pois se caracteriza pela interferência de vários sujeitos em sua produção, circulação e consumo. Além disso, pode assumir funções distintas, de acordo com o lugar, das condições, do momento histórico em que é produzido, da maneira como é utilizado nas várias situações escolares. Nesse sentido, o livro didático é um objeto multidimensional, que pode ser estudado como produto cultural fabricado por técnicos que definem seus aspectos físicos, como suporte de conteúdos escolares prescritos pelos currículos oficiais, como instrumento pedagógico, e um veículo de valores ideológicos e culturais. Para uma análise dos livros didáticos Bittencourt aponta quatro aspectos básicos: a identificação dos valores e da ideologia de que é portadora a obra didática; a forma pela qual ele se apresenta (capa, materiais anexos, qualidade do papel e das reproduções, a quantidade e disposição das ilustrações na página, a identificação dos agentes que atuaram em sua produção, a apresentação gráfica e etc.); a forma de explicitação e organização dos conteúdos escolares; e a articulação entre a informação e aprendizagem, ou seja, a concepção de conhecimento expressa no livro por meio dos conteúdos pedagógicos ou do método de aprendizagem. Para Bittencourt (2008), considerando em especial as pesquisas sobre a produção didática de História, a preocupação atual dos pesquisadores tem recaído sobre a compreensão das relações entre conteúdo escolar e métodos de ensino expressos nesse material pedagógico, dos enlaces entre conteúdo e livro didático como mercadoria, dos vínculos entre políticas públicas educacionais e processos de escolha desses livros pelos professores e dos diferentes usos que estudantes e docentes fazem do material em contextos de ensino e aprendizagem. Como já assinalado, o contínuo desenvolvimento e ampliação do campo da pesquisa resultaram na segunda metade dos anos noventa, na realização de um balanço acerca das pesquisas sobre livros didáticos no Brasil. No balanço proposto, Munakata (s/d) distingue duas formas de pesquisas que se desenvolvem na área de investigação sobre livros didáticos no Brasil, a partir dos vínculos existentes ou não com centros de pesquisa. A primeira forma é aquela situada nos centros de pesquisa e entidades afins, dos quais muitos mantêm contatos entre si ou vínculos com congêneres internacionais, e, cujas pesquisas se caracterizam por uma constante atualização bibliográfica e metodológica. A segunda forma compõe a grande maioria das pesquisas da área que se caracterizam por estarem afastadas dos grandes centros, e por serem dispersas e "amadoras", na medida em que desconhecem a bibliografia e ignoram as pesquisas similares. Dentre as pesquisas que Munakata qualifica como exemplos da "maturidade" da pesquisa na área de livros didáticos, o autor identifica as seguintes tendências dos estudos: diversificação dos campos científicos e acadêmicos aos quais as pesquisas se vinculam com pesquisadores vindos da biblioteconomia, editoração, lingüística, semiótica; desvinculação entre a área de proveniência dos pesquisadores e a do livro didático a ser analisado; o exame das condições materiais efetivas e dos trabaladores envolvidos na produção do livro didático; a análise de aspectos editoriais tais como a diagramação e as propriedades textuais do livro didático; a investigação das editoras e suas estratégias de circulação dos livros didáticos; estudos sobre os usos do livro didático na sala de aula pelo professor; pesquisas históricas que levam em consideração a história do livro e da leitura e a história das disciplinas escolares. Numa avaliação feita na década de 90 Choppin (1992, p.200) apontava que era sempre o conteúdo dos livros escolares que retinha principalmente a atenção dos pesquisadores. Esta situação foi modificada com ampliação do campo de pesquisa sobre os livros didáticos. Uma década depois em um artigo em que propõe um balanço sobre o estado da arte da pesquisa histórica sobre os livros e edições didática Choppin (2004), avalia que são múltiplos os aspectos abordados nas pesquisas, que poderiam ser agrupados em duas grandes categorias: aquelas que analisam os conteúdos dos livros, e aquelas que analisam o livro como objeto físico, produto fabricado, comercializado, distribuído, como um utensílio concebido em função de determinados usos, consumido e avaliado num dado contexto. Segundo Choppin: A análise científica dos conteúdos é marcada por duas grandes tendências: a primeira, por muito tempo privilegiada pelos pesquisadores e que continua ainda na atualidade, refere-se a crítica ideológica e cultural dos livros didáticos; a segunda, mais recente, mas que tem sido cada vez mais considerada desde o final da década de 70, analisa o conteúdo dos livros segundo uma perspectiva epistemológica ou propriamente didática. (CHOPPIN, 2004, p.555) Na avaliação de Choppin as dificuldades que se apresentavam aos sistemas educativos nos anos 70 provocaram novas indagações dos pesquisadores acerca das finalidades do ensino, sobre os conteúdos e métodos de ensino e aprendizagem. Disso resultaram novas indagações de natureza didática e epistemológica sobre os livros didáticos, tais como: Quais discursos os livros sustentam sobre uma determinada disciplina? Qual a concepção de história, concepção de ciência, lingüística, assumem ou representam? Qual o papel atribuído às disciplinas escolares? Quais os critérios de seleção e organização dos conhecimentos e conteúdos escolares? Como eles são organizados e expostos? Que métodos de aprendizagem são assumidos nos livros didáticos? (CHOPPIN, 2004, p.558) Os estudos que assumiam uma perspectiva de análise didática e epistemológica, segundo Choppin, se baseavam "em uma disciplina de referência que possui suas próprias finalidades, seus conteúdos de ensino, seus métodos de aprendizagem específicos". Em geral, esses estudos tomavam como objeto os livros didáticos de história ou de leitura, mas novas disciplinas com a matemática, gramática, química, física, tem sido objeto de trabalhos mais numerosos. Como últimas transformações da análise de conteúdo dos livros didáticos, Choppin assinala na década de 80 a passagem da análise textual para a análise da iconografia didática, decorrente dos avanços da semiótica, da história das mentalidades, e das questões oriundas de preocupações sobre a difusão da ciência; e na década de 90 a crescente atenção dada pelos educadores, e em escala menor, dos historiadores de livros didáticos, sobre a função instrumental do livro didático. Sob esse aspecto Choppin adverte que para a análise dos aspectos pedagógicos dos livros didáticos é necessário uma leitura holística de todos os elementos que caracterizam essas obras, tais como o prefácio, as notas de rodapé, os resumos, a formulação dos títulos e subtítulos dos capítulos, os sumários, o léxico, os índex, e o próprio título dos livros. Além disso, recomenda uma análise das características "formais" do livro didático que engloba a organização interna dos livros sua divisão em partes, capítulos, parágrafos, as diferenciações tipográficas (fonte, corpo de texto, grifos, tipo de papel, bordas, cores, etc.) e suas variações, a distribuição e a disposição espacial dos diversos elementos textuais e icônicos no interior de uma página (ou uma página dupla). Os procedimentos metodológicos de análise didática e epistemológica do conteúdo do livro didático já haviam sido detalhados por Choppin num capítulo de seu livro de 1992, "Les Manuels Scolaires: histoire et actualité", intitulado "Como ler um manual escolar?". Segundo Choppin a organização interna de um livro didático responde certas regras, sobretudo, não escritas, que dirigem a leitura impondo, sem que o leitor tenha consciência, as condições de sua utilização. São três elementos indissociáveis e que exigem uma aprendizagem específica sobre suas funções: o texto, o co-texto e o para-texto. Comparando com um romance onde o texto é composto de um corpo único, organizado em parágrafos com a mesma justificação, sem separações exceto das linhas e parágrafos, organizados em capítulos numerados para uma leitura contínua, Choppin afirma que nos livros didáticos os textos não têm a mesma origem e possuem um estatuto diverso, pois são constituídos de textos de vários tipos: narrativos, descritivos, explicativos, imperativos, históricos, e documentos. Por sua vez, a reunião de textos diversos adquire coerência na "li