa, varizes, e um mito. E todo mito C perigoso, porque ele induz o comportamento e inibe o pensamento. Este 6 um dos resul- (e trigicos) da ciencia. Se existe uma classe pensar de maneira correta (0s cientistas), os s6o liberados da obriga@io de pensar e podem o que os cientistas mandam. Quando o m6d.ico voct faz perguntas? Sabe como os medicamentos e voct se pergunta se o medico sabe como os onam? Ele manda, a gente compra e toma. o pensamos. Obedecemos. N60 precisamos pensar, porque acre- iduos especializados e competentes em pensar. amos para que ele pense por n6s. E depois ainda dizem por ai vivemos em uma civiliza$io cientifica. . . 0 que eu disse dos voct pode aplicar a tudo. 0 s economistas tomam decisdes de obedecer. 0 s engenheiros e urbanistas dizem como ser as nossas cidades, e assim acontece. Dizem que o ilcool que nossos autom6veis continuern a trafegar, ra para que a palavra dos tCcnicos se cumpra. de contas, para que serve a nossa cabe~a? -4inda podemos de mais nada C necessirio acabar com o mito de que o e pensa melhor do que as outras. 0 fato a pessoa ser muito boa para jogar xadrez n io significa que o que os n8ojogadores. Voct pode ser ialista em resolver quebra-cabqas. Isto n60 o torna mais o na arte de pensar. Tocar piano (como tocar qualquer nto) 6 extremamente complicado. 0 pianista tem de uma sCrie de t6cnicas distintas - oitavas, sextas, tergas, legatos, staccatos - e coordeni-las, para que a execu~50 e equilibrada. Imagine um pianista que e bem esta palavra, um dos sernideuses, a tCcnica dos trinados apenas. 0 que vai C que ele seri capaz de fazer trinados como ningu6m - 12 RUBEM ALVES 0 SENSO COMUM E A ClENCIA (1) 13 s6 que ele nHo sera capaz de executar nenhuma musics. Cientistas sSio como pianistus que resolveram especializar-se numa te'cnica sd. Imagine as virias divis8es da ciCncia - fisica, quimica, biologia, psicologia, sociologia - como tCcnicas especializadas. No inicio pensava-se que tais especializaq8es produziriam, miraculosamente, urna sinfonia. Isto nPo ocorreu. 0 que ocorre, freqiientemente, 6 que cada mdsico C surdo para o que os outros estHo tocando. Fisicos n lo entendem os soci6logos, que n l o sabem traduzir as afirmaq6es dos biblogos, que por sua vez n io compreendem a linguagem da economia, e assim por diante. A especializaqio pode transformar-se numa perigosa fraqueza. Um animal que s6 desenvolvesse e especializasse os olhos se tornaria um gCnio 1-10 mundo das cores e das formas, mas se tornaria incapaz de perceber o mundo dos sons e dos odores. E isto pode ser fatal para a sobrevivCncia. 0 que eu desejo que vocC entenda 6 o seguinte: a ciCncia C urna especializaqHo, um refinamento de potenciais comuns a todos. Quem usa um telesc6pio ou um microsc6pio vC coisas que nPo poderiam ser vistas a olho nu. Mas eles nada mais s l o que extenso'es do olho. NHo sHo 6rgHos novos. SHo melhoramentos na capacidade de ver, comum a quase todas as pessoas. Um instru- mento que fosse a melhoria de um sentido que nHo temos seria totalmente inutil, da mesma forma como telesc6pios e microsc6pios s io inuteis para cegos, e pianos e violinos sHo inuteis para surdos. A ciCncia nHo C um 6rgHo novo de conhecimento. A citncia C a hipertrofia de capacidades que todos tCm. Isto pode ser bom, mas pode ser muito perigoso. Quanto maior a visio em profundi- dade, menor a visHo em extensgo. A tendCncia da especializaqHo C conhecer cada vez mais de cada vez menos. A aprendizagem da ciCncia C um process0 de desenvolvimento progressivo do senso comum. S6 podemos ensinar e aprender par- tindo do senso comum de que o aprendiz disp6e. "A aprendizagem consiste na manuten~To e modifica~50 de capacidades ou habilidades ja possuidas pel0 aprendiz. Por exemplo, na ocasiHo em que urna pessoa que esti aprendendo a jogar tinis tem a forqa fisica para segurar a raquete, ela j i rlesenvolveu a coordenaqio inata dos olhos com a mHo, a ponto de ser capaz de bater na bola com a raquete. Na verdade, corn a prgtica ela aprende a bater melhor na bola. . . Mas bater na bola com a raquete nHo C parte do aprendizado do jog0 de tenis. Trata-se, ao contririo, de urna habilidade que o jogador possui antes de sua primeira liqHo e que C modificada na medida em que ela aprende o jogo. I2 o refinamento de urna habilidade j i possuida pela pessoa" (David A. Dushki (org.). Psychology Today - An Intro- duction. p. 6 5 ) . 0 que C senso comum? Esta express20 nHo foi inventada pelas pessoas de senso comum. Creio que elas nunca se preocuparam em se definir. Um negro, em sua pitria de origem, nHo se definiria como pessoa "de cor". Evidentemente. Esta express50 foi criad.a para os negros pelos brancos. Da mesma forma a express50 "senso comum" foi criada por pessoas que se julgam acima do senso comum, como urna forma de se diferenciarem das pessoas que, segundo seu critkrio, s l o intelectualmente inferiores. Quando um cientista se refere ao senso comum, ele esti, obviamente, pensando nas pessoas que n%o passaram por um treinamento cientifico. Vamos pensar sobre urna destas pessoas. Ela C urna dona-de-casa. Pega o dinheiro e vai ii feira. NHo se formou em coisa alguma. Quando tem de preencher formulibios, diante da informaqgo "profissHo" ela coloca "prendas domtsticas" ou "do lar". Uma pessoa comum como milhares de outras. Vamos pensar em como ela funciona, 16 na feira, de barraca em barraca. Seu senso comum trabalha com problemas econdmicos: como ade- quar os recursos de que dispde, em dinheiro, i s necessidades de sua familia, em comida. E para isto ela tem de processar uma sCrie & informaqdes. 0 s alimentos oferecidos sHo classificados em i~:dispensiveis, desejheis e supCrfluos. 0 s preqos sPo comparados. A estaqHo dos produtos C verificada: produtos fora de esta~Ho sHo mais caros. Seu senso econ6mic0, por sua vez, esti acoplado a outras ciCncias. Cikncias humanas, por exemplo. Ela sabe que alimentos nHo sHo apenas alimentos. Sem nunca haver lido Veblen ou LCvi-Strauss, ela sabe do valor simb6lico dos alimentos. U q a refeiqCo C urna didiva da donade-casa, um presente. Com a refeis8o